Como a peça de teatro infantil do passado fim de semana, apresentada em "A Coca", se destinava a um público restrito, poucos terão lido o comentário da Ana. Ela é (será?) filha da Rita Alves Barroso. A canção de embalar chegou-lhe via avó Maria dos Anjos Alves, que a cantava aos filhos Rita, Bernardo e Francisco.
A canção é preciosa. Pena não a poder apresentar acompanhada por aquele canto arrastado e doce, quase segredado ao ouvido do bebé-menino, para o acalmar e adormecer. E é uma esperança que uma jovem mãe ainda a cante aos seus meninos.
Fez-me lembrar uma cena do livro 1984, do George Orwell, quando os protagonistas da história tentam libertar-se do controle e dos condicionalismos do Big Brother, refugiando-se um dia no campo e reaprendendo os aromas das flores silvestres. Hoje, condicionados por tantos big brothers, vamo-nos esquecendo de algumas coisas essenciais e é bom encontrar alguém que resiste!
Vai-te embora bicha coca
Vai-te embora do telhado
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado
Dorme dorme meu menino
Foi-se o sol nasceu a lua
Qual será o teu destino
Que sorte será a tua
Riquezas tenhas tão grandes
E tal bondade também
Que ao redor de onde tu andes
Não fique pobre ninguém
Mas se oiro for mau caminho
Antes tu venhas a ser
O maior pobrezinho
De quantos pobres houver
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
domingo, 27 de março de 2011
sábado, 26 de março de 2011
Amigos dos Castelos
Acabo de chegar de São Vicente, onde guiei a visita de um grupo de pessoas da Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos.
O grupo excursionista veio de Lisboa e passou o dia nesta encosta da Gardunha: Castelo Novo, Alpedrinha, um saltinho a Alcongosta para verem as cerejeiras em flor (que ainda não floriram), Póvoa da Atalaia e São Vicente da Beira.
A chegada à Fonte Velha estava marcada para as 17.30h, mas só chegaram às 18.30h, hora a que já lhes apeteceria rumar a Lisboa.
Mas parara de chover e um lindo arco-íris curvava o céu sobre o Caldeira. Levei-os à Igreja Matriz, à Igreja e Museu da Misericórdia (fizeram sucesso as matracas e o quadro de agradecimento ao Santo Cristo, de um antepassado do actor Robles Monteiro), admiraram o Pelourinho já no lusco-fusco e ainda insisti para que conhecessem a nossa antiga Câmara.
Surpreenderam-se com as nossas tradições quaresmais (procissões dos terceiros, dos passos e do enterro), mas partiram, sem a promessa de regressarem nos próximos dias.
Soube a pouco, mas há que semear para um dia colher!
Embora ali estivesse a pedido da Junta de Freguesia, a entidade que a Associação contactou, o meu agradecimento especial ao João Maria dos Santos, da nova Mesa da Santa Casa, pelas quase duas horas de espera que passou na Misericórdia.
O grupo excursionista veio de Lisboa e passou o dia nesta encosta da Gardunha: Castelo Novo, Alpedrinha, um saltinho a Alcongosta para verem as cerejeiras em flor (que ainda não floriram), Póvoa da Atalaia e São Vicente da Beira.
A chegada à Fonte Velha estava marcada para as 17.30h, mas só chegaram às 18.30h, hora a que já lhes apeteceria rumar a Lisboa.
Mas parara de chover e um lindo arco-íris curvava o céu sobre o Caldeira. Levei-os à Igreja Matriz, à Igreja e Museu da Misericórdia (fizeram sucesso as matracas e o quadro de agradecimento ao Santo Cristo, de um antepassado do actor Robles Monteiro), admiraram o Pelourinho já no lusco-fusco e ainda insisti para que conhecessem a nossa antiga Câmara.
Surpreenderam-se com as nossas tradições quaresmais (procissões dos terceiros, dos passos e do enterro), mas partiram, sem a promessa de regressarem nos próximos dias.
Soube a pouco, mas há que semear para um dia colher!
Embora ali estivesse a pedido da Junta de Freguesia, a entidade que a Associação contactou, o meu agradecimento especial ao João Maria dos Santos, da nova Mesa da Santa Casa, pelas quase duas horas de espera que passou na Misericórdia.
domingo, 20 de março de 2011
A Coca
Lembram-se dela? Do desassossego nos nossos frágeis espíritos infantis? Às vezes, nem a canção de embalar, para a esconjurar, nos devolvia a paz.
A nossa mãe cantava, no escuro do quarto:
Vai-te coca, vai-te coca,
Vai-te coca do telhado.
Deixa dormir o menino,
Um soninho descansado.
E nós acreditávamos que ela novamente nos estava a proteger, sempre a afastar a coca para longe de nós. O sono chegava finalmente, mas, por vezes, a coca reaparecia nele e continuava a atormentar-nos.
Nesta história infantil que dramatizei, a coca chama-se medo e o autor ensina, com mestria, um truque para o vencer.
Podem copiar e usar, como quiserem. Mas nunca se esqueçam de referir o criador da história. Leiam o livro e visitem o seu site!
Livro: “Draguim e o bicho de sete cabeças”, de Carlos J. Campos.
Adaptação a texto dramático: “Vencer o Medo”, de José Teodoro Prata
Encenação: Turma do 4.º A da Escola Cidade de Castelo Branco, de Idalina Rodrigues, Março de 2011.
Personagens: Seres da Floresta (Mestre dos duendes, Draguim, Pétala, Duende 1, Duende 2, Duende 3, Duende 4, Coelho, Joaninha, Lobo), Mosca e Dragões (Chefe dos dragões, Dragão 1, Dragão 2, Dragão 3, Dragão 4 e Medo)
(O palco mostra dois mundos bem distintos. De um lado, há uma floresta verdejante e florida, habitat de animais e duendes. Do outro, a terra está despida de árvores, sendo visíveis alguns paus secos e queimados. É a terra dos dragões, que nada cuidam e tudo destroem.
