Mostrando postagens com marcador castelo velho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador castelo velho. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de março de 2019

Arte rupestre na Gardunha


O José Barroso mandou-me esta foto logo a seguir à descoberta deste núcleo de gravuras rupestres, na Serra da Gardunha, freguesia de Alcongosta.
Por vários motivos, só hoje a publico.
As gravuras foram noticiadas como sendo do Calcolítico (3300 a 1200 a. C.), o período em que as ferramentas eram de cobre. Do período seguinte, Idade do Bronze, é o machado de bronze descoberto no Castelo Velho e exposto do Museu Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco.
Mesmo que distem 1000 anos entre os artistas que fizeram as gravuras e os construtores da fortificação a que chamamos Castelo Velho, há uma inegável continuidade no povoamento da Gardunha. E se a eles juntarmos os achados arqueológicos da Penha, acima de Castelo Novo,  concluímos que há urgência em estudar os primórdios do povoamento na serra. Talvez seja desta que o Castelo Velho sai do esquecimento a que tem sido votado.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A batalha da Oles

O cavaleiro vem pela estrada que da portela da serra desce para o território muçulmano. O cavalo marcha às cautelas, no piso íngreme e pedregoso. Ao longe, deles sobressai nos matos uma mancha branca com o risco vermelho das cruzes templárias.
O ribeirito que segue junta-se a outro e é ali a capela da Orada, à esquerda. Prende o cavalo num amieiro e dirige-se para a capela, misturando-se com os camponeses que vêm à missa do domingo. O edifício de pedra enegrecida sobressai no manto verde do adro, com grandes amieiros encostados, do lado do ribeiro. É um templo baixo e de aspeto rústico, quase tosco.
O cavaleiro transpõe a porta e ajoelha em frente ao altar. Depois ladeia-o, à procura da sacristia. Era atrás do altar e o ermitão já vinha a sair quando o cavaleiro enche a porta com a sua figura. Saúdam-se com reverência e conversam por alguns minutos. Depois, o presbítero dirige-se ao altar e o cavaleiro junta-se ao povo cristão.
Homens e mulheres lançam-lhe olhares curiosos e, no regresso da comunhão, encaram-no de frente: é encorpado, rosto escondido nas barbas arruivadas e os cabelos curtos e claros, à mostra pelo capacete que o cavaleiro segura na mão.
No final da missa, frei Gonçalo diz ao que vem o cavaleiro da cruz. É companheiro de Dom Afonso Henriques, o rei cristão que desde Coimbra vem empurrando os governantes do Islão para sul, dilatando a Cristandade e libertando os fiéis do único Deus verdadeiro.
O cavaleiro avança para o altar, flete o joelho e faz o sinal da cruz. Depois coloca-se ao lado do presbítero e fala. Chegara a hora de libertar as gentes da diocese egitaniense do longo cativeiro muçulmano. Os cavaleiros cristãos já aguardavam na encosta norte da Ocaia, mas chegavam notícias de reforços para o exército muçulmano, com cavaleiros vindos de além Tejo.
Estas palavras trazem inquietação aos camponeses. Vasco Anes tinha uma filha casada com um mouro cultivador dumas terras no monte do Mourelo e Rodrigo Peres era amigo do comerciante mouro que lhe trazia as ferramentas para a lavoura e ainda no ano passado lhe vendera um belo garrano. O cavaleiro termina agora. Pede-lhes segredo e vigia aos movimentos do exército inimigo. E ajuda em homens de armas, quando chegasse a hora do confronto militar.
Frei Gonçalo faz sinal a dois homens. Depois desenha no ar o sinal da cruz e despede-se do seu rebanho. “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe!” Homens e mulheres saem para o adro de rostos fechados. Contornam a capela e nas traseiras aguardam a sua vez, junto à fonte. Bebem o suficiente para a caminhada e purificam os rostos. Depois, cada um toma a direção do seu casal, de coração apertado, sem o que dizer uns aos outros.
Na sacristia, o presbítero apresenta ao templário os dois camponeses, Fernão Mendo e Antão Fernandes, pai e filho, dos mais tementes a Deus e que odeiam os infiéis, com quem não tinham relações de sangue ou especiais amizades. Os quatro fazem as combinações que ali os retinham e depois cada um vai à sua vida.
A semana foi de grandes canseiras para Antão, Fernão e companheiros que foram juntando à causa dos conquistadores cristãos. Atalaias pelos altos, subidas e descidas ao castelo, no alto do penhasco, correrias pela noite dentro, a recrutar homens de armas, pelos casais espalhados pela serra, nos montes da charneca e pelo campo. No fim da semana, encontram-se com o cavaleiro templário, para lhe contar dos movimentos dos guerreiros muçulmanos, em deambulações pelo extenso campo que se estende aos pés da serra. E fazem os acertos para o embate com os infiéis.
