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terça-feira, 26 de abril de 2016

Os Gama

Recebi duas mensagens, via e-mail, de Leonor Gama, uma estudiosa da família Gama nesta nossa região. A sua mensagem veio na sequência da minha publicação, neste blogue, sobre a guerrilha da Enxabarda (Invasões Francesas 7).
Porque sei que há pessoas interessadas no assunto, nomeadamente na Partida (sem falar no nosso Pedro Inácio Gama), pedi autorização e aqui deixo as informações que trocámos. A minha parte está em itálico.
Relembro que a mãe de Hipólito Raposo, Maria Adelaide Gama, era natural de Janeiro de Cima.

Sou descendente dos Gama de Maxial da Ladeira e tenho estado a pesquisar sobre a família, tendo-me deparado com a história das invasões francesas. Depois de pesquisar, cheguei à conclusão que existem contradições na tradição oral que gostaria de lhe expor e confrontar com os dados que tem.

Refere que a tradição oral indica Manuel Joaquim Gama como o estratega do ataque aos franceses. Manuel Joaquim Gama nasceu em 1801 teria 10 anos em 1811, não podendo ser o estratega que a tradição oral refere. E, de facto, ele viveu em Bogas de Baixo, ao contrário dos restantes Gama, mas a sua mulher, Rosália dos Santos, era de Bogas de Baixo e a sua casa seria, provavelmente, de seus pais, a qual herdou, beneficiando Manuel Joaquim Gama, enquanto seu marido. Manuel Joaquim Gama foi o primeiro da família com esse nome, tendo havido outro, seu filho, nascido em 1835.

Mas a tradição oral refere sempre, segundo tenho lido, o nome Manuel e o apelido Gama. Essa é a única constante em todos os relatos.

Todos os Gama do Maxial descendem de Maria Martins da Gama, natural de Rochas de Cima, dos "da Gama" de Almaceda, que casou com Manoel Gonçalves Branco que adotou o apelido Gama, de sua mulher. O casal teve cinco filhos, Maria Teresa, Domingos, Ana, João e Manuel, todos nascidos entre 1752 e 1773 (aproximadamente).

Assim sendo, a tradição confrontada com os factos parece remeter-nos para Manuel Martins Gama, nascido cerca de 1773 e que teria sensivelmente 38 anos de idade na altura da batalha.  

Por alguma razão, a informação vai sendo deturpada e um Manuel Joaquim Gama, excessivamente jovem na época, passa a ser apontado no séc. XX como o "estratega".

Dizem na tradição oral que esse Manuel Gama teria tido um filho que casou em Janeiro de Cima, o que nunca aconteceu, pois todos os Gama com o nome João se casaram em Bogas de Baixo, embora um deles se tenha casado com uma mulher natural de Janeiro de Cima, precisamente o irmão de Manuel Gama. O pai de ambos, Manuel Martins Branco, nascido em 1732, seria demasiado velho para ser o "estratega", para além de que o apelido Gama que usava não era seu, como já referi, era de sua mulher.

Tenho andado a fazer o levantamento dos registos paroquiais da freguesia de São Vicente da Beira, cerca de 1800, e têm-me aparecido muitos Gamas da freguesia de Almaceda a casar na freguesia de São Vicente. Por eles já concluíra que a informação do professor Carlos Gama e que publiquei neste blogue de que todos os Gamas da região descendiam do Gama que comandara a guerrilha, casado após as Invasões, estava errada, pois encontrei Gamas de Almaceda anteriores à invasão.

Ainda estou em fase de pesquisa e à medida que for obtendo informações posso enviar-lhe, se desejar. De facto, os Gama do Maxial parecem descender todos de Maria Martins da Gama, nascida em Rochas de cima em 1733 e casada com Manoel Gonçalves Branco, natural do Maxial, nascido em 1732; este último acabaria por ser conhecido por Manoel Gama. Seriam eles os pais do Manoel Gama, que penso ter sido o estratega do Maxial.

Há uma tradição que fala em dois irmãos e de que um teria roubado as moedas de ouro ao outro. Não encontrei nenhuma evidência, tão pouco, de terem existido moedas de ouro, nem de diferenças económicas entre os Gama do Maxial. Creio que a estória foi crescendo com o tempo. Eram todos proprietários, lavradores, o que indica que seriam donos das casas onde viviam e dos campos que exploravam, sem grandes riquezas.

Para completar o quadro, há também os Gama de Janeiro de Cima, que descendem de um sobrinho de Maria, Domingos Martins Gama, que casou em Janeiro de Cima.

Todos os Gama da zona têm o mesmo tronco, que começa em Almaceda.

A ascendência de Almaceda também me intriga, porque creio ser resultante do mesmo tipo de situação da do Maxial, ou seja, um natural de Almaceda casou com uma Gama que veio de fora e criam geração. Há uma Catherina da Gama, nascida cerca de 1623, que penso estar na origem de toda a descendência Gama daquela zona. Casou com António Freire. Penso que os Gama virão ainda de outro local. Se souber da existência de "Gamas"  em regiões próximas, agradeço a sua ajuda. Parece que na zona de Amieira do Tejo, Gavião e Vale da Gama (este nome também me intriga...) há alguns. Será que existem outros mais próximo?