A cena abre com animais e duendes em alegre convívio, numa floresta. Uns fazem uma roda, outros entretidos num jogo. Todos cantam uma canção.)
Viva a terra dos duendes, giroflé, giroflá.
Viva o Draguim nosso amigo, giroflé, flé, flá.
Vamos todos brincar juntos, giroflé, giroflá.
Defender o nosso Mundo, giroflé, flé, flá.
(De repente, a cena é atravessada por uma criatura negra, que logo desaparece. A sua passagem foi tão rápida que os seres da floresta, distraídos como estavam, nem tiveram tempo de ver o que era. Ficam todos preocupados, a perguntar uns aos outros o que teria sido aquilo.)
Coelho: O que foi aquilo?
Joaninha: Viste o que aqui passou?
Lobo: Era uma mancha escura.
Duende 1: Parecia um dragão.
Todos: Um dragão? (Exclamam em coro, cheios de medo.)
Draguim: Vou avisar o Mestre.
(Disse um pequeno dragão colorido, chamado Draguim. Os outros continuam apreensivos. À boca de cena, num dos lados, está o Mestre sentado, na sua mesa, a ler um velho livro.)
Draguim: Mestre! A floresta foi atravessada por uma criatura inquietante.
Mestre: Inquietante, porquê?
Draguim: Era estranha e escura e encheu de medo os habitantes da floresta.
Mestre: Obrigado, Draguim, por me teres vindo avisar. Agora volta para junto dos outros e diz-lhes para nada temerem.
(O pequeno Draguim junta-se aos outros e o Mestre fica a falar com os seus botões, mostrando preocupação.)
Mestre: Uhm! Será que isto tem algo a ver com aqueles estranhos sinais de fumo que tenho visto a sair da terra dos dragões?
(E mergulha de novo no seu livro. Entretanto, o palco é atravessado pela mancha negra, em várias direcções. Os animais e os duendes da floresta ficam estáticos. Do outro lado, entram em cena alguns dragões, empunhando cartazes onde se lê: “VIVA O MEDO”. Estes dragões têm aspeto desleixado e escuro. Um deles distingue-se dos outros pela bengala que usa como símbolo de poder – é o Chefe.)Todos os dragões: VIVA O MEDO! VIVA O MEDO!
(Gritam eufóricos. A mancha negra pára junto deles. É um dragão insignificante, feio e magricela. Ao vê-lo, os outros dragões perdem o entusiasmo e dividem-se entre o riso trocista e a desilusão.)
Dragão 1: Ó Chefe, é este lingrinhas que nos vai ajudar a conquistar a floresta dos duendes? Ah! Ah! Ah! (Diz um deles. Os outros riem também e abanam a cabeça, desiludidos.)
O Medo (Dirigindo-se ao Chefe): Vamos começar a trabalhar já. Diga a estes idiotas para irem buscar muitas folhas secas e pedaços de carvão.
Chefe: Façam o que ele pediu, já!
(Os outros dragões procuram folhas e carvões. O Medo escreve a primeira mensagem.)
Medo: Agora, escrevam a mesma coisa em todas as folhas!
(A floresta é atravessada, novamente, pela mancha negra, que vai largando folhas secas à sua passagem. Depois desaparece, tão rápido como chegou. Os animais e os duendes param as suas brincadeiras e, apreensivos, apanham do chão algumas folhas. Todas trazem a mesma mensagem. Lê cada um, numa repetição sucessiva e cada vez mais entoando preocupação.)
Duende 1: O MEDO VEM AÍ!
Duende 2: O MEDO VEM AÍ!
Duende 3: O MEDO VEM AÍ!
Todos os seres da floresta: O MEDO VEM AÍ!
(O Draguim leva umas folhas ao Mestre.)
Draguim: Mestre, veja! O MEDO VEM AÍ!
Mestre: Draguim, o medo é uma semente má que, uma vez plantada, vai crescendo e tomando conta de tudo. Sei pouco sobre o medo. Talvez “O grande livro dos duendes” me ajude a encontrar uma solução. Volta para junto dos teus amigos e procura distraí-los.
(O pequeno Draguim volta para junto dos seus amigos e encontra a Pétala, que lhe estende uma folha.)
Pétala: Ó Draguin, eu não sei o que é o medo! Tu sabes?
Draguim: O medo é um artista muito divertido que vem fazer um espetáculo à nossa aldeia.
Pétala: Então, porque estão todos tão preocupados com este anúncio?!
Draguim: Ahh… porque neste anúncio não diz quando é que ele chega…
Pétala: Obrigado, Draguim! Olha, queres vir comigo apanhar frutos?
(O Medo fala para os outros dragões.)
Medo: Vamos passar à segunda fase do plano. Agora precisamos de um mensageiro. Alguém que espalhe um boato entre os animais da floresta. Uma criatura sorrateira, capaz de andar entre dois mundos. Um ser sem escrúpulos que não se importe de trair os da sua espécie.
(Chega uma mosca, muito excitada com as novidades que vem contar.)
Mosca: Na floresta dos duendes só se fala num tal Medo… e que está para chegar, não se sabe quando… nem onde…
Medo: Vai contar-lhes que esse tal Medo é um dragão enorme que consegue destruir uma árvore com uma só labareda!
Mosca: Mas afinal sempre é verdade?! Onde é que ele está?
Chefe: Isso não é da tua conta. Faz o que te mandam!
(A Mosca entra na floresta e atrai para a boca de cena um duende. Fala-lhe, em voz baixa. O duende conta aos outros.)