No dia seguinte, o exército cristão cruza a serra e pernoita no vale da ribeira, fora das vistas largas do campo. Aos primeiros sinais do alvorecer, marcha para sul, seguindo o curso de água. Depois, os cavaleiros e peões encaram os primeiros raios de sol e continuam a marcha, sempre para nascente.
Já avançam em campo aberto, seguindo caminhos ondulados por entre matos e vinhedos. Soa um longo toque de chifre de boi, vindo do castelo, sinal combinado de avistamento do inimigo. Os olhos perscrutam o campo sul e em breve se vislumbra uma mancha cintilante em movimento.
O exército cristão chega bem à vista do castelo da serra e pára. É primavera e as águas do ribeiro dos enxidros saltitam nos últimos declives da encosta. Os guerreiros ajoelham nas suas margens e bebem de borco, com o rosto mergulhado na água cristalina. Depois as montadas. Camponeses saem do meio da mata de carvalhos, com cestos de pão para os guerreiros. As bestas pastam nas ervas verdes. Aguarda-se.
Dois toques ecoam pela serra. Os infiéis aproximam-se. Os cristãos aprontam-se. Uma espera silenciosa, longa, enervante. “Estes moçárabes são de confiança?” O templário garante que sim. Finalmente soa o terceiro e último aviso, três longos toques. O comandante levanta o braço e todos se aquietam, mãos crispadas nos cabos das lanças e nos punhos das espadas. Distingue-se já nitidamente o tropel dos cavaleiros que se aproximam. São muitos, mais do que os desejados.
Os dois corpos penetram-se, gritos de raiva e dor. Os cavaleiros cristãos são empurrados, encosta acima, já se luta na orla da mata. O templário procura com o olhar os reforços moçárabes. Soaram os quatro toques curtos a eles destinados, mas ninguém sai da mata. Do castelo, Antão segue com desespero o desenrolar da contenda. Tardam os homens que o pai devia comandar. Grita aos dois companheiros de vigia, montam os jumentos e atiram-se serra abaixo. Dentro da mata, Fernão tenta convencer os companheiros do valor da luta, mas eles olham o formigueiro de muçulmanos e consideram que esta luta desigual não é a que lhes fora prometida. E pensam no sossego dos seus casais, nos familiares e amigos que têm no outro lado.
Frei Gonçalo aparece do nada e fala-lhes da paixão de Cristo, do prémio do céu e do castigo dos infernos, razões mais fortes do que os efémeros prazeres da curta vida terrena. Todos empunham as lanças e correm, atrás de Fernão Mendo, encosta abaixo. Há muçulmanos para todos, por todos os lados. Agora, é matar ou morrer. Também combatem pela vida dos que deixaram em casa. A luta alonga-se, no tempo e no campo da Oles. Já no pino do sol, os infiéis começam a recuar frente aos cristãos. Depois gritam-se ordens de retirada e os guerreiros de Alá fogem do campo de batalha, perseguidos por quem ainda tem forças.
Os homens deixam-se cair exaustos. Procuram-se amigos e conhecidos, choram-se os mortos, com os rostos fechados. Juntam-se os guerreiros e aclamam o seu rei. Os moçárabes, com Antão à frente, chegam-se aos vivas. O templário apresenta ao rei os camponeses destemidos que tanto ajudaram na vitória.
“O que mais desejais que o vosso rei vos dê, em sinal de agradecimento pela vossa valorosa ajuda?”
Antão Mendo olha os companheiros e adianta-se. Ajoelha em terra e pede:
“Saiba Sua Majestade que precisamos de uma igreja paroquial, pois a nossa Orada é diminuta e muito dentro da serra, longe dos casais onde moramos.”
“Que seja como pedis. Mando que se erga uma igreja no local onde pernoitámos esta noite. Dou-vos esta bolsa de moedas para ajudar a erguer o templo. Quando estiver construído, ide à minha corte e dar-vos-ei um orago, juntamente com privilégios e isenções.”
“Que Deus abençoe Vossa Majestade!” Agradece um religioso, aproximando-se.
“É frei Gonçalo, o presbítero da Orada que me ajudou a organizar o apoio destes moçárabes.” Informa o templário.
“Louvo o vosso contributo para esta obra de Deus que é a expansão do reino de Portugal. Sereis o cura da nova igreja.”
E acrescenta, para todos:
“Dou-vos uma igreja, com a condição de irdes todos os anos em romagem ao castelo da serra, para que não se perca da memória dos homens a vitória que hoje aqui alcançámos, orientada do alto daquele penhasco por um punhado de homens valentes.”
Os camponeses carregam os corpos dos que tombaram e regressam aos seus lares, satisfeitos da vitória, mas temerosos que a contenda alastre para as suas famílias de sangues tão misturados.


