A
NOITE DE NATAL
(Adaptação da
obra “A Noite de Natal” de Sophia de Mello Breyner Andresen, a texto dramático,
por José Teodoro Prata)
Personagens:
Joana
Manuel
Criada Maria
Criada Gertrudes
Mãe da Joana
Pai da Joana
Tio da Joana
Tia da Joana
Primo da Joana
Prima da Joana
Rei Baltasar
Rei Gaspar
Rei Melchior
Sombras (4 ou 6)
Anjos (2 a 4)
I
Um amigo
Era uma vez uma
casa pintada de amarelo com um jardim à volta, onde a Joana brincava. Fazia
casas pequeninas, com musgo, ervas e paus.
Joana:
Que pena não viver ninguém nestas casinhas!
E continuou a
brincar.
Joana:
Era um sítio tão bom para morarem anões!
Um dia vieram os
primos brincar com ela. Mas só queriam jogar à bola e jogos de computador e
faziam troça das casas de musgo.
Primo:
Para que servem estas casinhas? Não sei como tens paciência para ficar aí de
joelhos, tanto tempo, a fazer coisas tão pequenas e inúteis.
Prima:
Que seca!
Quando os primos
abalavam, Joana tinha pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia
estar sozinha.
Joana:
Não entendo os meus primos, não sei brincar como eles!
Mas um dia
encontrou um amigo. Estava encarrapitada no muro do jardim e passou um miúdo
pela rua. Vinha todo vestido de remendos e caminhava devagar, sorrindo às
folhas de Outono. Joana sobressaltou-se.
Joana:
Ah! Parece mesmo um amigo! É exatamente igual a um amigo.
E do alto do
muro chamou-o:
Joana:
Bom dia!
O garoto voltou
a cabeça, sorriu e respondeu:
Manuel:
Bom dia!
Ficaram um
momento calados.
Joana:
Como é que te chamas?
Manuel:
Manuel.
Joana:
Eu chamo-me Joana.
De novo ficaram
um momento calados.
Manuel:
O teu jardim é muito bonito.
Joana:
É, vem ver.
Joana mostrou ao
garoto tudo o que havia no jardim e ele observava cada coisa com muito
interesse.
Manuel:
É lindo, é lindo.
Chegaram às
casinhas pequeninas.
Joana:
É aqui que eu brinco.
Manuel:
Para quem são estas casinhas?
Joana:
São para os meus amigos anões.
Manuel:
Vamos fazer uma casinha para o rei dos anões.
Apanharam paus,
pedras e musgo e começaram a construir uma casinha. Brincaram assim durante
muito tempo até que se ouviu o apito de uma fábrica.
Manuel:
Meio-dia, tenho de me ir embora.
Joana:
Onde é que tu moras?
Manuel:
Além nos pinhais.
Joana:
É lá a tua casa?
Manuel:
É, mas não é bem uma casa.
Joana:
Então?
Manuel:
O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o
dia, mas não temos dinheiro para ter uma casa.
Joana:
Mas à noite onde é que dormes?
Manuel:
O dono dos pinhais tem uma cabana onde dormem uma vaca e um burro. E por esmola
dá-me licença de dormir lá também.
Joana:
E onde é que brincas?
Manuel:
Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no
passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com
trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com ervas, com
os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte.
Joana:
Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo.
O Manuel voltou
todos os dias e juntos ficavam a brincar, esquecidos das horas. Às vezes uma
criada vinha trazer-lhes um lanche.
Criada
Maria: Menina, trago aqui um lanche para si e para o seu
amigo. Larguem a brincadeira por um instante e venham comer.
Joana:
Obrigado Maria. Manuel, vem lanchar comigo.
A Joana e o
Manuel sentaram-se e saborearam a fatia de bolo e o sumo que a Maria lhes
trouxera. Depois voltaram às suas brincadeiras. E foi assim que Joana encontrou
um amigo.
II
A festa
Até que chegou o
Natal. Na véspera, a Joana vestiu um vestido muito bonito e na casa havia
riqueza e alegria. Joana andava maravilhada. Veio ao jardim e olhou o céu cheio
de estrelas.
Joana:
A minha casa está linda, mas no céu ainda há uma festa maior, com milhões e
milhões de estrelas!
Joana voltou a
entrar em casa e perguntou à criada Gertrudes:
Joana:
Ainda falta muito para o jantar?
Criada
Gertrudes: Ainda falta um bocadinho, menina.
A criada ia a
afastar-se, mas ela chamou-a de novo:
Joana:
Gertrudes, ouve uma coisa.
Criada
Gertrudes: O que é?
Joana:
Que presentes é que achas que eu vou ter?
Criada
Gertrudes: Não sei, não posso adivinhar.
Joana:
E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?
Criada
Gertrudes: Qual amigo?
Joana:
O Manuel.
Criada
Gertrudes: O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.
Joana:
Não vai ter presentes nenhuns!?
Criada
Gertrudes: Não.
Joana:
Mas porquê Gertrudes?
Criada
Gertrudes: Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.
Joana:
Isso não pode ser, Gertrudes.
Criada
Gertrudes: Mas é assim mesmo.
A Gertrudes saiu
e deixou a Joana intrigada, a cismar.
Joana:
É tão esquisito o que a Gertrudes me contou. É como uma mentira. Mas ela sabe
tudo!
Entretanto, a
criada Maria veio avisar:
Criada
Maria: Menina, chegaram os primos.
Entraram os
primos e a Joana alegrou-se. Depois vieram os pais e os tios. Vivia-se um
ambiente de festa e alegria. De repente a Joana voltou a lembrar-se do Manuel e
isolou-se do grupo, pensativa.