Duende 1: Vêm aí dois dragões enormes, capazes de incendiar duas árvores com uma só labareda!
(Na terra dos dragões, o Dragão 1 coloca-se de braço dado com o Medo, formando um dragão de duas cabeças.)
Medo (os dois dragões ao mesmo tempo): Pronto! A semente está lançada. O medo vai começar a crescer! UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(A mosca volta e fala ao ouvido de um segundo duende.)
Duende 2: Contaram-me que vêm aí três dragões enormes, capazes de derrubar três árvores cada um, só com uma labareda! Salve-se quem puder!
(Entretanto, o Dragão 2 junta-se ao Medo, formando um dragão de três cabeças. Riem às gargalhadas.)
Medo (os três dragões ao mesmo tempo): UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(Os seres da floresta estão cada vez mais amedrontados com as notícias. A mosca reaparece e fala ao ouvido de um terceiro duende.)
Duende 3: Contaram-me que estão a chegar à nossa floresta quatro dragões gigantes, capazes de derrubar quatro árvores cada um, só com uma labareda!
(Entretanto, o Dragão 3 junta-se ao Medo, formando um dragão de quatro cabeças. Riem contentes.)
Medo (os quatro dragões ao mesmo tempo): UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(A mosca fala ao ouvido de um quarto duende.)
Duende 4: Não são quatro, mas cinco dragões e cada um derruba cinco árvores só com uma labareda. Vão queimar a nossa floresta num instante!
(Entretanto, o Dragão quatro junta-se ao Medo, formando um dragão de cinco cabeças. Riem ainda mais forte.)
Medo (os cinco dragões ao mesmo tempo): UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(Os seres da floresta mostram uma crescente preocupação. Nem todos, o Draguim e a Pétala continuam as suas brincadeiras. Afastados deles, os duendes conversam entre si.)
Duende 1: Se não abandonarmos a floresta, morreremos todos.
Duende 2: Eu estou de acordo. Vamos embora.
Duende 3: Também vou convosco.
Duende 4: Draguim, Draguim, vai avisar o Mestre!
(O pequeno Draguim vai avisar o Mestre do que se passa. Enquanto conversam, surge a mosca junto dos dragões.)
Medo (os cinco dragões ao mesmo tempo): Leva-lhes esta última mensagem: AMANHÃ DE MANHÃ, O MEDO VAI CHEGAR À FLORESTA!
(A mosca mistura-se com os seres da floresta e fala com eles. Ficam aterrorizados com a nova notícia e dão sinais de abandonar a floresta. O Mestre vê que tem de fazer alguma coisa.)
Mestre: Draguim, convoca todos os seres da floresta para uma reunião.
(O Draguim sai de junto do Mestre e chama pelos animais e pelos duendes. Os seres da floresta aproximam-se do Mestre, ainda receosos.)
Mestre: Nada há a temer. Vós é que dais força ao medo. Confiai em mim e vereis.
(O Mestre e o Draguim escrevem uma mensagem nas folhas do chão. Os duendes lêem a mensagem e começam também a reproduzi-la noutras folhas. Em seguida, o Draguim chega-se à orla da floresta e atira as folhas para cima do dragões-Medo. Eles apanham-nas e lêem-nas.)
Medo (os cinco dragões ao mesmo tempo): OS DUENDES NUNCA ABANDONARÃO A FLORESTA!
(Ficam confusos e desanimados.)
Medo: Oh!
(Mas, depressa, recuperam o ânimo.)
Medo: Não há problema! Se nós estamos assim tão fortes, é porque o medo deles é muito grande. Vamos acabar com isto!
(O Medo - os cinco dragões - sai do seu canto e avança em direcção à floresta. O Mestre, o Draguim e a Pétala aguardam-no sorridentes, com os outros seres mais atrás, receosos. O Medo faz gestos espetaculares, grita, faz Oh! e AH! numa dança ameaçadora.)
Pétala: Lindo! Lindo! Tinhas razão, Draguim! O espectáculo é mesmo giro!
(Todos se animam e batem palmas. O Medo fica confuso e ainda mais furioso. Os seres da floresta redobram os aplausos. O Medo desfalece e cai no chão, perante as gargalhadas de todos.)
Mestre: Viram, amigos, nada havia a recear! A explicação do que aconteceu é simples: muitas vezes a nossa imaginação dá asas ao medo e deixa que ele cresça em nós e se torne enorme. Temos sossego, de novo, na nossa floresta. Podeis voltar às vossas brincadeiras.
(A floresta volta a animar-se, com os animais e os duendes entretidos em jogos e canções. Todos cantam.)
Os duendes tinham medo, giroflé, giroflá.
Mas conseguiram vencê-lo, giroflé, flé, flá.
Quem tem medo tem coragem, giroflé, giroflá.
Unidos somos mais fortes, giroflé, flé, flá.
FIM
Nota: Por questões de ordem prática, optou-se por, na parte final, formar o Medo com os dragões da Terra dos Dragões. Mas o Medo pode ser formado por outros quatro dragões, iguais ao Medo, que se vão juntando a ele.
A nossa mãe cantava, no escuro do quarto:
Vai-te coca, vai-te coca,
Vai-te coca do telhado.
Deixa dormir o menino,
Um soninho descansado.
E nós acreditávamos que ela novamente nos estava a proteger, sempre a afastar a coca para longe de nós. O sono chegava finalmente, mas, por vezes, a coca reaparecia nele e continuava a atormentar-nos.
Nesta história infantil que dramatizei, a coca chama-se medo e o autor ensina, com mestria, um truque para o vencer.
Podem copiar e usar, como quiserem. Mas nunca se esqueçam de referir o criador da história. Leiam o livro e visitem o seu site!
