Os
autores têm tentado, ao longo dos séculos, explicar o nosso mundo, quer
material e físico, quer espiritual. A matéria, de certa forma, impõe-se-nos aos
sentidos. O que não acontece com o mundo espiritual. Pese embora tudo não seja
assim tão simples, vamos supor que é! E, assim, nada espanta que seja mais
fácil explicar o primeiro que o segundo. Acreditar no mundo espiritual é mesmo,
para muitos, uma impossibilidade. E essa é a maior razão, por que, talvez, metade
da humanidade se diz descrente, ateia ou agnóstica. Mas vejamos: o que dizemos
nós acerca do Amor, da Justiça, da Paixão ou da Beleza?! A nossa vida está
carregada dessas vivências, desses sentimentos! E todos eles fazem parte do
nosso mundo afetivo, emocional, irracional, numa palavra, espiritual. À nossa razão,
mesmo com a sua dura lâmina e finíssimo corte, é vedado penetrar na Alma.
Tem
isto a ver com uma pergunta que se julga oportuna e atual: que fenómeno,
afinal, se terá passado em Fátima? Ou nada se terá passado, a não ser uma
espetacular manifestação popular, sedenta de um unguento para a suas feridas
corporais e espirituais? Não podemos negar as experiências pessoais destes
casos, se relatadas por pessoas idóneas e de boa fé, tomando-as como fantasias.
A questão é saber como podem tais fenómenos ser entendidos pela generalidade da
população, se só os que os vivenciaram os puderam conhecer? Percebe-se por que os
três pequenos pastores de Fátima, pediram à visão, a qual diziam ser Nossa
Senhora (Mãe Terrena do Jesus histórico), que fizesse um milagre que seria o sinal
para que todos acreditassem no que eles próprios vivenciaram.
Esse
terá sido o chamado milagre do sol, a 17 de outubro de 1917. Já lá iremos. Mas
sobre Fátima há explicações para todos os gostos! Uns dizem que foram
extraterrestres. Entre teólogos e padres católicos, uns dizem que foram
aparições, outros, visões. O padre Mário de Oliveira (católico dissidente), nega
o caso de Fátima. Frei Bento Domingues parece que também tem dúvidas quanto à
narrativa das chamadas aparições. O atual bispo de Leiria-Fátima, compara a
visão dos videntes com o Crucificado. Isto é, quem morre fisicamente não pode
mais aparecer aos nossos olhos com a sua dimensão material. Outros se pronunciaram.
De entre todos, Ratzinger, iminente teólogo, atual papa emérito, Bento XVI. O
antropólogo Moisés Espírito Santo entende que Fátima é uma manifestação do
Islão (com base na ocupação do território português pelos Mouros). Fátima é a
filha do Profeta Maomé, sendo, por isso, um topónimo árabe, etc., etc. Um
ponto, porém, parece impor-se como convergência de muitos dos autores e estudiosos
do fenómeno. Dizem que algo se passou em Fátima, especialmente, naquele dia 13
de outubro de 1917! O único milagre relacionado com o sol é descrito no Antigo
Testamento, quando se diz que Deus parou aquele astro para dar tempo a que
Josué pudesse desbaratar o inimigo de Israel, com quem travava uma batalha,
tarefa que não poderia levar a cabo, caso entretanto anoitecesse! Trata-se,
certamente, de mais uma descrição simbólica de que está pejada a Bíblia!
Como
crente, ressalvo a ideia de que a Deus nada é impossível. Uma premissa
irredutível! Mas como curioso destes acontecimentos e ser racional, admito que
será lícito assentar no seguinte: não é admissível que o sol físico, o astro
sol, se tenha deslocado um centímetro que fosse do seu lugar! Porque isso seria
uma hecatombe universal com consequências inimagináveis para a vida do sistema
solar e, particularmente, da Terra! Por outro lado, se se tratasse de um
fenómeno dessa magnitude, tal teria que ser visto em cerca de metade da Terra. Quer
dizer, em todos os locais onde, àquela hora, o sol fosse visível, caso não
houvesse nuvens! Atenta, obviamente, a hora e o fuso horário de Portugal. Com
efeito, sabendo nós que Terra é redonda, ela está permanentemente iluminada de
um lado, onde é dia, enquanto no outro é noite.
Ora,
parece que não existe notícia de qualquer registo em observatórios astronómicos
por esse mundo fora, relativamente aos acontecimentos desse dia em Portugal. Se
assim for, o caso leva-nos, forçosamente, à conclusão (como dizem algumas
fontes) que o fenómeno terá tido lugar no céu de Fátima apenas a cerca de 500
metros de altura (numa avaliação grosseira), a calcular a partir do local mais
distante do epicentro onde terá sido observado (e de que há notícia), que foi a
casa do poeta Afonso Lopes Vieira, situada a cerca de 40 Km de Fátima, que
disse tê-lo testemunhado.
Alucinação
coletiva da multidão, como a Psicologia procura explicar? Esta tese não colhe
juntos dos estudiosos (ou pelo menos da maioria), porquanto o acontecimento foi
visto por muitos: crentes, descrentes, ateus ou agnósticos. E se os nossos olhos
só veem o que querem ver, só os crentes estariam imbuídos de uma predisposição
interior para aceitar o fenómeno como uma ilusão. Como explicar que uns tenham
visto e outros não? Dois exemplos para ilustrar: algumas fontes dizem que o
poeta e ensaísta português, António Sérgio, estava lá acompanhar a esposa e
nada viu. Mas há outra testemunha ocular que atesta o contrário. Trata-se de um
professor de Ciência Naturais da Universidade de Coimbra que nunca tinha visto
um fenómeno como o que presenciou. E não conseguia explicar o que tinha
acontecido, com o sol a rodar e a mudar de cor.
