terça-feira, 25 de novembro de 2014

Santo António: O 1.º milagre

Realmente, parabéns à Irmandade de S. Francisco, pela realização deste evento, motivo de orgulho para a nossa terra!
A colaboração da Escola foi notável, pela qualidade e variedade dos trabalhos apresentados.
Da colaboração da Santa Casa da Misericórdia, partilho uma história que me foi contada pela Tia Maria dos Anjos, do Vale da Figueira:


O primeiro milagre de Santo António

Contam os antigos que uma vez a família do Santo António foi convidada para uma boda. Era o casamento de um parente muito chegado e eles faziam todo o gosto em ir. Mas estava-se nas entradas do outono, a eira cheia de milho miúdo a secar, e os pardais à volta, a quererem comer nele. Se fossem, quando voltassem, estavam sujeitos a ver o milho comido e a não terem pão para o ano inteiro.
Depois de muito hesitarem, decidiram que os pais iriam à boda, mas o filho ficava a guardar o milho da eira. O menino ficou muito triste porque nunca tinha ido a uma boda e queria saber como era. Chorou, chorou, mas não conseguiu convencer os pais a deixarem-no ir.
            - Não chores, Toninho, que quando a gente vier traz-te uma prenda.
            - Mas eu não quero prenda nenhuma; quero é ir com vossemecês à boda…
            - Tu não vês que se abalamos todos, os pardais comem o milho e ficamos sem pão para todo o ano?
Não valeram de nada os choros. Quando os pais abalaram, o menino sentou-se numa pedra ao pé da eira e pôs-se a pensar numa maneira de poder ir também à boda. Pensou, pensou e de repente teve uma ideia: «Já sei! Vou fechar os pardais todos no bardo das ovelhas e assim eles já não chegam ao milho».
Se bem o pensou, melhor o fez. Meteu-se dentro do bardo e pôs-se a assobiar. Os pássaros todos das redondezas começaram a aproximar-se e a voar à roda dele. Depois sentou-se e os pássaros poisaram todos no chão. Com jeito, saiu do bardo, fechou a cancela e foi vestir a capa dos dias de festa.
Para chegar ao sítio da boda tinha que atravessar um rio muito grande, mas quando ia a entrar no barco o barqueiro perguntou-lhe assim:
            - Ó meu menino, quem és tu? E para onde é que vais com uma capa tão linda?
            - Eu chamo-me António e vou a ter com os meus pais que foram a uma boda lá na outra banda.
            - Ah! Então ele és tu o António?! Mas os teus pais passaram aqui de manhã e deram-me ordens para não te deixar passar para o lado de lá, que tinhas ficado a guardar o milho na eira…
- Mas eu fechei os pardais todos dentro dum bardo e assim eles já não comem o milho!
O barqueiro riu-se daquela graça, mas negou-se a atravessar o cachopinho.
Ele bem rogou, chorou, prometeu dar-lhe uma moeda, mas não conseguiu convencê-lo.
            - Escusas de ateimar que não te atravesso para o lado de lá. Ordens são ordens! Se queres atravessar o rio, tens que ir a nado.
Mas Santo António não desistiu. Despiu a capa, estendeu-a em cima da água e amontou-se em cima dela. Passado pouco tempo, estava do outro lado e o barqueiro a olhar, pasmado, sem querer acreditar no que os seus olhos estavam a ver.
Quando chegou à boda e os pais encararam com ele, deitaram as mãos à cabeça.
- Então tu vens lá, alma de Deus? Então nós não te recomendámos que ficasses a guardar a eira? Que desgraça a nossa que a estas horas já temos os pardais todos à roda do milho!
            - Não se preocupem, meus pais, que eu fechei os pardais todos dentro do bardo.
            - Grande maluco nos saíste, Antoninho! Então os pardais deixam-se lá ficar fechados dentro dum bardo? Vamos mas é embora depressa, antes que eles comam tudo.
Quando chegaram a casa foram logo direitos à eira e viram que o milho estava todo como o tinham deixado. Até lhes nasceu uma alma nova! Então o menino dirigiu-se para o bardo, abriu a cancela e disse assim:
- Voai todos, passarinhos. Ide à procura de comer que bem haveis de estar precisados.
E os pardais, esganados com fome, voaram para longe, num grande bando, à procura de eira com rabeira.
Os pais ficaram pasmados e mudos de espanto, a olhar para aquela coisa nunca vista.

M. L. Ferreira

4 comentários:

Anônimo disse...


Que sabor infantil! Senti-me como se estivesse numa escola, algures na minha meninice, a ouvir esta história! Que circula entre a gente do povo! Acreditar é próprio dos simples, que em tudo crêem e nada questionam.
Por que será que nós, depois, complicamos isto tudo?!
Boas escritas bloguistas!
ZB





Ernesto Hipólito disse...

Coisa mais bonita!. Parece um conto infantil!. Parabéns cachopa.

E.H.

José Teodoro Prata disse...

Uf! Estava-me aqui a segurar, para não ser o primeiro a comentar...
Uma delícia, esta simplicidade e grandeza do povo.
Estes textos de recolha são as minhas publicações favoritas!
Só um pormenor: na Idade Média, só havia milho miúdo, o grosso veio depois dos Descobrimentos, da América.
E lá está o milho miúdo, ou pela antiguidade da história, ou pela importância que o milho miúdo, o dos terrenos de sequeiro, teve na agricultura do povo (que conta esta história), até há poucos anos.

Anônimo disse...

Também eu me delicio com estas histórias e com a crença, quase infantil, na sua veracidade. Mas o que mais me sensibiliza nestas recolhas, é a grande generosidade das pessoas que as contam. Depois de, como dizem muitas vezes, terem perdido quase tudo, mantêm ainda a generosidade de partilhar o pouco que lhes resta: aquilo que sabem.

M. L. Ferreira