quinta-feira, 13 de junho de 2024

No tempo das cerejas

Ao lado da casa dos meus avós, no Casal, havia duas cerejeiras. Todos os anos carregavam tanto que às vezes até esnocavam alguns ramos. Eram tão altas que só os rapazes conseguiam trepar por elas, mas, para nós, o meu avô arrumava-lhes uma escada, mal as cerejas começavam a ficar encarnadas, e só a tirava muito tempo e grandes barrigadas depois, quando até as passas já tínhamos comido, a meias com os pardais.

Era um tempo farto, e em que até as raparigas também ficavam mais bonitas, enfeitadas com os brincos novos todos os dias.

Contam que a Amália Rodrigues, que terá nascido no Fundão, não foi registada logo à nascença por falta de meios dos pais. Tempos mais tarde, quando a mãe a quis registar e lhe perguntaram a data de nascimento da menina, terá respondido: «Foi no tempo das cerejas». Isto prova que vem de longe a importância da cereja na economia da região.

ML Ferreira

Fotografia de Diamantino Gonçalves

2 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Cerejas, este ano nem vê-las, nem encheram a barriga aos pássaros!

Diamantino Gonçalves, autor da foto, ele que era o fotógrafo da Gardunha, faleceu há poucas semanas.

jose teodoro disse...

Quando comecei a ler, pensava que era sobre a cerejeira dos meus avós Francisco Teodoro e Maria do Rosário, altíssima, inacessível, deitando por cima do forno em frente da casa deles, no Casal. É como se fosse, Libânia. Um regalo, quando o avô condescendia em arrumar lá uma escada. Só mais tarde descobri que antes do regalo das cerejas, há um outro, diria do mesmo quilate - as flores que dão as mesmas cerejeiras.
Boa evocação, esta.
J Miguel Teodoro