Fotografia cedida pelo Pedro Gama Inácio
Esta fotografia
tem perto de setenta anos e foi tirada na Senhora da Orada. O homem do meio,
com a guitarra, chamava-se Joaquim Inácio e penso que era o mais velho de seis
filhos. Está rodeado por dois dos irmãos. À direita o César Inácio com a sua
Patrocínia; à esquerda (a segunda a contar da ponta) a Maria José com o seu
Guilhermino. À roda, alguns dos muitos filhos que ambos os casais tiveram;
alguns já casadoiros, outros ainda crianças de colo.
Nasceu em 1895
e, como muitos rapazes daquele ano, foi mandado para a França durante a 1ª.
Grande Guerra. Esteve lá para cima de dois anos e quando regressou trazia uma
folha de serviço quase limpa, o que lhe valeu ser admitido na GNR, apesar de,
muito provavelmente, não saber ler nem escrever.
Foi colocado no
Quartel do Carmo e diz-se que valeu a muitos conterrâneos que iam ter com ele a
pedir ajuda. Uma vez, era o Zé Marau ainda rapaz novo, foi a Lisboa e, às
voltas pela cidade, foi ter ao Palácio de S. Bento. Admirado com o jardim que
havia à volta, quis ver melhor e encostou-se ao muro para espreitar. Ainda mal
tinha posto a cabeça dentro, sentiu-se agarrado por um polícia que lhe
perguntou:
- Olha lá, meu
burro, não sabes que não se pode passar para lá do risco encarnado?
O Zé Marau bem
tentou explicar que não tinha visto risco nenhum e só queria ver o jardim, mas
o guarda meteu-o num carro e levou-o preso para o Quartel do Carmo. Por sorte,
quando lá chegaram, encarou logo com o Jaquim Inácio que lhe deu um abraço e
afiançou que era filho de boa gente. Depois pegou-lhe por um braço e foram os
dois beber um copo no primeiro sítio que encontraram.
Sempre que podia,
voltava à terra e as festas de Verão e a Senhora da Orada não se faziam sem
ele. Parece que a mulher e as filhas nem sempre o acompanhavam, mas a guitarra
trazia-a sempre, bem afinada. Era uma alegria quando se juntava com os amigos, à
noite, e corriam as ruas da Vila, do cimo ao fundo, a tocar e a cantar. Só
paravam à porta das tabernas para afinar a garganta. E na Senhora da Orada,
depois de comerem a merenda, pegava na guitarra e armava-se logo ali o baile,
com a família e os amigos todos a dançar.
Os irmãos tinham
um grande orgulho nele e disputavam entre si quem é que lhe dava de comer e de
dormir sempre que cá vinha. Apesar de serem todos muito pobres, esmeravam-se
nos mimos cedendo-lhe a melhor enxerga e pondo-lhe na mesa o que de melhor
tinham em casa. Diz que um ano coube a um dos irmãos mais pobres recebê-lo.
Como não tinham roupa à altura do que sentiam que ele merecia, foram pedir a
outra irmã os lençóis do casamento para lhe fazerem a cama. Ficou tão bonita
que até parecia um altar.
Um dia, meados
de maio de 1961, chegou cá a notícia de que tinha morrido. Diz que nesse ano
ninguém da família foi comer a merenda à Senhora da Orada…
M. L. Ferreira