José Teodoro Prata

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Jornadas de Medicina, 2015




Este ano, apresentei um trabalho intitulado 
"Demografia em tempo de guerra, São Vicente da Beira, 1801-1821". 
Será publicado nos Cadernos de Cultura, nas jornadas do próximo outono.
O gráfico acima apresentado refere-se aos registos de batismos e óbitos da nossa freguesia, 
quase todos já publicados neste blogue. 
A minha intervenção baseou-se neste gráfico e noutros dois referentes aos casamentos.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A emboscada na Enxabarda


Aquele entardecer invernoso foi um dos momentos mais traumáticos vividos pelo exército francês, em Portugal. Muitos anos mais tarde, quando uma emigrante da Enxabarda se apresentou, para o serviço doméstico, na casa de um alto oficial francês, ele exclamou: “Enxabarda, a terra por onde os franceses tanto temiam passar!”.
Fez precisamente 200 anos, no passado dia 1 de fevereiro. O recontro militar da Enxabarda foi um episódio da 3.ª Invasão francesa. As tropas do General Massena venceram Almeida, passaram o Buçaco e desceram para Lisboa. Mas, na zona de Torres Vedras, foram travadas pelas famosas Linhas de Torres, fortificações militares em todos os pontos altos, entre o mar e o Tejo, prontas a metralhar os franceses na sua passagem pelos caminhos dos vales.
Massena sabia o que o esperava e não ousou avançar. Pediu reforços à retaguarda e de Ciudad Rodrigo veio em seu socorro o Regimento 30, composto por 3.000 cavaleiros e infantes, sob o comando do General Foy.
Atalhou caminho pela Estrada Nova, o percurso mais curto para o Ribatejo e a Estremadura, pelo Sabugal, Fundão e Abrantes. A Estrada Nova era de facto nova, nesse ano de 1811. Mandara-a construir o Marquês de Alorna, comandante militar da Beira, em 1801, durante a Guerra das Laranjas, travada contra o exército franco-espanhol. Ligava Cardigos à Enxabarda, pela Isna, Estreito, Foz do Giraldo, Alto do Ingarnal, sempre pelos cumes da Gardunha, até à Eira dos Três Termos (acima do Vale de Figueiras), onde descia para a Enxabarda. Daqui para o Fundão já havia estrada, tal como entre Abrantes e Cardigos.
Mas a notícia da passagem dos franceses chegou à Gardunha mais depressa do que o regimento. O Tenente-Coronel Grant, oficial inglês do exército luso-britânico, avançou para a serra apenas com 80 ordenanças de Alpedrinha. Na Enxabarda, preparou uma emboscada ao regimento francês. Vieram juntar-se-lhe centenas(milhares?) de populares dos povos das encostas da Gardunha. Entre a Enxabarda e a Foz do Giraldo, cavaram fossos na estrada, logo disfarçados com paus, mato e terra. Nalguns, colocaram estacas afiadas, no fundo.
As tropas francesas chegaram cerca das 4 horas da tarde e foram surpreendidas por um cerrado fogo dos portugueses escondidos atrás das moitas. Tiros, correrias, sofrimento, morte. A batalha só terminou quando a noite tudo envolveu no seu manto negro.
Ao amanhecer, fez-se o balanço: 207 franceses mortos, muitos deles ao longo da noite, dos ferimentos e de frio; 18 prisioneiros; bagagens; bois e carros de trigo. Longe das vistas do oficial inglês, os populares apoderaram-se de tudo o que lhes veio à mão. Contam-se histórias de um tesouro francês que fez a fortuna dos Gama do Maxial da Ladeira.

Notas:
Esta síntese foi elaborada a partir de documentos já apresentados nas seguintes publicações: “Estrada Nova” de 3 de Setembro de 2009; “Invasões Francesas 6” de 2 de Outubro de 2009; “Invasões Francesas 7” de 3 de Outubro de 2009.
As imagens e respetivas legendas são da edição impressa do Jornal do Fundão, deste 10 de fevereiro, em que ilustram um artigo do Professor Candeias da Silva, sobre o mesmo assunto.



domingo, 28 de fevereiro de 2010

Invasões Francesas 11


A conquista de Ciudad Rodrigo
A 3.ª invasão francesa terminou, após a batalha do Sabugal (03/04/1811). Os franceses retiraram para Espanha, mas dominavam ainda a fortaleza fronteiriça de Ciudad Rodrigo, continuando a ser uma ameaça para Portugal.
No Inverno do ano seguinte, o exército luso-britânico, sob o comando de Wellington, tomou esta fortaleza, após um cerco que se prolongou de 8 a 19 de Janeiro de 1812.
Homens e bestas tinham de comer. E é aqui que entram os nossos antepassados.
No Verão e Outono de 1811, foram muitos os serviços prestados pelos nossos carreiros, todos a transportar mantimentos para as tropas que se começavam a concentrar na Comarca de Castelo Branco, que na época incluía o Sabugal.
Alguns transportes eram de âmbito local, mas a maioria destinava-se a trazer alimentos de Abrantes para a sede desta comarca.
Mas foi sobretudo para abastecer as tropas em Ciudad Rodrigo, após a sua conquista, que estes transportes ganharam uma particularidade que os diferencia dos restantes.
No concelho de S. Vicente da Beira, como aliás terá sucedido nos restantes concelhos da região, fez-se uma recolha de palhas e fenos, que depois se transportaram para um outro centro, este possivelmente regional, a vila de Alpedrinha.
Dali, as palhas e fenos foram levados para Bismula, no concelho do Sabugal, muito próximo de Aldeia da Ponte, povoação fronteiriça, por onde passava a estrada de ligação a Espanha (não assinalada no mapa, em baixo), quase em linha recta para Ciudad Rodrigo.


Mapa de localização da região referida no texto. Destaque para as fortalezas de Almeida e Ciudad Rodrigo. Bismula está apenas assinalada com uma linha fechada, sem nome, pois não consta deste mapa (clicar no mapa, para ver melhor).


