domingo, 16 de outubro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

     José da Cruz

José da Cruz nasceu no Casal da Serra, a 14 de outubro de 1892. Era filho de Bernardo Cruz, cultivador, e Maria Joaquina.

Assentou praça no dia 12 de julho de 1912, como recrutado, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, em Castelo Branco, no dia 15 de maio de 1913. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro. Foi vacinado.

Ficou pronto da instrução da recruta em 28 de agosto e foi licenciado, regressando ao Casal da Serra. Apresentou-se novamente em 5 de maio de 1916 e foi mobilizado para fazer parte do CEP. Embarcou para França no dia 18 de janeiro de 1917, integrado na 6ª Companhia do 2º Batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, com o posto de soldado com o número 132 e a placa de identidade n.º 9157.


Do seu boletim individual consta apenas o seguinte:

a)   Baixa ao hospital, em 17 de setembro de 1917; evacuado para o Hospital de Sangue n.º 1, em 19, e alta a 28 do mesmo mês;

b)   Baixa ao Hospital de Sangue n.º 1, em 28 de fevereiro (1918?), e evacuado para o Hospital Canadiano, em 3 de março; alta para o Depósito Misto, a 6 do mesmo mês;

c)    Regressou a Portugal, em 28 de fevereiro de 1919.

Após o regresso a Portugal, continuou a residir no Casal da Serra.

Passou ao Regimento de Infantaria de Reserva 21, em 31 de dezembro de 1922, à reserva ativa, em abril de 1928, e à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1933.

Família:

José da Cruz casou com Rosária da Conceição, no dia 26 de novembro de 1919, e tiveram 5 filhos:

1.    Maria do Rosário, que casou com Filipe Lourenço e tiveram 2 filhos;

2.    Lourenço, que morreu com dois anos;

3.    Lourenço Bernardo, que casou com Rosalina Bernardo e tiveram 3 filhos;

4.    Rosalina da Conceição, que casou com António Agostinho Simões e tiveram 4 filhos;

5.    Maria de Jesus Bernardo, que casou com Manuel Basílio e tiveram 6 filhos.      

«O meu pai falava pouco do tempo em que andou na Guerra; era a minha mãe que às vezes nos falava das coisas que ele lhe contou durante o namoro. Dizia que tinha passado por lá muita fome; que muitos dias a única coisa que tinha para comer era uma fatia de pão que metia no bolso de manhã e tinha que durar para o dia todo; às vezes ia à procura das migalhinhas que ficavam no fundo e só de lá tirava piolhos.

Diz que às vezes, durante a noite ou nos dias em que não havia combates, iam pelos campos à procura de alguma coisa com que pudessem matar a fome. Por causa disso, ele e mais uns poucos ainda estiveram para ser castigados porque foram para longe à procura de comida e foi um francês que os avisou que o batalhão já estava em retirada; se não tivessem ido depressa, ainda tinham sido presos.

Também falava do medo que tinha de morrer e da tristeza que sentia quando, no fim dos combates, tinham que abrir as valas para enterrar os que tinham morrido. Diz que havia alguns companheiros que ainda tinham coragem de tirar os relógios ou alguma coisa de valor aos que morriam, antes de os meterem nas valas. Ele nunca foi capaz de tirar nada, até porque nunca acreditou que conseguisse sair daquela guerra com vida, por isso não ia precisar daquilo para nada. Quando voltou, só trazia com ele uma talega e um cantil. Diz que, num dia em que houve lá um grande bombardeamento, foi aquela talega cheia de terra que aparou as balas que vinham na direção da cabeça dele e o salvou. Guardou-a durante o resto da vida. O cantil usava-o muitas vezes para beber água e era por ele que eu também gostava de beber.

Graças a Deus voltou à terra são e salvo e sem grandes problemas de cabeça, mas trazia um mal nos olhos que fazia com que visse mal e andasse sempre a chorar. Diz que foi por causa dos gases que os alemães por lá deitavam.

Trabalhou sempre no campo, à jorna e a tratar da parte das terras que lhe couberam por morte do pai. Teve uma vida cheia de trabalho. Não havia os mimos nem dinheiro como há hoje, mas não nos faltava o pão na mesa e, no tempo dela, também não nos faltava a sardinha.

Nunca recebeu nenhuma pensão por ter andado na Guerra, porque nunca teve ninguém que lhe desse a mão, como houve alguns.» (Testemunho da filha Maria do Rosário).        

José da Cruz faleceu no Casal da Serra, a 13 de setembro de 1968. Tinha quase 76 anos.

 

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Maria do Rosário)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

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