sábado, 4 de janeiro de 2014

Do país que se esvai


Esta imagem de Santo António, na fachada da capela do Mourelo, é das mais interessantes que conheço. O Menino Jesus, então, com as bochechas tão rosadinhas e ar de quem não quebra um prato, parece estar mesmo a dizer. «Aqui me têm, mas o que eu queria mesmo era que me abrissem a porta e me deixassem espojar por esses lameiros fora!».

M. L. Ferreira

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Um país que se esvai...

A propósito da desertificação do País, ouvi a deputada Catarina Martins, num dos últimos debates na Assembleia da República, dizer o seguinte: «o País está a esvair-se! Todos os anos saem de Portugal mais pessoas do que as crianças que nascem!...».
Achei dramática esta imagem, mas penso que é a que melhor define o que está a acontecer a Portugal e principalmente às regiões do interior.
De acordo com um estudo publicado recentemente pela Reconquista, a manter-se a tendência atual, dentro de poucos anos a população da zona do Pinhal Interior não será suficiente para assegurar os serviços essenciais (não me lembro dos números, mas são assustadores). E basta olharmos à nossa volta para vermos que é assim; na nossa freguesia e noutras aqui perto.
Nos últimos anos tenho viajado bastante aqui pelas Beiras. Tenho descoberto lugares maravilhosos: paisagens de nos deixarem de boca aberta; aldeias e vilas bem cuidadas; muitas obras de recuperação em edifícios e praças. Mas vê-se cada vez menos gente…
Um exemplo desta situação é Janeiro de Cima que visitei há pouco tempo. As casas do centro da aldeia foram quase todas recuperadas e estão lindas, mas aparentemente todas desabitadas. Parecem casas de bonecas e uma pessoa sente-se como se estivesse a passear numa terra de faz de conta!


Há duas semanas fui ao Mourelo. Andava ao tempo com vontade de lá ir ver os fornos da rua, como lá lhe chamam, recuperados recentemente, mas nunca mais me apunha. Foi uma surpresa! Deve ter sido uma grande terra, a julgar pelas casas lindas que ainda por lá há.


Que pena que muitas estejam tão danificadas, algumas completamente esbarrondadas e a maior parte desabitada!
Cruzei-me com o Ti Virgílio, um velhote muito simpático e bom conversador (parece que é uma característica comum à maior parte das pessoas da charneca), a quem perguntei se tinha ideia de quantas pessoas ainda lá viviam. Ele respondeu-me: «Ao certo, ao certo, não sei, mas já me lembro do tempo em que só em quinze casas havia noventa e cinco pessoas. Agora, ao todo, se forem umas trinta e cinco é muito…».
À volta da aldeia vêem-se boas terras de cultivo, muitas ainda com ar de sementeira recente. Deve ser por isso que as ruas se chamam Rua da Vinha Velha; Rua do Lameirão; Travessa do Vale do Linho; Rua da Barroca. Logo à entrada passamos pelo Largo da Portela. Parece que era lá que antigamente, nos dias de calmaria, as pessoas se sentavam a apanhar o ar fresco vindo da serra.
Quando me preparava para fotografar um dos fornos vi, a espreitar de um quintal no cimo da rua, uma mulher, também já idosa. Gabei-lhe o forno do povo, que estava lindo, mas ela respondeu-me: «Pois está lindo, está, mas já ninguém lá coze!».


Que pena!


