Foto do Adelino Costa, provedor da Santa Casa da Misericórdia
A Santa Casa também esteve representada na festa, com venda de produdos à porta da sacristia da Igreja da Misericórdia. E trouxe alguns utentes do Lar para esse espaço.
Mas a novidade, à margem do programa oficial, é que a a sua arte sacra se tornou uma das principais atrações do Festival, com imensos visitantes. Em parte isso explica-se pela novidade que a foto acima nos mostra: a Santa Casa mandou restaurar a antiga carreta que se encontrava abandonada numa arrecadação anexa à capela de São Francisco. Esta carreta transportou e vai transportar o corpo de Cristo, na Procissão Quaresmal do Enterro, na Sexta-feira Santa.
José Teodoro Prata
9 comentários:
Uma peça belíssima que vem enriquecer o nosso património. Que grande ideia ter sido recuperada!
Haverá alguma informação sobre a origem, idade e primitiva utilização?
Há tempos, no museu Soares dos Reis, no Porto, vi exposto um esquife, parecido ao desta carreta. Também não havia muita informação, mas a legenda dizia que seria do século XVII, teria vindo do Mosteiro de Santa Clara, de Vila do Conde, e terá servido para enterrar as freiras. Será que este também era do nosso Convento?
Por acaso também penso que há uma forte hipótese de esta carreta ter servido não para Cristo, na Procissão do Enterro, mas para levar os corpos dos irmãos da irmandade da Misericórdia, para o cemitério, numa época em que ainda não se generalizara o uso de caixões.
Contra esta hipótese está o facto de o nosso cemitério ser "apenas" da primeira metade do século XIX e antes os enterros se fazerem no interior das igrejas e nos respetivos adros. A ser válida a hipótese acima referida, esta carreta será de meados do século XIX, podendo naturalmente imitar modelos mais antigos.
Porque há outra questão: se existia esquife para Cristo, em forma de carreta, porquê existir um esquife em forma de andor, também este com aspeto de ser antigo?
E ainda: se a carreta tinha uma função tão sagrada, é compreensível a ligeireza com que se deixa numa arrecadação, a apodrecer, durante décadas?
O que é que os nossos mais velhos têm a dizer sobre o assunto? Qual é a tradição oral?
Acho que a carreta foi referenciada, em primeiro lugar, pelo José Manuel dos Santos e Mesa da Misericórdia levou a cabo a sua recuperação.
Os técnicos apontam para que seja, talvez, uma peça do século XVIII , mas não há certezas. Pode ser dsoeculo XIX e imitar outra época, como diz o José Teodoro. E, como tem os encaixes para colocar os pés do esquife do Senhor do Caixão, esta última peça foi-lhe acoplada, como se vê na fotografia.
Nessa base, fiz um comentário no facebook concordante com esta tese. Mas, mais uma vez, parece que não há certezas e o José Manuel defende que a carreta seria para transportar os corpos de quem não tinha posses para comprar um caixão ou uma urna.
Pode também pôr-se a hipótese de ser para este efeito, mas relativamente apenas às freiras do convento, como alvitrado. Eu acho que é uma peça demasiado rica para transportar os pobres. Até porque ouvi dizer que havia uma outra carreta e tenho uma muito vaga ideia que ainda a vi em tempos num funeral (talvez do tio Dominguinhos). Essa seria muito mais simples.
Mas as dúvidas continuam, porque existem outros fatores a considerar, tal como já foi referido: 1) A questão da discrepância da data da construção da peça e dos enterramentos fora das igrejas; 2) O facto de o esquife ter 4 varais e mais 2 apoios intermédios e ter autonomia para poder ser lavado aos ombros, sem carreta.
Tem que haver mais elemementos para uma possível conclusão. Desde logo, saber se existe a outra carreta e onde está; e, se realmente existe, saber ainda se tinha mesmo a função de transpostar os mortos mais ppobres.A
braços, hã!
J. Barroso
A Libânia refere-se não às nossas religiosas, mas às de Vila do Conde e a outro esquife.
Sim, este é o debate que é necessário ter, para ver se se faz luz.
Para os pobres não seria, até porque pagar as cotas da irmandade não seria absolutamente nada fácil para eles. Sim acho que se a carreta era da Misericórdia seria para uso dos seus irmãos. Para todos, existira uma outra, a tal mais simples, da paróquia/da Igreja Matriz. Não esquecer que paróquia e irmandade da Misericórdia foram duas entidades completamente independentes uma da outra, até finais do século XIX. E o "assalto" da paróquia à irmandade é um processo muito pouco digno, registado na imprensa de CB da época. Até então a Misericórdia e as outras irmandades estavam sobretudo dependentes do poder político e tinha cada uma um sacerdote não dependente diretamente da Igreja Matriz. O liberalismo alterou este forma de organização e a Igreja Matriz foi chamando a si tudo o que tinha carater religioso (o que é natural), processo que teve a última etapa na tomada de posse, pela Matriz, da torre sineira e do relógio (até então pertencia à junta de freguesia), já com o Pe. Branco, nos anos 80 do século passado. Penso que foi com o Pedro Matias na presidência da junta, mas não tenho a certeza.