Livro: “Draguim e o bicho de sete cabeças”, de Carlos J. Campos.
Adaptação a texto dramático: “Vencer o Medo”, de José Teodoro Prata
Encenação: Turma do 4.º A da Escola Cidade de Castelo Branco, de Idalina Rodrigues, Março de 2011.
Personagens: Seres da Floresta (Mestre dos duendes, Draguim, Pétala, Duende 1, Duende 2, Duende 3, Duende 4, Coelho, Joaninha, Lobo), Mosca e Dragões (Chefe dos dragões, Dragão 1, Dragão 2, Dragão 3, Dragão 4 e Medo)
(O palco mostra dois mundos bem distintos. De um lado, há uma floresta verdejante e florida, habitat de animais e duendes. Do outro, a terra está despida de árvores, sendo visíveis alguns paus secos e queimados. É a terra dos dragões, que nada cuidam e tudo destroem.
A cena abre com animais e duendes em alegre convívio, numa floresta. Uns fazem uma roda, outros entretidos num jogo. Todos cantam uma canção.)
Viva a terra dos duendes, giroflé, giroflá.
Viva o Draguim nosso amigo, giroflé, flé, flá.
Vamos todos brincar juntos, giroflé, giroflá.
Defender o nosso Mundo, giroflé, flé, flá.
(De repente, a cena é atravessada por uma criatura negra, que logo desaparece. A sua passagem foi tão rápida que os seres da floresta, distraídos como estavam, nem tiveram tempo de ver o que era. Ficam todos preocupados, a perguntar uns aos outros o que teria sido aquilo.)
Coelho: O que foi aquilo?
Joaninha: Viste o que aqui passou?
Lobo: Era uma mancha escura.
Duende 1: Parecia um dragão.
Todos: Um dragão? (Exclamam em coro, cheios de medo.)
Draguim: Vou avisar o Mestre.
(Disse um pequeno dragão colorido, chamado Draguim. Os outros continuam apreensivos. À boca de cena, num dos lados, está o Mestre sentado, na sua mesa, a ler um velho livro.)
Draguim: Mestre! A floresta foi atravessada por uma criatura inquietante.
Mestre: Inquietante, porquê?
Draguim: Era estranha e escura e encheu de medo os habitantes da floresta.
Mestre: Obrigado, Draguim, por me teres vindo avisar. Agora volta para junto dos outros e diz-lhes para nada temerem.
(O pequeno Draguim junta-se aos outros e o Mestre fica a falar com os seus botões, mostrando preocupação.)
Mestre: Uhm! Será que isto tem algo a ver com aqueles estranhos sinais de fumo que tenho visto a sair da terra dos dragões?
(E mergulha de novo no seu livro. Entretanto, o palco é atravessado pela mancha negra, em várias direcções. Os animais e os duendes da floresta ficam estáticos. Do outro lado, entram em cena alguns dragões, empunhando cartazes onde se lê: “VIVA O MEDO”. Estes dragões têm aspeto desleixado e escuro. Um deles distingue-se dos outros pela bengala que usa como símbolo de poder – é o Chefe.)Todos os dragões: VIVA O MEDO! VIVA O MEDO!
(Gritam eufóricos. A mancha negra pára junto deles. É um dragão insignificante, feio e magricela. Ao vê-lo, os outros dragões perdem o entusiasmo e dividem-se entre o riso trocista e a desilusão.)
Dragão 1: Ó Chefe, é este lingrinhas que nos vai ajudar a conquistar a floresta dos duendes? Ah! Ah! Ah! (Diz um deles. Os outros riem também e abanam a cabeça, desiludidos.)
O Medo (Dirigindo-se ao Chefe): Vamos começar a trabalhar já. Diga a estes idiotas para irem buscar muitas folhas secas e pedaços de carvão.
Chefe: Façam o que ele pediu, já!
(Os outros dragões procuram folhas e carvões. O Medo escreve a primeira mensagem.)
Medo: Agora, escrevam a mesma coisa em todas as folhas!
(A floresta é atravessada, novamente, pela mancha negra, que vai largando folhas secas à sua passagem. Depois desaparece, tão rápido como chegou. Os animais e os duendes param as suas brincadeiras e, apreensivos, apanham do chão algumas folhas. Todas trazem a mesma mensagem. Lê cada um, numa repetição sucessiva e cada vez mais entoando preocupação.)
Duende 1: O MEDO VEM AÍ!
Duende 2: O MEDO VEM AÍ!
Duende 3: O MEDO VEM AÍ!
Todos os seres da floresta: O MEDO VEM AÍ!
(O Draguim leva umas folhas ao Mestre.)
Draguim: Mestre, veja! O MEDO VEM AÍ!
Mestre: Draguim, o medo é uma semente má que, uma vez plantada, vai crescendo e tomando conta de tudo. Sei pouco sobre o medo. Talvez “O grande livro dos duendes” me ajude a encontrar uma solução. Volta para junto dos teus amigos e procura distraí-los.
(O pequeno Draguim volta para junto dos seus amigos e encontra a Pétala, que lhe estende uma folha.)
Pétala: Ó Draguin, eu não sei o que é o medo! Tu sabes?
Draguim: O medo é um artista muito divertido que vem fazer um espetáculo à nossa aldeia.
Pétala: Então, porque estão todos tão preocupados com este anúncio?!
Draguim: Ahh… porque neste anúncio não diz quando é que ele chega…
Pétala: Obrigado, Draguim! Olha, queres vir comigo apanhar frutos?
(O Medo fala para os outros dragões.)
Medo: Vamos passar à segunda fase do plano. Agora precisamos de um mensageiro. Alguém que espalhe um boato entre os animais da floresta. Uma criatura sorrateira, capaz de andar entre dois mundos. Um ser sem escrúpulos que não se importe de trair os da sua espécie.