M. L. Ferreira

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

5.º aniversário

Mais um ano, mais uma maratona de publicações e comentários. Sobretudo mais um ano em que ajudámos os vicentinos a reforçar os laços afetivos com as suas origens.
Somos meia dúzia de colaboradores, com 59 seguidores mais ou menos fiéis e outros tantos leitores mais ou menos regulares.
Ao longo do ano, os gigantes asiáticos ganharam relevo, sobretudo a Rússia (euroasiática) que durante muitos meses liderou a lista de países de origem dos visitantes do blogue de fora de Portugal. Há pouco tempo, também a China entrou na corrida, mas o primeiro lugar passou para os Estados Unidos. Além destes, persistem os países onde sabemos residir a diáspora vicentina: França, Alemanha, Inglaterra, Canadá, Brasil, Angola e Austrália.
Este foi o ano da maturação, pois consolidou-se o grupo de colaboradores, embora ainda com duas brechas: a publicação dos artigos tem de passar por mim e continuam a faltar notícias “jornalísticas” do que vai acontecendo em São Vicente.
Um exemplo: soube que, no dia 27/12, a Junta de Freguesia recebeu os vicentinos que quiseram apresentar sugestões de melhoramentos a realizar. Mas não sei em que moldes se fez esta reunião, nem quais os assuntos tratados, pois ninguém a reportou.
Uma terceira lacuna, eu chamar-lhe-ia antes uma área a desenvolver, é a ligação com as anexas. Tem havido alguma coisa, sobretudo pelas histórias da Libânia e nos meus artigos históricos. Paralelamente, mantenho contacto estreito com o Hugo Martins, autor do site do Mourelo.
Mas o balanço é francamente positivo. Quando, em outubro de 2009, expliquei este projeto ao José Miguel Teodoro e ele me incentivou a avançar, pois a ideia tinha pernas para andar, nunca pensei chegar tão longe, no tempo e em termos de qualidade. E, já agora, desconhecia a carga de trabalhos em que me estava a meter.
Como já escrevi algures no passado, encaro esta tarefa como um trabalho cívico, é a minha contribuição para a nossa vida comunitária. (E tenho a noção de quão reduzido é este meu contributo, muitos dão-nos, felizmente, muito mais.) Em consequência, não considero este blogue apenas meu, mas de todos os colaboradores e leitores. E se isto não é verdade em termos formais, pois continuo sozinho a publicar os artigos e os comentários, é totalmente verdade em termos éticos. Tanto assim que encaro com naturalidade a passagem da gestão do blogue de individual para o grupo de colaboradores, num futuro próximo, se/quando houver condições para isso.
As comunidades do interior estão em vias de extinção. Nos últimos anos, confluíram várias variáveis que tornarão as nossas terras aldeias fantasmas, daqui a vinte anos: a baixíssima natalidade, a concentração da população na faixa litoral, a emigração anual de mais de 100 mil pessoas, as portagens…
Alguém afirmou que Portugal está à beira de um suicídio coletivo. Que este blogue seja uma forma de conservarmos a nossa identidade, onde quer que estejamos.
Um bom ano de 2014!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O testamento de uma tecedeira, 1781

Luiza de Mena era solteira, vivia na Vila e sempre trabalhou como tecedeira. Faleceu no dia 15 de Abril de 1781 e deixou testamento, copiado para o livro de registo dos óbitos, pelo Cura Domingos Gaspar. Foi sepultada em cova da Fábrica da Igreja Matriz.

«Primeiramente disse que queria que o seu corpo fosse amortalhado em um hábito feito da sua saia preta e que seu corpo fosse sepultado na Igreja Matriz desta vila donde era freguesa e que por sua alma se lhe dissessem quarenta missas de esmola de cem réis cada uma, que pela sua mãe se dissessem dez missas, pela de sua avó Maria Nunes uma missa, pela de seu tio Antonio da Costa uma missa, pela de seus avós uma missa, a Santa Francisca uma missa, a Santa Gertrudes uma missa, ao Senhor Santo Cristo do Calvário uma missa, a São José uma missa, a Nossa Senhora do Rosário uma missa, ao anjo da Guarda uma missa, pelos irmãos da Misericórdia outra missa, pelas penitências mal cumpridas outra missa, pelos irmãos que faltasse com as rezas outra missa, a Santo António outra missa, todas de esmola de cem réis.
A Luiza, filha de Manoel Jorge desta vila, deixa uma camisa de linho nova; a quem lhe assistiu na doença da morte outra camisa de linho nova de linho, uma enxerga e dois lençóis grosseiros, um travesseiro de estopinha com sua fronha e um cobertor de pano amarelo; a seu primo Joaõ Correa, mil e duzentos réis; a Anna, filha de Manoel Leitaõ barbeiro, o seu capote de dorguete, à mulher de Joze Rodrigues Marques o moço, uma saca de camelão para que o dito Joze Roiz seja seu testamenteiro.
Declarou que as casas em que assistia eram suas e que do produto delas se lhe fizesse meio ofício e satisfizessem bem as esmolas das missas que ficam declaradas.
A Vitoria Maria, mulher de Antonio Caetano da Costa, lhe deixa o seu tear e dois pentes, um de vinte e cinco, outro de quarenta e dois, pagando a metade do tear, para o que será avaliado; ao Reverendo Padre Francisco Duarte lhe deixa uma colcha de linha branca, com obrigação de lhe dizer vinte e duas missas por sua alma, além das deitadas em seu testamento; a sua madrinha Maria de Carvalho lhe deixa o seu tacho e caldeira, com obrigação de lhe mandar dizer quatro missas; a Joana Jozefa, criada do Capitão-Mor Francisco Caldeira, deixa uma arca com sua fechadura; a sua afilhada Luiza, filha de Manoel Jorge, o seu tabuleiro e masseira. E na aprovação deste seu testamento disse lhe dissessem as três missas do Natal em louvor do Menino de Deus; e ao Doutor António Mesquita de Carvalho, o seu leito, pelo trabalho de lhe fazer o seu testamento; e de tudo quanto tem, disse, depois de seu bem de alma e missas satisfeitas, o deixava a seu primo Joam Correa, a quem instituiu por seu universal herdeiro.»
(S. Vicente da Beira, Registos Paroquiais - Óbitos, microfilme 145)

