domingo, 24 de novembro de 2013

O nosso magusto

Houve magusto, na praça. Nem o vento, nem o frio intenso fizeram desanimar quem se juntou hoje no magusto organizado pela Junta de Freguesia, com a colaboração do Rancho Folclórico Vicentino.



Ana Jerónimo Patrício

sábado, 23 de novembro de 2013

Pôr do Sol na Praça Vicentina

O frio de Outono chegou à Vila e não deixa que os Vicentinos se sentem nos bancos da Praça em convívio e à conversa entre brincadeiras de crianças.
Só gente apressada regressa a casa, depois das compras ou da apanha da azeitona.
Vêm de faces rosadas e esfregando as frias, reclamam:
- Ai este frio da Gardunha até repassa os ossos!
Vamos já para casa acender a lareira e fazer o jantar.
Sigo a rua de paralelos calcetada.
Gostei de te ver linda Praça Vicentina!


Luzita Candeias
14/11/2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Novos investidores na Beiravicente



A água Fonte da Fraga foi notícia este fim de semana, na nossa imprensa regional. Aqui deixo um trecho da notícia no jornal Reconquista.

A empresa Beiravicente, proprietária das águas Fonte da Fraga, passou a sociedade anónima, fruto da entrada de um novo investidor no seu capital social. A empresa Thrintop SA detém agora 74% da Beiravicente SA, ficando a família Matias e as pessoas ligadas a ela, com 15%.
A laborar há cerca de 12 anos, a fabrica das águas Fonte da Fraga chegou a faturar, em 2009, cerca de 11 milhões de euros, empregando na altura 70 pessoas. Hoje a faturação é de seis milhões de euros e a Beiravicente emprega 43 funcionários diretos, já que a distribuição e o transporte são feitos por outras empresas.
Luís Matias continua a ser um dos rostos da Beiravicente, agora como membro de um Conselho de Administração presidido pelo novo investidor, Fernando Rodrigues (um empresário de Vale de Cambra) e que integra ainda o filho deste, Fernando Júlio.
A aposta passa agora por procurar novos mercados, como a China (para onde esta semana já segue um carregamento), já que a Fonte da Fraga marca presença em Macau e em Cabo Verde, para além de Portugal.

Parabéns à família Matias pelo êxito na restruturação da Beiravicente, garantindo assim numerosos postos de trabalho.
Uma referência especial ao Luís Matias, em grande forma na entrevista que deu ao jornalista.

José Teodoro Prata

domingo, 17 de novembro de 2013

A azeitona galeguinha...

 

Andava desesperado, quase há duas semanas que não ia a São Vicente! Ainda não eram oito horas quando abri a porta da rua, a caminho da azeitona. Dei um passo e parei, chocado: estava a chover. Não era muita e a previsão dava apenas chuva fraca para o Centro. Olhei os horizontes: todos abertos, só sobre Alcains é que estava o céu carregado. Pensei em desistir, mas resolvi arriscar, afinal podia não ter outra oportunidade de colher a azeitona.
À saída da cidade já se via a Gardunha: chuva só no lado este, de Alpedrinha ao cume, mas a parte oeste prometia bom tempo. Estranho, a chuva costuma vir do lado do mar e era ao contrário! Sobre São Vicente, o nevoeiro dos restos da chuva que caía sobre o cume da serra. Se estivesse a chover, era pouca.
Chão molhado só até à Póvoa, mais para diante ainda não chovera. Na zona da barragem começou a carujar. Mau, tenho o dia estragado. E a carujar continuou até chegar. Esperei no carro. Nem chovia em condições, nem parava de cair. Fui inspecionar e a rama das oliveiras ainda estava pouco molhada. Esperei mais um pouco e avancei. Uns minutos depois deixou de cair. Continuei, sempre à espera de ter de deixar o trabalho a qualquer momento. As nuvens mudaram as ameaças do Casal da Serra para o Casal da Fraga.
Depois abriu e veio o sol. A seguir limpou e a meio da manhã foi primavera durante meia hora. O vento voltou, mas fraco e aquecido pelo sol. O almoço comi-o na companhia de um pisco, sempre a piar baixinho (não tem corpo para mais) e a saltitar pelos matos.
Escurece cedo no Ribeiro de Dom Bento, sobretudo no buraco onde tenho a horta, ainda por cima tapado pelo pinhal do senhor Gomes. A partir das três horas da tarde, deixou de se ver o sol e fui colher a oliveira galega rente ao ribeiro. Azar: azeitona miudinha, engelada e agarrada! Só de lá saí perto das cinco, já quase noite. Ficou por colher a oliveira carrascanha e a cordovil. Esta fica a corar mais um pouco, para a talha, e a carrascanha talvez a deixe para os pássaros.
Quando cheguei a São Vicente, já a noite fechara o mundo na sua escuridão. Soube pela minha irmã Eulália que no Casal da Fraga esteve um barbeiro dos diabos, mas eu tive um belo dia de azeitona!
José Teodoro Prata