(Chega uma mosca, muito excitada com as novidades que vem contar.)
Mosca: Na floresta dos duendes só se fala num tal Medo… e que está para chegar, não se sabe quando… nem onde…
Medo: Vai contar-lhes que esse tal Medo é um dragão enorme que consegue destruir uma árvore com uma só labareda!
Mosca: Mas afinal sempre é verdade?! Onde é que ele está?
Chefe: Isso não é da tua conta. Faz o que te mandam!
(A Mosca entra na floresta e atrai para a boca de cena um duende. Fala-lhe, em voz baixa. O duende conta aos outros.)
Duende 1: Vêm aí dois dragões enormes, capazes de incendiar duas árvores com uma só labareda!
(Na terra dos dragões, o Dragão 1 coloca-se de braço dado com o Medo, formando um dragão de duas cabeças.)
Medo (os dois dragões ao mesmo tempo): Pronto! A semente está lançada. O medo vai começar a crescer! UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(A mosca volta e fala ao ouvido de um segundo duende.)
Duende 2: Contaram-me que vêm aí três dragões enormes, capazes de derrubar três árvores cada um, só com uma labareda! Salve-se quem puder!
(Entretanto, o Dragão 2 junta-se ao Medo, formando um dragão de três cabeças. Riem às gargalhadas.)
Medo (os três dragões ao mesmo tempo): UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(Os seres da floresta estão cada vez mais amedrontados com as notícias. A mosca reaparece e fala ao ouvido de um terceiro duende.)
Duende 3: Contaram-me que estão a chegar à nossa floresta quatro dragões gigantes, capazes de derrubar quatro árvores cada um, só com uma labareda!
(Entretanto, o Dragão 3 junta-se ao Medo, formando um dragão de quatro cabeças. Riem contentes.)
Medo (os quatro dragões ao mesmo tempo): UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(A mosca fala ao ouvido de um quarto duende.)
Duende 4: Não são quatro, mas cinco dragões e cada um derruba cinco árvores só com uma labareda. Vão queimar a nossa floresta num instante!
(Entretanto, o Dragão quatro junta-se ao Medo, formando um dragão de cinco cabeças. Riem ainda mais forte.)
Medo (os cinco dragões ao mesmo tempo): UAH! UAHUAH! UAUAHAH!
(Os seres da floresta mostram uma crescente preocupação. Nem todos, o Draguim e a Pétala continuam as suas brincadeiras. Afastados deles, os duendes conversam entre si.)
Duende 1: Se não abandonarmos a floresta, morreremos todos.
Duende 2: Eu estou de acordo. Vamos embora.
Duende 3: Também vou convosco.
Duende 4: Draguim, Draguim, vai avisar o Mestre!
(O pequeno Draguim vai avisar o Mestre do que se passa. Enquanto conversam, surge a mosca junto dos dragões.)
Medo (os cinco dragões ao mesmo tempo): Leva-lhes esta última mensagem: AMANHÃ DE MANHÃ, O MEDO VAI CHEGAR À FLORESTA!
(A mosca mistura-se com os seres da floresta e fala com eles. Ficam aterrorizados com a nova notícia e dão sinais de abandonar a floresta. O Mestre vê que tem de fazer alguma coisa.)
Mestre: Draguim, convoca todos os seres da floresta para uma reunião.
(O Draguim sai de junto do Mestre e chama pelos animais e pelos duendes. Os seres da floresta aproximam-se do Mestre, ainda receosos.)
Mestre: Nada há a temer. Vós é que dais força ao medo. Confiai em mim e vereis.
(O Mestre e o Draguim escrevem uma mensagem nas folhas do chão. Os duendes lêem a mensagem e começam também a reproduzi-la noutras folhas. Em seguida, o Draguim chega-se à orla da floresta e atira as folhas para cima do dragões-Medo. Eles apanham-nas e lêem-nas.)
Medo (os cinco dragões ao mesmo tempo): OS DUENDES NUNCA ABANDONARÃO A FLORESTA!
(Ficam confusos e desanimados.)
Medo: Oh!
(Mas, depressa, recuperam o ânimo.)
Medo: Não há problema! Se nós estamos assim tão fortes, é porque o medo deles é muito grande. Vamos acabar com isto!
(O Medo - os cinco dragões - sai do seu canto e avança em direcção à floresta. O Mestre, o Draguim e a Pétala aguardam-no sorridentes, com os outros seres mais atrás, receosos. O Medo faz gestos espetaculares, grita, faz Oh! e AH! numa dança ameaçadora.)
Pétala: Lindo! Lindo! Tinhas razão, Draguim! O espectáculo é mesmo giro!
(Todos se animam e batem palmas. O Medo fica confuso e ainda mais furioso. Os seres da floresta redobram os aplausos. O Medo desfalece e cai no chão, perante as gargalhadas de todos.)
Mestre: Viram, amigos, nada havia a recear! A explicação do que aconteceu é simples: muitas vezes a nossa imaginação dá asas ao medo e deixa que ele cresça em nós e se torne enorme. Temos sossego, de novo, na nossa floresta. Podeis voltar às vossas brincadeiras.
(A floresta volta a animar-se, com os animais e os duendes entretidos em jogos e canções. Todos cantam.)
Os duendes tinham medo, giroflé, giroflá.
Mas conseguiram vencê-lo, giroflé, flé, flá.
Quem tem medo tem coragem, giroflé, giroflá.
Unidos somos mais fortes, giroflé, flé, flá.