Fundamentos:
Afonso Henriques – A tradição diz que ele esteve na batalha, mas esta poderá ter sido travada apenas pelos Templários. Cerca de 1160, o rei doa aos Templários as terras entre o Zêzere e o Tejo (a Covilhã era do rei), muitas ainda muçulmanas. São eles que conquistam, depois, Idanha-a-Velha e Monsanto. Será desses anos a Batalha da Oles. Mas, por outro lado, S. Vicente nunca pertenceu aos Templários, mas sim ao território real da Covilhã, pelo que o recontro da Oles pode ser anterior. Em 1169, dá-se o desastre de Badajoz e o rei fica inválido para a luta, encarregando dessa tarefa os filhos Fernando Afonso e D. Sancho (I).

Batalha da Oles – Esta batalha está descrita nas Memórias Paroquiais de S. Vicente da Beira. O vigário da época escreveu que os naturais observavam a batalha do alto do castelo e que os cristãos estavam a perder, porque os muçulmanos eram copiosos (muitos). Então desceram do castelo e ajudaram o exército de D. Afonso Henriques, saindo vitoriosos. Por isso, D. Afonso Henriques mandou fazer a romagem anual ao Castelo Velho.

Castelo Velho – Embora pouco estudada, esta fortificação da Idade do Bronze (de há cerca de 3 000 anos) tem sinais de reutilização na época da Reconquista.

Diocese egitaniense (de Egitânia, Idanha-a-Velha) – Os muçulmanos eram tolerantes em matéria religiosa, pelo que os cristãos tinham liberdade de culto, mediante o pagamento de um imposto. Aquando da Reconquista, a Egitânia ainda tinha bispo, logo transferido para a Guarda. Ainda hoje a diocese da Guarda se designa por diocese egitaniense. A paróquia da Orada pertenceria à diocese da Egitânia.

Estrada – Tem origem romana a estrada que atravessa a Gardunha, de S. Vicente para o Fundão. Na Fonte da Portela e Vinhas, o piso é romano, mas acima da Orada é já medieval, do tempo dos mouros, como diz a tradição.

Fonte da Orada – A antiga fonte situava-se nas traseiras da capela. Só em meados do século XX, nas obras realizadas pelo Pe. Tomás, essa fonte foi substituída pela bica na outra margem do ribeiro. É costume as pessoas molharem a cara na água da fonte, por a considerarem santa. Na realidade, a água terá algumas qualidades medicinais, nomeadamente para as infeções dos olhos.

Mata (das Vinhas) – A toponímia medieval e a documentação do século XVIII referem a Mata das Vinhas. Existiria uma mata, certamente de carvalhos, junto à Oles, pois a ser de sobreiros ou castanheiros chamar-se-ia sobreiral (Sobreiral/Sobral) ou souto. No século XVIII (e ainda hoje), existiam muitos carvalhos acima de Alpedrinha. Os pinheiros só se impuseram na paisagem nos finais do século XIX e inícios do séxulo XX.

Moçárabes – Era o nome dado aos cristãos que residiam no sul muçulmano, o Al-Andalus. Foram eles que conservaram o culto a São Vicente e por isso se pensa que todas as povoações com topónimos de S. Vicente são antigas comunidades moçárabes.

Mourelo – É possível que o termo venha de mouros.

Ocaia – É outra denominação da nossa serra, anterior a Gardunha, esta da época muçulmana. O primeiro foral de S. Vicente da Beira (1195) designa a serra por Ocaia.

Oles – Zona no sopé sul da Gardunha, junto ao Louriçal do Campo, no caminho para S. Vicente da Beira.

Orada – Frei Agostinho de Santa Maria visitou a ermida e escreveu, no Santuário Mariano, em 1711, que se pensava ter sido esta capela a igreja paroquial dos cristãos da zona, no tempo dos godos. Se o foi no tempo dos godos, continuou a sê-lo, depois com os muçulmanos, que se seguiram aos visigodos.

Ribeiro do Enxidro - Existe, mas proximidades da Oles, um ribeiro com este nome.

domingo, 19 de junho de 2011

II Feira: Inauguração da Rota


A merendar na frescura dos cedros, junto à Casa do Guarda.


O fotógrafo fotografado.


Em fila indiana, rumo ao Castelo Velho.


"Segura-te, não caias!"


O João foi espreitar o Casal, pelo postigo na penedia.


A muralha do Castelo Velho, já derramada pela encosta.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ruralidades

Um passeio ao Castelo Velho é um manancial para os Enxidros.


O pinheiro adaptou a raiz ao espaço entre duas rochas. Depois, o fogo queimou-o, o vento derrubou-o e o frio conservou-o. Está no "caminho" de acesso ao Castelo Velho.