Entrada da fortaleza de Ciudad Rodrigo


Ponte romana de acesso a Ciudad Rodrigo, sobre o rio Agueda, afluente do Douro


A catedral de Ciudad Rodrigo

Carreiros que fizeram serviços de transporte de S. Vicente para Alpedrinha:
Pedro, ganhão de Berardo Joze Leal, da Vila, em Fevereiro de 1812
(O ganhão de) Francisco Antonio Simoens, da Vila, Janeiro de 1812
Joam Francisco e Joze Mateos, do Mourelo, Março de 1812
Joam Antunes Piqueno, do Mourelo, Março de 1812
Faustino Roiz e Joze Morozo, do Mourelo, Março de 1812
Manuel Antunes Frade e Joze Alves, do Mourelo, Março de 1812
Manoel Leitam e Joam Antunes, do Mourelo, Março de 1812
Manoel Leitam e Joze Alves, do Mourelo, Março de 1812
Joaquim Roiz Diabinho, do Mourelo, Março de 1812 (de Rochas de Cima para S. Vicente)

De Alpedrinha para Bismula andaram os seguintes carreiros:
Domingos Silva, da Vila, em Janeiro de 1812, 18 dias
(O ganhão de) Ignes, viúva de Domingos Vas Rapozo, da Vila, Janeiro de 1812, 18 dias
Joaõ Leitaõ Canuto, da Vila, em Janeiro de 1812, 18 dias
(O ganhão de) Francisco Ferreira, da Vila, em data não indicada, 18 dias


Bismula: fonte romana


Bismula: procissão

Fora destes dois circuitos, outros carreiros trouxeram farinha e aguardente, de Abrantes para Castelo Branco:
Joam Antunes Piqueno e Joze Antonio, do Mourelo, Janeiro de 1812, 11 dias
Manoel Joaõ, da Partida, Janeiro de 1812, 11 dias

domingo, 27 de dezembro de 2009

Invasões Francesas 10


Castelo Branco, em 1812, gravura do artista britânico George Cumberland Júnior, que acompanhou o Exército Inglês.

Ajuda ao Exército Luso-Inglês
Fazer a guerra requeria bom tempo e não respeitar esta regra podia custar caro. Assim aconteceu a Napoleão, na Campanha da Rússia, apanhado e vencido pelo General Inverno. Foi em 1812 e o Exército Francês sofreu 550 mil mortos.
Mas, em 1811, os franceses ainda andavam por cá, tal como continuaram em 1812.
E era preciso alimentar o Exécito Luso-Inglês que os combatia.
No mês de Dezembro de 1811, só houve uma requisição: o ganhão de Francisco Ferreira da Vila transportou bolacha de Abrantes para Castelo Branco, em 12 dias.

Ajuda ao Exército Francês
Na 1.ª Invasão, os franceses passaram por Castelo Branco, entre 20 de Novembro de 1807 e 9 de Janeiro de 1808.
A cidade de Castelo Branco e as povoações dos arredores, incluindo dos concelhos limítrofes, tiveram de fornecer alimentos e montadas aos franceses, a mando das autoridades portuguesas.
No meu livro “O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular”, referi e citei um documento de um autor anónimo que descreveu a passagem dos franceses por Castelo Branco.
Na altura, conhecia apenas a parte do documento publicada por J. Ribeiro Cardoso. Mais tarde, tive acesso ao documento na íntegra, publicado no jornal “Terra da Beira”, nos anos de 1929 e 1930.
Pude então localizar, no tempo, com mais rigor, as contribuições dos nossos antepassados para o Exército Francês, pois a documentação consultada situava as nossas contibuições para os franceses, entre 20 de Novembro de 1807 e 30 de Março do ano seguinte.
A partir de finais de Novembro, a cidade de Castelo Branco, capital da Comarca, já esgotara os seus recursos e passou a requisitar alimentos nos povos e concelhos vizinhos. Por exemplo, no dia 6 de Dezembro, foram embargados todos os alimentos armazenados nas tulhas das Comendas da Comarca.
Assim, as contribuições do concelho de S. Vicente da Beira terão ocorrido quase todas no mês de Dezembro de 1807.
Seguem-se as entregas aos franceses, por parte da freguesia de S. Vicente da Beira, que constam da documentação consultada.

VILA
Ignes Caetana, viúva de Francisco Caldeira: 1 junta de bois machos + 1 cavalo + 41 alqueires de farinha
Berardo Joze Leal, feitor de Gonçallo Caldeira: 10 alqueires de centeio
Capitão Joaõ Duarte: 6 alqueires de feijão pequeno + 5 alqueires de milho grosso + 4 alqueires de feijão pequeno (em Tinalhas)
Capitão Joaõ Rodrigues Lourenço Caio e sogro: 5 alqueires de feijão pequeno + levou 1 carrada de farinha a Castelo Branco
Joze Custodio Ribeiro: 1 junta de bois machos + 4 alqueires de feijão pequeno + 3 alqueires de centeio
Antonio Leitaõ Canuto
e sobrinho: 1 mula
Jozefa, viúva do San.to: 1 vaca + 1 carrada a C. Branco, com outra vaca de Joaõ Lopes
Joaõ Lopes: 1 vaca + 1 carrada a C. Branco, com outra vaca da Jozefa + 1 saca + 1 tamoeiro
Joze de Oliveira: 3 alqueires de milho grosso
Ignes, viúva de Domingos Rapozo: 6 alqueires de feijão pequeno
Anacleto Antunes: 1 vaca + 1 carrada a C. Branco, com outra vaca de Joaõ Bernardo + 1 saca
Joaõ Bernardo: 1 vaca + 1 carrada a C. Branco, com outra vaca de Anacleto Antunes
D. Anna Felicia de Azevedo: 6 alqueires de centeio + 4 alqueires de milho grosso
Padre Estevaõ Cabral: 5 alqueires de milho grosso
Joze Henriques Matias, feitor do Capitão-Mor de Alpedrinha Antonio Bernardo Esteves de Brito: 15 alqueires de centeio
Bento Lopes: 6 alqueires de feijão pequeno (estavam em C. Branco) + 3 sacos + 1 jugo de bois + 18 pães cozidos
Joze Bernardo Cardoso: 2 alqueires de farinha de milho + 1 macho ao serviço das tropas, durante 10 dias

PEREIROS
João Antunes: 5 alqueires de milho grosso + 1 saco
Bras Antunes: 4 alqueires de milho grosso

PARTIDA
Joze Vicente: 1 alqueire de milho grosso
Manoel Mateus: 1 alqueire de milho grosso
Venancio Freire: 1 alqueire de milho grosso
Manoel Martins: 1 alqueire de milho grosso
Maria Martins, viúva: meio alqueire de milho grosso + levar 1 carrada a C. Branco
Antonio Baranda: meio alqueire de milho grosso
Mateus Antunes: 1 alqueire de milho grosso
Isabel Leitoa, viúva, e filho: 1 alqueire e meio de milho grosso
Joze Leitaõ o Bógas: 1 alqueire de milho grosso
Manoel Alexandre: 2 alqueires de milho grosso + 1 saco
Domingos Joaõ: 1 alqueire e meio de milho grosso
Antonio Fernandes: 1 égua de coudelaria + 3 alqueires de milho grossoJoze Martins Pedro: 1 alqueire de milho grosso

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Invasões Francesas 9


Os invasores à chegada a Portugal, em Novembro de 1807, numa gravura da época.