FIM
Nota: Por questões de ordem prática, optou-se por, na parte final, formar o Medo com os dragões da Terra dos Dragões. Mas o Medo pode ser formado por outros quatro dragões, iguais ao Medo, que se vão juntando a ele.
sábado, 19 de março de 2011
Os Terceiros
Comunicaram-me, de São Vicente, que a nossa Procissão dos Terceiros não se realizará no próximo dia 27 de Março, terceiro domingo da Quaresma, como é tradição, mas sim no dia 3 de Abril, também domingo.
Já alterei a data na notícia anterior, mas deixo o aviso para quem a leu antes da correção.
Hoje ofereço-vos um pedacinho do filme da procissão de 2003, pelas mãos do Tó Sabino.
Já alterei a data na notícia anterior, mas deixo o aviso para quem a leu antes da correção.
Hoje ofereço-vos um pedacinho do filme da procissão de 2003, pelas mãos do Tó Sabino.
Marcadores:
3 de abril,
procissão dos terceiros,
s. vicente da beira,
tó sabino
domingo, 13 de março de 2011
Procissão dos Terceiros
A Ordem Terceira de São Francisco, a Paróquia, a Santa Casa da Misericórdia e a Junta de Freguesia uniram esforços e vão realizar a Procissão do Terceiros, no dia 3 de Abril.
As fotos que se seguem são da procissão de 1967, data em que o Padre António Branco, recém-chegado a S. Vicente da Beira (1965), mobilizou a comunidade e restaurou a antiga Procissão do Terceiros. O fotógrafo é desconhecido e as fotos não estão datadas, mas só podem ser da procissão de 1967, pelo aspeto de muitas pessoas que se conseguem identificar, sobretudo das três jovens, à esquerda, na foto acima apresentada.
As palavras do P.e Branco, publicadas no jornal Pelourinho, n.º 76, de Março de 1967:
«A piedosa procissão saiu da capela de S. Francisco, junto ao Calvário, e percorreu as principais ruas da Vila. Foram necessários 52 homens para transportar os 13 andores que seguiram por esta ordem:
Paraíso Terreal (S. Miguel Arcanjo, Árvore do Bem e do Mal, Eva e a Serpente); Senhor Jesus dos Passos; Igreja de Roma com S. Francisco e S. Domingos; S Francisco entregando o hábito a Santa Bona, a pioneira dos Terceiros Franciscanos; S. Ivo; S. Luís - Rei de França; Santo Padre Inocêncio III (o Papa que, em 1210, aprovou a Ordem de S. Francisco, entregando a bula àquele santo); Santa Rosa Viterbo; Santa Clara; Santa Isabel, rainha de Portugal; S. Francisco de Assis recebendo as cinco chagas; Santo António de Lisboa; N.ª Sr.ª da Conceição, rainha da Ordem Terceira.»
Nota 1: As fotos são propriedade do Pedro Gama Inácio e foram tratadas pelo Carlos Matos, responsável pelo design e coordenação gráfica do livro sobre o Padre Branco.
Nota 2: A citação do "Pelourinho" e as fotos constam das páginas 58 e 59 do livro "Uma vida em construção - Homenagem ao Padre António Branco", de José Teodoro Prata, editado pela Fábrica da Igreja Paroquial de S. Vicente e à venda na mesma Igreja.
sexta-feira, 11 de março de 2011
Padrinhos e afilhados
O batismo é um dos sete sacramentos da Igreja Católica.
Em São Vicente da Beira, nos anos 60, o batizado realizava-se em qualquer dia, à hora marcada pelo Vigário. Não era necessariamente num domingo, nem tinha de se integrar numa missa.
A parteira é que levava o recém-nascido à Igreja. Era esse o costume. A mãe ficava em casa a preparar o lanche: doces feitos no dia anterior, pôr o chá ao lume e preparar a mesa, enfeitada com um vaso de flores.
O bebé trajava de vestido branco, capa e touca, tudo de seda. A acompanhar, o pai e os padrinhos, mais outros familiares da casa ou próximos.
Ao fundo da Igreja, na pia batismal, o padre tirava um pouco de água benta e derramava-a na cabeça da criança, reclinada sobre a pia. Depois, colocava-lhe sal na boca. Normalmente, este gesto acalmava o bebé, antes choroso pela surpresa da água fria.
Eram os padrinhos que escolhiam o nome do novo ser e só o davam a conhecer no momento do batismo. Em casa, a mãe esperava ansiosa por saber que nome fora dado ao seu menino ou à sua menina.
À saída da Igreja, o sino repicava à festa e os garotos corriam atrás do cortejo, a apanhar rebuçados que os padrinhos atiravam.
Chegados a casa, a mãe podia finalmente tratar o seu bebé pelo nome. Às vezes, para ela, a festa ficava estragada, ao imaginar que o seu mais querido ser teria de carregar toda a vida com um nome tão detestável. Mas que remédio!
Não foi o meu caso. Chamo-me José, porque sou afilhado do meu tio José Candeias. Não herdei nenhum dos nomes mais comuns da família: António, João, Guilherme, Francisco… Mas já havia tios José e, ter em casa um filho com nome bíblico, dava sempre jeito!
Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.
Em São Vicente da Beira, nos anos 60, o batizado realizava-se em qualquer dia, à hora marcada pelo Vigário. Não era necessariamente num domingo, nem tinha de se integrar numa missa.
A parteira é que levava o recém-nascido à Igreja. Era esse o costume. A mãe ficava em casa a preparar o lanche: doces feitos no dia anterior, pôr o chá ao lume e preparar a mesa, enfeitada com um vaso de flores.
O bebé trajava de vestido branco, capa e touca, tudo de seda. A acompanhar, o pai e os padrinhos, mais outros familiares da casa ou próximos.
