O texto que se segue é de sua autoria. Nele descreve as memórias que guarda das Boas Festas na sua terra natal (tão iguais às nossas).
Páscoa
O
dia amanhecia com aquele ar de festa: casa lavada e cheirando a lixívia e sala
arrumada. Aquela sala da casa que a gente até esquecia que existia, e que
sempre estava arrumada. Quando sobrava algum dinheiro se compravam aquelas
mobílias de século, cadeirões altos, planta de interior, pratos de faiança e
talheres que nunca se usavam. Ali
reinava a ordem e o silêncio.
Mas
naquele dia a mesa da sala era coberta pela toalha branca, o Senhor era
colocado sobre ela, assim como os copos, as faianças, os doces, as amêndoas, o
vinho do Porto... Vestia-se a roupa das festas e se olhava a escada e a porta
da casa. Ali estavam os fetos a embelezar a entrada e a escadaria. Tudo pronto.
-
Olha já tocou à segunda, depressa. Daqui a pouco toca a última e ainda não
estão arrumados? Depressa. O senhor Prior já passou e o Tia Preciosa já deve
estar a acabar o terço. Vai começar a missa. É sempre a mesma coisa.
Depressa...
E
assim começava aquele dia fantástico, o dia das Boas Festas, o dia das
amêndoas, o dia de correr a saquita. A alegria da canalha.
E
logo depois da missa lá estava a canalha preparada para o longo dia, a longa
caminhada pela terra. O senhor Prior levava o SENHOR a beijar de casa em casa.
Subia a escada muito afogueado, logo seguido pelo sacristão que levava a cruz
com sua opa branca. Chegados na sala, com toda a família perfilada, o Prior
proferia em voz alta:
-
O Senhor.
E
a família perfilada e em uma só voz respondia:
-
Aleluia, Aleluia, Aleluia!
Aí
vinham os cumprimentos o copito, o doce, a febra... Se a família era daquelas
tradicionais o Prior ficava mais um pouco, se não, ala, que a aldeia é
grande... Ainda temos muito que percorrer. Mas não se saía sem antes o
sacristão, baixinho e ladino, arrebanhar o envelope ou o açafate com a oferta
para o Prior.
Na
casa os da família: pais, avós, tios, primos, cunhados, irmãos, compadres...
Era uma obrigação. Lá fora, a canalha na expectativa. Mal saía o Senhor da casa
esperavam-se as amêndoas e os rebuçados de meio tostão serem lançados e todos ao sarrabulho.
No
entanto, a contenda era desigual, porque logo chegava o Zequinha com o seu
grande chapéu de chuva, que ele abria ao contrário e aparava a maioria das mãos
cheias que voavam pelo ar. A balbúrdia se instalava e às vezes uma pequena bulha,
que logo terminava, porque o Senhor já ia longe e outras casas havia para
visitar.
O
sino continuava a tocar na torre, lembrando que era dia de festa, dia de Beijar
o Senhor, dia de visitar as famílias, dia das amêndoas dos afilhados.
Com
o passar das horas, os passos estavam cada vez menos firmes e já se
vislumbravam indícios de princípio de bêbada em alguns acompanhantes do Senhor.
Às vezes até o senhor Prior já estava meio quentote. Mas tudo era festa e alegria. Afinal o Senhor
Ressuscitou Aleluia, Aleluia, Aleluia. O sepulcro está vazio, Aleluia! E essa
mensagem a temos que levar a todas as famílias e a todas as casas, porque a
VIDA VENCE A MORTE.
Feliz
Páscoa a todos.
José Teodoro Prata
Um comentário:
Esta história podia, de facto,ser escrita por qualquer um de nós. Quando penso na Páscoa da minha infância e juventude, são imagens com estas que me vêm à memória. São também os bolos de azeite, o cheiro a cal, os tachos e panelas a reluzir na cantareira enfeitada com recortes de jornal.
Atualmente já pouco resta destes rituais,mas, apesar doutras solicitaçoes, parece que muita gente ainda espera por estes dias para regressar à terra e passar a Páscoa em família.
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