Continuamos a dar notícia dos serviços prestados pelos ganhões da freguesia de S. Vicente da Beira, aos exércitos de Portugal e de Inglaterra, em luta contra os invasõres franceses, nos anos 1807-1812.

Vila
O ganhão de Francisco Ferreira foi de Abrantes para Cidade Rodrigo, com uma carrada de pólvora e bala, em Novembro de 1809. Gastou 28 dias.
A fortaleza de Cidade Rodrigo, na fronteira de Espanha com Portugal, desempenhou um papel muito importante nesta Guerra Peninsular, pois guardava uma das melhores portas de entrada de Espanha em Portugal.
O ganhão de Joaõ Roiz Lourenço Caio transportou farinha de Abrantes para Castelo branco, em Novembro de 1811, tendo demorado 10 dias. O carro de bois era puxado por uma vaca do patrão e outra da viúva de Antonio da Silva.

Mourelo
Em Novembro de 1811, foram dois carreiros deste monte, para a Covilhã, dali seguiram para Vila Velha, de onde voltaram para o Fundão. A documentação não nos informa da mercadoria que transportaram, mas sabemos que gastaram 13 dias.
Um carro era puxado pelas vacas de Joam Francisco e da viúva Maria Nunes. O outro pelas de Joze Mateos e Manoel Leitam.
Como já escrevi anteriormente, penso que estes lavradores tinham a junta a meias.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Invasões Francesas 8


Gravura da época das Invasões Francesas, representando um soldado francês a carregar com tudo o que pode levar, roubado aos portugueses.

No mês de Outubro de 1811, vários carreiros da freguesia de S. Vicente da Beira foram requisitados para prestar serviços aos exércitos português e inglês, em lutam contra os franceses.

Quatro carros de bois foram a Abrantes buscar mantimentos para Castelo Branco, conduzidos por:
Pedro,ganhão de Berardo Joze Leal, o feitor de Gonçallo Caldeira, o pai do futuro 1.º visconde da Borralha (trouxe uma pipa de vinho). Regressado a S. Vicente, foi mandado levar uma carga de pão cosido ao Fundão.
Manoel de Oliveira e Francisco Ferreira, de S. Vicente da Beira (transportaram farinha). Francisco Ferreira era uma pessoa importante na Vila, pelo que não teria a junta a meias com Manoel de Oliveira. Terá ido uma vaca de cada um.
Joam Antunes Piqueno e Joze Alves do Mourelo. Neste caso, é provável que tivessem a junta a meias. Aliás, pelo grande número de ganhões deste monte que faziam os transportes aos pares, é provável que essa fosse uma prática muito comum no Mourelo.
Joaõ Figueira dos Pereiros. Este carro e o anterior foram mandados de volta a Abrantes, para trazerem mais uma carga de mantimentos para Castelo Branco.

Cinco carros de bois partiram de S. Vicente, em comboio (todos juntos, uns a seguir aos outros) e chegaram ao Fundão. Aí não tinham nada para transportar e mandaram-nos à Covilhã, onde também não havia nada para levarem. Foram então enviados a buscar farinha a Vila Velha (aqui chegada via fluvial), para o Fundão. Andaram nesse serviço os seguintes ganhões:
Joze Mateos do Mourelo
Manoel Alves do Mourelo
Manoel Mateus da Partida
Joaõ Antunes dos Pereiros
Victorino, filho de Joanna Gonsalves, do Tripeiro

Domingos Silva de S. Vicente da Beira foi levar uma carga de centeio ao Sobral de Casegas, para as guerrilhas (grupos de populares armados, em luta contra os invasores franceses).

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

sábado, 3 de outubro de 2009

Invasões Francesas 7

A guerrilha dos populares na Estrada Nova

Notas prévias:
1. Devem consultar-se as imagens das publicações de 26 de Setembro (Invasões francesas 5) e de 3 de Setembro (Estrada Nova), a fim de perceber melhor esta publicação.
2. Ontem, sexta-feira, foi publicada a primeira parte da presente publicação.


Em 2008, os meus alunos recolheram, junto dos seus familiares, as histórias das invasões francesas que ainda persistem na nossa tradição oral. Duas delas eram relativas às lutas dos povos dos lugares próximos da Estrada Nova contra os contingentes franceses que por lá passavam.

O professor e maestro Carlos Dias Gama, natural de Bogas de Baixo, mas descendente dos Gamas do Maxial da Ladeira, contou assim ao seu filho Luís:

«Chegou ao Maxial da Ladeira a notícia de que um pelotão de franceses vinha dos lados do Fundão e seguiria a Estrada Nova até Abrantes.
Se imediato se organizou a resistência, liderada por alguns habitantes do Maxial que pediram às aldeias vizinhas toda a gente disponível. Juntaram-se mais de 1 000 homens.
Durante dois dias e duas noites, fizeram uma armadilha que consistiu na abertura de um fosso profundo e comprido, no caminho por onde iriam passar os franceses. Depois cobriram-no com traves de madeira e mato e finalmente reconstituíram o caminho com terra, voltando a ficar como dantes, mas com o fosso por baixo. Quando os franceses ali passaram, enfiaram-se no buraco com carros e cavalos e poucos se salvaram.»


