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terça-feira, 26 de abril de 2016

Os Gama

Recebi duas mensagens, via e-mail, de Leonor Gama, uma estudiosa da família Gama nesta nossa região. A sua mensagem veio na sequência da minha publicação, neste blogue, sobre a guerrilha da Enxabarda (Invasões Francesas 7).
Porque sei que há pessoas interessadas no assunto, nomeadamente na Partida (sem falar no nosso Pedro Inácio Gama), pedi autorização e aqui deixo as informações que trocámos. A minha parte está em itálico.
Relembro que a mãe de Hipólito Raposo, Maria Adelaide Gama, era natural de Janeiro de Cima.

Sou descendente dos Gama de Maxial da Ladeira e tenho estado a pesquisar sobre a família, tendo-me deparado com a história das invasões francesas. Depois de pesquisar, cheguei à conclusão que existem contradições na tradição oral que gostaria de lhe expor e confrontar com os dados que tem.

Refere que a tradição oral indica Manuel Joaquim Gama como o estratega do ataque aos franceses. Manuel Joaquim Gama nasceu em 1801 teria 10 anos em 1811, não podendo ser o estratega que a tradição oral refere. E, de facto, ele viveu em Bogas de Baixo, ao contrário dos restantes Gama, mas a sua mulher, Rosália dos Santos, era de Bogas de Baixo e a sua casa seria, provavelmente, de seus pais, a qual herdou, beneficiando Manuel Joaquim Gama, enquanto seu marido. Manuel Joaquim Gama foi o primeiro da família com esse nome, tendo havido outro, seu filho, nascido em 1835.

Mas a tradição oral refere sempre, segundo tenho lido, o nome Manuel e o apelido Gama. Essa é a única constante em todos os relatos.

Todos os Gama do Maxial descendem de Maria Martins da Gama, natural de Rochas de Cima, dos "da Gama" de Almaceda, que casou com Manoel Gonçalves Branco que adotou o apelido Gama, de sua mulher. O casal teve cinco filhos, Maria Teresa, Domingos, Ana, João e Manuel, todos nascidos entre 1752 e 1773 (aproximadamente).

Assim sendo, a tradição confrontada com os factos parece remeter-nos para Manuel Martins Gama, nascido cerca de 1773 e que teria sensivelmente 38 anos de idade na altura da batalha.  

Por alguma razão, a informação vai sendo deturpada e um Manuel Joaquim Gama, excessivamente jovem na época, passa a ser apontado no séc. XX como o "estratega".

Dizem na tradição oral que esse Manuel Gama teria tido um filho que casou em Janeiro de Cima, o que nunca aconteceu, pois todos os Gama com o nome João se casaram em Bogas de Baixo, embora um deles se tenha casado com uma mulher natural de Janeiro de Cima, precisamente o irmão de Manuel Gama. O pai de ambos, Manuel Martins Branco, nascido em 1732, seria demasiado velho para ser o "estratega", para além de que o apelido Gama que usava não era seu, como já referi, era de sua mulher.

Tenho andado a fazer o levantamento dos registos paroquiais da freguesia de São Vicente da Beira, cerca de 1800, e têm-me aparecido muitos Gamas da freguesia de Almaceda a casar na freguesia de São Vicente. Por eles já concluíra que a informação do professor Carlos Gama e que publiquei neste blogue de que todos os Gamas da região descendiam do Gama que comandara a guerrilha, casado após as Invasões, estava errada, pois encontrei Gamas de Almaceda anteriores à invasão.

Ainda estou em fase de pesquisa e à medida que for obtendo informações posso enviar-lhe, se desejar. De facto, os Gama do Maxial parecem descender todos de Maria Martins da Gama, nascida em Rochas de cima em 1733 e casada com Manoel Gonçalves Branco, natural do Maxial, nascido em 1732; este último acabaria por ser conhecido por Manoel Gama. Seriam eles os pais do Manoel Gama, que penso ter sido o estratega do Maxial.

Há uma tradição que fala em dois irmãos e de que um teria roubado as moedas de ouro ao outro. Não encontrei nenhuma evidência, tão pouco, de terem existido moedas de ouro, nem de diferenças económicas entre os Gama do Maxial. Creio que a estória foi crescendo com o tempo. Eram todos proprietários, lavradores, o que indica que seriam donos das casas onde viviam e dos campos que exploravam, sem grandes riquezas.

Para completar o quadro, há também os Gama de Janeiro de Cima, que descendem de um sobrinho de Maria, Domingos Martins Gama, que casou em Janeiro de Cima.

