sexta-feira, 29 de maio de 2020

Infestantes

Um ou dois anos após o penúltimo grande incêndio na Gardunha, há cerca de 15-18 anos, espantei-me e até me maravilhei com as encostas da Senhora da Orada todas floridas graças às giestas amarelas que cobriam tudo. Nesse dia da romaria, tentei percorrer parte do percurso da estrada romana, mas desisti, porque o caminho estava quase tapado com giestas que cresciam nas margens e já eram mais altas que eu.
Não tive então consciência do que acontecera e só agora me apercebi. O que aconteceu na Senhora da Orada há anos, sucedeu agora, com este incêndio de 1917, no Cabeço do Pisco, no Carvalhal Redondo e até na barreira junto à Tapada de Dona Úrsula: as giestas amarelas tomaram conta de tudo, este ano têm um metro de altura e para o ano terão dois, abafando todos os outros matos e ervas e assim reduzindo a biodiversidade.


Noutros locais foram os eucaliptos e as mimoseiras. Quando vi as plantas a rebentarem após o incêndio, tive a ilusão de que tudo voltaria a ser como dantes, mas não será. As infestantes aproveitam estes momentos de fragilidade dos ecossistemas para monopolizarem todo o espaço. Muitas plantas começam a rarear e até desaparecem e consequentemente a fauna também empobrece.
Lá pela meia encosta, esta é a beleza do momento. Até quando? Em primeiro plano já se veem giestas de meio metro de altura que para o ano vão começar a abafar este mato florido.


Ambas as fotos foram tiradas no Cabeço do Pisco, junto ao cruzamento do caminho que vem do Caldeira para as Quintas com o outro que sobe da Vila para as Lameiras. A das giestas é do lado do poente e a dos matos branco e sargaço é do nascente.

José Teodoro Prata

sábado, 23 de maio de 2020

A terra e as mãos


A mina fora escavada no Cimo de Vila para captação de água, a fim de abastecer o casario da Alta. Assim, escusavam os moradores de descer à Fonte Velha e evitavam subir a rua da Costa e a rua Manuel Simões, a alombar com grandes cântaros; os homens ao ombro e as mulheres à cabeça. Nunca dera uma chisca de água! Os vizinhos tiveram mesmo que continuar a ir buscá-la ao Fundo de Vila, por muitos e bons anos; até que, mais tarde, se construiu um fontenário na esquina de baixo, encostado à casa de Bernardo Garrancho.  
Nas imediações da entrada dessa escavação, no entroncamento da rua da Cruz com a da Corredoura, estabelecera-se o ponto de encontro da cachopada. Parte do pequeno adro compreendia a calçada velha, onde se esfolavam joelhos e se davam topadas; no mais, era térreo. Mal se podia transitar por ali no inverno e muito menos brincar, porque o local se transformava num desconfortável lodaçal. Mas com o tempo escorrido, em manhã soalheira, traçavam-se no chão, com uma pedra bicuda, as raias do jogo da bilharda. Pouco tempo seria necessário, porém, para encher de terra as mãos, a cara, as calças e as camisas.
Um dia de primavera, já lá vinha o sol a aquecer um pouco, o ruído do folguedo aumentava à medida que rolava a manhã. Levantava-se uma caramunha, um alvoroço, entre os inúmeros garotos, alguns deles taludos, que ensurdecia.
— Eh lá, malta dum raio! Pariu aqui a galega?! — exclamavam alguns dos que passavam de enxada ao ombro para a horta.  
Com uns 40 metros de profundidade, a mina fora sempre cavada a pé enxuto. Ir até ao cabo — local onde as entranhas da terra tolhiam o avanço — era uma proeza de que nem todos se podiam gabar! Seria preciso levar velas, pinhas ou pedaços de pneu acesos, para vencer a escuridão. Depois, faltava ainda a coragem para enfrentar os receios! A boca escura de rasgo ogival, um metro e noventa de alto e pouco mais de um metro de largo, metia respeito! Só os mais arrojados se aventuravam! Tinha sido recortada no xisto da vertente oeste da serra da Gardunha, onde se dispersava a povoação. 