A narrativa continua, em duas versões. Numa, a esposa de um oficial morto casou com um dos chefes da resistência, Manuel Joaquim Gama, tetravô do meu aluno Luís Gama.
Na segunda versão, não há casamento, mas as riquezas dos franceses foram divididas pelos chefes da resistência, tendo Manuel Joaquim Gama ficado com muitas moedas de ouro. Com esse dinheiro se fez a casa da família Gama, em Bogas de Baixo.
O texto termina com a informação de que são descendentes deste Manuel Joaquim Gama muitas pessoas de apelido Gama a viver no distrito de Castelo Branco, incluindo os Gamas de S. Vicente da Beira.

Alberto e Engrácia Antunes da Foz do Giraldo contaram à sua neta, Marisa Santos:

«Ainda hoje se podem ver buracos no solo dum caminho, nos arredores da Foz do Giraldo, que antigamente eram bastante profundos, com estacas afiadas e tapados no topo por ramos, muito bem disfarçados. Quando os cavaleiros franceses passassem no Vale da Aveleira, cairiam nos buracos».


Estes dois testemunhos da tradição oral dos povos da Gardunha referem-se possivelmente ao ataque à coluna do General Foy, o regimento 30, a 1 de Fevereiro de 1811, coordenado pelo Tenente-Coronel Grant. Este, na sua carta de 4 de Fevereiro, informou que a luta se travou no espaço de 4 léguas, sensivelmente a distância da Enxabarda à Foz do Giraldo, e, na carta de 2 de Fevereiro, escreveu que mandou picar a frente e a retaguarda da coluna militar inimiga, mas que só tinha com ele 80 ordenanças de Alpedrinha. Ora 80 militares eram insuficientes para atacar e vencer uma coluna militar, numa extensão de mais de 20 quilómetros.
É provável que, nesta luta de guerrilha de 1 de Fevereiro, tenham participado homens dos lugares da freguesia de S. Vicente da Beira mais próximos da Estrada Nova: Paradanta, Partida, Vale de Figueiras e Violeiro. Se se arrebanharam os homens dos povos da vertente norte da Gardunha, para atacar os franceses, é normal que o mesmo se tenha feito nos povos da vertente sul.
Quanto à participação das nossas ordenanças, isso é mais duvidoso, por três razões: elas eram comandadas pelos mais poderosos do concelho e estes raramente gostam (em todos os tempos) de correr riscos; não se conhecem referências à sua participação, nos documentos da época; a nível nacional, esta luta de guerrilha contra os franceses teve quase sempre um cariz popular, embora geralmente o comando pertencesse a poderosos locais, nomeadamente clérigos.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Invasões Francesas 6

A guerrilha do Tenente-Coronel Grant

Notas prévias:
1. Devem consultar-se as imagens das publicações de 26 de Setembro (Invasões francesas 5) e de 3 de Setembro (Estrada Nova), a fim de perceber melhor esta publicação.
2. Amanhã, sábado, será publicada a conclusão da presente publicação.


Durante a terceira invasão francesa, o Regimento 30 do Exército Francês, comandado pelo General Foy, passou pela Estrada Nova, em direcção ao Ribatejo e à Estremadura, a fim de ajudar Massena a transpor as Linhas de Torres.
O ambiente no Reino de Portugal era então de sublevação total contra os franceses. O grosso do exército anglo-luso encontrava-se a defender as Linhas de Torres, mas o Tenente-Coronel Grant permanecia na retaguarda, com a missão de dificultar a chegada de reforços ao Exército Francês, que se encontrava num impasse, sem capacidade de abrir caminho para Lisboa.
Segue-se a transcrição de duas cartas do Tenente-Coronel Grant, nas quais relata o ataque de 1 de Fevereiro de 1811 à coluna militar do General Foy, na Estrada Nova.


Carta do Tenente-Coronel J. Grant ao coronel D´Urban. Enxabarda, 2 de Fevereiro de 1811:

«Sede servido referir a S. Ex.ª o comandante em chefe que ontem uma coluna do inimigo, debaixo do comando do General Foy, consistindo em três mil cavalos e infantes de Ciudad Rodrigo, passou pela Estrada Nova, para se unir a Massena. Pernoitou aos 31, em Alcaria, junto do Fundão.
No 1.º deste mês tomei posto em um outeiro junto a esta aldeia, por onde o inimigo devia passar, tendo comigo oitenta ordenanças de Alpedrinha. Fez-se-lhe um bem dirigido fogo por duas horas e terminou somente com a noite.
O resultado foi dezoito mortos na estrada, grande número de feridos e dez prisioneiros. Vários feridos acharam-se mortos esta manhã pela extrema inclemência do tempo.
Também se tomaram diversos carros de trigo e considerável número de bois.
Tendo mandado partidas para picar a frente e a retaguarda do inimigo, tenho razão para pensar que ele deve ter sofrido consideravelmente antes de deixar a estrada nova.
Nós perdemos somente um homem, com poucos cavalos feridos, entre eles o meu.»



Carta do Tenente-Coronel L Grant ao Coronel D´Urban. Fundão, 4 de Fevereiro de 1811:

«Tende a bondade de referir a S. Ex.ª o marechal, que o resultado da acção do 1.º do corrente, junto à Enxabarda, foi mais completo do que eu ao princípio referi.
Acharam-se mortos duzentos e sete do inimigo, aos 2 do corrente, no espaço de quatro léguas, parte dos quais morreu em consequência das feridas e da inclemência do tempo. Estão também em meu poder dezoito prisioneiros (…).
Tenho também que dizer que o coronel do regimento francês 30 e o quartel mestre do mesmo regimento foram achados entre os mortos. O inimigo perdeu a maior parte da sua bagagem e gado.»