Joana:
Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a gente.
Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.
E consolada com
esta esperança a Joana voltou a ficar alegre e juntou-se à festa. Estava
encantada com as luzes, as comidas… O primo puxou-a pelo braço:
Primo:
Joana, estão ali os teus presentes.
A Joana abriu os
seus presentes e ria-se e batia palmas de contente. De repente lembrou-se do
Manuel.
Joana:
Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.
A festa
continuou, até que o pai disse:
Pai:
São onze e meia. São quase horas da Missa do Galo. E são horas de as crianças
se irem deitar.
E foram saindo
todos:
Pai
e mãe: Boa noite, minha querida. Bom Natal.
O pai e a mãe
despediram-se da Joana com um beijo e saíram. Depois vieram as criadas a arrumar
tudo.
Criada
Gertrudes: Bom Natal, menina. Então, teve os presentes que
queria?
Joana:
Sim, todos. Estou muito contente! Bom Natal, Gertrudes.
Mas também elas começaram
a sair. Então a Joana chamou a Gertrudes.
Joana:
Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?
Criada
Gertrudes: O que é que eu disse?
Joana:
Disseste que o Manuel não ia ter presentes porque os pobres não têm presentes.
Criada
Gertrudes: Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias:
não teve presentes, nem árvore, nem peru recheado, nem filhoses.
Joana:
Mas então o Natal dele como foi?
Criada
Gertrudes: Foi como nos outros dias.
Joana:
E como é nos outros dias?
Criada
Gertrudes: Uma sopa e um bocado de pão.
Joana:
Gertrudes, isso é verdade?
Criada
Gertrudes: Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que
a menina se fosse deitar, porque estamos quase na meia-noite.
Joana:
Boa noite, Gertrudes.
A criada
Gertrudes saiu e a Joana ficou sozinha. Volta a olhar para os presentes.
Joana:
Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. Deram-me tudo o que eu
queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.
Depois, ficou
pensativa e falar consigo própria, a imaginar o Manuel na cabana.
Joana:
Que frio deve estar na cabana onde o Manuel dorme! Que escuro lá deve estar!
Que triste lá deve estar.
E depois,
decidida:
Joana:
Amanhã vou-lhe dar os meus presentes.
Mas suspirou:
Joana:
Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é Noite de Natal.
Vestiu um casaco
e pegou nos presentes, só deixou a boneca, pois o Manuel era um rapaz. Abriu a
porta devagarinho e saiu para o escuro da noite.
III
A estrela
Quando a Joana
se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. Estava tudo deserto,
não se viam pessoas, só se viam coisas. Tinha a impressão de que as coisas a
olhavam e se mexiam como pessoas. (Partes desta caminhada podem decorrer nos
espaços do público).
Joana:
Tenho medo.
Mas continuou.
Caminhava sempre, mas começava a duvidar.
Joana:
Será possível que eu chegue lá?
As ervas estavam
geladas e o vento cortava a sua cara como uma faca.
Joana:
Tenho frio.
Sentiu-se
perdida, sem saber por onde seguir.
Joana:
Para que lado ficará a cabana?
Olhava para um
lado e para o outro, sem saber que direção seguir.
Joana:
Como é que hei-de encontrar o caminho?
E levantou a
cabeça. Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava.
Joana:
Esta estrela parece um amigo.
E começou a
seguir a estrela. As sombras enormes fizeram uma roda à sua volta. Um pouco
depois ouviu passos.
Joana:
Será um lobo?
Depois surgiu um
vulto.
Joana:
Será um ladrão?
O vulto parou na
sua frente e ela viu que era um rei.
Joana:
Boa Noite
Rei
(Melchior): Boa noite. Como te chamas?
Joana:
Eu, Joana.
Rei
(Melchior): Eu chamo-me Melchior. Onde vais sozinha
a esta hora da noite?
Joana:
Vou com a estrela.
Rei
Melchior: Eu também, também vou com a estrela.
E juntos
seguiram pelo pinhal. De novo ouviram passos e um vulto surgiu entre as sombras
da noite.
Joana:
Boa noite. Chamo-me Joana e vou com a estrela.
Rei
(Gaspar): Também eu, também eu vou com a estrela e o meu nome
é Gaspar.
E seguiram
juntos até que voltaram a ouvir passos e um novo vulto surgiu do escuro.
Joana:
Boa noite. O meu nome é Joana e vamos com a estrela.
Rei
(Baltasar): Também eu caminho com a estrela e o meu
nome é Baltasar.
E juntos
seguiram os quatro através da noite. Até que chegaram a um lugar onde a estrela
parou. Era um casebre sem porta, mas Joana não viu escuridão, nem tristeza, só um
casebre que irradiava luz. E Joana viu o seu amigo Manuel deitado nas palhas,
entre a vaca e o burro, rodeados de anjos.
Joana:
Ah, aqui é como no presépio!
Rei
Baltazar: Sim, aqui é como no presépio.
Então a Joana
ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes. Os Reis Magos fizeram o mesmo.
Depois, a Joana virou-se para o público.
Joana:
Vamos festejar o Natal do meu amigo Manuel. Cantem todos comigo.
Refrão
Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria
Entrai
pastorinhos, entrai
Por este portal sagrado
Vinde adorar o menino
Numas palhinhas deitado
Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria
Ó meu Menino Jesus
Ó meu menino tão
belo
Logo viste
nascer
Na noite do
caramelo
Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria
(Nota: a canção deve
adaptar-se ao público presente, pois é importante que a saiba cantar.)
FIM