Bernardo da Cruz nasceu no Casal da Serra, a 1 de dezembro de 1894. Era filho de Bartolomeu Cruz e Anna de Jesus, esta natural de Alcongosta.
Segundo a
sua folha de matrícula, era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro quando
se alistou em 9 de julho de 1914. Ficou pronto da recruta no dia 12 de maio de
1915 e foi licenciado nesse mesmo dia, indo domiciliar-se no Casal da Serra.
Apresentou-se
novamente em 1916 e, fazendo parte do CEP, embarcou para França no dia 21 de janeiro
de 1917, integrado na 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria
21, como soldado com o n.º 379 e a placa de identidade n.º 8872-A.
Do seu
boletim individual e folha de matrícula militar consta o seguinte:
a) Baixa ao
hospital, em Março de 1917, onde permaneceu por quatro dias;
b) Em Junho,
ficou adido junto do Quartel-General da 1.ª Divisão, onde prestou serviço até
Fevereiro de 1918. Seguiu depois para a sua Unidade, onde chegou no dia 9 desse
mês;
c) Em Abril,
foi colocado no Batalhão de Infantaria 11, 1.ª Companhia. Talvez por esta
mudança de batalhão, terá sido um dos poucos vicentinos a participar na batalha
de La Lyz, que ocorreu no dia nove desse mês;
d) Em três
de Maio, foi internado na ambulância n.º 6, onde permaneceu cinco dias. Foi
dado como incapaz e ficou a aguardar o repatriamento, aprovado nos termos da
circular 475/11 de 25/05 /1918.
e) Embarcou
para Portugal, a bordo do navio Gil Eanes, e chegou a Lisboa no dia 23 de Julho
de 1918.
Condecorações:
· Medalha
Militar de cobre com a legenda: França 1917-1918;
· Medalha
da Vitória.
O seu
boletim individual do CEP não o refere, mas, de acordo com a relação dos militares
que participaram no raide de 9 de março de 1918, apresentada em "A Covilhã e a I
Grande Guerra 1914/1918", Bernardo Cruz também participou no referido raide e
deve, por isso, ter sido louvado.
Quando
chegou à terra, vinha ainda convalescente dos ferimentos e bastante perturbado
pelos gases e traumas de guerra. Apesar disso, ainda foi castigado por faltar à
inspeção no ano de 1921, tendo sido considerado ausente e sem domicílio
conhecido. Passou à reserva ativa, em 1928, e em 1931 foi considerado incapaz.
Em 1939, foi internado no Asilo de Inválidos Militares Princesa Maria Benedita,
em Runa, de onde saiu em 1945, por vontade própria.
Na sua folha
de matrícula constam ainda alguns castigos durante este período de internamento
psiquiátrico:
a) Punido
pelo comandante do asilo, em fevereiro de 1942, com privação de vinho por 30
dias, por levar para fora do refeitório a ração de manteiga que lhe estava
atribuída e tentar vendê-la a outros internados;
b) Punido
com 15 dias de detenção, porque tendo-lhe sido chamada a atenção por um seu
superior, por o não ter cumprimentado militarmente, tomou a rigorosa posição de
sentido e, com ar de troça, fez e desfez a continência 2 vezes, perguntando, no
fim, ao superior se estava satisfeito;
c) Punido
com 5 dias de prisão disciplinar, por não ter cumprido prontamente a ordem de
formatura para a 2.ª refeição, dizendo que não estava ali para isso.
Terá posteriormente
sido internado na Casa de Saúde do Telhal, onde passou o resto da vida. Ainda
recebeu a visita de alguns familiares, mas nunca mais voltou à terra.
Dizem que
era uma pessoa muito religiosa e, durante o tempo em que permaneceu no Casal da
Serra, passava os dias a ensinar a doutrina às crianças. Quando elas aprendiam
bem as orações, até lhes dava umas moedas para comprarem rebuçados. Também há
quem diga que foi ele que ofereceu a Sagrada Família que, durante muitos anos,
andou de casa em casa, no Casal da Serra.
Bernardo
Cruz faleceu na freguesia do Algueirão, no dia 22 de janeiro 1970.
(Pesquisa
feita com a colaboração de vários moradores do Casal da Serra)
Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"
2 comentários:
Entre as histórias dramáticas dos todos os sanvicentinos que estiveram na Grande Guerra, a de Bernardo Cruz foi uma das que mais me impressionou, pelo que sofreu durante o tempo que esteve em França, mas também pelo que passou depois de ter regressado a Portugal, confinado em instituições psiquiátricas, longe da família e das vistas largas do seu Casal da Serra.
A primeira fotografia fez parte da exposição que esteve na Gulbenkian durante as comemorações do centenário do fim da G. G., e tinha a seguinte legenda:
«Muitos combatentes que sofreram de psicoses de guerra foram tratados na casa de Saúde do Telhal, em Mem Martins, fundada pela Ordem Hospitaleira de São João de Deus. Até 1922 entraram 93 militares, sabendo-se que na década de 1940 ainda se encontravam internados veteranos de guerra. Luis Cebola, director clínico do Telhal, escreveu um testemunho impressivo no jornal Vítimas de Guerra (nº 1, 1930), que transmite o quanto a violência da guerra moderna destruíra a psique destes homens. O teatro de guerra produzira uma «emoção fulminante» que os ex-combatentes reviviam periodicamente, alguns de modo delirante, outros melancolicamente.
Numa época em que não existiam psico-fármacos, os métodos de tratamento envolviam a hidroterapia e a ergoterapia (terapêutica pelo trabalho), com actividades agrícolas e oficinais, onde se incluíam o desenho e a pintura…»
Só por curiosidade, a hidroterapia consistia em mergulhar os pacientes em banheiras de água fria, como vi noutra fotografia da mesma exposição.
O olhar destes ex-combatentes faz-me lembrar o filme Apocalypse Now, quando uma colona francesa, recordada da anterior e recente guerra da Indochina, se refere aos mortos-vivos, categoria em que inclui o protagonista do filme.
(A guerra da Indochina foi a revolta dos povos do Laos, Camboja e Vietname contra o colonialismo francês, de que resultou a independência destes países, apenas parcial no caso do Vietname, pois a parte sul ficou sob alçada dos Estados Unidos, que substituíram a França. Seguiu-se a guerra do Vietname, que o filme conta, e que opôs do Vietname do Norte aos EUA e terminou na unificação de todo o país. A guerra do Vietname é pois o último episódio da guerra da Indochina.)
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