Pe. José Hipólito Jerónimo, um democrata assumido
José Hipólito Jerónimo fez
a sua formação religiosa superior em diferentes geografias (Roma, Itália; Bona,
Alemanha; Chicago, Estados Unidos da América). Forçosamente, este contacto tão
prolongado (8 a 9 anos) com a vida democrática, que até então desconhecera,
impregnou-se-lhe no seu modo de ser pessoa.
Curiosamente, a crise
académica coimbrã de 1969 não o entusiasmou. O já sacerdote José Hipólito
Jerónimo frequentava o último ano do curso de Filologia Germânica, onde foi
colega de curso de Artur Jorge, então jogador da Académica e mais tarde
treinador de futebol. O presidente da República Américo Tomás foi inaugurar do
edifício das matemáticas e o presidente da Associação Académica, Alberto
Martins, pediu a palavra, mas foi-lhe recusada.
Isto provocou a revolta estudantil, que levou ao fecho da academia, por
tempo indeterminado. O Pe. Jerónimo não ficou em Coimbra para viver a revolta
(o seu reino já não era deste mundo), mas regressou ao Verbo Divino com a
convicção de que o regime estava por pouco.
Precisamente quatro anos
após esta crise académica, o Pe. Jerónimo, então no Tortosendo, foi uma das
individualidades a quem o Jornal do Fundão pediu um depoimento sobre o estado
em que Portugal de encontrava e quais as perspetivas de futuro. Durante três
semanas, 7, 14 e 21 de maio de 1973, o jornal publicou as respostas às questões
colocadas. Da zona de Castelo Branco, participaram os Drs. Fernando Dias de
Carvalho, Francisco Rolão Preto, Albano Pina, Mário Branco e Manuel João Vieira.
Este último viria a ter um importante e ativo papel na implementação da
democracia, após o 25 de Abril, nesta parte sul do então distrito de Castelo
Branco.
Graças a esta defesa da
democratização do país, o Pe. Jerónimo esteve, por direito próprio, na festa do
25 de Abril no Tortosendo, a 27 de Abril, onde foi um dos oradores. Reproduz-se
seguidamente o seu discurso, publicado no Jornal do Fundão de 5 de maio:
(discurso apresentado na publicação anterior)
Semanas depois, ele e outros
padres da região manifestaram publicamente a sua solidariedade com o programa
da Junta de Salvação Nacional, criticando os bispos portugueses, ativos
colaboradores do regime ou simplesmente remetidos a «um silêncio cúmplice», com
exceção do bispo do Porto, e recordando o exemplo de muitos religiosos que
«conseguiram arrancar-se à apagada e vil tristeza em que colectivamente
mergulhou a comunidade cristã portuguesa». Esta tomada de posição de sete
padres foi publicada no Jornal do Fundão de 12 de maio.
Estes e outros cristãos
aderiram ao Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um espaço de reflexão
cristão, internacional e não partidário, dos anos 70, que pretendia conciliar a
doutrina social da Igreja Católica com os ideais igualitários do socialismo. E
assim se viveu a revolução nas comunidades católicas portuguesas, numa procura
constante de como viver os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade.
José Teodoro Prata
2 comentários:
Soube há uns tempos que o António Paulouro, antigo diretor do Jornal do Fundão, já falecido, um dia contou que mudou a linha editorial do jornal no sentido da oposição ao regime salazarista, quando um dia Humberto Delgado visitou a região e disse que os opositores ao regime deviam ser combatidos a tiro, se necessário fosse (qualquer coisa assim).
Mas o Humberto Delgado, então a desempenhar altas funções no regime (nelas criou o aeroporto de Lisboa), ainda não era o HD de que nós tanto ouvimos falar. Não, primeiro ele foi nomeado como representante de Portugal na Nato e foi viver para os Estados Unidos alguns anos, no cumprimento dessas novas funções.
Lá, levou um banho de democracia e voltou opositor à ditadura, seguindo-se a candidatura à presidência da República e o seu posterior assassinato a mando de Salazar, que era rancoroso e não perdoava nada, nem aos que haviam sido seus próximos. Outro exemplo, em 1969, solicitou ao bispo do Porto a sua presença num evento, onde devia falar. Estando ele na Catalunha, mandou uma carta, com uma análise crítica sobre a política do Estado Novo: Salazar exilou-o por 10 anos!
Isto para dizer que o que se passou com o Pe. Jerónimo, que teve a sua formação democrática no estrangeiro, aconteceu também com muitos outros portugueses. Já nos séculos passados fora assim, como no caso dos estrangeirados do século XVIII.
E porque é dia de Camões, também ele influenciado pelo mundo que andou, lembremos um pouco do discurso de Jorge de Sena, na Guarda, no dia 10 de junho de 1977 . «…um Camões profundo, um Camões dramático e dividido, um Camões subversivo e revolucionário, em tudo um homem do nosso tempo, que poderia juntar-se ao espírito da Revolução de Abril de 1974, e ao mesmo tempo sofrer em si mesmo as angústias e as dúvidas do homem moderno que não obedece a nada nem a ninguém senão à sua própria consciência.»
É também interessante esta reflexão, do mesmo discurso, sobre os Lusíadas: «E isto para não falarmos de crimes literários e socio-morais de mais largo alcance, de que Camões era vítima nas escolas, parecendo até que nós éramos as vítimas dele. Porque, para além de encher-se a boca com a Fé e o Império, que nem uma nem outro eram para Camões o que eram para o Dr. Salazar, o poeta não servia para mais nada senão para exercícios de gramática estúpida: o que, tudo junto, chega para gerações lhe terem ganho alguma raiva e perdido o gosto de o ler. E há mais e pior: quando, no liceu, líamos Os Lusíadas, éramos proibidos de ler (e não estudávamos) as passagens consideradas mais chocantes pela pudicícia hipócrita desta nossa sociedade de sujeitos felizmente desavergonhados que fingem lamentavelmente possuir a virtude que não têm, e vivem a perseguir ou reprimir os pecados alheios. Claro que nós todos íamos logo ler as passagens “proibidas” e lendo-as assim, com olhos libidinosos, perdíamos a grandeza delas: a majestade do sexo e do amor, a magnitude da liberdade e da tolerância, a inocência magnífica do prazer físico e da paixão erótica, que, acima de tudo, Camões cantava e celebrava nessas passagens com uma abertura de espírito e uma audácia espantosas.»
Quem não se lembra?
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