Cartas publicadas em Apontamentos para a História do Concelho do Fundão, de José Germano da Cunha, Lisboa, 1892, páginas 87 a 89. O autor extraiu as cartas de Claudio Chaby, Excerptos históricos e collecção de documentos relativos á guerra denominada da península.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Estrada Nova

Não, não é a nossa Estrada Nova, construída nos anos 40 do século passado, em jeito de circular à Vila, para tirar o trânsito do centro e facilitar a passagem por S. Vicente da Beira.
Esta Estrada Nova é a do Marquês de Alorna, como também era conhecida. Passava nos limites da nossa freguesia, nos cumes da Gardunha, e é provável que os dois regimentos ingleses que estiveram em S. Vicente da Beira, em Julho/Agosto de 1811 (ver Invasões Francesas 4), seguissem por essa estrada antes de virar para a nossa terra.
O Marquês de Alorna que deu nome à estrada foi Pedro José de Almeida Portugal, comandante militar da Beira, em 1801, durante o conflito de Portugal com Espanha, no qual perdemos definitivamente Olivença. Este conflito, chamado Guerra das Laranjas, é já considerado um episódio da Guerra Peninsular, a que chamamos Invasões Francesas. A Wikipédia informa sobre ele:

«Tratando o governo de se preparar para a guerra, Alorna teve o comando das tropas que se uniram na Beira. Em vão requisitou mais forças, dinheiro e recursos indispensáveis para a defesa; seus pedidos tiveram somente promessas em resposta. Então, valendo-se do seu próprio crédito, abasteceu Almeida e, com a sua energia, conseguiu fazer das rochas do Monsanto uma praça de guerra, e construir na Guarda um forte com casamatas à prova de bomba, fortificou a posição das Talhadas com três redutos e outros entrincheiramentos, pôs o castelo de Vila Velha, um montão de pedras, em estado de se defender, levantando flechas e trincheiras, fez obras nos arredores de Sortelha e Celorico, criou um Hospital no Fundão, estabeleceu nesta vila, em Cardigos e Celoricos, armazéns para abastecimento das suas posições e com o fim do facilitar as comunicações para Abrantes, uma sofrível estrada, que ficou com o nome do estrada do marquês de Alorna…»

Esta sofrível estrada era a Estrada Nova, construída entre Cardigos e a Enxabarda, a fim de facilitar as comunicações de Abrantes para a praça-forte de Almeida.
Da Enxabarga, a Estrada seguia pelos cumes da Gardunha (Candal, Cigarrelho, Portela da Moreira e Zibreiro(Alto do Engarnal) e descia para a Foz do Giraldo, seguindo em direcção ao Estreito e depois para a Isna até Cardigos, onde se unia a uma estrada já existente.
Diamantino Gonçalves, o fotógrafo que descobriu as gravuras rupestres do Zêzere, na sua página da internet (http://www.dbgoncalves.com/terras_do_xisto.htm), onde descreve todo este vale do Zêzere (a que já me referi neste blogue, a propósito do P.e Branco), escreve sobre a Estrada Nova:

«Daqui tudo se vê, o vale da ribeira estende-se até à Panegral por detrás dela a eira dos Três Termos, lugar mágico de lutas terríveis durante as invasões francesas, que se estenderam ao Cabeço Zibreiro, por toda a Estrada Nova. Estrada construída em 1801 fazia parte do plano de preparação para a guerra, elaborado também pelo Marquês de Alorna, que mais tarde combateu ao lado das tropas de Napoleão, morreu na Rússia. A estrada nova era da maior importância para a estratégia militar da época. Pois encurtava muito a distância do Fundão a Tomar e ainda com ligações às estradas de Castelo Branco, Vila Velha e Abrantes. A estrada traçada pelo cume dos montes servia ainda para apoiar o (Telegrafo de Sinais) que chegou a funcionar de Lisboa a Almeida. Cada estação do telégrafo distava entre si 15.000 metros funcionavam com uma ou duas pessoas, mas tinham de ser montadas e abastecidas e defendidas. Dirigiu parte ou toda a sua construção, uma das maiores figuras da Beira daquele tempo: José Pereira Pinto Castelo-branco, (O mil diabos da Capinha) foi ajudante de campo do marquês de Alorna…»

Um autor francês anónimo deixou-nos o relato da passagem de uma coluna militar do Exército Francês, comandada pelo General Gardanne, que seguia de Almeida para Cardigos. No dia 24 de Novembro de 1810, escreveu:

«Le 24 on a suivi le Chemin d´Enchabardas(Enxabarda), mauvais village a 1/2 lieue de Castelleijo(Castelejo) e dans la même vallée. C´est la que commence réellement l´Estradanova(Estrada Nova), on monte d´abord pendant plus d´une heure pour arriver au sómet de la Serra dos tres termos(Eira dos Três Termos), mais les rampes sont bien mauvaises. Cette route est fort belle et suit constament les crêpes jusqu´à fogeraldo(Foz do Giraldo), mauvais hameau ou nait un ruisseau que se jette dans le Trepeito (Tripeiro)
(VICENTE, António Pedro – Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes referentes a Portugal, III, (1807-1811), Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 317.)

Seguem-se extractos das Cartas 20-D e 20-B, do Instituto Geográfico e Cadastral, com a Estrada Nova assinalada a tracejado negro. Os mapas estão em sequência, um continua no seguinte. Deve clicar-se em cada um, para se conseguir percebê-los.


A Eira dos Três Termos era assim chamada, porque ali se encontravam os limites(termos) dos concelhos do Fundão, S. Vicente e Sarzedas. Nunca lá fui, pelo que não tenho a certeza absoluta da sua localização, mas tudo indica que seja no local indicado (à esquerda do nome).


O Zibreiro é o cume também chamado Alto do Engarnal.



Nota: O meu livro O Concelho de S. Vicente na Beira Guerra Peninsular tem, na página 49, um mapa com a Estrada Nova a passar junto a S. Vicente. Na altura, pensava que ela passasse por Almaceda, Partida, Paradanta, Vale D`Urso e Castelejo. Pelos documentos que entretanto fui consultando, sei agora que ela passava de facto perto, mas nos cumes da Gardunha.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Invasões Francesas 4

Os Ingleses em S. Vicente

Éramos muitas crianças, à guarda da minha mãe. Ser uma mulher de armas não bastava, pois, além de nos criar, tinha mais as lidas da casa e ainda as do campo. A rédea curta vinha-lhe da ameaça “Se fizeres isso, o teu pai quila-te”, sinónimo de uma boa sovata à noite ou no fim-de-semana, quando ele chegasse.
Ameaça desnecessária, pois o que nos metia na ordem era mesmo o ralho dela, não a ameaça de castigo e muito menos o medo ao meu pai, que não era dessas coisas.