Ao fundo da Igreja, na pia batismal, o padre tirava um pouco de água benta e derramava-a na cabeça da criança, reclinada sobre a pia. Depois, colocava-lhe sal na boca. Normalmente, este gesto acalmava o bebé, antes choroso pela surpresa da água fria.
Eram os padrinhos que escolhiam o nome do novo ser e só o davam a conhecer no momento do batismo. Em casa, a mãe esperava ansiosa por saber que nome fora dado ao seu menino ou à sua menina.
À saída da Igreja, o sino repicava à festa e os garotos corriam atrás do cortejo, a apanhar rebuçados que os padrinhos atiravam.
Chegados a casa, a mãe podia finalmente tratar o seu bebé pelo nome. Às vezes, para ela, a festa ficava estragada, ao imaginar que o seu mais querido ser teria de carregar toda a vida com um nome tão detestável. Mas que remédio!
Não foi o meu caso. Chamo-me José, porque sou afilhado do meu tio José Candeias. Não herdei nenhum dos nomes mais comuns da família: António, João, Guilherme, Francisco… Mas já havia tios José e, ter em casa um filho com nome bíblico, dava sempre jeito!
Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.
Marcadores:
batismo,
maria isabel dos santos teodoro,
s. vicente da beira
sexta-feira, 4 de março de 2011
O resineiro
José Candeias nasceu em 1921 e é o homem mais velho de São Vicente da Beira. Vive na Tapada da Dona Úrsula, com a sua mulher Estela Prata, ainda entretido com umas cabritas e no amanho das terras, depois de uma vida de muitos trabalhos, entre os quais a ida para França e mais de 20 anos como resineiro.
Comecei a trabalhar na resina aos 16 anos, ainda descalço. No primeiro ano, ganhava 15 escudos por dia, mas, no ano seguinte, já me pagavam como aos homens, 17 escudos.
Se era uma vida dura? Deus te livre, afilhado! Saímos de casa por volta das quatro ou cinco da manhã, para pegar ao nascer do sol, sempre a subir e a descer barreiras, com o caldeiro da resina às costas. Comíamos a merenda por volta das dez horas: uma orela de pão, com um bocado de queijo ou azeitonas, numa bolsa presa ao cinto das calças. No tempo quente, andávamos horas sem encontrar água, mortos de sede. Metíamos uma palhinha na boca, para entreter. Às vezes, num ribeirito quase seco, fazíamos uma poça no chão e bebíamos aquela água ludra, a saber a terra e a raízes. Nalguns dias, só matávamos a sede depois de largar, cerca das duas horas da tarde, quando passávamos na fonte de Santo André.
A exploração da resina ocupava-nos de meados de Fevereiro a meados de Novembro. Primeiro fazia-se o descarrasco, com a machada, desbastando a carcódia do pinheiro até quase à pele, na parte que queríamos explorar nesse ano. Na volta seguinte, colocávamos a bica (lata de zinco, em forma de meia-lua, espetada no pinheiro), a cunha e a tigela de barro, entalada entre a cunha e a bica. Feito este trabalho em todos os pinheiros, começava a exploração: cortávamos uma tira de pele do pinheiro, rente à bica, para a resina sair. Depois, até Outubro, íamos cortando mais tiras de pele, pelo tronco acima, para que houvesse sempre feridas novas por onde o pinheiro sangrar. A colha fazia-se com uma espátula, tirando a resina da tigela para o caldeiro. No tempo quente era mais fácil, pois a resina corria quase como água. Caldeiro cheio e era necessário ir despejá-lo ao barril e voltar, voltar as vezes necessárias. Quando os bidons estavam todos cheios, vinha o camião da fábrica a carregá-los ao estaleiro. A campanha da resina terminava na primeira quinzena de Novembro. Antes, dávamos uma última volta, a raspar a resina seca que ficara na ferida do pinheiro. Depois, com um pau, amassava-se bem dentro do caldeiro, para desfazer a resina seca na líquida.
O José Neves era um dos três donos da fábrica da resina, em Castelo Branco, onde agora está o Modelo. Também explorava a resina na nossa terra. Os resineiros trabalhavam para ele. Chegámos a ser doze resineiros. Resinávamos todos juntos, levando os pinheiros a eito. Começávamos pela margem esquerda da Ribeirinha, no Valouro, e depois pela Oles, Barragem, Serra, Lameiras, Senhora da Orada, Mata Redonda, Casal Pousão (até quase à Paradanta), Vale Covo e finalmente Vale Feitoso, em frente ao Valouro, onde tínhamos começado. Esta enorme volta demorava oito dias. Também fazíamos o Peral, uma grande propriedade da Casa Conde, por cima do Tripeiro.
Trabalhávamos juntos, mas cada resineiro tinha a sua volta diária, com cerca de 450 a 600 pinheiros para fazer. Isto é, andávamos na mesma zona, mas longe uns dos outros. A cada resineiro era atribuída uma volta diária, às vezes por sorteio, pois havia voltas maiores que outras ou em terrenos mais difíceis. Era um trabalho solitário, horas sem ver vivalma. Mesmo bichos, só raramente topávamos com um texugo ou uma raposa, além dos gritos de gaios e de corvos.
Mas os trabalhos dos resineiros não se ficavam por aqui. Ainda íamos à Barroca do Zêzere ou a Dornelas, por nossa conta, a pé, com uma saca às costas, buscar pedras para desgastar as ferramentas. Dornelas é uma terra muito bonita, sobre o rio, e nas barreiras apanhávamos as pedras, do tamanho da mão. Isto era por volta de 1950.