As mães, por sua vez, recomendavam aos filhos:
— Meninos, não venham para casa com a roupa suja! —
Era chover no molhado! As palavras caíam nas veredas estéreis da lembrança e não produziam frutos! A excitação dos jogos superava os cuidados a observar! A calcular pelas badaladas do sino do relógio da torre, passava uma hora, se tanto, e logo principiavam a ouvir-se as genetrizes a ralhar aos rebentos.
— Ah! Condenado! — gritava da janela a Leonor para o filho Eduardo, um dos mais velhos do grupo dos travessos. — O que te disse eu quando saíste para a rua…? Já p’ra dentro! — e apontava-lhe a porta de casa. — Da próxima, ficas fechado e não vais para a calhandrice.   
Vendo o rapaz em estado lastimoso e, como ele não lhe obedecesse, Leonor desceu as escadas a correr e quis ir buscá-lo por uma orelha, mas não logrou os seus intentos. Era já crescido. Então, descalçou um sapato, mas de sorte conseguiu açoitar-lhe as nádegas. Ele protegia-se e fugia na sua frente o melhor que podia, enquanto amparava com os braços as arremetidas do calcante, que pareciam lume. Mas, sempre lhe assentaram três ou quatro, umas a preceito, outras a raspar. E pôs-se a gritar em alta voz:
— Ai…! Ai! Que me querem matar!
— Cala-te palerma! — ralhava a mãe.
— Vossemecê não vê como bate?! Nem que fosse num animal. Podia vir aí a Protetora…! — retorquia, dorido.
— Caluda! Mal empregadas as que caíram no chão! — dizia a mulher depois da tentativa de correr atrás do filho e a deitar os bofes pela boca!
Estava a entrar na idade crítica e já não podia como dantes. Era então uma rapariga robusta. Outros tempos! Os anos e a vida de casada, anafaram-na e sentia dificuldades em o alcançar! Punha-se a arrazoar de longe:
— Anda cá malandro…! — mas desfalecia e procurava amparo na parede. — Ai Jesus…! Estou cansada! Este patife mata-me! Sempre lhe caíram algumas em cima. Isso, santa paciência! É para aprender! — dizia, enquanto se ia sentando, ofegante, na pedra da escada que dava da rua para o limiar da sua casa.
O pai punha-o na linha como tinha feito com os irmãos; mas isso era também se estivesse mais novo! Na altura usava o cinto! A maioria dos filhos temia mais o pai do que a mãe. Ela era mais persistente; ele impunha-se menos vezes, mas costumava ser mais duro.
Dantes, para vergar certos filhos, era preciso os pais terem pulso. Caso contrário, faziam-lhes o ninho atrás da orelha.
Os dele? É o fazes! Ná! Com ele não faziam farinha. Por isso aí estavam, obedientes e serviçais. O que ganhavam, entregavam-no em casa; e é se queriam comer! Ficavam apenas com uma parte para os seus gastos. Estavam um bocado atrasados nos negócios de saias! Deixá-lo! Com toda a certeza que andariam a olhar para as cachopas — que ele não queria lá maricas em casa! — e tinham que ter um pé-de-meia a contar com o futuro.  
O tempo passou e o João — assim se chamava o pai — envelhecera e relaxara-se ainda mais um bocado no tinto. E a mãe com o Eduardo, o mais novo, ora, ora! Uma brincadeira! Ela fazia lá nada dele! Sacudia-lhe a roupa e, vá lá, vá lá! Qualquer dos dois progenitores parecia sentir-se já ultrapassado para educar o mais tardio dos descendentes. Saíra forte e desempenado, como era da estirpe, mas não tinha má índole. Eles é que já não tinham as forças de outrora. E o rapaz tornara-se malhadiço!
— Vai já pôr água na bacia grande e lavar-te! — aventava a mãe.
Dizia aquilo mas sabia que o filho não lhe obedeceria; pelo menos enquanto a contenda estivesse quente. Maior remédio é o tempo, que tudo cura. Quando voltasse a casa para se lavar, o caso já teria arrefecido. Todas as coisas têm a sua ocasião. Por isso, um nadinha mais tarde e já nem com um dedo lhe tocaria. Seria descabido e o vigor também faltava.
Limitava-se a dizer:
— Qualquer dia, hás de ser tu a ir à fonte buscar água para te lavares, porque a criada não está cá para isso.
A criada, bem entendido, era ela.
— É o que te digo, nunca vais tomar emenda! Está-te na massa do sangue!    
Com a gritaria, procurara o rapaz chamar a atenção das vizinhas. Os pais não eram donos dos filhos e ele queria fazer parecer que a atitude da mãe era demasiado severa. Tinha que haver uma entidade moralmente superior para julgar o caso. E essa era o coro das vizinhas que, nestas coisas, era quase sempre mais benevolente.
— Ó Maria Leonor, deixa o cachopinho! Coitadinho! — diziam frequentemente.
Era como se fossem a família alargada. Várias opiniões relativizavam-se mutuamente. A vontade de uma única pessoa, com ânsia de fazer justiça, é sempre perigosa, tornando-se mais rígida e desproporcional. Não tem termo de comparação. O rapaz ganiu, propositadamente, como cão que levara umas valentes arrochadas. Não era assim que se batia numa criança!
Mas a mãe conhecia-o de ginjeira:
— Isto não é para tanta gritaria! Estás-te a fazer! Cuidas que eu que sou parva? Pões-te a alardear para chamar a atenção, como se fosses um infeliz, para virar as pessoas da rua contra mim; para pensarem que eu é que sou a má! Estupor! Nunca hás de ser ninguém! Daqui amanhã, se o quiseres ter na mesa, tens que o ganhar, pois então!
Com a vozearia, uma a uma, as vizinhas que já andariam pela cozinha a preparar o jantar — visto que a manhã girava para o meio-dia — começaram a abrir as janelas! Se havia alarido matinal era comum elas assomarem. O rapaz escondeu na dobra do braço um leve esgar de sorriso malicioso. E as mulheres reagiam com vigor:
— Credo! Que raio se passa aqui, ó Leonor?! — adiantou-se a Maria da Barroca, que morava na antiga Casa dos Expostos, a última ao cimo da rua da Cruz. Além dela, tinham vindo dar conta do desaforo a Conceição, a ti’ Piedade, a Palmira, a Maria de Jesus e ainda a ti’ Nazaré que era mouca, o que não a impedia de dar fé de tudo!
— É este desavergonhado! — e apontava o filho. — Tanto faz dizer-lhe assim como assado! Olha como ele está! Encharcado em terra!  
— Então, já sabes, os cachopos querem é brincadeira, mulher! — volveu a vizinha pondo água na fervura. — É deixá-los!
De forma que, na maioria das ocasiões, as vizinhas valiam ao moço para acalmar a sanha da mãe que, às vezes, parecia petrificada de tão possessa, a querer dar pancada! Outras maneiras de ver a forma de educar, confrontadas com a dela, de viva voz, sempre a faziam pensar; porque, afinal, também ela era de carne e osso como as mais!
— Pois, mas este já é demasiado crescido para andar ainda a brincar. E depois, quem tem que ir à fonte e lavar a roupa ao ribeiro do Marzelo, sou eu! — disse Leonor.
— Ó mulher, então para que os tiveste?
— É a vida…! — lamuriava-se Leonor.