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Recordações

Que bom seria se todos os meninos tivessem um amigo e um brinquedo no Natal! E tantas outras coisas que nos fartamos de apregoar e, se calhar, praticamos pouco…
Mas este conto da Sophia de Mello Breyner, adaptado pelo José Teodoro, fez-me lembrar uma casinha que eu também tive em criança. Na altura os meus avós traziam à renda o Casal que agora é da família Matias. Logo à entrada, quase por detrás da capela da Santa Bárbara, havia uma cova escavada na rocha onde eu e as minhas primas montávamos a nossa casa durante as férias de verão. Tinha tudo: cozinha, sala e quarto. A mobília, eram bocados de tábuas e paus; a louça, cacos que encontrávamos, latas de sardinha, etc; a roupa, farrapos que nos davam ou roubávamos à avó ou às mães. A comida, toda a espécie de coisas que apanhávamos na horta ou os restos da cozinha. Se não houvesse nada, também serviam umas ervas apanhadas logo ali. Eram férias bem passadas! O pior era quando acabavam e ficava a tristeza da separação e um longo ano pela frente, até ao próximo verão…
Depois compraram o casal e tivemos que sair de lá. Ainda hoje, quando por ali passo, dou comigo muitas vezes a espreitar o sítio onde era a nossa casinha. A cova já lá não está há muito tempo, mas as memórias, ninguém mas tira …
A propósito de memórias e de Natal (Natal também é memórias), não resisto a partilhar um poema do José Luis Peixoto que ouvi há dias e achei muito bonito:

Na hora de pôr a mesa

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais 
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde 
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.


M. L. Ferreira

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

É quase Natal

A NOITE DE NATAL
(Adaptação da obra “A Noite de Natal” de Sophia de Mello Breyner Andresen, a texto dramático, por José Teodoro Prata)

Personagens:
Joana
Manuel
Criada Maria
Criada Gertrudes
Mãe da Joana
Pai da Joana
Tio da Joana
Tia da Joana
Primo da Joana
Prima da Joana
Rei Baltasar
Rei Gaspar
Rei Melchior
Sombras (4 ou 6)
Anjos (2 a 4)

I
Um amigo
Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta, onde a Joana brincava. Fazia casas pequeninas, com musgo, ervas e paus.
Joana: Que pena não viver ninguém nestas casinhas!
E continuou a brincar.
Joana: Era um sítio tão bom para morarem anões!
Um dia vieram os primos brincar com ela. Mas só queriam jogar à bola e jogos de computador e faziam troça das casas de musgo.
Primo: Para que servem estas casinhas? Não sei como tens paciência para ficar aí de joelhos, tanto tempo, a fazer coisas tão pequenas e inúteis.
Prima: Que seca!
Quando os primos abalavam, Joana tinha pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
Joana: Não entendo os meus primos, não sei brincar como eles!
Mas um dia encontrou um amigo. Estava encarrapitada no muro do jardim e passou um miúdo pela rua. Vinha todo vestido de remendos e caminhava devagar, sorrindo às folhas de Outono. Joana sobressaltou-se.
Joana: Ah! Parece mesmo um amigo! É exatamente igual a um amigo.
E do alto do muro chamou-o:
Joana: Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
Manuel: Bom dia!
Ficaram um momento calados.
Joana: Como é que te chamas?
Manuel: Manuel.
Joana: Eu chamo-me Joana.
De novo ficaram um momento calados.
Manuel: O teu jardim é muito bonito.
Joana: É, vem ver.
Joana mostrou ao garoto tudo o que havia no jardim e ele observava cada coisa com muito interesse.
Manuel: É lindo, é lindo.
Chegaram às casinhas pequeninas.
Joana: É aqui que eu brinco.
Manuel: Para quem são estas casinhas?
Joana: São para os meus amigos anões.
Manuel: Vamos fazer uma casinha para o rei dos anões.
Apanharam paus, pedras e musgo e começaram a construir uma casinha. Brincaram assim durante muito tempo até que se ouviu o apito de uma fábrica.
Manuel: Meio-dia, tenho de me ir embora.
Joana: Onde é que tu moras?
Manuel: Além nos pinhais.
Joana: É lá a tua casa?
Manuel: É, mas não é bem uma casa.
Joana: Então?
Manuel: O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o dia, mas não temos dinheiro para ter uma casa.
Joana: Mas à noite onde é que dormes?
Manuel: O dono dos pinhais tem uma cabana onde dormem uma vaca e um burro. E por esmola dá-me licença de dormir lá também.
Joana: E onde é que brincas?
Manuel: Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte.
Joana: Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo.
O Manuel voltou todos os dias e juntos ficavam a brincar, esquecidos das horas. Às vezes uma criada vinha trazer-lhes um lanche.
Criada Maria: Menina, trago aqui um lanche para si e para o seu amigo. Larguem a brincadeira por um instante e venham comer.
Joana: Obrigado Maria. Manuel, vem lanchar comigo.
A Joana e o Manuel sentaram-se e saborearam a fatia de bolo e o sumo que a Maria lhes trouxera. Depois voltaram às suas brincadeiras. E foi assim que Joana encontrou um amigo.