E
aconteceram todas aquelas coisas descritas como maravilhosas por milhares de
testemunhas. Coisas sobejamente conhecidas em Portugal e em todo o mundo! Em
face do que a Igreja Católica acabou por aceitar tudo como manifestação
sobrenatural e divina, oficializando o culto mariano de Fátima. O que foi,
definitivamente, confirmado com a vinda, pela primeira vez, de um papa a
Fátima, Paulo VI, em 1967 (por ocasião do 50.º aniversário das aparições). Já
vimos que, sobre estas coisas, cada um diz o que sente ou o que lhe parece, com
mais ou menos informação.
Já
foi publicado neste blogue o seguinte texto: «E, quando já não imaginava que via alguma coisa mais impressionante do
que essa rumorosa mas pacífica multidão animada pela mesma obcessiva ideia e
movida pelo mesmo poderoso anceio, que vi eu ainda de verdadeiramente estranho
na charneca de Fátima? A chuva, á hora prenunciada deixar de cair; a densa
massa de nuvens romper-se e o astro rei - disco de prata fosca - em pleno
zenith aparecer e começar dançando n'um bailado violento e convulso, que grande
numero de pessoas imaginava ser uma dança serpentina, tão belas e rutilantes
côres revestiu sucessivamente a superfície solar…
Milagre, como gritava o povo; fenomeno natural, como dizem sábios? Não curo agora de sabel-o, mas apenas de te afirmar o que vi...O resto é com a Ciência e com a Egreja...» AVELINO DE ALMEIDA (in Jornal “O Século”, de 17/10/1917). A grafia é da época).
Milagre, como gritava o povo; fenomeno natural, como dizem sábios? Não curo agora de sabel-o, mas apenas de te afirmar o que vi...O resto é com a Ciência e com a Egreja...» AVELINO DE ALMEIDA (in Jornal “O Século”, de 17/10/1917). A grafia é da época).
Perante
um testemunho tão claro evidente, creio que não foi tanto a história dos três
meninos, nem foram os textos da Lúcia, embora em coerência com os
acontecimentos históricos posteriores, que lograram levar tanta gente a acreditar
em Fátima! Também não foi a revelação do terceiro segredo, no ano 2000, que
ficou muito aquém das expectativas. E que se baseia apenas numa interpretação
peculiar daqueles textos pelo papa João Paulo II. O que, verdadeiramente, pôde
levar a acreditar que algo de extraordinário se passou em Fátima, em 1917, foi
este texto desse desconhecido e obscuro jornalista d’ “O Século”, Avelino de
Almeida, publicado naquele jornal alguns dias depois do sucedido. Um insuspeito
antigo seminarista do seminário de Santarém, ateu e anticlericalista.
Na
verdade, nunca saberemos o que terá acontecido naqueles dias na Cova da Iria. E
ainda menos conheceremos a sua verdadeira natureza. Porém, continuamos a ver passar
essa impressionante multidão de peregrinos! Já não são 50 ou 60 mil, mas 1
milhão! Massa de gente, consciente da sua inexorável finitude! Sôfrega de curar
as maleitas próprias da sua condição! Pedindo um bálsamo para as dores e um
momento de paz! Como há dias dizia um frade anónimo na televisão: “Talvez seja
esse o maior milagre de Fátima”!
A
fé é isso mesmo. É acreditar. Apesar das dúvidas, que sempre teremos. Porque acreditar,
está para além de toda e qualquer compreensão. O tempo é, pois, de milagres!
José
Barroso
Um comentário:
Gostava de ter os conhecimentos e a capacidade de pensamento do José Barroso para poder comentar devidamente este artigo. À falta disso fico-me por aqui:
É bem verdade que nem tudo pode ser explicado à luz da razão, mas ainda bem que até a Igreja já começa a admitir que o fenómeno de Fátima pode bem não ter sido aquilo que andaram a defender durante quase um século. Penso que é uma posição que só agora teve condições para assumir.
Retive as palavras do Papa na homilia da missa de hoje quando disse que «Nem todos viram a Nossa Senhora, mas ela também não veio para ser vista por todos». Como disse o Saint-Exupery «Só vê bem quem vê com o coração…» e muitos continuamos a ter dificuldade em abrir o coração para certas visões.
Mas, da homilia do Papa e das intervenções de alguns comentadores, retive outras mensagens que vêm por em causa posições antigas da Igreja Católica e penso serem essenciais nos nossos dias. Entre elas destaco: «O Batismo faz do Homem filho de Deus, mas os não batizados também o são.»; «O sofrimento não é uma bênção de Deus.»; «A Igreja deve ser despojada de bens materiais, mas rica em amor.» Sem comentários...
Finalmente a ideia, várias vezes repetida, de que cada vela acesa e cada lenço branco a acenar eram as histórias de cada pessoa que ali estava. É bem verdade! Deve haver pouca gente que, em momentos de aflição e já sem esperança nos métodos terrenos, não erga os olhos ao Céu à procura da ajuda divina. No fundo, à procura de um milagre…
M. L. Ferreira
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