Fez uma pausa momentânea e lembrou-se do seu homem. Ele e ela tinham uma boa prole, mas tudo cachopos. Se Nosso Senhor a ouvira dando-lhe rapazes escorreitos, já não a tinha escutado nas orações quando lhe pedira duas raparigas para a ajudarem nas tarefas de casa e para equilibrarem forças à mesa, à hora da ceia. Nem uma, quanto mais duas! A natureza é diversa e aleatória e a vontade de Deus soberana.
O marido e todos os outros filhos andavam, por dia, a trabalhar nas mais diversas tarefas agrícolas. Levavam bucha e só vinham à noite. O Eduardo ainda andava na escola e moía a cabeça à mãe. Pela idade, começava a não fazer muito sentido andar pegado a livros. Deserta estava ela para o ver ir trabalhar. Mas só podia deixar as aulas dos catorze para os quinze e era consoante o mês em que fizesse os anos. Ordens do governo!        
Para a Leonor, sobretudo quando estava mais descoroçoada da vida, os homens tinham sempre a culpa das mulheres terem muitos filhos. Se ela o dizia, era porque tinha experiência disso. Cala-te boca! Com o João, o marido — e só o conhecera a ele — já lá iam quase trinta anos de casamento e sacrifícios! Ao princípio, quando casaram, a bem dizer, era um cá fora, outro na barriga!
Agora já não, mas em novo — passara entretanto uma rima de tempo! — acontecia muitas vezes, quando regressava a casa, vindo da taberna do Marcelino. Por volta das onze da noite, entrava sorrateiro e um poucochinho tocado da pinga, dir-se-ia, atravessado. Nessas alturas era preado! Apanhava-a no torpor inicial, antes do sono profundo e disfarçava, como se não soubesse o que estava a fazer, o espertalhão…! Sempre podia pôr as culpas no vinho…!
O certo é que, em pouco tempo, aparecia mais um inocente a embarrar-se nas saias da mulher, com todos os trabalhos, renúncias e lágrimas que daí resultavam. Lá dizia a sabedoria das esposas mais experientes da época: “O casamento para as mulheres é trabalhar, parir e chorar!”
— Esconjurados sejam os homens e mais a sua maldita lascívia! — apregoava ela aos quatro ventos. Apontava o dedo ao sexo oposto como o grande responsável por virem ao mundo tantas crianças e muitas delas sem condições! Por isso e porque em casa só tinha varões e, em questão de opiniões não podia bulir, adquiriu uma certa desconfiança de género. Os homens eram impenetráveis, egoístas e interesseiros. Se tinham que trabalhar, era porque se viam a isso obrigados, porque a sua verdadeira natureza era cuidar apenas do que lhes pedia o corpo.
Mas, atrás de tempo, tempo vem. E este não perdoa. A idade tudo traz e não é coisa boa. A inflexibilidade e a fogosidade tinham-se-lhe acabado. Os anos tornaram o João mais doidivanas e a fraqueza fez dele um homem mais tolerante. Quanto mais envelhecia, mais apreciava o tinto!