Pessoas referidas:
Luiza de Mena, solteira e tecedeira
Maria Nunes, avó de Luiza de Mena e já falecida
Antonio da Costa, tio de Luiza de Mena e já falecido
Joaõ Correa, primo de Luiza de Mena e porteiro da Câmara (fazia os anúncios)
Luiza, afilhada de Luiza de Mena e filha de Manoel Jorge
Anna, filha de Manoel Leitaõ, barbeiro
Joze Rodrigues Marques o moço, o testamenteiro
Vitoria Maria, mulher de Antonio Nunes da Costa
Padre Francisco Duarte
Maria de Carvalho, madrinha de Luiza de Mena
Joana Jozefa, criada do Capitão-Mor Francisco Caldeira
Doutor Antonio Mesquita de Carvalho, tabelião
O Cura Domingos Gaspar, natural do Louriçal do Campo e cura na Igreja Matriz

Bens que possuía:
1 casa
1 tabuleiro e 1 masseira
1 tacho e 1 caldeira
1 arca com fechadura
1 tear com 2 pentes, um de vinte e cinco e outro de quarenta e dois
1 saca de camelão
1 colcha de linha branca, 
2 camisas de linho novas
1 capote de dorguete
1 leito, 1 enxerga, 2 lençóis grosseiros
1 travesseiro de estopinha com fronha 
1 cobertor de pano amarelo
dinheiro: 9$300 réis = 6$100 réis para missas + 1$200 réis para o primo João Correia


José Teodoro Prata

domingo, 29 de dezembro de 2013

Fogueira de Natal

A meteorologia ameaçara temporal, mas a chuva não foi suficiente para ensopar os madeiros ressequidos pelo Estio.
Depois, pouco antes da Missa do Galo, o São Pedro até deu uma aberta para desassustar as pessoas e acender a fogueira.
Em volta dela, a magia do costume. 






Fotos do José Barroso e da Sara Varanda

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

ReNASCER


VERBO


Natal, é nascer, é ressurgir de novo,

Como um dia que amanhece,

É irromper da essência,

Assim como o Deus Menino.

 

Tal como num ovo,

Acontecimento grandioso!

A vida avança e cresce,

Mistério para a ciência!

E tudo o que é pequenino,

Como num ato miraculoso,

Se faz robusto, engrandece.

 

Mas, não, não vou falar do Natal,

Tão bonito!

Da tua e da minha aldeia,

Nem da fogueira,

Onde o madeiro arde em noite gelada

E nua.

 

Nem do aconchego da lareira,

E da ceia em família, na consoada,

Em que se visitam os pais e os avós,

Enquanto o ar frio da rua,

Condensa a água nos vidros da janela,

E se fazem as filhós,

Polvilhando-se com açúcar e canela.

 

Porque, sobre o Natal,

Já todos escrevemos redações,

E fizemos desenhos e poemas singelos,

Nas folhas dos cadernos,

Que trazíamos na sacola,

Quando meninos, puros corações,

E colámos nas paredes da nossa escola.

 

Tampem-me a boca e os olhos!

Não quero falar do pai natal,

Nem ver a imensa claridade,

Das luzes que, aos milhares, como folhos,

Rendilham, à noite, as ruas da cidade.

 

Não quero escrever nada sobre o Natal,

Nem sobre as prendas,

Os segredos e as intenções,

Nem sobre a simplicidade e a fantasia,

Nem acerca das emoções,

Da nossa infância.

 

Não vou falar dos pastores,

Dormindo, à noite, à geada,

Nem da maresia,

Nem do céu, nem das estrelas,

Nem da fragrância,

Das plantas nessa madrugada.

 

E as ovelhinhas também não vou vê-las,

No presépio,

Porque este é, afinal, muitos Natais!

Sempre com as suas figuras, 

Secundárias e principais,

E com os reis magos,

Vindos das lonjuras,

Dos caminhos do oriente.

 

Embora, como essas figurinhas nos tocam,

Como a gente sente!

 

Mas desta vez, não!

Não vou ver,

Não vou falar, nem vou escrever,

Quero apenas ouvir.

 

Ouvir, em silêncio, perscrutar, a voz,

Do VERBO,

Porque ELE encarnou,

E está, agora, entre nós.


João Gabriel Saraiva

sábado, 21 de dezembro de 2013

NATAL

Quando sobre nós pesa
um dia a dia negro de cuidados,
é difícil, Senhor, acreditarmos
em confianças, esperanças e promessas.

Mais saudável será cantarmos hinos
ao Teu regresso após ano de ausência
e sorver-te o sorriso de menino
tão cálido a fremir ingenuamente.

Porém, perdoarás: em tempo escuro,
o nosso coração treme gelado
e o que vê é o Teu corpo em cruz
a uma cruz (feita por nós) pregado.

António Salvado
(poeta albicastrense)