Mas a palavra quila-te intrigava-me. Mais tarde, estudante de inglês, aprendi que o verbo to kill significa precisamente matar.
Influência de uma freira inglesa que viveu no nosso Convento Franciscano? Parecia-me a explicação lógica.
Mas, quando estudei os documentos sobre as Invasões Francesas, deparei-me com 2 Regimentos Ingleses, em S. Vicente da Beira. Terão sido eles a deixar a palavra que deu origem a este nosso anglicismo?




Clicar nas imagens, para ler melhor

O documento da primeira imagem refere a presença, em S. Vicente, dos Regimentos Ingleses N.º 2 e N.º 36. Com eles foi João António, ganhão de Joaquim José de Brito Coelho de Faria, com o carro de bois carregado de mantimentos. Partiram de S. Vicente, no dia 26 de Julho, e acamparam em Chafurdão, onde o ganhão deixou os bois e o carro, no dia 10 de Novembro.

O documento da segunda imagem informa que, em Agosto de 1811, a junta de bois e carro do Capitão João Roiz(Rodrigues) Lourenço Caio, certamente conduzida pelo seu ganhão, andou ao serviço de dois Regimentos de Infantaria Britânica (Inglesa), que passaram por S. Vicente da Beira.

Os dois documentos coincidem na quantidade (dois regimentos) e no tempo (passaram por S. Vicente em finais de Julho/Agosto), pelo que os dois ganhões de S. Vicente terão acompanhado os mesmos Regimentos Ingleses, que estiveram em S. Vicente, por aqueles dias.


Outros serviços dos carreiros da freguesia de S. Vicente da Beira:

S. Vicente
Em Agosto de 1810, o carro de bois de Francisco Ferreira transportou bolacha de Sarzedas para o Fundão, num total de 8 dias. Este lavrador foi a pessoa do concelho que mais dias de serviço prestou aos exércitos português e inglês, entre 1809 e 1812 (95 dias). Morava na Rua Velha e detinha o foro da Comenda de Avis e do Convento das Religiosas, isto é, recebia as rendas que os rendeiros deviam a estes senhores das terras que trabalhavam, ficando com uma parte para pagar o seu serviço e entregando o restante à Comenda ou ao Convento, conforme o caso.
O mesmo foro das Religiosas do Convento já o detivera seu pai (ou avô), Domingos Ferreira, nas últimas décadas do século XVIII (cerca de 1770).

Mourelo
A junta de bois e carro de Manuel Antunes Frade e de José Mateus transportou centeio das Sarzedas para Castelo Branco, tendo gasto 4 dias, em Agosto de 1811.
Também já expliquei que, nos casos em que aparecem dois proprietários, seria por terem a meias a junta de bois e o carro.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

domingo, 26 de julho de 2009

Invasões Francesas 3

Continuamos, hoje, a apresentar os lavradores do antigo concelho de S. Vicente da Beira que prestaram serviços como carreiros, para os exércitos português e inglês, em luta contra os invasores franceses.

Mourelo
No mês de Julho, em ano que não foi indicado, a junta de bois de Manuel Antunes Frade e Antonio Francisco Baranda levou uma carrada de bolacha de Vila Velha para a Guarda, num total de 13 dias.
Como anteriormente já alertámos, estes são os dias de serviço efectivo, não se tendo contabilizado o tempo gasto do Mourelo para Vila Velha e da Guarda para o Mourelo. Também já explicámos que estes dois lavradores teriam a junta a meias, à semana, para realizar os trabalhos agrícolas.

Paradanta
A junta de Francisco Mendes levou de Vila Velha para a Guarda um produto não especificado, certamente alimento, tendo demorado 10 dias, em Junho de 1812.
Nesta época, ainda não se acrescentara o termo Ródão ao nome Vila Velha.
Os produtos subiam o Tejo de barco, até ao porto de Vila Velha, sendo levados depois, nos carros de bois, para ao seu destino.

S. Vicente da Beira
Pedro, ganhão de Berardo Joze Leal, foi levar uma carrada de bolacha da Vila para a Soalheira, onde terá pernoitado um corpo do exército aliado. Partiu no dia 31 de Julho e regressou a 2 de Agosto de 1811.
Berardo Joze Leal era o feitor de Gonçallo Caldeira, pai do 1.º Visconde da Borralha. Gonçallo Caldeira já não morava em S. Vicente da Beira, mas ainda cá permanecia a sua mãe Ignes Caetana, viúva de Francisco Caldeira.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

As Invasões Francesas 2

Continuamos, hoje, a dar notícia dos carreiros (ganhões que transportavam de mercadorias nos carros de bois) da freguesia de S. Vicente da Beira, que prestaram serviços aos exércitos português e inglês, na Guerra Peninsular (1807-1812), conhecida por Invasões Francesas.
Para conhecer melhor as condições em que se andava nos embargos, deve consultar-se a anterior publicação “As Invasões Francesas”.
Como se pode verificar, faltaram muitos homens à romaria a Nossa Senhora da Orada, em Maio de 1812, e muitas terão sido as preces por eles rezadas!


Casal da Serra
Em Maio e Junho de 1811, Joze Francisco andou com a sua junta de vacas a puxar o trem do exército inglês, entre Abrantes e Nisa, e a prestar serviços aos exércitos, em Abrantes, durante 33 dias.

Mourelo
Em Maio de 1812, a junta de Manoel Leitam transportou mercadorias entre Abrantes e Elvas, durante 31 dias.

No mesmo serviço, período e data, andou também a junta de Jose Antonio e Jose Alves.

Pelo mesmo período e na mesma data, andou a junta de Joam Franses e Joze Mateos, mas a transportar lenha para um forno, em Abrantes, onde se situava o Quartel-general das tropas inglesa e portuguesa.
Este Franses não tem relação com os franceses que invadiram Portugal, em 1807-1812, pois esta família já vivia, no Mourelo, pelo menos 50 anos antes.