Leonor espertou deste pensamento momentâneo e trouxe a consciência de volta à rua onde se estava a passar a cena naquela manhã. Ainda foi a tempo de exclamar com um azedume existencial para as vizinhas e com o filho a escutar:
— Deixá-lo! São homens! É tudo o mesmo! Ele é como o pai! E o pai é que tem o maior pecado. O que quer é andar também por aí, perdido e achado, nas baiucas! Se não está a trabalhar, está na taberna. Isso é pela certa! Raios parta o vinho! — clamava.
Apesar de culpar sempre os homens pelas agruras da sua vida, acabava, também ela, por acusar, ainda que indiretamente, o vinho. Tinha Baco as costas largas!
E continuou o farelório para o soalheiro:
— Quando o rapaz sai, à tarde, da escola — onde já é dos mais atrasados, porque é cabeça de burro! — o pai, se for capaz, que o ponha a guardar as duas cabras que aí temos e a ir ao mato e à lenha, a ver se sabe o que custa a vida; que eu não quero cá mandriões! Não quero ociosos na família. Qualquer dia tem idade para se casar e ainda anda a brincar na rua como os meninos pequeninos! Ora com ‘feito! A quem é que este maroto sai? A mim não é, com certeza, porque eu sempre lhe dei para trás!  
— Ele já tem mais força qu’a ti! — calculou a vizinha Zefa, a mulher do Chico Tenente que, afinal, também viera cá fora por mor do barulho. Sentara-se no seu balcão de pedra de cantaria e trazia a faca, o alguidar e o punhado das couves que estava a migar para a sopa.     
— Pois é! Vê lá tu, Zefa! O machacaz! É o que eu digo. A culpa é do pai! — insistia Leonor na ira que a movia contra os homens. — Correão dos infernos! Já que não quer tomar tento, há de aprender à custa dele! Tanto tombo há de dar que um dia toma juízo; ai isso toma! Porque a vida não está p’ra festas! — arengava. Pelas suas contas, o filho devia levar uma sova todos os dias porque, se lhe dessem só uma por semana, era pouco!
Eduardo, o agente principal do aparato dramático, estava agora indolente, desbarrigado, por mor do jogo da bilharda e das correrias. Encostara-se à parede da casa defronte da da mãe, toda levantada em granito, à vista, amarelado do tempo. Falou devagar, com ar macambúzio mas, no íntimo, a rir-se, porque sempre tinha conquistado uns pontos para o seu ego.
         — O que é que eu fiz? — deixou escapar entre dentes.
         — Diz antes o que não fizeste! — respondeu-lhe a mãe. — Passas a vida na brincadeira como se fosses ainda uma criança. Nem um molho de mato vais buscar para o quintal. A loja das cabras e o galinheiro estão cheios de estrume; é preciso tirá-lo e pôr cama nova. — atirou. E prosseguiu: — Deixa lá! Também não hás de comer ovos, nem pôr leite no café, que te leva o diacho! És só ossos! Só se te veem as costelas! Descamisado! Pareces mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Mas o que tu és, deveras, é o Canhoto em pessoa, salvo seja, cruzes! Olhem-me para aquele preparo! Só umas gemadas de ovo batidas com açúcar todos os dias, durante um mês, podem tapar-te as gaivas do arcaboiço da caixa de ar. Não é porque cá em casa passes fome — mal disfarçava a Leonor — o que tu és, é avenado, esquisito. Levanta um bocado essa camisa! — ordenou com rispidez.
         Com a roupa em desalinho, repleta de manchas de terra seca e gesto indiferente, o moço afastou com muito má vontade, mais um bocado da camisa desazada que trazia vestida e alanzoou:
         — O que é que vossemecê quer ver?! Hã! É só ossos o quê? Não tenho as costas direitas? Foi vossemecê que mas fez; ou não foi? Se tenho as costas aleijadas a culpa é sua.
         — Huum! Vê lá se te acomodas com a língua! Isso são maneiras? Já sabes como é que elas te queimam! Se vou aí, levas com o sapato nessas nalgas que nem sabes a que freguesia pertences! Olhem lá o paspalho! Até já a morte tem vício! Hã! — insurgia-se ela contra a resposta do filho; mas sabia que só tinha forças para o ameaçar de largo.
         — Não tens as costas deformadas, não, que eu bem sei. Não és nenhum coitadinho; bem se vê pelo corpaço que tens! O que tu andas é magro que nem um cangalho! Quando nasceste vinhas muito direitinho, graças ao Senhor Santo Cristo que me atendeu nas orações. Vieste são e perfeito, graças a Deus! Se alguma coisa tens agora que está desconforme, é porque não tens juízo. Não sei o que andas a fazer. A idade anda a criar-te vícios. Estafermo! Ainda hás de dar cabo de ti. Só te puxa para o mal e para a brincadeira. Ladrão! — afirmava Leonor com a sua suspeita por tudo o que era masculino.
         De maneira que era assim…