Anos mais tarde, o senhor José Neves começou a contratar com um resineiro a exploração da resina numa zona. Era melhor para os dois: o resineiro ganhava mais e o José Neves recebia mais resina, pois era colhida com mais cuidado, de forma a não cair nada para o chão. Eu contratei com ele a exploração da resina no Vale Covo, Vale Feitoso, Vale Moreno e Canada. Trazia comigo três resineiros: o meu irmão João, o meu irmão Domingos e o Tonho da Lígia. A tua madrinha também colhia! E íamos à fábrica assistir à pesagem dos bidons, para sabermos quantos quilos tínhamos colhido. O camião da resina levava-nos para Castelo Branco e voltávamos na camioneta da carreira. Num ano, tive de lucro 12 contos, livres de despesas. Dei 500 escudos a cada resineiro, pois tinham-me ajudado a ganhá-los.
Mas, em 1962, abalei para a França, a salto, à procura de uma vida melhor.
José Candeias e Estela Prata
Comecei a trabalhar na resina aos 16 anos, ainda descalço. No primeiro ano, ganhava 15 escudos por dia, mas, no ano seguinte, já me pagavam como aos homens, 17 escudos.
Se era uma vida dura? Deus te livre, afilhado! Saímos de casa por volta das quatro ou cinco da manhã, para pegar ao nascer do sol, sempre a subir e a descer barreiras, com o caldeiro da resina às costas. Comíamos a merenda por volta das dez horas: uma orela de pão, com um bocado de queijo ou azeitonas, numa bolsa presa ao cinto das calças. No tempo quente, andávamos horas sem encontrar água, mortos de sede. Metíamos uma palhinha na boca, para entreter. Às vezes, num ribeirito quase seco, fazíamos uma poça no chão e bebíamos aquela água ludra, a saber a terra e a raízes. Nalguns dias, só matávamos a sede depois de largar, cerca das duas horas da tarde, quando passávamos na fonte de Santo André.
A exploração da resina ocupava-nos de meados de Fevereiro a meados de Novembro. Primeiro fazia-se o descarrasco, com a machada, desbastando a carcódia do pinheiro até quase à pele, na parte que queríamos explorar nesse ano. Na volta seguinte, colocávamos a bica (lata de zinco, em forma de meia-lua, espetada no pinheiro), a cunha e a tigela de barro, entalada entre a cunha e a bica. Feito este trabalho em todos os pinheiros, começava a exploração: cortávamos uma tira de pele do pinheiro, rente à bica, para a resina sair. Depois, até Outubro, íamos cortando mais tiras de pele, pelo tronco acima, para que houvesse sempre feridas novas por onde o pinheiro sangrar. A colha fazia-se com uma espátula, tirando a resina da tigela para o caldeiro. No tempo quente era mais fácil, pois a resina corria quase como água. Caldeiro cheio e era necessário ir despejá-lo ao barril e voltar, voltar as vezes necessárias. Quando os bidons estavam todos cheios, vinha o camião da fábrica a carregá-los ao estaleiro. A campanha da resina terminava na primeira quinzena de Novembro. Antes, dávamos uma última volta, a raspar a resina seca que ficara na ferida do pinheiro. Depois, com um pau, amassava-se bem dentro do caldeiro, para desfazer a resina seca na líquida.
O José Neves era um dos três donos da fábrica da resina, em Castelo Branco, onde agora está o Modelo. Também explorava a resina na nossa terra. Os resineiros trabalhavam para ele. Chegámos a ser doze resineiros. Resinávamos todos juntos, levando os pinheiros a eito. Começávamos pela margem esquerda da Ribeirinha, no Valouro, e depois pela Oles, Barragem, Serra, Lameiras, Senhora da Orada, Mata Redonda, Casal Pousão (até quase à Paradanta), Vale Covo e finalmente Vale Feitoso, em frente ao Valouro, onde tínhamos começado. Esta enorme volta demorava oito dias. Também fazíamos o Peral, uma grande propriedade da Casa Conde, por cima do Tripeiro.
Trabalhávamos juntos, mas cada resineiro tinha a sua volta diária, com cerca de 450 a 600 pinheiros para fazer. Isto é, andávamos na mesma zona, mas longe uns dos outros. A cada resineiro era atribuída uma volta diária, às vezes por sorteio, pois havia voltas maiores que outras ou em terrenos mais difíceis. Era um trabalho solitário, horas sem ver vivalma. Mesmo bichos, só raramente topávamos com um texugo ou uma raposa, além dos gritos de gaios e de corvos.
Mas os trabalhos dos resineiros não se ficavam por aqui. Ainda íamos à Barroca do Zêzere ou a Dornelas, por nossa conta, a pé, com uma saca às costas, buscar pedras para desgastar as ferramentas. Dornelas é uma terra muito bonita, sobre o rio, e nas barreiras apanhávamos as pedras, do tamanho da mão. Isto era por volta de 1950.
Anos mais tarde, o senhor José Neves começou a contratar com um resineiro a exploração da resina numa zona. Era melhor para os dois: o resineiro ganhava mais e o José Neves recebia mais resina, pois era colhida com mais cuidado, de forma a não cair nada para o chão. Eu contratei com ele a exploração da resina no Vale Covo, Vale Feitoso, Vale Moreno e Canada. Trazia comigo três resineiros: o meu irmão João, o meu irmão Domingos e o Tonho da Lígia. A tua madrinha também colhia! E íamos à fábrica assistir à pesagem dos bidons, para sabermos quantos quilos tínhamos colhido. O camião da resina levava-nos para Castelo Branco e voltávamos na camioneta da carreira. Num ano, tive de lucro 12 contos, livres de despesas. Dei 500 escudos a cada resineiro, pois tinham-me ajudado a ganhá-los.
Mas, em 1962, abalei para a França, a salto, à procura de uma vida melhor.
José Candeias e Estela Prata
Marcadores:
josé candeias,
josé neves,
resina,
resineiro
Assinar:
Postagens (Atom)