Paradanta
Em Maio e Junho de 1812, por 33 dias, andou Manoel Mendes, criado de Manoel Leitam, com a junta de vacas, entre Abrantes e Nisa, levando o trem do Hospital e entre Abrantes e Elvas, carregando pólvora e bala.

Partida
Em Abril de 1812, Manoel Mateus transportou cevada, no carro de bois, entre Abrantes e Nisa, e trouxe arroz e bacalhau, de Vila Velha para Castelo Branco. Gastou 11 dias nestes serviços, entre Abrantes e Castelo Branco.

Em Maio e Junho de 1812, a junta de Manoel Martins e Manoel Alexandre puxou o trem do hospital, entre Abrantes e Nisa e levou pólvora e bala de Abrantes para Elvas. Foram 33 dias.

Os mesmos 33 dias e na mesma data, mas entre Abrantes e o Pego, andou o ganhão de Antonio Fernandes a acarretar rama, vinho, pão e carne.

Pereiros
Em Maio de 1822, por 28 dias, andou a junta de Manoel Andrade, entre Abrantes e Nisa, a puxar o trem do hospital, em Abrantes, a fazer carregos, e de Abrantes a Castelo de vide, a levar o trem do hospital.

Tripeiro
Em Maio e Junho de 1812, foram para Abrantes e lá ficaram a acarretar lenha, durante 32 dias, três juntas de vacas de Manoel Vas, Joaõ Ribeiro e Manoel Antunes Maximo.

Violeiro
Em Maio e Junho de 1812, partiram duas juntas de vacas para Abrantes e trabalharam durante 30 dias. A junta de Joze Pires fez duas viagens a Elvas, para levar bolacha. A junta de Joze Rodrigues mosso puxou o trem do hospital de Abrantes para Nisa e depois fez outro serviço de Nisa para Elvas.

No livro que serve de base a este trabalho, abaixo indicado, defendeu-se que as juntas em que foram indicados dois donos resultavam da junção de duas vacas de proprietários diferentes.
O autor foi vítima do individualismo agrário em que cresceu, em S. Vicente. Mais tarde, aprendeu o que era a torna, na freguesia das Sarzedas, e conheceu a prática comum da pastorícia, nas aldeias da freguesia da Sobreira Formosa, onde, cada dia, uma pessoa apascentava o gado de todos. Há dias, soube, por um aluno, que, numa aldeia da freguesia de Alvito da Beira, só existia uma junta de bois, propriedade de 6 famílias, ficando cada família com a junta de bois, por uma semana.
Era certamente esta a realidade nas povoações do antigo concelho de S. Vicente da Beira, em inícios do século XIX. Nos casos em que se indicam dois proprietários, é porque teriam a junta a meias, um foi com ela, mas os dois apresentaram a conta, para pagamento do serviço.


Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

As Invasões Francesas

A partir de hoje e até ao final do ano, mensalmente, daremos notícia dos carreiros (ganhões que transportavam de mercadorias nos carros de bois) da freguesia de S. Vicente da Beira, que prestaram serviços aos exércitos português e inglês, na Guerra Peninsular (1807-1812), conhecida por Invasões Francesas.
Na época, a esta requisição dos carreiros, para trabalharem obrigatoriamente e pelo tempo necessário, chamavam embargos.
Os dias indicados não incluem o tempo gasto a chegar ao local do início do serviço, nem o do regresso a casa. Com muito raras excepções, estes trabalhos não foram pagos.
Muitas vezes, o lavrador mandou o seu ganhão, mas indicou-se o nome do patrão.
Abundam os serviços em 1812, ano em que os exércitos português e inglês empurraram o exército francês para fora do território nacional, através da conquista das fortalezas que guardavam Portugal e Espanha, de cada lado da fronteira: Almeida-Cidade Rodrigo e Elvas-Badajoz. Os nossos ganhões foram fundamentais, no fornecimento das tropas, para esse último esforço de guerra.



Gravura da época das Invasões Francesas, representando os carreiros que transportavam as mercadorias dos exércitos. Clicar, para ver em pormenor.

S. Vicente da Beira
Em Abril e Maio de 1810, Pedro, ganhão de Berardo Joze Leal, feitor de Gonçallo Caldeira (pai do 1.º visconde da Borralha), andou 15 dias a transportar milho de Abrantes para a Guarda.
Em Abril e Maio de 1812, o mesmo ganhão andou a transportar palha de S. Vicente da Beira para Alpedrinha.

Em Maio de 1812, Francisco António Simoens transportou bolacha, durante 13 dias.
Francisco António Simoens era o escrivão da Câmara Municipal.

Em Maio de 1812, Francisco Ferreira, morador na Rua Velha, andou 29 dias, entre Abrantes e Nisa, a dar serventia às tropas. Este lavrador foi a pessoa do antigo concelho de S. Vicente da Beira que mais tempo trouxe a sua junta de bois a trabalhar para os exércitos português e inglês, durante toda a guerra. Foram 95 dias, no total.

Em Abril de 1812, Francisco Santo e Joaõ Bernardo, cada um com a sua vaca a puxar um carro, durante 12 dias, levaram arroz de Abrantes para Nisa e, em Vila Velha, carregaram bolacha e arroz, para Castelo Branco.

Em Maio de 1812, o ganhão de Ignes, viúva de Domingos Vas Rapozo, andou a fazer transportes em Abrantes, durante 24 dias.

Em Maio de 1812, Joaõ Roiz Lourenço Caio, natural da Torre, mas casado com a filha do foreiro (rendeiro) do Casal do Monte do Surdo, onde residia, prestou os seguintes serviços, durante 30 dias: ajudou a puxar o trem do Hospital Real entre Abrantes e Nisa, acarretou víveres em Abrantes e levou pólvora e bala de Abrantes para Elvas.
Joaõ Roiz Lourenço Caio era o capitão das ordenanças, a força militar local, e descendem dele as pessoas da família Caio, em S. Vicente da Beira.

Na próxima semana, apresentaremos os serviços dos ganhões das terras anexas desta freguesia.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.