Mas, num outro dia de galderice, a somar a tantos, neste caso em pleno verão, apareceram ali no largo, não se sabe muito bem porquê, alguns cachopos do Fundo de Vila e do Cabeço que fica por cima da Oriana. A manhã ia já adiantada e o astro-rei caminhava para o seu auge. Embora os recém-chegados não morassem no local, todos se conheciam uns aos outros dos tempos de escola, da catequese, dos jogos na praça e de irem à missa ao domingo.   
Não se sabia muito bem a razão da sua presença. Pelo buço que lhes aflorava a superfície da face, percebia-se que não eram nenhuns meninos de colo. Com aquela idade, se não andassem já a trabalhar a ganhar para casa, estariam, por natureza, adstritos aos afazeres nas leivas de família ou a carregar lenha para empilhar na loja, porque o inverno era sempre rigoroso. O trabalho da criança é pouco, mas quem o perde é louco.   
Para estarem ali àquela hora, alguns deviam ter-se escapulido ao pai. Com certeza que andavam a vagabundear, à boa vida, em vez de cumprirem as suas ordens. Iriam talvez para a Senhora da Orada pelo caminho de cima, a passear e a beber água, feitos vadios. Ora, todos os dias eram de trabalho! O domingo à tarde era o único tempo de lazer semanal de que dispunham os homens e os rapazes assazoados, já com namoros para fins sérios. Depois da missa, passavam pelas tabernas a beber uns tintos e a falar de negócios, ambiente habitualmente não frequentado por mulheres e filhos pequenos. A civilidade guardada pelos cânones sociais, não permitia que as palavras rudes em contexto de interesses próprios dos homens, ferissem os ouvidos da dona de casa honrada ou da menoridade casta.  
De resto, não havia cá vida rica p’ra ninguém! E quem não quisesse dobrar a espinha e agarrar numa ferramenta para trabalhar, estava sujeito a uma valente malha. Algo parecia então não estar certo com os recém-chegados. E as suspeitas vieram a revelar-se verdadeiras.
Com efeito, de repente, sem que ninguém se apercebesse, surgiu sorrateiramente, vindo de trás da esquina da casa da Leonor, do lado da rua da Cruz, o José Covas, homem fero, com unhas para a vida, que morava no Cabeço. Trazia uma corda enorme e grossa dobrada ao ombro. O filho dele, o Henrique — conhecido como Tolaia entre os seus pequenos pares — iniciara uma partida de bilharda e andava tão entretido que não deu pela chagada do pai. Se tivesse dado por ele, tinha fugido a sete pés e tomado o caminho de casa. Já acontecera antes! Quando assim era, se o homem lhe atirava com uma vergastada que o apanhava apenas a escapar — porque o rapaz era mais ágil que um cabrito — o progenitor ameaçava:  
— Anda lá, meu velhaco, que em chegando a casa levas mais!
Mas o José Covas, naquele dia, aproveitando o facto de o filho andar a jogar descuidado, chegou-se perto, pela retaguarda, sem que ele se apercebesse, enrolou-lhe a corda à volta do pescoço por uma ponta, pegou na outra e puxou como se faz com um animal de grande porte, cavalo ou burro. O rapaz, atado pelo pescoço, nada podia fazer e tornou-se submisso como um cordeiro.
— Ah! Ladrão, que desta vez apanhei-te! — disse o seu captor triunfante. — Gatuno! Anda um vagabundo destes a vadiar… Calmeirão, desavergonhado! Um homem feito, a brincar na rua! — vociferava o Covas. — Se o quiseres, tens que o ganhar!
 E ia puxando de um lado da corda, com o rapaz preso no outro, aqui caía, ali se levantava, lá iam os dois pela Corredoura fora, a caminho de casa, debaixo das imprecações do pai. O filho tinha que ir trabalhar nas fazendas como lhe ordenara nessa manhã — pois quê! — meter as mãos na terra, a desterroá-la com a enxada, endireitá-la e fazer regos para batatas ou a guardar o rebanho. A existência era dura, não era nenhuma brincadeira. E era se queria comer! Só desta maneira não se perderia, como homem, ao longo dos caminhos da vida. Não estava escrito como as profecias da Bíblia, mas era como se estivesse. Não eram também os profetas a origem de grandes proles — como o Covas — e não eram eles obedecidos? Pois, se sempre assim fora, por que razão tudo havia agora que mudar?
As mulheres que ali moravam, porém, durante aquela operação de caça ao filho, sobretudo quando viram o calabre no pescoço do moço, assanharam-se um bocado contra o homem.
— Ó Covas, olha que isso é demais! Não é coisa que se faça a um filho, homem. — alegavam.
Mas ele conhecia bem as linhas com que se cosia, porque aquilo não era a primeira vez.
— Ó santas mulheres, estejam sossegadas e não tenham pena que eu também não! Vamos ver qual de nós é que manda lá em casa! Se sou eu ou se é ele!
O José Covas bem sabia que tinha feito um laço não corredio abaixo da travinca para não o atafegar! Mas, as mulheres sem saberem disto, continuavam a gritar:
— Olha que podes dar cabo do rapaz! — insistiam.
— Dar cabo? Qual carapuça! Isto é mais rijo que um canelo!
Dizia isto ao mesmo tempo que se ia afastando e acabou por desaparecer na rua da Corredoura, levando o filho pela arreata.
Foi um alarido dos diabos com semelhante acontecimento, tão pouco usual ali no largo da mina no Cimo de Vila, lá isso foi! As surras que o João e a Leonor davam aos filhos, mesmo nos seus tempos áureos de homem e mulher fortes e destemidos, não eram nada, comparadas com o que aconteceu ao Tolaia com a corda enrolada à volta do pescoço! Nunca se tinha visto ali uma coisa assim!