II
A festa
Até que chegou o Natal. Na véspera, a Joana vestiu um vestido muito bonito e na casa havia riqueza e alegria. Joana andava maravilhada. Veio ao jardim e olhou o céu cheio de estrelas.
Joana: A minha casa está linda, mas no céu ainda há uma festa maior, com milhões e milhões de estrelas!
Joana voltou a entrar em casa e perguntou à criada Gertrudes:
Joana: Ainda falta muito para o jantar?
Criada Gertrudes: Ainda falta um bocadinho, menina.
A criada ia a afastar-se, mas ela chamou-a de novo:
Joana: Gertrudes, ouve uma coisa.
Criada Gertrudes: O que é?
Joana: Que presentes é que achas que eu vou ter?
Criada Gertrudes: Não sei, não posso adivinhar.
Joana: E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?
Criada Gertrudes: Qual amigo?
Joana: O Manuel.
Criada Gertrudes: O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.
Joana: Não vai ter presentes nenhuns!?
Criada Gertrudes: Não.
Joana: Mas porquê Gertrudes?
Criada Gertrudes: Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.
Joana: Isso não pode ser, Gertrudes.
Criada Gertrudes: Mas é assim mesmo.
A Gertrudes saiu e deixou a Joana intrigada, a cismar.
Joana: É tão esquisito o que a Gertrudes me contou. É como uma mentira. Mas ela sabe tudo!
Entretanto, a criada Maria veio avisar:
Criada Maria: Menina, chegaram os primos.
Entraram os primos e a Joana alegrou-se. Depois vieram os pais e os tios. Vivia-se um ambiente de festa e alegria. De repente a Joana voltou a lembrar-se do Manuel e isolou-se do grupo, pensativa.
Joana: Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a gente. Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.
E consolada com esta esperança a Joana voltou a ficar alegre e juntou-se à festa. Estava encantada com as luzes, as comidas… O primo puxou-a pelo braço:
Primo: Joana, estão ali os teus presentes.
A Joana abriu os seus presentes e ria-se e batia palmas de contente. De repente lembrou-se do Manuel.
Joana: Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.
A festa continuou, até que o pai disse:
Pai: São onze e meia. São quase horas da Missa do Galo. E são horas de as crianças se irem deitar.
E foram saindo todos:
Pai e mãe: Boa noite, minha querida. Bom Natal.
O pai e a mãe despediram-se da Joana com um beijo e saíram. Depois vieram as criadas a arrumar tudo.
Criada Gertrudes: Bom Natal, menina. Então, teve os presentes que queria?
Joana: Sim, todos. Estou muito contente! Bom Natal, Gertrudes.
Mas também elas começaram a sair. Então a Joana chamou a Gertrudes.
Joana: Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?
Criada Gertrudes: O que é que eu disse?
Joana: Disseste que o Manuel não ia ter presentes porque os pobres não têm presentes.
Criada Gertrudes: Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore, nem peru recheado, nem filhoses.
Joana: Mas então o Natal dele como foi?
Criada Gertrudes: Foi como nos outros dias.
Joana: E como é nos outros dias?
Criada Gertrudes: Uma sopa e um bocado de pão.
Joana: Gertrudes, isso é verdade?
Criada Gertrudes: Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar, porque estamos quase na meia-noite.
Joana: Boa noite, Gertrudes.
A criada Gertrudes saiu e a Joana ficou sozinha. Volta a olhar para os presentes.
Joana: Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. Deram-me tudo o que eu queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.
Depois, ficou pensativa e falar consigo própria, a imaginar o Manuel na cabana.
Joana: Que frio deve estar na cabana onde o Manuel dorme! Que escuro lá deve estar! Que triste lá deve estar.
E depois, decidida:
Joana: Amanhã vou-lhe dar os meus presentes.
Mas suspirou:
Joana: Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é Noite de Natal.
Vestiu um casaco e pegou nos presentes, só deixou a boneca, pois o Manuel era um rapaz. Abriu a porta devagarinho e saiu para o escuro da noite.

