A colaboração da Escola foi notável,
pela qualidade e variedade dos trabalhos apresentados.
Da colaboração da Santa Casa da
Misericórdia, partilho uma história que me foi contada pela Tia Maria dos
Anjos, do Vale da Figueira:
O primeiro milagre de Santo António
Contam os antigos que uma vez a família do Santo
António foi convidada para uma boda. Era o casamento de um parente muito chegado
e eles faziam todo o gosto em ir. Mas estava-se nas entradas do outono, a eira
cheia de milho miúdo a secar, e os pardais à volta, a quererem comer nele. Se
fossem, quando voltassem, estavam sujeitos a ver o milho comido e a não terem
pão para o ano inteiro.
Depois de muito hesitarem, decidiram que os pais iriam
à boda, mas o filho ficava a guardar o milho da eira. O menino ficou muito
triste porque nunca tinha ido a uma boda e queria saber como era. Chorou,
chorou, mas não conseguiu convencer os pais a deixarem-no ir.
-
Não chores, Toninho, que quando a gente vier traz-te uma prenda.
-
Mas eu não quero prenda nenhuma; quero é ir com vossemecês à boda…
-
Tu não vês que se abalamos todos, os pardais comem o milho e ficamos sem pão
para todo o ano?
Não valeram de nada os choros. Quando os pais abalaram,
o menino sentou-se numa pedra ao pé da eira e pôs-se a pensar numa maneira de
poder ir também à boda. Pensou, pensou e de repente teve uma ideia: «Já sei!
Vou fechar os pardais todos no bardo das ovelhas e assim eles já não chegam ao
milho».
Se bem o pensou, melhor o fez. Meteu-se dentro do
bardo e pôs-se a assobiar. Os pássaros todos das redondezas começaram a
aproximar-se e a voar à roda dele. Depois sentou-se e os pássaros poisaram
todos no chão. Com jeito, saiu do bardo, fechou a cancela e foi vestir a capa
dos dias de festa.
Para chegar ao sítio da boda tinha que atravessar um
rio muito grande, mas quando ia a entrar no barco o barqueiro perguntou-lhe
assim:
-
Ó meu menino, quem és tu? E para onde é que vais com uma capa tão linda?
-
Eu chamo-me António e vou a ter com os meus pais que foram a uma boda lá na
outra banda.
-
Ah! Então ele és tu o António?! Mas os teus pais passaram aqui de manhã e
deram-me ordens para não te deixar passar para o lado de lá, que tinhas ficado
a guardar o milho na eira…
- Mas eu fechei os pardais todos dentro dum bardo e
assim eles já não comem o milho!
O barqueiro riu-se daquela graça, mas negou-se a
atravessar o cachopinho.
Ele bem rogou, chorou, prometeu dar-lhe uma moeda, mas
não conseguiu convencê-lo.
-
Escusas de ateimar que não te atravesso para o lado de lá. Ordens são ordens!
Se queres atravessar o rio, tens que ir a nado.
Mas Santo António não desistiu. Despiu a capa,
estendeu-a em cima da água e amontou-se em cima dela. Passado pouco tempo,
estava do outro lado e o barqueiro a olhar, pasmado, sem querer acreditar no
que os seus olhos estavam a ver.
Quando chegou à boda e os pais encararam com ele,
deitaram as mãos à cabeça.
- Então tu vens lá, alma de Deus? Então nós não te
recomendámos que ficasses a guardar a eira? Que desgraça a nossa que a estas
horas já temos os pardais todos à roda do milho!
-
Não se preocupem, meus pais, que eu fechei os pardais todos dentro do bardo.
-
Grande maluco nos saíste, Antoninho! Então os pardais deixam-se lá ficar
fechados dentro dum bardo? Vamos mas é embora depressa, antes que eles comam
tudo.
Quando chegaram a casa foram logo direitos à eira e
viram que o milho estava todo como o tinham deixado. Até lhes nasceu uma alma
nova! Então o menino dirigiu-se para o bardo, abriu a cancela e disse assim:
- Voai todos, passarinhos. Ide à procura de comer que
bem haveis de estar precisados.
E os pardais, esganados com fome, voaram para longe,
num grande bando, à procura de eira com rabeira.
Os pais ficaram pasmados e mudos de espanto, a olhar
para aquela coisa nunca vista.
M.
L. Ferreira
4 comentários:
Que sabor infantil! Senti-me como se estivesse numa escola, algures na minha meninice, a ouvir esta história! Que circula entre a gente do povo! Acreditar é próprio dos simples, que em tudo crêem e nada questionam.
Por que será que nós, depois, complicamos isto tudo?!
Boas escritas bloguistas!
ZB
Coisa mais bonita!. Parece um conto infantil!. Parabéns cachopa.
E.H.
Uf! Estava-me aqui a segurar, para não ser o primeiro a comentar...
Uma delícia, esta simplicidade e grandeza do povo.
Estes textos de recolha são as minhas publicações favoritas!
Só um pormenor: na Idade Média, só havia milho miúdo, o grosso veio depois dos Descobrimentos, da América.
E lá está o milho miúdo, ou pela antiguidade da história, ou pela importância que o milho miúdo, o dos terrenos de sequeiro, teve na agricultura do povo (que conta esta história), até há poucos anos.
Também eu me delicio com estas histórias e com a crença, quase infantil, na sua veracidade. Mas o que mais me sensibiliza nestas recolhas, é a grande generosidade das pessoas que as contam. Depois de, como dizem muitas vezes, terem perdido quase tudo, mantêm ainda a generosidade de partilhar o pouco que lhes resta: aquilo que sabem.
M. L. Ferreira
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