Todos os Gama da zona têm o mesmo tronco, que começa em Almaceda.

A ascendência de Almaceda também me intriga, porque creio ser resultante do mesmo tipo de situação da do Maxial, ou seja, um natural de Almaceda casou com uma Gama que veio de fora e criam geração. Há uma Catherina da Gama, nascida cerca de 1623, que penso estar na origem de toda a descendência Gama daquela zona. Casou com António Freire. Penso que os Gama virão ainda de outro local. Se souber da existência de "Gamas"  em regiões próximas, agradeço a sua ajuda. Parece que na zona de Amieira do Tejo, Gavião e Vale da Gama (este nome também me intriga...) há alguns. Será que existem outros mais próximo?

José Teodoro Prata

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A emboscada na Enxabarda


Aquele entardecer invernoso foi um dos momentos mais traumáticos vividos pelo exército francês, em Portugal. Muitos anos mais tarde, quando uma emigrante da Enxabarda se apresentou, para o serviço doméstico, na casa de um alto oficial francês, ele exclamou: “Enxabarda, a terra por onde os franceses tanto temiam passar!”.
Fez precisamente 200 anos, no passado dia 1 de fevereiro. O recontro militar da Enxabarda foi um episódio da 3.ª Invasão francesa. As tropas do General Massena venceram Almeida, passaram o Buçaco e desceram para Lisboa. Mas, na zona de Torres Vedras, foram travadas pelas famosas Linhas de Torres, fortificações militares em todos os pontos altos, entre o mar e o Tejo, prontas a metralhar os franceses na sua passagem pelos caminhos dos vales.
Massena sabia o que o esperava e não ousou avançar. Pediu reforços à retaguarda e de Ciudad Rodrigo veio em seu socorro o Regimento 30, composto por 3.000 cavaleiros e infantes, sob o comando do General Foy.
Atalhou caminho pela Estrada Nova, o percurso mais curto para o Ribatejo e a Estremadura, pelo Sabugal, Fundão e Abrantes. A Estrada Nova era de facto nova, nesse ano de 1811. Mandara-a construir o Marquês de Alorna, comandante militar da Beira, em 1801, durante a Guerra das Laranjas, travada contra o exército franco-espanhol. Ligava Cardigos à Enxabarda, pela Isna, Estreito, Foz do Giraldo, Alto do Ingarnal, sempre pelos cumes da Gardunha, até à Eira dos Três Termos (acima do Vale de Figueiras), onde descia para a Enxabarda. Daqui para o Fundão já havia estrada, tal como entre Abrantes e Cardigos.
Mas a notícia da passagem dos franceses chegou à Gardunha mais depressa do que o regimento. O Tenente-Coronel Grant, oficial inglês do exército luso-britânico, avançou para a serra apenas com 80 ordenanças de Alpedrinha. Na Enxabarda, preparou uma emboscada ao regimento francês. Vieram juntar-se-lhe centenas(milhares?) de populares dos povos das encostas da Gardunha. Entre a Enxabarda e a Foz do Giraldo, cavaram fossos na estrada, logo disfarçados com paus, mato e terra. Nalguns, colocaram estacas afiadas, no fundo.
As tropas francesas chegaram cerca das 4 horas da tarde e foram surpreendidas por um cerrado fogo dos portugueses escondidos atrás das moitas. Tiros, correrias, sofrimento, morte. A batalha só terminou quando a noite tudo envolveu no seu manto negro.
Ao amanhecer, fez-se o balanço: 207 franceses mortos, muitos deles ao longo da noite, dos ferimentos e de frio; 18 prisioneiros; bagagens; bois e carros de trigo. Longe das vistas do oficial inglês, os populares apoderaram-se de tudo o que lhes veio à mão. Contam-se histórias de um tesouro francês que fez a fortuna dos Gama do Maxial da Ladeira.

Notas:
Esta síntese foi elaborada a partir de documentos já apresentados nas seguintes publicações: “Estrada Nova” de 3 de Setembro de 2009; “Invasões Francesas 6” de 2 de Outubro de 2009; “Invasões Francesas 7” de 3 de Outubro de 2009.
As imagens e respetivas legendas são da edição impressa do Jornal do Fundão, deste 10 de fevereiro, em que ilustram um artigo do Professor Candeias da Silva, sobre o mesmo assunto.



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Invasões Francesas 6

A guerrilha do Tenente-Coronel Grant

Notas prévias:
1. Devem consultar-se as imagens das publicações de 26 de Setembro (Invasões francesas 5) e de 3 de Setembro (Estrada Nova), a fim de perceber melhor esta publicação.
2. Amanhã, sábado, será publicada a conclusão da presente publicação.


