O castanheiro é uma árvore de grande porte e
longevidade que se cultiva em muitas regiões do Mediterrâneo. Até aos meados do
século XX, em muitas regiões beirãs e transmontanas, existiam enormes soutos.
Os nossos pais saíam da vila em direcção à Senhora da Orada, levavam uma saca
ou uma cesta e iam apanhando as castanhas que caiam para o caminho; “tal a
quantidade de castanheiros que havia”. Na serra existiam enormes exemplares. Os
fogos, a doença da tinta… exterminaram a maior parte dos soutos na região de
São Vicente da Beira.
Durantes séculos, a castanha era um dos alimentos
principais dos povos que habitavam as zonas serranas.
Com a chegada dos espanhóis aos países andinos
descobriram um tubérculo “batata” que aos poucos foi destronando a castanha.
As castanhas eram as nossas “batatas”, podem-se comer cozidas,
assadas, adocicadas…
Os nossos pais e avós faziam um pitéu muito apreciado,
nos nossos dias quase completamente esquecido. Caldudo era o seu nome.
Para se fazer um bom caldudo, são necessárias
castanhas piladas. A castanha era colocada em caniços “varas que se estendiam
por cima da lareira paralelas umas às outras com uma distância de cerca de um
centímetro”; deitavam-se as castanhas em cima das varas,
espalham-se e iam secando com o calor da chama.
Depois de secas, tirava-se a pele e guardavam-se em
bolsas de pano.
Perguntei
à minha mãe como se faz o caldudo:
Para se fazer um bom caldudo, as
castanhas têm que estar bem secas.
Põem-se de molho de um dia para o outro,
depois tiram-se algumas peles que ainda tenham, coloca-se água num tacho com um
pouco de sal, deitam-se as castanhas lá para dentro e deixam-se cozer.
Com uma colher e um garfo, vemos se já
se esmagam. Quando se esmagarem, estão cozidas.
Havia quem gostasse de esmagar as
castanhas todas; a tua avó deixava sempre algumas inteiras…
Despejamos a água que ainda se encontra
no tacho e colocamos o leite juntamente com o açúcar. Deixamos ferver
lentamente e vamos provando.
Quando punha o leite e o açúcar, gostava
de deitar um pouco de canela e uma casquinha de limão. Ficava mais saboroso,
havia quem não pusesse.
E se não tivermos castanhas piladas,
pode-se fazer com castanhas normais!
Pode, mas não é tão bom.
Se o caldudo for feito com castanhas
“verdes”, antes de se porem no tacho a cozer não esquecer de fazer um corte na
castanha, se não se fizer começam a inchar e desfazem-se. Depois de cozidas
tira-se a casca…
José
Manuel anotou, a explicação foi dada por sua mãe Maria da Trindade, no dia 21
de Outubro do ano 2016, no Lar da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da
Beira, sua vila Natal.
J.
M. S.
4 comentários:
Há 200 anos, quando o inverno ia a meio, como agora, pouco alimento restaria a muitas pessoas.
Dos cereais para o pão pouco restaria, as azeitonas já tinham sido demolhadas e quase comidas, havia ainda alguma castanha pilada e era onde havia...
O caldudo aliava o leite da pastorícia à produção mais abundante da
floresta, a castanha (na época as árvores eram raras e existiam sobretudo ao longo dos cursos de água).
Era um alimento bastante nutritivo e não conto com o açúcar, que se generalizou entre nós apenas durante a 2.ª Guerra Mundial (era um dos produtos distribuídos através das famosas senhas de racionamento).
Nunca provei, mas deve ser bom! E se não havia açúcar deviam adoçar com mel que era o que teriam na altura (quem o tinha).
Mas eu cá tenho saudades é da botelha de leite que a minha mãe fazia. Voltei a comê-la, passados muitos anos, feita pela tia Eulália. Uma delícia!
E as papas de carolo; e o arroz doce feito nas caldeiras e mexido durante horas. E eu nem me posso queixar muito, que ainda há bocado me vieram trazer um pão amassado à mão e cozido num forno a lenha...
M. L. Ferreira
Está na moda haver confrarias para tudo; ele é a confraria do borrego, das sopas, disto e daquilo. O nosso arroz doce é uma delícia, bolos de leite, minutos, borrachos, bolos da pascoa,bolos de azeite, ervas, seventre,a sopa de matação, feijão pequeno comido com uma folha de cebola,as tigeladas da Partida, do Violeiro...
Os nossos avós e pais tinham dedo.
Fui à vila quarta-feira, na fonte velha deparei-me com um estaleiro de obras, na casa Hipólito Raposo operários trabalham afincadamente para que o solar possa receber condignamente as imagens sacras que os nossos antepassados nos legaram e guardamos religiosamente. Quando tudo estiver pronto a nossa vila irá ter o maior museu ou um dos maiores do género da nossa região beirã. Os turistas surgirão, as entidades locais juntamente com o comércio, a industria, associações culturais podem e devem impulsionar a nossa gastronomia, romarias, festas...
É muito bonita a nossa vila, a maior riqueza são as pessoas. Estão a decorrer candidaturas para a escolha das sete maravilhas de Portugal- Aldeias;não sei se a autarquia local está "mexer os cordelinhos" julgo que a nossa vila tem todas as condições para ganhar um lugar na categoria de :-Aldeia Monumento.
J.M.S
Já várias vezes aqui se falou do caldudo como base da alimentação em certas épocas. Ainda há dias me contaram na vila (mas não vou dizer quem eram os visados) que, dantes, a fome era tanta que se semeavam as batatas e, logo a seguir, outros, de noite, iam revolver a terra e roubavam a batata acabada de semear, para matar a fome! Até meados do séc. XX, talvez, por causa da II Gerra Mundial, era difícil importar boas sementes, justamente, de batata. De modo que a castanha continuou a ser um alimento básico. Mas, quanto à batata, diga-se ainda que, como vos haveis também de lembrar, quando era miúdo comecei a ouvir falar numa espécie que era a arra-banner, depois veio a arran-consul (holandesas, acho). A seguir vieram outras de que nem sei bem o nome (Canebeke, vermelha, monalisa, branca, etc).
De todo o modo, a castanha nunca deixou de ser importante até há cerca de 60/70 anos, como alimento das populações do interior norte e centro. Também já aqui disse que na casa da minha avó Espírito Santo, quando os filhos ainda eram jovens, apanhava-se a castanha e fazia-se um monte no sobrado sa sala. Dali ia para o caniço para pilar e depois fazer o caldudo!
Só por curiosidade: ainda há dias aqui escrevi um pequeno diálogo nos bancos da praça, onde entra também o Tonho "insonso". Só que ele, lembro-me agora, tinha também, creio, a alcunha de "caldudo". E, como sabeis, nestas coisas das alcunhas, ninguém ganha a S. Vicente!
Abraços.
ZB
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