Isto passou-se. Mas muitas outras ocorrências se repetiam frequentemente — talvez não tão graves como aquela — ali à esquina, nas imediações da mina; fosse com o chão ainda húmido, na primavera, fosse a desfazer-se em pó como a cinza, no verão. Para tanto, bastava que brilhasse a estrela do sol.
Os pequenos atores da paródia de rua nada tinham, porém, de seu; os brinquedos eram improvisados em paus, latas e pedras! E se assim fora durante tanto tempo, era porque a ordem das coisas no universo devia estar certa! Concordasse-se ou não. Havia, pois, que aproveitar, pelo menos, a acolhedora luz solar quando não houvesse nuvens e chuva. Poucas coisas restavam à miudagem que não fosse divertir-se, jogar às guerras e sujar as mãos naquele chão. Para quem era, o sol e a terra bastavam!
Enquanto os filhos berravam e algaraviavam, as mulheres iam dar de comer às galinhas que criavam nas lojas ou no quintal e ainda cuidavam da pequena courela ali perto, nas Tapadas. O resto do santo dia, tratavam da casa, faziam o jantar, adiantavam logo a ceia e observavam, comentavam e ralhavam sobre o que se passava no terreiro ali ao pé. Enquanto os homens lá iam de manhã cedo, a bater terreno, a pé, para as fazendas da Oles e do Vale Feitoso, já quase noutra freguesia, feitos negros, a ganhar a côdea.  
Os tempos iam maus e as leiras herdadas dos pais ou que, à custa de mourejar, com grande sacrifício — muitas vezes tirando-o à barriga — lograram angariar, tinham vindo a ser perdidas. Nesses escassos metros quadrados de terreno semeavam as parcas couves negras e umas poucas de batatas para o inverno.
Mercê de períodos difíceis, foram abrindo mão das pequenas hortas, a favor das casas de linhagem da Vila, por uma ninharia. Podia ser uma broa ou meio alqueire de milho. Era conforme o sítio e a qualidade do terreno. Tudo tinha que ser sopesado. Até parecia que as partes se encontravam em análoga posição para negociar! A diferença, porém, era haver ou não pão na arca lá de casa! Coisa de pouca monta! No mais tudo era idêntico: tratava-se de dois contratantes, ambos homens, um de cada lado, e qualquer deles tinha estômago…!
Os compradores, por aquele justo preço e cheios de boas intenções, juntavam — pois, quê! — mais umas leiras ao que aprouvera ao erário real conceder aos seus antepassados pelos muitos feitos prestados; e que a eles viera, pelo grande esforço que, como herdeiros, tinham que despender, para arcar com o peso de tão insignes nomes!  
Suas senhorias, vinham à Vila de vez em quando, vestidos a condizer, ter a maçada de recolher as colheitas da época. Dignavam-se, então, descer ao terreno do seu parceiro de sinalagma, a sujar um pouco os pés!
Deixá-lo! Era a penalização que de boa vontade suportavam. Afinal, além do produto de teres e haveres que ali fruíam — apesar de viveram fora na roda do ano — também se pelavam por algumas donzelas que brotavam na aldeia como papoilas salpicando a seara, pele de pêssego de S. João, que apreciavam como galula! E assim, por pouco mais que o preço por que era transacionada a courela — talvez mais uma broa — era também alienada a dignidade do vendedor. Porque, quer a filha deste, quer a courela, fazia tudo parte do mesmo negócio!
Ao sol é que suas senhorias ainda não podiam chegar. Caso contrário, nem essa chama celeste deixariam a alumiar o mundo! Por isso, os miúdos, na sua rebeldia, se divertiam ali naquele chão, com os olhos cheios de luz, sujando as mãos; bem se importavam eles! E os graúdos, por sua vez, educavam-nos a seu modo. Era a vida e as gerações no seu ciclo, recobrando forças para enfrentar o futuro. Porém, o sol e a terra, era quase tudo o que, por enquanto, lhes sobrava!

NOTA: Episódios ficcionados a partir de vivências populares. As condições que o país impunha, retirava, a muita gente, a autoestima e a própria consideração que lhes devia a comunidade.
Como de costume, alerta-se para o facto de poderem ter sido utilizadas palavras ou expressões que não constam da ortografia oficial.      

JOSÉ BARROSO

quarta-feira, 20 de maio de 2020

domingo, 17 de maio de 2020

Biodiversidade

A revista National Geographic deste maio de 2020 traz um estudo sobre os insetos.
São dela as duas imagens que se seguem, resultantes de recolhas de insetos, na mesma região da Alemanha, em 1989 e 2016, usando o mesmo método de captura.


O 1.º copo é de 1989 e o 2.º de 2016. Entre estes dois anos, registou-se, naquela região, uma diminuição de 76% da biomassa de insetos.
Segundo li há uns tempos, no Alqueva deslocam abelhas entre olivais, para fazerem a polinização das oliveiras, uma vez que a monocultura intensiva da oliveira destruiu o habitat dos insetos.

Segundo os autores deste estudo, as causas de tão drástica descida da população de insetos serão as alterações climáticas, o uso de pesticidas e a destruição dos habitat naturais.
A propósito de pesticidas, ainda não percebi porque é que os nossos autarcas teimam em pulverizar as ruas das nossas terras com pesticidas, várias vezes por ano. 

José Teodoro Prata

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


Carlos Moreira


Carlos Moreira nasceu em São Vicente da Beira no dia 10 de novembro de 1892. Era filho de Francisco Moreira, criado de servir, e Perpétua Maria, residentes na rua do Convento.
Assentou praça em 12 de julho de 1912 e, presente no Regimento de Infantaria 21, foi incorporado no 2.º Batalhão, no dia 14 de janeiro de 1913.

Foi licenciado em 1 de maio de 1913, por ter concluído a instrução da recruta, e regressou à terra. Nessa altura, era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.
Foi novamente convocado em setembro desse ano, mas não se apresentou na sua unidade dentro do prazo estabelecido, possivelmente porque já teria mudado a residência para Águeda e não terá recebido a convocatória atempadamente. Por este facto foi acusado do crime de deserção. Na sua folha de matrícula, não é referida a data em que se apresentou, nem a punição que sofreu, pelo que pode significar que foi ilibado.
Em 24 de maio de 1915, passou ao Regimento de Infantaria n.º 28, de Águeda.