Durante a terceira invasão francesa, o Regimento 30 do Exército Francês, comandado pelo General Foy, passou pela Estrada Nova, em direcção ao Ribatejo e à Estremadura, a fim de ajudar Massena a transpor as Linhas de Torres.
O ambiente no Reino de Portugal era então de sublevação total contra os franceses. O grosso do exército anglo-luso encontrava-se a defender as Linhas de Torres, mas o Tenente-Coronel Grant permanecia na retaguarda, com a missão de dificultar a chegada de reforços ao Exército Francês, que se encontrava num impasse, sem capacidade de abrir caminho para Lisboa.
Segue-se a transcrição de duas cartas do Tenente-Coronel Grant, nas quais relata o ataque de 1 de Fevereiro de 1811 à coluna militar do General Foy, na Estrada Nova.


Carta do Tenente-Coronel J. Grant ao coronel D´Urban. Enxabarda, 2 de Fevereiro de 1811:

«Sede servido referir a S. Ex.ª o comandante em chefe que ontem uma coluna do inimigo, debaixo do comando do General Foy, consistindo em três mil cavalos e infantes de Ciudad Rodrigo, passou pela Estrada Nova, para se unir a Massena. Pernoitou aos 31, em Alcaria, junto do Fundão.
No 1.º deste mês tomei posto em um outeiro junto a esta aldeia, por onde o inimigo devia passar, tendo comigo oitenta ordenanças de Alpedrinha. Fez-se-lhe um bem dirigido fogo por duas horas e terminou somente com a noite.
O resultado foi dezoito mortos na estrada, grande número de feridos e dez prisioneiros. Vários feridos acharam-se mortos esta manhã pela extrema inclemência do tempo.
Também se tomaram diversos carros de trigo e considerável número de bois.
Tendo mandado partidas para picar a frente e a retaguarda do inimigo, tenho razão para pensar que ele deve ter sofrido consideravelmente antes de deixar a estrada nova.
Nós perdemos somente um homem, com poucos cavalos feridos, entre eles o meu.»



Carta do Tenente-Coronel L Grant ao Coronel D´Urban. Fundão, 4 de Fevereiro de 1811:

«Tende a bondade de referir a S. Ex.ª o marechal, que o resultado da acção do 1.º do corrente, junto à Enxabarda, foi mais completo do que eu ao princípio referi.
Acharam-se mortos duzentos e sete do inimigo, aos 2 do corrente, no espaço de quatro léguas, parte dos quais morreu em consequência das feridas e da inclemência do tempo. Estão também em meu poder dezoito prisioneiros (…).
Tenho também que dizer que o coronel do regimento francês 30 e o quartel mestre do mesmo regimento foram achados entre os mortos. O inimigo perdeu a maior parte da sua bagagem e gado.»


Cartas publicadas em Apontamentos para a História do Concelho do Fundão, de José Germano da Cunha, Lisboa, 1892, páginas 87 a 89. O autor extraiu as cartas de Claudio Chaby, Excerptos históricos e collecção de documentos relativos á guerra denominada da península.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Estrada Nova

Não, não é a nossa Estrada Nova, construída nos anos 40 do século passado, em jeito de circular à Vila, para tirar o trânsito do centro e facilitar a passagem por S. Vicente da Beira.
Esta Estrada Nova é a do Marquês de Alorna, como também era conhecida. Passava nos limites da nossa freguesia, nos cumes da Gardunha, e é provável que os dois regimentos ingleses que estiveram em S. Vicente da Beira, em Julho/Agosto de 1811 (ver Invasões Francesas 4), seguissem por essa estrada antes de virar para a nossa terra.
O Marquês de Alorna que deu nome à estrada foi Pedro José de Almeida Portugal, comandante militar da Beira, em 1801, durante o conflito de Portugal com Espanha, no qual perdemos definitivamente Olivença. Este conflito, chamado Guerra das Laranjas, é já considerado um episódio da Guerra Peninsular, a que chamamos Invasões Francesas. A Wikipédia informa sobre ele:

