O USO ACABOU MAS NÂO
NAS
MÃOS DO SENHOR
CAPITÃO
Como, todos os
Vicentinos sabem, há anos atrás, era uso, qualquer rapaz de terra estranha que
viesse cá namorar uma rapariga, era costume, digo, pagar um cântaro de vinho à
rapaziada. Chamávamos-lhe nós “ter de pagar o vinho”.
Assim como nós
teríamos de fazer o mesmo se fossemos namorar uma rapariga fora da terra.
Acontece que
nos anos de 1950/51 veio cá o Senhor José Guardado Moreira, namorar a menina
Mariazinha, filha do Senhor Manuel da Silva, e que nesse tempo já era capitão
da G.N.R. E então nós a “malta” achávamos que esse senhor também tinha que
pagar o vinho, mas todos tinham medo de lá ir – tínhamos até medo de que ele
nos mandasse para a cadeia! Mas, não deixamos de o fazer, mas assim numa carta
escrita em versos para ser mais bonito, visto ele ser um Senhor de mais
respeito.
Então, foi
assim que escrevemos os seguintes versos:
Meu capitão, dais-nos
licença
para que a rapaziada exponha
em carta, por ter vergonha
de vir à vossa presença?
São costumes pertinazes
quando um estranho aqui vem
a pedir a filha à mãe,
ter de dar vinho aos
rapazes!
Por isso, meu Capitão,
vede lá como há-de ser?
se esse uso tem de morrer,
que não seja em vossas mãos!
Não deixeis de acontentar
os rapazes, por favor,
para que Deus Nosso Senhor
abençoe o vosso lar.
Se formos atendido,
como todos esperamos,
desde já nos confessamos
altamente agradecidos.
Aí vai por comissão
João de Deus, bom rapaz,
se boas novas nos trás
recebe um chi coração!
Lá fui eu
então, João de Deus Duarte e o José Maria Diogo, mais conhecido por Zé Águas,
entregamos-lhe a carta e ficámos à espera até ao dia seguinte pela sua
resposta. Assim foi.
Então o Sr.
Manuel da Silva chamou-me e deu-me permissão para me dirigir à Viúva, para
trazer o cântaro de vinho. Isto deu origem a uma grande alegria e a algumas
bebedeiras…
Mas,…o Sr.
Capitão teve de pagar o vinho!
João de Deus Duarte
Pelourinho, setembro/outubro de 1984
M. L. Ferreira
Pelourinho, setembro/outubro de 1984
M. L. Ferreira
6 comentários:
Pagar o vinho. Quem não se lembra desse uso social? Não tinha mal nenhum. Apenas se pretendia apelar à boa vontade de um indivíduo e servia como um acto de iniciação, para o integrar na comunidade. Todas as culturas têm usos deste género. Concordo com eles, desde que não afectem a dignidade física ou psíquica das pessoas, o que nem sempre é o caso! Mas, decididamente, pagar o vinho, não tinha essa conotação negativa. É a minha opinião. Pagar o vinho era, afinal, apenas uma brincadeira!
Recentemente, havia muitos que se recusavam. Aconteceu um caso desses, já no nosso tempo. Não vou dizer com quem se passou. O uso foi-se perdendo e acho que hoje já não existe. Isto, numa altura em que se pretendem recuperar costumes e tradições!...
Mas sobre aquele caso, sempre vou dizer que o indivíduo em causa, além de recusar, tomou uma atitude de desafio. Foi à noite, na praça. Eu, pessoalmente, estava numa posição de observador. O indivíduo tinha, com efeito, o direito de recusar. Não era isso que estava em causa. Porém, houve outros que tomaram como ofensa aquela atitude de desafio. Lembro-me que estavam lá, salvo erro, o Estrelado, o Lixa e vários outros, ditos "maduros e duros" da vila. Resultado: com a persistência da recusa e, sobretudo, por algumas palavras infelizes ditas pelo cachopo, levantaram-se de rompante dos bancos, para lhe 'acertar o passo'. Mas, nestas coisas, quando há um extremar de posições, as opiniões dividem-se e uma parte da companhia conseguiu demover a outra da intenção de 'sacudir as orelhas' ao namoradeiro. Ainda bem que tudo terminuou sem outras consequências.
Mas que há indivíduos com muita falta de sentido de humor, lá isso há!
Abraços.
ZB
...Já agora, quem é o João de Deus Duarte?! Algo me está a escapar!
Os versos até são engraçados!
ZB
Também tenho pena que tantos usos e costumes populares se tenham perdido e, também a esse nível, ficássemos mais pobres. No caso do Pagar o vinho, que era quase que como um rito de passagem, serviria também para desejar bênçãos aos noivos: «...para que Deus Nosso Senhor abençoe o vosso lar…».
Sobre o João de Deus Duarte, seria rapaz novo em 1950 e é possível que ainda seja vivo. É interessante que nessa altura houvesse cá na terra vários rapazes com o nome de João de Deus (João de Deus Candeias, João de Deus Lopes…). Seria por influência do prestígio de D. João de Deus Ramalho?
M. L. Ferreira
Mas, afinal, quem é o João de Deus Duarte?!
E, já agora, alguém sabe quem foi o poeta?
Segundo o José Duarte (Zé Pasteleiro), o senhor João de Deus Duarte era um irmão dele, filho do primeiro casamento do pai (Francisco Duarte), que viveu na Alhandra e, se fosse vivo, teria mais de oitenta anos.
Quanto à autoria dos versos, pelo texto parece que seria de várias pessoas, entre as quais o dito João de Deus Duarte.
M. L. Ferreira
Segundo alguns dados João de Deus Duarte era filho de uma prima direita (Francisca D´Ascenção) do nosso Bispo Dom João de Deus Ramalho.
JJG
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