III
A estrela
Quando a Joana se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. Estava tudo deserto, não se viam pessoas, só se viam coisas. Tinha a impressão de que as coisas a olhavam e se mexiam como pessoas. (Partes desta caminhada podem decorrer nos espaços do público).
Joana: Tenho medo.
Mas continuou. Caminhava sempre, mas começava a duvidar.
Joana: Será possível que eu chegue lá?
As ervas estavam geladas e o vento cortava a sua cara como uma faca.
Joana: Tenho frio.
Sentiu-se perdida, sem saber por onde seguir.
Joana: Para que lado ficará a cabana?
Olhava para um lado e para o outro, sem saber que direção seguir.
Joana: Como é que hei-de encontrar o caminho?
E levantou a cabeça. Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava.
Joana: Esta estrela parece um amigo.
E começou a seguir a estrela. As sombras enormes fizeram uma roda à sua volta. Um pouco depois ouviu passos.
Joana: Será um lobo?
Depois surgiu um vulto.
Joana: Será um ladrão?
O vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei.
Joana: Boa Noite
Rei (Melchior): Boa noite. Como te chamas?
Joana: Eu, Joana.
Rei (Melchior): Eu chamo-me Melchior. Onde vais sozinha a esta hora da noite?
Joana: Vou com a estrela.
Rei Melchior: Eu também, também vou com a estrela.
E juntos seguiram pelo pinhal. De novo ouviram passos e um vulto surgiu entre as sombras da noite.
Joana: Boa noite. Chamo-me Joana e vou com a estrela.
Rei (Gaspar): Também eu, também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.
E seguiram juntos até que voltaram a ouvir passos e um novo vulto surgiu do escuro.
Joana: Boa noite. O meu nome é Joana e vamos com a estrela.
Rei (Baltasar): Também eu caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar.
E juntos seguiram os quatro através da noite. Até que chegaram a um lugar onde a estrela parou. Era um casebre sem porta, mas Joana não viu escuridão, nem tristeza, só um casebre que irradiava luz. E Joana viu o seu amigo Manuel deitado nas palhas, entre a vaca e o burro, rodeados de anjos.
Joana: Ah, aqui é como no presépio!
Rei Baltazar: Sim, aqui é como no presépio.
Então a Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes. Os Reis Magos fizeram o mesmo. Depois, a Joana virou-se para o público.
Joana: Vamos festejar o Natal do meu amigo Manuel. Cantem todos comigo.

Refrão
Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

Entrai pastorinhos, entrai 
Por este portal sagrado 
Vinde adorar o menino 
Numas palhinhas deitado

Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

Ó meu Menino Jesus
Ó meu menino tão belo
Logo viste nascer
Na noite do caramelo

Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

(Nota: a canção deve adaptar-se ao público presente, pois é importante que a saiba cantar.)

FIM

domingo, 10 de novembro de 2013

Almas Penadas II

 Quem conta um conto…

A propósito das Almas Penadas, fiquei de ir confirmar a existência das duas cruzes a que a história publicada em junho faz referência.
Um dia destes meti-me ao caminho e, um pouco à frente dos Pereiros, lá estava a primeira.
                     
Logo a seguir à Partida, encontrei a outra.


As cruzes são muito semelhantes. Numa vê-se a data de 1955 e as iniciais F M; na outra, que parece ter sido alterada posteriormente, está escrito o nome F. Martins. Será o nome de quem as fez ou mandou fazer.

