domingo, 15 de outubro de 2017

Fazer diferente


Saiu o relatório da comissão de "sábios", sobre os incêndios. O ponto 4, que nos diz diretamente respeito, transcrevo-o no final deste texto.
Nele consta a recomendação de diversificar a floresta, com mais castanheiros e carvalhos, mais sobreiros e medronheiros, espaçar as árvores e manter o solo limpo de matos.
Para mim, este último é que é o calcanhar de aquiles. O que fazer aos matos e ramos que se cortam? Todos sabemos que é neles, a par da densidade das árvores, que reside a quase impossiblidade de combater os incêndios.
O Cabeço de Pisco é um bom exemplo desta questão. No ano passado cortaram-se os pinheiros maiores e ficaram os jovens e os eucapiptos; este ano cortaram-se os eucaliptos. A floresta ficou muito rala, quase sem matos, mas com um depósito de caruma de mais de 20 anos e as ramagens de dois cortes em anos consecutivos. Aparentemente, estava bem, de acordo com as melhores práticas recomendadas no relatório. Mas como apagar um incêndio ali?
Informa-me a internet que já existe uma central de compustagem na Chamusca e outra em Vila Nova de Famalicão. Elas são a solução ideal para tratar estes resíduos florestais, mas a área que abrangem será uma gota de água nas nossas necessidades para manter a floresta limpa. Há anos, falou-se numa para Oleiros, mas ficou pelo caminho.
E como limpar a floresta, neste cenário de desertificação humana? Temos falta de gente, mas muitos não querem ouvir falar de imigrantes, como se nós todos não fossemos descendentes de imigrantes. Também seria necessário muito dinheiro para ter uma equipa de sapadores florestais quase em cada freguesia. Mas seriam mais algumas famílias a manterem-se em cada freguesia deste interior despovoado. E o dinheiro? Acho que os milhões gastos quase inutilmente em aviões e helicópteros seriam suficientes. O problema é a fase de transição, em que terá de se manter este gasto quase inútil, ao mesmo tempo que já se pagam aos sapadores.
Com a floresta limpa e ordenada, os incêndios seriam controláveis. No fim de uns anos, teríamos madeiras nobres que tornariam desnecessária a importação.
Nota: Não saiu da minha cabeça esta da limpeza da floresta em vez do uso sistemático de meios aéreos que apenas abrandam o fogo. A opinião é de uma  luso-americana especialista em incêndios que, em entrevista à Visão, defendia o que acima escrevi, dizendo que mais de metade da água lançada pelos aviões evapora com o calor do fogo antes de chegar ao solo.

Faz-me confusão andar na Gardunha, por entre as áreas queimadas. Vamos fazer como de costume e esperar que matos e pinheiros nasçam/rebentem, para daqui a anos arderem de novo? Seria bonito ver a nossa terra com uma moldura de sobreiros, na meia encosta da Gardunha, isto é, nos Enxidros. Dão-se cá tão bem e são tão rentáveis! E nas linhas de água poderia haver carvalhos e castanheiros, como há cem anos, antes de cá chegarem os pinheiros.
E o que vai ser feito para proteger do fogo o que resta da nossa floresta? O São Pedro que trate disso?

