Vinha
Rua da Costa acima, a certa altura uma voz vinda do alto:
-
Ó sobrinho; vai-me lá buscar um cântaro de água; aqueles malandros…
-
Os meus netos…
Era
a tia Maria dos Anjos; mulher do tio Joaquim da cadeia .
Subi
as escadas, peguei no cântaro de lata, recompensava com passas, maçãs...
Continuei
a subir a rua, gorra enfiada; à janela de sua casa estava a D.ª Maria; baixei a
cabeça.
-
Malcriado, quando vir o teu pai…
O
motivo de tanta aspereza era o seguinte; naquele tempo, as pessoas ao passarem
pela dona ou pelo senhor, tinham que descobrir a cabeça, eu não estava para ai
virado, não tirei a gorra.
Continuei
a caminhada, a casa da avó ainda ficava longe, eu tinha que ir à fonte buscar
um cântaro ou dois de água.
Ao
chegar ao pequeno largo onde entroncam as ruas do Eiró, da Costa, Travessa
Manuel Lopes e a Rua Manuel Mendes, o senhor Fecisco Candeias estava danado, uma das suas cabras tinha saído da
loja e já ia à porta da Maria Caetana.
-
Vê lá se me consegues agarrar a cabra; já não tenho pernas…
Nove
anitos, sangue na guelra, corri atrás dela, valeu a ajuda do Domingos feijão,
forte, atiradiço, imobilizou-a ao pé do Chão do Balcão.
-
Ó catchôpo, toma lá uma sarroada de passas; esta valhaca ia direitinha à serra.
Tio
Fausto batia sola, o sorna estava encostado à esquina com umas trombas…
Manuel
Candeias, filho da t` i Maria Madalena encostou a sua bicicleta ao balcão,
subiu as escadas e entrou.
O
homem da pirisca, abriu a porta da loja, pôs as cangalhas ao burro, encheu dois
cestos de estrume voltou a fechar a porta e saiu levando o asno pela arreata
que transportava os dois cestos cheios de esterco.
A
ti Maria Joaquina, “morava na rua Manuel Lopes” passa com as suas duas cabritas
a caminho dos Canavéis.
Minha
avó Ana, doceira de mão cheia, andava atarefada a fazer doces para a Dª Aulia,
estava no quintal quando eu ia a passar.
-
Ó filho, traz-me o batedor dos pães-de-ló, está no arcaz da cozinha.
Senhor
Alexandre, homem alto e magro abriu a janela que fica em frente à casa do tio
Manuel das Esperança, sentado num cadeirão lia o jornal
-
Olha o homem da calças baratas, ouvia-se nitidamente o senhor Lourenço da
Soalheira na Rua do Convento, apregoava aos fregueses; calças de serrobeco,
cotim, camisas de popelina
-
Olha o homem das calças baratas
Diamantino
tinha acabado de sair da casa do senhor José Lourenço, a cachopada; “eu
incluído”
-
Ó ti mantino; ó ti mantino, tino, tino… corria atrás de nós naifa na mão, fugíamos.
A
ladainha repetia-se.
Diamantino,
cara de mau; mudo da Torre, bonacheirão, pobre diabo. Pedintes, de vez em
quando apareciam na vila.
Esta narrativa segue o pensamento
anterior da autoria do Zé Barroso, a casa com o balcão já não existe, o batedor
manual foi substituído pelas batedeiras eléctricas.
Restam as minhas fotografias.
J.M.S
5 comentários:
Ao chegar ao pequeno largo onde entroncam as ruas do Eiró, da Costa, Travessa Manuel Lopes e a Rua Manuel Simões, pois a rua Manuel Mendes fica na baixa da Vila.
Estas viagens ao passado, têm o condão de trazer à memória, tanta gente que já se tinha evaporado. Alguns já muito desfocados...e se fossem do Fundo-de-Vila ainda seria pior. Acho que foi de ir viver para os enxidros cimeiros muito pequenito.
De maneiras que era assim...ontem
FB
Devia ser ainda mais linda a nossa terra se, em determinada altura, não se achasse que as casas em pedra eram sinónimo de pobreza e se tivesse mandado rebocar tudo. Foi apenas uma questão de cosmética, porque as casas ficaram brancas por fora, mas por dentro a negrura manteve-se durante muitos anos.
JMS: deste movimento, som e cor ao local, com as pessoas e as situações do texto. E que nos trouxeste à tona das lembranças! Também tenho bem presentes aqueles casos da D. Maria, da D. Zara, etc., que queriam que nos levantássemos (caso estivéssemos sentados) ou fizéssemos vénia à sua passagem. É por isso que não gramo essa gente de condes e viscondes... Mas essa é outra história!
Diz-se que uma imagem vale mais que mil palavras. Pois é! A foto é daquele tempo! Onde se vê o balcão da ti' Maria Madalena. A loja do Joaquim Moleiro era a da porta grande que se vê, de perfil, na parede, à direita. Pertencia à ti' Celeste Barata que a tinha arrendada ao ti' João Macedo (da ti' Luz "Pirisca"). Acho que era isso.
Mas muita outra gente ali morava, como referes: a D. Hália e o marido o Alexandre Pignatelli. Ela, uma mulher forte e branca. Ele, um homem seco, branco e alto. Como nunca viam sol, assemelhavam-se a cortesãos, ambos a subir a rua da Costa quando voltavam da missa. Diziam que ele até fazia renda!! Provavelmente pertenciam a famílias italianas (Pignatelli) de que até houve Papas.
Depois, havia a ti' Maria dos Anjos, do Joaquim "da Cadeia" (rua da Costa), o ti' Fausto, o ti' "Fecisco" Candeias, a ti' Esperança e o ti' Manel, a ti' Maria Madalena (avó da Santita), a ti' Martins e o ti' João "Broa", a ti' Joaquina e o ti' João Lopes (na esquina da rua Manuel Lopes), a ti' Laurentina e o ti' Manel "Codel", a D. Maria... Mas as outras ruas contíguas também estavam cheias de gente... O Mira (Domingos Feijão) deve ter aparecido naquela cena da cabra, porque eles (a família) morava numa casa quase ao lado da tua avó Ana...
E foi assim naquele tempo...
Abraços.
JB
A foto é uma preciosidade. Deve datar de cerca de 1970, a julgar pelos vestígios, na parede, da instalação da rede de água.
Mas podia ser de 1900, 1700...
Postar um comentário