Estive há dias na apresentação do livro «Estêvão Dias Cabral» de Lídia Barata, jornalista do Reconquista. É um livro pequeno, quase todo de investigação sobre os trabalhos na área da engenharia hidráulica em que Estêvão Dias Cabral participou (ou apenas sonhou...), mas que revela muita pesquisa.
É o caso do “capítulo” A PROJEÇÃO DE UMA FÁBRICA DE PAPEL NA BEIRA BAIXA”, que achei extraordinário, apesar de nunca se ter concretizado:
«Na
Beira Baixa, seu berço, Estêvão Dias Cabral também estudou com detalhe as
potencialidades que a Serra da Gardunha oferecia para a instalação de uma
fábrica de papel, projeto que nunca vingou e nunca saiu do seu pensamento
técnico nem do papel, sendo à época, seguramente, visto como visionário e
arrojado, ou até mesmo megalómano.
Além do
potencial em termos de matéria prima, o seu foco terá incidido na quantidade de
nascentes de água das quais a Gardunha é fiel guardiã, ou não fosse a água um
dos elementos fundamentais no fabrico de papel.
Além de
científico, o seu pensamento também se refletia no campo económico, considerando
que com este projeto havia potencial para Portugal deixar de importar papel e,
além de colmatar as necessidades de consumo interno, poderia até vendê-lo a
outros países.
No seu
manuscrito “Memória sobre o Papel”, Estêvão Dias Cabral realça a importância da
oferta que cada país tem para a criação da sua imagem. “Paciência, se somos
obrigados a comprar em casa alheia o que a nossa terra não dá”, referindo-se a
produções naturais, mas no que toca à manufatura, o que depende da arte e do
engenho do homem, o Jesuíta considera que “ muitas vezes a boa indústria
converte miséria em felicidade e pobreza em riqueza”. Pensamento assente no
facto de, à época, Portugal desembolsar anualmente “duzentos mil cruzados” na
compra de papel, sobretudo a Génova e Holanda. Cabral reitera assim que não
tínhamos necessidade de comprar um produto que podíamos vender. E fundamenta e
explica porquê.
E foi
como “boa indústria” que classificou a fábrica de papel que projetou para a Beira
Baixa. Precisava apenas de garantir que os três pilares fundamentais estavam
cumpridos, nomeadamente trapos de linho (mas também papel usado e de livros
velhos), água e uma máquina para transformar a mistura dos outros dois elementos.
Certo
já de que tudo se aproveita e transforma, considerava que seria fácil, com uma
pequena compensação financeira, convencer as criadas das casas abastadas e os
mais pobres sem ocupação, a recolher todo este tipo de material, fosse na casa
dos patrões, fosse nas ruas. Isto seria, na sua perspetiva, um pequeno
investimento que geraria um grande retorno. Introduzia à época o conceito
daquilo a que hoje chamamos reciclagem.
Quanto à
água, que defendia ter de ser “clara, abundante e com queda tal que possa
voltar rodas e mover máquinas”, achou-a em abundância num passeio no Outono de
1790 pela sua região natal.
Num
local que designou por serra de Alpedrinha, próximo da localidade de Louriçal
do Campo, Torre e Casal da Serra, a água do Ocreza servia perfeitamente o
propósito, tal como a proximidade das aldeias, que poderiam fornecer a mão de
obra necessária. E mais uma vez, olhando à redução dos custos, apontava que os
trabalhos mais leves podiam ser feitos por mulheres, rapazes e raparigas, que
ganhavam menos que os “dois tostões” diários pagos aos homens.
Este
local ficava, como sublinhou, a ”quatro léguas de Castelo Branco e a sete ou
oito de Vila Velha”, Vila Velha de Ródão que, no seu entender, seria o local
ideal para fazer escoar o produto final, já que beneficiava da navegabilidade
do Tejo. Escoamento que também podia ser feito por Abrantes, em alternativa. A
facilidade dos acessos era um fator relevante para o seu estudo. Faltava o
terceiro pilar, uma máquina que poderia ser como as referenciadas na literatura
francesa, onde esta indústria estaria mais avançada, mas também sugeria que se
pudesse visitar uma fábrica que, à data, já laborava na Lousã. Em 1716 a
qualidade do Engenho de Papel do Penedo, valia-lhe o prestígio de fornecer a
tipografia da Companhia de Jesus de Coimbra, vindo depois a juntar à sua lista
de clientes a Tipografia Académica e a Casa da Moeda. De qualquer forma, esta
tipografia da Lousã seria de menor dimensão que a projetada por Cabral para a
Gardunha.
(…)
Na
Gardunha abundava a pedra para facilitar a construção do edificado. Carecia de
madeira, sempre alvo fácil de incêndios, mas poderia ser fornecida pelas matas
de castanho de Alcongosta ou pelo carvalho do Souto da Casa, madeiras nobres
que considerava até poderem ser usadas na construção de navios, pela sua
qualidade.
Estêvão Dias Cabral defendia que, havendo método, o papel poderia dar ao Estado o mesmo lucro que este já retirava dos lanifícios da Covilhã. Uma coisa era certa na sua cabeça, a beira baixa reunia todas as condições para acolher a “melhor fábrica de papel do mundo”.