Voltou a ser convocado em 17 de abril de 1916, e foi mobilizado para a província de Moçambique, para onde seguiu em 24 de junho integrado na 3ª Expedição enviada para aquele território. Terá participado nas operações que tinham como objetivo ultrapassar as margens do rio Rovuma, para norte, e ocupar alguns postos que estavam na posse dos alemães.
Regressou à Metrópole em agosto de 1918, e desembarcou em Lisboa no dia 5 de outubro. Após ter sido licenciado, em 1 de julho de 1919, regressou a Águeda onde ficou a residir.
Passou ao Regimento de Infantaria de Reserva n.º 28, em 31 de dezembro de 1922, à reserva ativa, em 31 de dezembro de 1926, e à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1933.
Condecorações:
·      Medalha de cobre comemorativa das campanhas em Moçambique.
Família:
Carlos Moreira casou com Ângela Madeira, na Conservatória do Registo Civil de Águeda, no dia 10 de outubro de 1925. O casal viveu na Borralha, onde Carlos Moreira trabalhava como motorista e feitor do Conde. Foi lá que lhes nasceram os dois filhos que tiveram:
1.    João Moreira, que faleceu com 11 anos de idade;
2.    Maria de Fátima Moreira, que casou com Ângelo Miranda e tiveram duas filhas.
Vinha frequentemente à terra, principalmente quando tinha que conduzir o Conde da Borralha nas suas deslocações a S. Vicente da Beira. Um dos sobrinhos, Albino Moreira, lembra-se desses tempos e conta que «era uma alegria para a família quando ele cá chegava. E então para nós, os sobrinhos, estávamos sempre desertos que ele cá viesse porque nos “convidava” sempre a todos com vinte e cinco tostões. Era dinheiro, naquele tempo; e se nós já éramos muitos!...». Durante muitos anos veio também com a mulher e os filhos, mas, a pouco e pouco, à medida que foram morrendo os familiares mais próximos, os contactos foram rareando.
Sobre o tempo da guerra, a filha Maria de Fátima diz que se lembra de o ouvir contar que «… passaram por lá muitos maus bocados, principalmente por causa da fome e da sede. Muitas vezes o que lhes valia era a água da chuva que ficava nas poças que as patas dos elefantes deixavam no chão».
Quem o conheceu, diz que era um homem bom, trabalhador e muito generoso. Carlos Moreira faleceu no dia 14 de junho de 1975. Tinha 82 anos.
(Pesquisa feita com a colaboração da filha Maria de Fátima Moreira e do sobrinho Albino Moreira)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

domingo, 10 de maio de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

Bernardo da Cruz


Bernardo da Cruz nasceu no Casal da Serra, a 1 de dezembro de 1894. Era filho de Bartolomeu Cruz e Anna de Jesus, esta natural de Alcongosta.
Segundo a sua folha de matrícula, era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro quando se alistou em 9 de julho de 1914. Ficou pronto da recruta no dia 12 de maio de 1915 e foi licenciado nesse mesmo dia, indo domiciliar-se no Casal da Serra.
Apresentou-se novamente em 1916 e, fazendo parte do CEP, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 379 e a placa de identidade n.º 8872-A.
Do seu boletim individual e folha de matrícula militar consta o seguinte:
a)    Baixa ao hospital, em Março de 1917, onde permaneceu por quatro dias;
b)    Em Junho, ficou adido junto do Quartel-General da 1.ª Divisão, onde prestou serviço até Fevereiro de 1918. Seguiu depois para a sua Unidade, onde chegou no dia 9 desse mês;
c)    Em Abril, foi colocado no Batalhão de Infantaria 11, 1.ª Companhia. Talvez por esta mudança de batalhão, terá sido um dos poucos vicentinos a participar na batalha de La Lyz, que ocorreu no dia nove desse mês;
d)    Em três de Maio, foi internado na ambulância n.º 6, onde permaneceu cinco dias. Foi dado como incapaz e ficou a aguardar o repatriamento, aprovado nos termos da circular 475/11 de 25/05 /1918.
e)    Embarcou para Portugal, a bordo do navio Gil Eanes, e chegou a Lisboa no dia 23 de Julho de 1918. 
Condecorações:
·      Medalha Militar de cobre com a legenda: França 1917-1918;
·      Medalha da Vitória.
O seu boletim individual do CEP não o refere, mas, de acordo com a relação dos militares que participaram no raide de 9 de março de 1918, apresentada em "A Covilhã e a I Grande Guerra 1914/1918", Bernardo Cruz também participou no referido raide e deve, por isso, ter sido louvado.


Quando chegou à terra, vinha ainda convalescente dos ferimentos e bastante perturbado pelos gases e traumas de guerra. Apesar disso, ainda foi castigado por faltar à inspeção no ano de 1921, tendo sido considerado ausente e sem domicílio conhecido. Passou à reserva ativa, em 1928, e em 1931 foi considerado incapaz. Em 1939, foi internado no Asilo de Inválidos Militares Princesa Maria Benedita, em Runa, de onde saiu em 1945, por vontade própria.
Na sua folha de matrícula constam ainda alguns castigos durante este período de internamento psiquiátrico:
a)    Punido pelo comandante do asilo, em fevereiro de 1942, com privação de vinho por 30 dias, por levar para fora do refeitório a ração de manteiga que lhe estava atribuída e tentar vendê-la a outros internados;
b)    Punido com 15 dias de detenção, porque tendo-lhe sido chamada a atenção por um seu superior, por o não ter cumprimentado militarmente, tomou a rigorosa posição de sentido e, com ar de troça, fez e desfez a continência 2 vezes, perguntando, no fim, ao superior se estava satisfeito;
c)    Punido com 5 dias de prisão disciplinar, por não ter cumprido prontamente a ordem de formatura para a 2.ª refeição, dizendo que não estava ali para isso.
Terá posteriormente sido internado na Casa de Saúde do Telhal, onde passou o resto da vida. Ainda recebeu a visita de alguns familiares, mas nunca mais voltou à terra. 