«4. Ordenamento e Gestão
  • Deverão criar-se mecanismos que garantam a intervenção num espaço, de largura a definir para cada caso – actualmente está regulamentado em 100 metros – à volta dos aglomerados que assegure pela sua ocupação (pela carga reduzida e descontinuidade do complexo combustível), uma reduzida intensidade do fogo e a protecção das habitações e de outros bens. Devem ser promovidos usos do solo que reduzam a intensidade do fogo e o risco de propagação para edificações e utilizadas espécies de baixa inflamabilidade, com elevado teor de humidade nos períodos secos, ou que promovam o desenvolvimento de complexos vegetais de reduzida combustibilidade. Estas medidas devem privilegiar a minimização das intervenções de manutenção não produtivas, a promoção de actividades humanas de manutenção e as culturas agrícolas de sequeiro ou regadio – anuais ou perenes - desde que os proprietários ou quem a eles se substitua tenha capacidade para a sua gestão e manutenção.
  • Os utilizadores do espaço florestal deverão ser mobilizados para uma intervenção que instale formações arbustivas ou arbóreas com menor combustibilidade e da adopção de práticas que reduzam o risco de incêndios e ajudem a mitigar o problema.
  • Deverá proceder-se a uma reformulação da Autoridade Florestal Nacional nos seus princípios, forma e capacidade de actuação, preocupada com a regulação do sector florestal em geral e focalizada na gestão das áreas sob regime florestal e na prevenção estrutural.
  • As organizações representativas das entidades privadas no sector devem concorrer para apresentar alternativas de utilização e de gestão aos proprietários.
  • Promoção da compartimentação das manchas florestais puras através de 19 plantações novas, ou reconversões, ou ainda adensamentos, com outras espécies arbóreas ou arbustivas de baixa inflamabilidade/combustibilidade ou plantadas em faixas de alta densidade, promovendo um efeito de barreira por quebra da continuidade de combustível ao nível do solo.
  • Reconhece-se que povoamentos puros ou mistos de pinheiro bravo ou eucalipto sem redução efectiva da carga de matos no seu interior conduzem, em situações de secura, a incêndios de grande intensidade com elevada possibilidade de projecções de focos secundários a grandes distâncias. Para estas duas espécies a regra é a da gestão do combustível no sub-bosque. Sem combustível no seu interior estas florestas, em vez de um problema sério, podem fazer parte da solução.
  • As melhores soluções de ordenamento para a mitigação dos incêndios florestais passam pela diversificação da floresta e a utilização de espécies que conduzam a formações menos combustíveis, nomeadamente das folhosas de folha caduca, como os carvalhos, castanheiros ou outras folhosas, por terem um grande teor de humidade. Estas espécies não são propícias a fogos de copas e devem, portanto, ser consideradas em misturas com outras espécies ou em áreas estratégicas para contrariar a fácil propagação dos incêndios. No Pinhal Interior modelos de silvicultura apropriados com Sobreiro e com Medronheiro têm também demonstrado fazer parte integrante de uma solução em que a diversificação da floresta tem de ser um objectivo.
  • Deve dar-se uma redobrada atenção à finalização, a curto prazo, dos novos Programas Regionais de Ordenamento Florestal, os quais podem ser utilizados para que, a partir do conhecimento dos últimos dados do Inventário Florestal Nacional (a aguardar publicação), se revejam as metas inicialmente estabelecidas no sentido de possibilitar que a nível da Região PROF e dos concelhos, sejam cada vez mais incorporadas as questões associadas aos incêndios florestais. As suas propostas deverão ser integradas nos Planos Directores Municipais e ser alvo de maior proximidade e acompanhamento do ordenamento florestal pelas entidades municipais.
  • Criação de programa específico que compense a perda de rendimento por alguns anos para a criação de florestas de carvalhos, castanheiros e outras folhosas. Este programa deverá incentivar os proprietários e gestores florestais a optarem por estas espécies que a médio e longo prazo poderão ser ainda mais rentáveis do que as actuais alternativas e com menor perigo de incêndio para as próprias florestas e para as aldeias existentes nos espaços florestais.»
José Teodoro Prata

5 comentários:

Anônimo disse...

A nossa sociedade é uma sociedade doente. Não tanto a nível físico, que a ciência evoluiu muito e o acesso aos serviços de saúde nos vão mantendo em razoável estado, mas mais a nível mental e digo isto com uma certa amargura, porque fui criado na Gardunha e adorava perder-me na mata do Cornel, que afinal era Tenente Coronel. Uma mata densa com uns caminhos pelo meio que eu conhecia como a palma da mão. E adorava estar na cama e ouvir, no Inverno, a ventania nos pinheiros grandes que havia em redor da casa. Esse som primordial da natureza descobri que existe tal qual no fragor do mar no outono, em que adoro fazer praia sem a algazarra do Verão. Fecho os olhos e volto de pequeno ao vento dos pinheiros da serra...e se me sabe bem, rapazes. Talvez por isso desenvolvi um grande amor pelas árvores (mas também pode ser eventualmente por ter sangue celta ou ter aprendido que são elas que nos permitem respirar e viver. Não sei). Mas o que me incomoda é ver tanta gente a falar de incêndios na TV: homens de ciência, políticos, bombeiros, proteção cível, jornalista e a saberem tanto e não se fazer nada de há 40 anos para cá.
Isto é preocupante por tem a ver com o modelo de desenvolvimento. O pessoal migra para a faixa litoral, a faixa interior desertifica-se enche-se de eucaliptos e pinheiros, soltam-se uns javalis para fazer regos à boca das minas, para manter a humidade dos solos e uns veados para roer a silvas e vamos ver o que dá; ficar tudo ao deus dará. E está tudo visto. O que é que estariam à espera, da Nossa Senhora de Fátima?
FB

Anônimo disse...

E se em vez de javalis e veados se criarem cabritos?
Das muitas pessoas com quem tenho falado ultimamente, há pouca gente que não me diga que os pais e avós tinham um rebanho de cabras. Ontem, no programa Prós e Contras, alguém dizia que uma das soluções para minimizar o flagelo dos incêndios era mudar a nossa dieta: em vez de tanto porco e vaca, comermos mais cabra e cabrito, como acontecia antigamente. Faz sentido…
Sobre o resto, não há palavras. E sobre a nossa passividade, também não…
Só um abraço para o Francisco, e que bom tê-lo de volta com estes comentários que nos enchem a alma!