«Tratando o governo de se preparar para a guerra, Alorna teve o comando das tropas que se uniram na Beira. Em vão requisitou mais forças, dinheiro e recursos indispensáveis para a defesa; seus pedidos tiveram somente promessas em resposta. Então, valendo-se do seu próprio crédito, abasteceu Almeida e, com a sua energia, conseguiu fazer das rochas do Monsanto uma praça de guerra, e construir na Guarda um forte com casamatas à prova de bomba, fortificou a posição das Talhadas com três redutos e outros entrincheiramentos, pôs o castelo de Vila Velha, um montão de pedras, em estado de se defender, levantando flechas e trincheiras, fez obras nos arredores de Sortelha e Celorico, criou um Hospital no Fundão, estabeleceu nesta vila, em Cardigos e Celoricos, armazéns para abastecimento das suas posições e com o fim do facilitar as comunicações para Abrantes, uma sofrível estrada, que ficou com o nome do estrada do marquês de Alorna…»

Esta sofrível estrada era a Estrada Nova, construída entre Cardigos e a Enxabarda, a fim de facilitar as comunicações de Abrantes para a praça-forte de Almeida.
Da Enxabarga, a Estrada seguia pelos cumes da Gardunha (Candal, Cigarrelho, Portela da Moreira e Zibreiro(Alto do Engarnal) e descia para a Foz do Giraldo, seguindo em direcção ao Estreito e depois para a Isna até Cardigos, onde se unia a uma estrada já existente.
Diamantino Gonçalves, o fotógrafo que descobriu as gravuras rupestres do Zêzere, na sua página da internet (http://www.dbgoncalves.com/terras_do_xisto.htm), onde descreve todo este vale do Zêzere (a que já me referi neste blogue, a propósito do P.e Branco), escreve sobre a Estrada Nova:

«Daqui tudo se vê, o vale da ribeira estende-se até à Panegral por detrás dela a eira dos Três Termos, lugar mágico de lutas terríveis durante as invasões francesas, que se estenderam ao Cabeço Zibreiro, por toda a Estrada Nova. Estrada construída em 1801 fazia parte do plano de preparação para a guerra, elaborado também pelo Marquês de Alorna, que mais tarde combateu ao lado das tropas de Napoleão, morreu na Rússia. A estrada nova era da maior importância para a estratégia militar da época. Pois encurtava muito a distância do Fundão a Tomar e ainda com ligações às estradas de Castelo Branco, Vila Velha e Abrantes. A estrada traçada pelo cume dos montes servia ainda para apoiar o (Telegrafo de Sinais) que chegou a funcionar de Lisboa a Almeida. Cada estação do telégrafo distava entre si 15.000 metros funcionavam com uma ou duas pessoas, mas tinham de ser montadas e abastecidas e defendidas. Dirigiu parte ou toda a sua construção, uma das maiores figuras da Beira daquele tempo: José Pereira Pinto Castelo-branco, (O mil diabos da Capinha) foi ajudante de campo do marquês de Alorna…»

Um autor francês anónimo deixou-nos o relato da passagem de uma coluna militar do Exército Francês, comandada pelo General Gardanne, que seguia de Almeida para Cardigos. No dia 24 de Novembro de 1810, escreveu:

«Le 24 on a suivi le Chemin d´Enchabardas(Enxabarda), mauvais village a 1/2 lieue de Castelleijo(Castelejo) e dans la même vallée. C´est la que commence réellement l´Estradanova(Estrada Nova), on monte d´abord pendant plus d´une heure pour arriver au sómet de la Serra dos tres termos(Eira dos Três Termos), mais les rampes sont bien mauvaises. Cette route est fort belle et suit constament les crêpes jusqu´à fogeraldo(Foz do Giraldo), mauvais hameau ou nait un ruisseau que se jette dans le Trepeito (Tripeiro)
(VICENTE, António Pedro – Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes referentes a Portugal, III, (1807-1811), Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 317.)

Seguem-se extractos das Cartas 20-D e 20-B, do Instituto Geográfico e Cadastral, com a Estrada Nova assinalada a tracejado negro. Os mapas estão em sequência, um continua no seguinte. Deve clicar-se em cada um, para se conseguir percebê-los.


A Eira dos Três Termos era assim chamada, porque ali se encontravam os limites(termos) dos concelhos do Fundão, S. Vicente e Sarzedas. Nunca lá fui, pelo que não tenho a certeza absoluta da sua localização, mas tudo indica que seja no local indicado (à esquerda do nome).


O Zibreiro é o cume também chamado Alto do Engarnal.



Nota: O meu livro O Concelho de S. Vicente na Beira Guerra Peninsular tem, na página 49, um mapa com a Estrada Nova a passar junto a S. Vicente. Na altura, pensava que ela passasse por Almaceda, Partida, Paradanta, Vale D`Urso e Castelejo. Pelos documentos que entretanto fui consultando, sei agora que ela passava de facto perto, mas nos cumes da Gardunha.