Continuei pela estrada adiante e, pouco depois, avistei o Vale de Figueiras, uma  espécie de presépio que, atravessado pelo ribeiro, trepa encosta acima.
Atravessei a ponte para o lado de lá, dei uma volta pelas ruas e não avistei vivalma: um presépio sem figuras…
Tive mais sorte do lado de cá, junto à capela, onde encontrei a Ti Maria dos Anjos, uma mulher simpática, faladora, e que foi provavelmente a última tecedeira da freguesia. Ficámos um bom bocado à conversa. Ela a falar dos tempos passados, as casas cheias de gente, a terra a retribuir tudo o que lhe davam; quatro teares em casa, todos a tecer, uma alegria!... Agora, só maleitas, dela e da família; as terras, sem gente que as trate; as ruas sem crianças (a pessoa mais nova tem vinte anos…). «É quase já só velhos…» concluiu, com alguma tristeza. Eu, alimentando a conversa como podia, mas sobretudo ouvindo.
Às tantas, como quem não quer a coisa, disse-lhe que tinha visto uma cruz na estrada, se ela sabia porque é que a tinham ali posto. Respondeu prontamente:
 - Sabe? Nós aqui na terra nunca tivemos cemitério e quando alguém morria tínhamos que o ir enterrar na Partida. Como também não tínhamos a estrada arranjada para cá virem os carros funerários, como agora já temos, o povo ia a pé e o caixão, eram os homens que o carregavam aos ombros; e era ao pé daquela cruz que parávamos para descansar e rezar. Depois continuávamos pelo cabeço acima, até ao cemitério.
 - Devia ser difícil, porque ainda é longe e o caminho quase sempre a subir…
 - Sabe lá! … E no inverno, com a chuva e o frio? A melhor coisa que nos fizeram, foi esta estrada… Graças a Deus!
E logo a seguir, como que a contar um segredo, acrescentou:
- Mas sabe? Também contam uma história sobre aquela cruz e mais uma que está já a caminho dos Pereiros e outra na Partida.
  Fiz-me de nova e pedi que me contasse a história.
- Diz que há muitos anos, havia uma mulher na Partida (ela era daqui, mas tinha lá casado) que ficou viúva muito cedo e já com um rebanho de filhos. Uns tempos depois do homem morrer, começou a aparecer-lhe como se fosse uma luz e a mulher já andava a ficar com medo. Um dia ouviu uma voz que lhe disse que era o homem dela e vinha a pedir-lhe que mandasse fazer duas cruzes que tinha prometido antes de morrer, mas como não tinha cumprido a promessa, ainda andava por aí, feito alma penada. A mulher prometeu que sim, que mandava fazer as ditas cruzes; mas as posses não eram muitas e também morreu sem cumprir o prometido. Então, já depois de morta, começou a aparecer ao filho. Para onde quer que ele fosse, lá estava ela. Ficava parada, a olhar para ele, mas sempre muda. O rapaz já andava a ficar desacorçoado e sem saber o que fazer à vida. Um dia, já ao cair da noite, chegou a casa e lá estava a mãe, vestida tal e qual como andava antes de morrer: toda de preto, embrulhada no xaile, com o lenço amarrado à cabeça, sentada no banquinho onde se costumava sentar em vida, ao canto do borralho. O rapaz ficou todo arrepiado, mas a mãe olhou para ele e disse-lhe assim: «Olha, meu filho, bem sei que andas com medo, mas está descansado que não te quero fazer mal. Só te quero pedir que me faças um favor». «Então e qual é o favor que vossemecê quer de mim, minha mãe?». «Olha, filho, depois do teu pai morrer, apareceu-me a pedir que mandasse fazer duas cruzes porque se não, não podia ir para o céu. Eu disse-lhe que sim, mas como os tempos eram ruins e o que tinha mal dava para matar a fome a ti e aos teus irmãos, não pude cumprir o prometido. Por causa disso ainda andamos os dois por aí, feitas almas penadas. Queria que mandasses tu fazer as cruzes, para podermos ter sossego». «Então e aonde é que vossemecê quer que se ponham as cruzes?» «Olha, meu filho, mandas pôr uma a caminho da Partida para o Vale da Figueira que era a minha terra, e a outra da Partida para os Pereiros, que foi aonde o teu pai nasceu. Mas queria que mandasses fazer também uma no alto da Partida, que foi onde nasceste tu e os teus irmãos». O rapaz disse que sim, que cumpria o prometido logo que pudesse. E assim fez. Como também era pobre, ainda teve que pedir umas notas emprestadas a um vizinho, mas logo que pôde, falou a um homem lá da terra e encomendou-lhe as cruzes, todas em pedra de cantaria. Diz-se que enquanto andou a fazer o trabalho, por cima dele andaram sempre duas borboletas brancas a voar. Depois da obra acabada, viram-se as borboletas a subir, devagarinho, direitinhas ao céu…

Nota: Quando regressei do Vale de Figueiras e passei pela Partida com intenção de confirmar a existência da terceira cruz, já era quase noite, por isso nem tentei procurá-la. É um bom pretexto para lá voltar um dia destes. Por aquilo que vi e ouvi, vale a pena…

M. L. Ferreira