M. L. Ferreira

Jaime da Gama disse...

Resinagem, uma atividade que vale a pena repensar, porque a diminuição da atividade levou ao aumento da importação:

Dados de produção nacional de resina:
Ano 1982 Portugal produziu 120.000 toneladas de resina
Ano 1992 Portugal produziu 70.000 toneladas de resina
Ano 2013 Portugal produziu 6.000 toneladas de resina

A resina é uma matéria extraída dos pinheiros bravos e mansos que depois de transformada obtém-se a Terebintina que sustenta a industria da farmacêutica (Medicina), mistura de tintas, vernizes, colas, fragrâncias, desinfestantes, ambientadores, etc.. e a Colofónia no fabrico de tintas, colas, fábricas de papel, borrachas, industria alimentar (pastilhas elásticas, rebuçados, etc...
O pais tem que repensar que toda esta mão de obra fazia parte da vigilância da nossa Floresta.
A respeito dos animais fica caro para que os trata e claro para consumo próprio pois tem que se deslocar a um matadouro, mais uma economia para encher os bolsos aos capitalistas.

Jaime da Gama disse...

CICLO DA PRODUTIVO DA RESINA
1. DESCARRAQUE, primeiro o resineiro retira uma porção de casca do tronco do pinheiro (desnrrasque), ferida, alisando-a com onde vai ser feita a ferida, alisando-a com uma descarrascadeira.
2. Riscagem, De seguida, marca o local onde vai ser feita aferida (riscagem) com o riscador limita a largura da ferida (máximo de 11-12 cm)
3. MONTAGEM DE SERVIÇO, Com a ajuda do mete bicas e do maço, coloca e fixa uma peça de metal (bica) ao tronco, na parte de baixo da zona que acabou de preparar. Esta peça tema função de encaminhar a resina que vai sendo libertada pela madeira, para o recipiente de barro ou de plástico (púcaro) ou saco de plástico, que se pendura logo por baixo. A esta operação dá-se o nome de montagem de serviço.
4. EXECUÇÃO DA FERIDA (RENOVAS), De seguida, prepara a ferida com o ferro de renova americano. É feita uma ferida por ano. Ao longo do período de resinagem anual, vai retirando, por várias vezes, pequenas porções da casca que ficou agarrada ao tronco (renovas) destapando a madeira. Cada ferida é assim composta por várias renovas.
5. APLICAÇÃO DO ÁCIDO, Então, usando o pulverizador, besunta a renova com um ácido. O ácido vai provocar e acelerar a produção de resina.
6. COLHA, Passado algum tempo, usando uma espátula, faz a colheita (colha) da resina que entretanto foi escorrendo e enchendo os púcaros e recolhe-a para dentro de uma lata (lata de colha). No final, junta-a toda em bidões, onde irá ser transportada para as fábricas.
7. RASPAGEM, No final da campanha, é preciso limpar as feridas, que ficaram cobertas de resina seca (raspa), de cor esbranquiçada, que solidificou e ficou agarrada. Com a raspadeira, retira-a e colhe-a para dentro de uma serapilheira, para depois a juntar noutros bidões, que também vão para as fábricas.
8. DESMONTAGEM DO SERVIÇO, Finalmente, com o Arranca bicas, retira todo o material da árvore: bica, púcaro ou recipiente de recolha, pregos (desmontagem de serviço). O material só será colocado de novo na próxima campanha.

Jaime da Gama disse...

Afundou-se o grande saber dos velhos Mestres Florestais, soberanos das serras e das matas que eles entendiam como as suas próprias mãos; mas ainda há na GNR umas centenas de antigos guardas florestais que podem ser o começo de um novo corpo distinguido.
Também acabaram com os guarda-rios e nunca mais as margens e leitos da maior parte das ribeiras foram limpas, como eram quando esses agentes obrigavam os proprietários delinquentes das linhas de água a limparem as margens dos seus chãos.
Hoje estes Governos não querem saber nada do País e das suas origens, antigamente as ribeiras tinham os seus açudes construídos pelos nossos antepassados para travarem a velocidade das águas e conjuntamente coma as levadas para poderem regar as suas hortas, mas hoje é mais importante pagar uma licença para retirar água das ribeiras com auxílio de um MOTOR, o que era expressamente proibido no tempo destes senhores Guarda-rios, quem quisesse água da ribeira teria que ser pela lei da gravidade.