São horas, está tudo a acordar
Um
novo dia se aproxima
Vamos
todos levantar
Em
direção à cozinha
Após ter
passado uma noite bem dormida ao lado de três irmãos, dois para cima e dois
para baixo, eis que oiço o galo cantar, dando sinal de que vamos entrar num
novo dia. Levanto-me, dirijo-me à cozinha e encontro a minha mãe já levantada,
preparando o nosso pequeno-almoço, ou seja, café de cevada, que todos nós
degustávamos com alguma satisfação, misturando um pouco de leite das ovelhas
dos meus avós, quando havia e quando não havia era preto. Partíamos uma fatia
de pão cozido no forno da tia Maria Estela para uma malga e tudo misturado, era
a nossa primeira refeição, ou seja, o café migado.
Fizemos
a higiene pessoal
Acompanhados
da nossa mãe
A
seguir fomos para o quintal
A
ouvir o galo também
A minha
mãe já tinha preparado uma grande bacia de roupa que iria lavar para a ribeira
da senhora Encarnação (1), mas antes de sair de casa tinha a preocupação de nos
lavar na casa de banho, porque já tínhamos esse miminho, não havia era a água
canalizada ainda, tínhamos de a ir buscá-la à fonte, que está ali perto,
despejá-la para um depósito no forro. A canalização estava feita internamente
ligada a esse depósito, podendo assim utilizá-la na casa de banho e na cozinha,
onde já havia uma torneira.
Tomámos
o nosso café migado
Com
alguma satisfação
Que a
minha mãe tinha preparado
Antes
de ir para a ribeira da senhora Encarnação
Acordo bem-disposto,
porque finalmente entrámos de férias escolares, e feliz estava, porque tinha
passado para a terceira classe. Depois de a minha mãe ter terminado todo este
ritual e de ter acomodado as galinhas e os perus que tínhamos no quintal,
dirige-se a mim, porque entendia que eu era o mais jeitoso para a ajudar, e
diz-me:
- Daqui a
três horas vais ter comigo à ribeira para me ajudar a trazer a roupa, porque é
muita e eu não posso sozinha.
Eu,
quando entendi, saio de casa, passo na Fonte Velha, vinha a Dona Zara a sair de
casa, dirigindo-se a casa da Dona Maria; quando passo por ela, dou-lhe a
salvação.
Desço
rua abaixo contente
E na
fonte paro um pouco
Vejo
o João Carvalho e o Joaquim Valente
A entrar
na tasca do João Coxo
Passo em
frente à taberna do sr. João Coxo, estavam a entrar os senhores Joaquim Valente
e João Carvalho, que de certeza iam matar o bicho. Vou direito à rua Velha,
onde encontro o sr. Joaquim Ribeiro, mais tarde meu tio, porque casou com a
minha tia e madrinha, à porta da sua casa, a ver quem passava. Chego a casa do
sr. Albano Jerónimo e vejo um carro de bois à porta dele, sem o ganhão, que
deveria estar a receber ordens dentro de casa; entretanto chega o sr. João
Paulino com o seu grande burro, que devia ir para a propriedade que tinha na
Senhora da Orada.
Em
frente à casa do senhor Albano
Um
carro de bois está parado
O
ganhão recebe ordens do comando
E
deve cumprir o que ficou combinado
Chego à
Estrada Nova e vejo ao meu lado esquerdo o sr. Jaime Pique, que se encontra à
porta do forno do sr. José Matias (2), a fumar o seu cigarrinho; e prossigo o meu objetivo
direito à ribeira da senhora Encarnação. Entro no caminho onde se encontra
agora o Nicho e chego à ribeira. Além da minha mãe, há outras mulheres a fazer
o mesmo trabalho. Já estava calor, porque tínhamos entrado no Verão, mas a
ribeira ainda levava água suficiente para lavar a roupa.
Com
alguma satisfação
Finalmente
chego ao destino
À
ribeira da senhora Encarnação
Local
onde bem me sinto
Eu
gostava de estar ali, porque entrava na água e divertia-me. Não estava sozinho,
havia outras crianças e todos nos divertíamos: uns apanhavam peixes com um
cesto e outros divertiam-se a bachicarem-se uns aos outros e a jogarem às
escondidas. Havia meninas em combinação, porque as mães aproveitavam para lhes
lavarem os vestidos, para que no final viessem lavadinhas para casa.
Em frente
encontrava-se o lagar da Luz Mesquita, mas de momento não estava a trabalhar.
Lá mais a cima, junto às passadoiras, havia outro lagar que pertencia à Casa
Conde. De repente vejo um homem a passar as passadoiras do Casal para a Vila.
Era o tio Tota que era o varredor das ruas e ao mesmo tempo o coveiro. Mais
tarde vim a saber que tinha morrido uma pessoa e ele vinha abrir a cova.
Toca
o sino a dobrar
Sinal
de que alguém morreu
O tio
Tota vai passar
Pergunto-lhe,
quem é que faleceu?
Entretanto,
a minha mãe já lavou a roupa, a pôs a corar ao sol, voltou a passar pela água e
colocou a secar. Quando está quase seca, vimos para casa. E assim se passou
mais um dia na ribeira da senhora Encarnação.
João Maria dos Santos
Notas:
(1)
Antes do lagar da sr.ª Luz Mesquita ser construído, havia uma azenha
naquele local, cuja moleira era a senhora Encarnação; por isso o sítio da
ribeira em frente tinha o nome da moleira.
(2)
O local primitivo do forno do sr. José Matias foi ao fundo da Rua Nicolau
Veloso, à esquerda, já junto à estrada.
2 comentários:
Mais um poeta popular, aqui a recordar gente de que já mal nos lembrávamos e modos de vida antigos, alguns já perdidos, e ainda bem, outros de que temos saudade.
Gostei de “ver” o João Maria, naquele tempo, a ajudar a mãe numa tarefa que era vista como exclusivamente feminina. Grande Tia Trindade!
Mais uma viagem ao nosso passado, que honra as personagens reais e as vivências que fizeram parte do nosso passado. É bom recordar e voltar lá, por momentos...
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