Não tenho a certeza se não estarei a fazer confusão, mas tenho ideia de que há tempos vi no estaleiro da Junta de Freguesia uma espécie de caixão, que me disseram ser o antigo esquife onde transportavam os defuntos mais pobres para o cemitério. Poderá ter existido outro, mas este que vi estava tão danificado que dificilmente poderá ser restaurado. O Pedro Inácio será uma das pessoas que poderão dar alguma informação e penso que o Adelino também sabe alguma coisa.
Entretanto deixo algumas “curiosidades” recolhidas no livro de enterramentos da Junta de Freguesia quando andei a fazer a pesquisa para o livro sobre os Sanvicentinos na Grande Guerra, que têm um pouco a ver com este assunto:
1- No ano de 1942 registaram-se 74 óbitos na freguesia;
2- Destes, 39 foram enterrados em esquife, 20 em caixão e 14 em urna;
3-Nos anos seguintes o número de óbitos foi diminuindo e o de enterramentos em esquife também foi sendo menor, mas apareceu a categoria dos indigentes. Seriam transportados em esquife?
4-O último registo de enterramento em esquife é de julho de 1958, mas é possível que tenha havido outros depois dessa data; há ainda muita gente que, como o José Barroso, se lembra de ver pessoas transportadas no esquife e enterradas apenas envoltas num lençol.
Entendi mal a ligação do José Barroso às nossas religiosas do convento (julguei que fora engano, mas a sua referência às religiosas do nosso convento tinha lógica na sequência do comentário da Libânia). Fui ver ao meu livro O Concelho de S. Vicente da Beira... o inventário do antigo convento franciscano, realizado aquando da extinção, em 1835, e apenas se refere, na p. 172 do livro, a «1 esquife ou tumba de castanho, já muito velho e destruído: $160 réis». Assim, a carreta não veio de lá.
Encontrei o Pedro Inácio, funcionário da Junta. O esquife que está no estaleiro da Junta estava no barracão ao lado da casa paroquial e o Pe. José Manuel disse-lhe para levar tudo o que lá estava, por isso ele o levou. Desconhece se era da paróquia ou da junta, mas sabe pelos mais velhos que era usado nos funerais para levar os corpos que não iam em caixão e que eram deitados diretamente na terra, envoltos num lençol.
Quanto à carreta, disse-me que foi comprada pelo António Neto quando foi provedor da Misericórdia (pelas nossas contas, há 90/100 anos, por isso cerca de 1920/30). Servia para levar os irmãos da Misericórdia, mas terá sido pouco utilizada. Estava na cave do Hospital e foi levada para a arrecadação de São Francisco aquando das obras da reconversão do Hospital em Lar (anos 80/90). Choveu-lhe em cima durante muitos anos.
Com esta discussão à volta da carreta da Misericórdia, importante porque trouxe algumas achegas ao que sabíamos sobre o património da nossa terra, não valorizámos muito as palavras do Presidente da Câmara durante a apresentação do Livro da Isabel Teodoro (o que me deliciei e comovi a lê-lo!) que fizeram renascer em nós a esperança de vermos abertas as portas do museu de arte sacra. Esperamos que não tivessem sido apenas palavras de circunstância…
As conclusões possíveis:
1. O esquife que está na arrecadação da Junta era desta ou mais certamente da paróquia e servia para levar para a enterrar os corpos das pessoas mais pobres, aquelas que não tinham dinheiro para um caixão (que eram quase todas). Eram lançados à terra envoltos num lençol.
2. A carreta era da Misericórdia, mas penso que ainda não chegámos a certezas definitivas sobre se se destinava a levar o corpo de Cristo ou os irmãos da Misericórdia; quanto ao tempo, também há que confirmar a informação do Pedro Inácio.
Eu que não sou da vetusta (ie, respeitável) antiguidade de vossas excelências tenho na memória, por ter visto e ouvido no local, uma carreta tipo padiola, preta,"armada" na Praça, em frente da porta de acesso à Misericórdia, com um homem morto em cima, tapado com um lençol branco, com que seria enterrado. Aí pelos fins da década de 1950.
JMT
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