Este ano, ainda não tinha visto sinais dele e por
isso já andava preocupado. Mas no fim-de-semana passado encontrei uma videira
de moscatel branco só com os engaços pendurados, os bagos já tinham sido
comidos. Foi de certeza o texugo, pois era um trabalho bem feito, sem
estardalhaço, ao contrário do javali, capaz de arrancar uma videira para lhe
comer apenas metade de um cacho. Por outro lado, a raposa é lambisqueira, passa
e come uns baguitos, aquilo foi trabalho metódico, só de um texugo.
A minha irmã Isabel já o viu e diz que é preto e
branco, mas eu nunca lhe pus a vista em cima. O primeiro e único texugo que
avistei foi na primavera de 2012. Convidara o Pe. Jerónimo para apresentar, em
São Vicente, o meu livro “O concelho de S. Vicente da Beira nos finais do
Antigo Regime” e por isso fomos dar uma volta pelo território do antigo
concelho. Entre o Barbaído e o Freixial lá ia um, todo lampeiro, na berma da
estrada. Era acinzentado, com zonas mais claras e outras escuras, bem lustroso
e felpudo.
Mas já o conhecia do “Romance da Raposa” do Aquilino
Ribeiro, quando o li para mim e depois, repetidamente, para os meus filhos. E
ainda antes, na minha infância. Nas noites quentes de verão, apareciam luzes na
serra, por cima do Caldeira. Eram as almas penadas, mas alguém duvidava, talvez
fosse o Joaquim do Bernardo que deixara uma lanterna no meio do milho, para
afugentar o texugo.
Ele gosta de milho, não das folhas e do caule, mas
dos grãos da maçaroca. Embarra-se na cana do milho e, com os dentes, rasga o
folhelho que envolve a maçaroca. Depois enche a barriga e volta lá no outro dia
e no outro e no outro. Como vai fazer com as minhas videiras!
O milho em São Vicente, na parte da encosta e dos
vales ribeirinhos da Gardunha, é de regadia e só amadurece lá para finais de
Setembro. Por isso a história da minha caçada ao texugo faz agora anos.
Tínhamos milho no Ribeiro das Moças, uma pequena
propriedade das Quintas, dentro do grande vale da Ribeirinha. O texugo andava
nele e já fizera bastantes estragos. Então o meu pai decidiu fazer-lhe uma
espera. Eu também fui requisitado e por isso lá parti, já noite cerrada, com
ele e com a minha mãe. Levávamos uma lanterna, mas só foi necessária para o
caminho estreito da regadia do Carquejais, pois o restante era largo e os
nossos pés já o sabiam de cor.
Chegados à horta, o meu pai fez a distribuição do
pessoal: ele ficou no leirão do fundo, junto à regueira que descia leirões
abaixo, e eu e a minha mãe no rego do ti António Romualdo, que levava a água da
nossa mina, no terceiro leirão, para a propriedade dele. Os três armados com
sachos, para o esmagar, logo que ele desse sinais.
Ficámos por ali, deitados no chão, a sentir o fresco
e o cheiro da maresia, sem falar, nem nos mexermos. Sempre de ouvido à coca,
quando não passávamos pelas brasas. A meio da noite, o meu pai veio fazer o
ponto de situação e voltou para o seu posto. Nada. Um pouco antes de começar a
aclarar, ainda noite fechada, sentimos barulho do lado de onde esperávamos o
texugo, mas apareceu-nos o Tonho Romualdo, de sachola às costas, que vinha
despejar a mina. Admirou-se de nos ver ali e nós explicámos. Depois chegou
também o meu pai, a saber que barulheira era aquela.
Desistimos e regressámos a casa. Talvez o texugo
tivesse dado pelo nosso cheiro ou o Tonho Romualdo o tenha espantado. Raio do
homem, a regar à hora de dormir!
Esta, o texugo já vindimou!
José
Teodoro Prata
4 comentários:
Ao fazer a vindima na serra no passado fim de semana encontramos muitas videiras iguais a essa, ingenuamente atribuimos o prejuízo à raposa... Não sei se o avô Quim colocava lanternas no milho, mas as luzes o meu irmão garante que já as avistou várias vezes.
Em breve terminarei de ler o livro referido neste post, estou a gostar muito, confesso que não perco muito tempo nos quadros com dados , mas a envolvente sociologia e histórica de S. Vicente é para mim muito interessante. A visita a este blog é o meu momento diário relaxante, quase tão agradável como sobir a Serra. Bem Haja.
Informo que as almas penadas não são luminosas, logo, não eram elas que andavam na serra. Confirmo que quando era pequeno usavamos a técnica da lanterna acesa durante a noite no milheiral, para afugentar o texugo.
E mais, as almas penadas são negras e o papel principal que podem ter é fazer de má hora, pois então.
fbarroso
Ena, o que eu pedia para me flarem da ma e da boa hora... nunca percebi bem que tipo de entidade sao. Havera por aqui alguem capaz de falar sobre este tema? Todo este assunto traz a lembrança um valente susto que o tio Bernardo pregou aos amigos numa noite de caça às andorinhas...
Margarida:
Em Junho, publicámos 3 textos sobre a Boa e a Má Hora. Se os perdeste, escreve Má Hora na janela do canto superior esquerdo e faz Enter. Eles aparecem. Mais, não sei.
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