quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

O nosso falar: pechorro

 Ando a ler o livro Os sertões, do brasileiro Euclides da Cunha (1866-1909), que fez a reportagem jornalística da Guerra dos Canudos (1896-1897) e posteriormente realizou um estudo sobre os sertões do Brasil (este livro), nas vertentes geográfica, humana e político-militar (neste caso, sobre a guerra acima referida).

O arraial dos Canudos situava-se no interior do estado da Baía e aí se concentraram milhares de sertanejos em torno de um louco (António Conselheiro, 1830-1897), a viver à margem da lei e da Administração Central. Esta guerra foi uma catástrofe humana, pois morreram cerca de 20 mil membros daquela comunidade sócio religiosa e 5 mil militares.

Sobre o assunto, foi realizado um filme (A Guerra dos Canudos) e Mário Vargas Llosa escreveu o romance A Guerra do Fim do Mundo.

 

Ora, à página 119, o autor escreveu que as pétalas das flores recém-abertas «…caem, mortas, sobre a terra imóvel sob o espasmo enervante de um bochorno de 35º, à sombra.»

As campainhas tocaram na minha cabeça quando li a palavra bochorno. Lembrei-me da expressão dos meus pais, quando estava um daqueles calores em que até o ar treme: Hoje está um pechorro! Ou seria pochorro ou bochorro? Ou mais certamente p´chorro ou b´chorro? Eu(tu), os meus(vossos) pais e as gerações anteriores fomos alterando oralmente a palavra bochorno, que existe de facto e significa muito quente.

José Teodoro Prata 

Um comentário:

M. L. Ferreira disse...

A nossa Língua, quer falada quer escrita, é duma riqueza e variações quase sem limites; e para isso muito têm contribuído também os escritores brasileiros, angolanos ou moçambicanos.
Até há pouco tempo conhecia mal a escrita do Mia Couto, mas li recentemente dois livros dele e achei admirável a forma como” manuseia” a Língua Portuguesa, acrescentando ou transformando as palavras como se fossem obra de arte. Apetece ter aqueles livros sempre à mão e de vez em quando ler um bocadinho, como quem lê um poema.