Dizem que era uma pessoa muito religiosa e, durante o tempo em que permaneceu no Casal da Serra, passava os dias a ensinar a doutrina às crianças. Quando elas aprendiam bem as orações, até lhes dava umas moedas para comprarem rebuçados. Também há quem diga que foi ele que ofereceu a Sagrada Família que, durante muitos anos, andou de casa em casa, no Casal da Serra.
Bernardo Cruz faleceu na freguesia do Algueirão, no dia 22 de janeiro 1970.


(Pesquisa feita com a colaboração de vários moradores do Casal da Serra)


Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

quarta-feira, 6 de maio de 2020

A Pneumónica

Já aqui publicámos artigos sobre a pneumónica de 1918-19, na freguesia de São Vicente da Beira (para consultar, escrever Pneumónica na janela da esquerda, ao alto). A revista VISÃO História deste mês é totalmente dedicada às pestes e epidemias que atingiram Portugal, desde a fundação.
Aqui deixa algumas informações:

 

Como escrevi antes, Castelo Branco foi dos distritos mais atingidos.




José Teodoro Prata

domingo, 3 de maio de 2020

Com um abraço!


Este confinamento físico a que estou obrigada está a deixar-me macambúzia e a limitar-me também em termos psicológicos. Como não consigo escrever nada, valho-me da capacidade criativa alheia e tenho andado a ler alguns livros que já li há muito tempo ou fui deixando para trás. Nos últimos dias voltei ao Mário Zambujal e, em «HISTÓRIAS DO FIM DA RUA» encontrei uma passagem que me fez lembrar uma história publicada neste blogue (28 maio de 2013), uma das que mais gosto do livro «DOS ENXIDROS AOS CASAIS…».

A do Mário Zambujal, aqui fica também:

«Alguém falou aí no nome de Julião Galo? Respeito e a máxima consideração em tudo o que disserem, fazem favor. Favor é como quem diz, obrigação. Nesta rua passou muita gente boa, do melhor, mas homem como o Julião Galo, meu amigo, irmão, nem procurando com uma candeia ou mesmo holofote. Tipo mais completo ninguém conheceu, nas quatro partidas do mundo, não desfazendo no distinto pessoal. A mim ensinou-me ele a tocar concertina. E sabia ele tocar concertina? Não Senhor. Então, como? Muito simplesmente: assobiando. Quem não o ouviu pode chorar-se, pouca sorte, nunca em dia nenhum há-de escutar um artista assobiando assim. As modas todas. Davam-nas na telefonia, apanhava logo. E depois tocando-as melhor, mais perfeição só com os beicinhos dele. Grande homem. Qual violino, qual clarinete! Ao pé do assobio do Julião Galo, todo o instrumento soava desafinado e fanhoso. E sem se cansar, de manhã à noite, tirando os retratos ou encostado na porta da loja. Comprei a concertina, nem arranhar sabia. E as músicas? Nada. Então ele afinca-se à minha beira, vá lá esta Geraldo, agora aquela, o Geraldo no assobio e eu dando aos dedos, a ver se engatava no tom, as voltinhas todas. Custoso. Aquilo não era homem, um pássaro. E apertando comigo, só mais uma vez, olha que linda valsa, noites e dias, até ser quem sou de concertina nas unhas. A ele o devo.
Deixou fama em toda a freguesia. Punha-se a assobiar e calava as conversas, escutavam-no como a um bispo. As senhoras em especial, verdade se diga. Não há esses das Índias que tocando flauta encantam as cobras? Assim ele com o mulheril: pareciam periquitos atrás da alpista. E o Julião afinadinho, a caprichar, apreciando os olhos delas na boca dele.
Foi assim o caso com dona Lucinda, sua esposa, mão do Vitorino Francisco, inda cá anda. Fotografia Recordação. Complicado. Porque dona Lucinda, anteriormente, encontrava-se casada com Arménio Fagolas, da serração. Tipo decente, por acaso. Mas também o Julião e a dona Lucinda. Culpa ninguém teve. Começou por ela: deu em prender-se ao assobio, vá de janela mal lhe zunia no ouvido à espera. Tango hoje, valsa amanhã, rumbas, fox-trotes, à mistura com olhares e fosquinhas, é o que dá: Julião ardendo pela ouvinte, pedaço de mulher, respeitosamente, e vice-versa. Tanto se encegueiraram, acontece o natural de acontecer nestas conformidades: fugiram. Sem malandrice ou menos vergonha – gostavam, gostavam, resiste-se a tudo menos ao bom. Trouxa às costas e aí vão, ele assobiando, ela toda ouvidos.
Quem rabiscou o seu bocado foi o Fagolas, temos de compreender. Até me apareceu, a mim!, pedindo e teimando: «Geraldo, saímos à busca deles.» E eu disse: «Agora, assobia-lhe às botas.»
Depressa se lhe gastou a pena, daí a nada pendurou-se no rico braço da menina Salustiana, bem servido. Mas por causa das moscas, o Julião e a sua senhora tardaram um ano a voltar para a rua. Sorte eu já ter aprendido os segredos da concertina.»

Com um abraço!

M. L. Ferreira

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Maio

Como um a vez ouvi na Antena 2: Ponham o volume no máximo, abram as janelas e desfrutem!


Do álbum Cantigas do Maio, com arranjos de José Mário Branco
José Teodoro Prata