Na
minha rua (as) viviam muitas famílias. Parregas, Zé alfaiate, Manuel patrão,
Maiaca, Reinocos, Patanuchos, ti Maria
Joaquina, Guiões, nós os Moscas…
As mulheres de saias compridas,
lenço na cabeça, xaile e avental iam à fonte, à ribeira lavar a roupa, cozer o
pão nos fornos comunitários…
As ruas nunca estavam sozinhas. No
tempo da escola a praça fervilhava de catraios, nas férias, nomeadamente as
grandes, manhã cedo, antes de o sol nascer, não tínhamos outro remédio senão
levantarmo-nos, na rua já se ouvia falaçar. Beber o café, pegar numa saca de
serapilheira. O Vale Covo ficava longe, era preciso encher a saca com pinhas,
outros arranjavam um molho de tanganhos, um cesto de tocos, lenha miúda.
Por vezes, principalmente no tempo
de verão, a malta ia para a Canada onde havia uma peguia maior que o poço do
Pelome e mais funda; assim que chegávamos, entrávamos na água era uma alegria.
O dia passava depressa, a saca das
pinhas por vezes vinha meia, o tempo era escasso para nadar. Como ficava mais
longe, a Canada não era tão frequentada como o poço do Pelome. Chegávamos a
casa cheios de fome, ceávamos de duas maneiras: sopa de landum, trabalhava a
correia; depois da gritaria, comia-se a sopa de feijão manteiga.
As
sovas só doíam na hora, no dia seguinte tudo recomeçava…
Os automóveis naquela época eram
escassos; contavam-se pelos dedos das duas mãos e ainda cresciam dedos. Em
1966, faz este ano meio século, começaram a chegar pessoas à vila que se iam
instalando como podiam. Casas, partes de casas acolheram dezenas de famílias. A
vila fervilhava de gente, parecia uma pequena cidade.
No Casal do Pisco,máquinas rasgavam
terras, transportavam pedras, no poço da Canada abriam-se grandes caboucos
enchiam-nos de grossas pedras, cimento para as consolidar.
Aos
poucos o paredão de terra ia subindo cada vez mais. A empresa Terbal era a
responsável por todo aquele movimento, uma grande barragem estava a ser
construída.
O custo do empreendimento foi
adjudicado por 29.971.012$10. O paredão tem cerca de 16 metros de altura e a
sua capacidade máxima é de 1.400.000 m3 de água. Esta barragem foi
comparticipada em 71% pelo governo, o restante valor ficou a cargo da câmara
que teve de fazer um empréstimo. Com o crescimento demográfico na cidade de
Castelo Branco a água da barragem do Casal da Serra, Penedo Redondo ou Sales
Viana, já não chegava.
Em 1890, a autarquia fora autorizada
a fazer um empréstimo de 150.000.000 réis para diversos melhoramentos e o
abastecimento de água era prioritário. O presidente da câmara estava mandatado para
negociar nascentes em Castelo Novo. A opção foi o aproveitamento de nascentes de
água a partir do rio Ocresa no Casal da Serra. Afixaram-se editais convidando
os proprietários que quisessem vender os seus mananciais e, no mês de Novembro,
a câmara recebeu três propostas.
Passado um ano, o presidente entrou
em negociações com o senhor Manuel Lucas e sua mulher Maria Patrocínio
proprietários, moradores no Casal da Serra concelho de São Vicente da Beira
afim de adquirir para a câmara as águas que estes possuíam nos prédios
contíguos designados Corticeiras e Eirinhas, situados no limite de Louriçal do
Campo. O preço acordado foi de três contos, a pagar em duas prestações de um
conto e quinhentos mil réis. A escritura foi feita no dia 4 de Janeiro de 1892.
A cidade crescia, a necessidade de
água aumentava. No ano 1934, a câmara aprovou o concurso para que se construa
uma barragem no rio Ocresa. A albufeira foi adjudicada por 472.000$00. No mês
de outubro do ano seguinte as obras estavam terminadas e a cidade voltou a ter
água suficiente para suprir as necessidades da população.
O tempo passou, o precioso líquido voltou
a não chegar. A cidade crescia. Chegámos ao ano 1966 e, na ribeira de São
Vicente nasceu uma nova albufeira. No dia 24 de Dezembro de 1967 foi feita a
ligação à rede de Alcains, ficando somente a fornecer água aos marcos
fontanários. No dia 26 de Outubro de 1968 foi finalmente feita a ligação aos
depósitos do Lirião.
O presidente do conselho senhor professor
Marcelo Caetano deslocou-se a São Vicente da Beira, onde inaugurou diversos
melhoramentos, incluindo a barragem do Pisco. O ministro
das obras públicas era o senhor engenheiro Arantes de Oliveira. António
Liberato Oliveira, presidente da câmara municipal.
Pesquisa:
A História e a Água no Concelho de
Castelo Branco.
J.M.S
2 comentários:
Para muitos dos que vivíamos na pacatez dos dias descritos na primeira parte do texto, o termo do mundo eram as montanhas que avistávamos ao longe e nos limitavam os horizontes. Talvez por isso, a chegada dos operários e respetivas famílias que vieram trabalhar nas obras da barragem, gente com outras mentalidades e novos usos e costumes, foi um abanão para a nossa terra.
Nem tudo foi pacífico, mas foi como que um prelúdio para o 25 de Abril…
Sobre a água, oxalá tivéssemos todos consciência da sua importância para a vida das populações e fossemos mais cuidadosos na sua utilização; mas a facilidade com que atualmente temos acesso a ela, faz-nos pensar que é um recurso inesgotável.
M. L. Ferreira
Uma boa resenha histórica do abastecimento de água a Castelo Branco.
Antes da chegada das águas da Gardunha, eram os poços. Há-os por todo o lado, mesmo no interior das habitações. Mas a situação seria aflitiva no verão, pois as águas aqui estão muito à superfície do solo e no tempo quente secam.
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