M. L. Ferreira
NOTA:
Para quem possa não saber, Estêvão Dias Cabral, filho de Theodoro Faustino
Dias, de Tinalhas, e Maria Cabral de Pina, do Violeiro, foi padre jesuíta e engenheiro hidráulico. Nasceu em Tinalhas, a três de fevereiro de 1734, e faleceu em
São Vicente, no dia um de fevereiro de 1811.
3 comentários:
No dia 5 de fevereiro de 2015 publiquei os óbitos na nossa freguesia em 1811, entre eles o do Padre Estêvão Dias Cabral:
11
Nome: Padre Estevaõ Cabral
Família: de São Vicente da Beira
Data: 01/02/1811
Observações: O Pe. Estevão Cabral era do Violeiro e fixou-se em São Vicente da Beira, onde exerceu o seu sacerdócio. Faleceu repentinamente, pelo que não recebeu sacramentos. Foi sepultado na Igreja de Tinalhas.
E na introdução publiquei o esclarecimento que se segue:
O Pe. Estêvão Cabral era um dos 6 irmãos Cabral de Pina, do Violeiro, filhos do Sargento-Mor Domingos Nunes Pousão, do Violeiro, e de Brites Maria Cabral de Pina, da Quinta da Canharda, S. Miguel de Fornos, Algodres. A filha Maria casou com o Alferes, mais tarde Capitão e depois de enviuvar Padre Teodoro Faustino Dias, lavrador com posses, de Tinalhas. As outras duas filhas, Joana e Brites, ficaram solteiras e vieram viver para a Vila, para junto dos irmãos padres: Estêvão e Manuel. Este foi capelão de São Tiago e provedor da Misericórdia, onde o irmão Manuel era capelão. Havia ainda um sexto filho, João, que viveu em São Vicente, mas depois se fixou no Fundão.
Estes irmãos eram os donos da Azenha Nova, do lagar e de um pomar que ali existia. Moravam na Rua Nicolau Veloso. O Pe. Estêvão deu aos franceses 5 alqueires de milho e ao exército de Portugal certa quantia que lhe deviam em Coimbra. Terá sido a sua irmã Joana (a documentação apenas refere uma Dona Joanna) a dar 40.000 réis para o exército de Portugal, em 1808.
Mas será que estes irmãos ainda eram vivos nos inícios do século XIX? É possível que não e que o Pe. Estêvão Cabral a que se refere a documentação sobre as invasões francesas fosse o seu sobrinho de Tinalhas, o padre jesuítica Estêvão Dias Cabral, que aqui viveu nas propriedades que haviam sido de seus tios e que aqui faleceu, em 1811
Curiosidade: o padre jesuíta Estêvão Dias Cabral deu nome ao largo da Igreja de Tinalhas.
A genealogia destas famílias é bastante confusa: pela semelhança dos nomes, alguns serem padres viúvos, casados com parentes próximos, com muitos filhos, todos muito ricos.
Mas sobre o padre Estêvão Dias Cabral, no livro «O CONCELHO DE SÃO VICENTE DA BEIRA …» do José Teodoro Prata, para além de outras referências à família, pode ler-se na página 281: “Segundo Landeiro, o filho de Teodoro Faustino Dias, Estêvão Dias Cabral, nasceu em Tinalhas e cursou Humanidades em Coimbra, tendo ingressado na Companhia de Jesus. Aquando da expulsão dos jesuítas, em 1759, pelo governo de Pombal, foi para a Itália, tornando-se professor no Colégio de Roma. Dedicou-se aos estudos da hidráulica, tendo publicado um memorial em que resolvia as inundações do rio Velino, em Roma. Regressou mais tarde a Portugal e faleceu em São Vicente da Beira, no dia 1 de Fevereiro de 1811. Ali terá passado os seus últimos dias, em propriedades que a família possuía.” Teria 77 anos.
A estarem corretos estes dados, parece prematuro que, como diz Lídia Barata, Estêvão Dias Cabral tenha tido uma colaboração relevante no projecto do Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa, que já estaria construído, pelo menos em parte, por alturas do terramoto. À data, Estêvão Dias Cabral teria cerca de 20 anos e ainda não tinha ido estudar para Roma. Mas com os Jesuítas nunca se sabe…
Há uma rua em Coimbra com o nome de "Padre Estêvão Cabral", mesmo ao pé da Segurança Social; por isso, cedo ouvi falar desse nome. Segundo João Pardal (texto da NET), o "Padre Estêvão Dias Cabral, 1734-1811", foi encarregado de desviar o curso do rio Mondego para evitar estragos nas cheias.
Foi nessa altura que ele mandou plantar o Choupal (podem ver-se as especificações desta conhecida mata em flora e fauna). Pelas datas e pelo nome, esse deve o mesmo padre jesuíta de S. Vicente da Beira, ligado ao Choupal e com nome de rua em Coimbra.
Mas, realmente, o homem muito era visionário! No século XX e fábrica de papel foi mesmo para Vila Velha de Ródão (local que ele previra como ponto de escoamento do "papel da Gardunha!"
Abraços, hã!
J. Barroso
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