Quem
atravessa o Casal da Serra e continua a subir pela Gardunha, vai encontrando ao
longo do caminho muitas casas espalhadas pela encosta. Depois do incêndio
ficaram mais visíveis, mas, mesmo assim, feitas da pedra da Serra, confundem-se
com a paisagem. Algumas estão dispersas e isoladas; outras formam pequenos
casais onde viveram várias famílias ou gerações da mesma família.
Um
desses casais é o Cavaco. São meia dúzia de casas, atualmente todas
desabitadas, mas dizem que já houve tempos em que os que lá moravam eram mais
que os que agora vivem no Casal da Serra. Eram quase todos da família Serra e
dos Jacintos; tiveram muitos filhos que agora andam espalhados por esse mundo
fora.
Quem
lá morava, era quase auto-suficiente. Produziam de tudo para casa, nas hortas e
lameiros que por lá abundam; e havia água com fartura para as regas.
Também
havia muitos castanheiros. Produziam bem, e as castanhas, frescas ou piladas,
ajudavam a encher a barriga ao longo de quase todo o ano.
As
casas tinham dois pisos: por baixo guardava-se o gado, cabras e vacas, e por
cima viviam os donos. Na eira, mesmo em frente, secavam-se e malhavam-se os
cereais.
Os
porcos viviam nas furdas, mesmo ao lado das casas; e as galinhas andavam na rua,
a comer o que apanhavam, que lá nisso não são esquisitas…
Mas,
à noite, eram fechadas. Aproveitavam-se os vãos das escadas e dos balcões para
as proteger dos lobos e das raposas, que havia muitos, naquele tempo.
Vidas
simples, mas trabalhosas, das quais só se saía aos domingos, para ir à missa.
Não
me parece que o Francisco Sarmento [rever publicação Incêndios: um outro olhar] queira recuar tanto quando diz que temos que
mudar o nosso modo de vida se queremos salvar o planeta, mas alguma coisa tem
que ser feita. Também fico escandalizada que nos supermercados portugueses haja
tanta carne, fruta e legumes que dão quase a volta ao mundo para cá chegar.
Penso que não é assim tão difícil combater estas práticas: basta não comprarmos
esses produtos e escolher o que é nacional. O problema é que somos quase todos
muito pobres para podermos fazer essas opções. Pobres na carteira e no
espírito, e por isso também ainda deitamos o lixo para o chão…
M.
L. Ferreira
4 comentários:
Era tão bonito saírem-me 100 milhões para comprar todas aquelas casas e terrenos, recuperá-las, replantar uma grande mancha de caducas: castanheiros, nogueiras, avelaneiras trazer os turistas da natureza a passar ali umas férias, leva-los com o rebanho serra acima,
ter meia dúzia de cavalos para ir à feira do Fundão às 2.ª e dar por ali uns passeios. Recuperar os fornos antigos e dar-lhes a comer o pão verdadeiro ou uma fatia de broa com uma talhada de morcela e umas couves com bacalhau, nesta altura do ano...Bem, poderíamos dizer que o Paraíso tinha assento na terra.
Meus Deus, meu Deus , meu Deus...Ó ML conto contigo para o projeto, porque sei do teu amor por estas coisas.
FB
Então não é que sonhei exatamente a mesma coisa quando subi pela primeira vez ao Cavaco? Se calhar deixava de fora os turistas, mesmo os de natureza, mas as cabras, a terra, as couves com bacalhau e a broa com morcela… Mesmo sem isso, já lá voltei outras vezes, só pelo ar puro, o silêncio e as vistas. Vale a pena!
M. L. Ferreira
Há anos, cruzei-me com o Zé Barroso que se mostrou preocupado com o primo Chico: sempre que podia, fugia de Lisboa para a serra...; não sabia o que lhe dera!
Eu também ando há anos assim, apanhado pela nossa Natureza. Mas agora confesso-vos que é difícil: passo os dias na espetativa do sábado, mas depois regresso sempre deprimido, face à devastação que encontro onde antes havia um pequeno oásis.
...e eu gosto tanto de vos "ouvir", aqui!
O meu obrigada por tantas coisas que aqui aprendo e outras que, aqui, recordo.
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