Leirões de centeio à beira da estrada para o cume da Gardunha, pouco antes do entroncamento para o Castelo Velho. Quem semeou o pão, não o veio recolher.



Curral de gado encostado a um penedo. À esquerda está a parte telhada e à direita a cerca. Situa-se entre a estrada para o cume da serra e o caminho para o Castelo Velho.
Esta zona, na base da penedia onde se situa o Castelo Velho, também se designa por Castelo Velho. Francisco Teodoro, primo do meu pai (António Teodoro), morador no Casal da Serra, tratou durante anos a fazenda situada próximo deste curral, a que chamava Castelo Velho.



Bonsai de carqueija (carqueja), no alto de um penhasco. Zona da Baldaia.


A casa do guarda florestal, há muito desocupada. No entroncamento da estrada do Louriçal para o cume da Gardunha com o caminho florestal para o Casal da Serra (há dois caminhos, este é o de cima).

sábado, 7 de agosto de 2010

Regresso ao Castelo Velho


O António é um apaixonado pelas coisas do passado dos homens. Por isso, não podia deixar que regressasse à selva urbana das Lisboas sem o levar ao Castelo Velho.
Fomos hoje, sábado, com uma previsão a ameaçar 38º graus.
Era ainda noite, quando parti de Castelo Branco. Da A23, à esquerda, estendia-se o breu da noite, salpicado de luzinhas distantes. Céu e terra, a mesma negrura, separados pela fila ondulada das luzes vermelhas dos aerogeradores.
Entre o nó da Lardosa e o Louriçal, à direita o horizonte clareava, mas à esquerda continuava negro. Um mocho atrasou-se a sair do alcatrão, foi por pouco. Logo depois, uma lebre saltou da berma, mesmo quando eu ia a passar, mas estancou a tempo.
Casal da Serra, 6.10h. Ponto de encontro e partida. Amanhece. Está abafado, a terra sente-se quente, nem uma brisa!
Passamos a casa alpina de Salles Viana e contornamos a serra, sempre a meia altitude, em direcção a Castelo Novo. Às sete horas, levanta-se finalmente o vento, no seu trabalho de misturar o ar frio dos altos com o ar quente dos baixos. Já não era sem tempo! Vai refrescar-nos até ao regresso, já perto do Cavaco.
Encontramos dezenas de gafanhotos no saibro do caminho, admiramos os bonsais nas rochas e encantam-nos a formas das pedras, cada um a ver nelas coisas diferentes. Paramos constantemente, para gozar cada pormenor. As crianças ajudam-nos a redescobrir o que já esquecemos.
A chegada ao talefe do Castelo Velho faz-se aos ziguezagues e a pulso. Transpomos as muralhas derramadas pelo declive, contornamos penedos, puxamos uns pelos outros. No alto, o fresco da ventania e a planície aos nossos pés!
Falamos dos castros do anel montanhoso que fecha o horizonte e relembramos a batalha da Oles, a ajuda dos nossos antepassados a D. Afonso Henriques, a fundação de São Vicente e a construção dos castelos preventivos no Louriçal e em Castelo Novo.
Lanchamos e regressamos. Já são dez horas!
A descida custa mais do que a subida. A brisa fresca ficou lá pelos altos e o areão do caminho ameaça-nos com uma escorregadela. Chegamos, vermelhos como tomates, o Augusto às costas do pai. Mas sem pressas, com medo de esquecer o gosto que nos ficou do sabor das coisas que valem a pena.


A razão desta aventura.


Um sobrevivente. Ao fundo, à esquerda, o Castelo Velho.


«- Encontrei um pedacito da muralha ainda intacto!»

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cumprir a Tradição


O Padre José Pegado de Sequeira, vigário de S. Vicente da Beira, em 1758, informou, nestes termos, sobre o Castelo Velho, situado na serra da Gardunha, nas respostas aos inquéritos pombalinos, conhecidas por Memórias Paroquiais:

A tradição que há deste castelo é que, no tempo em que este reino era povoado de mouros, se conservava no dito castelo alguns cristãos e aí viviam.
E vindo o Senhor Rei Dom Afonso Henriques conquistando estas terras, todas povoadas de mouros, no sítio da Oles, limite da mesma vila, no fundo da serra e referido sítio, por ser campina dilatada, se deu uma batalha contra os mouros, que eram já copiosos
(numerosos), o que observavam os cristãos que estavam no dito castelo.
E conhecendo que o dito Rei com seu exército enfraquecia, lhe saíram em socorro do castelo os cristãos e pondo-se da parte do dito Senhor Rei, em breve tempo venceram e desbarataram o inimigo.
Informado de quem eram e de sua assistência, entre muitos e amplos privilégios lhes assignou
(assinalou) o sítio aonde está edificada a vila, para no mesmo a fundarem, o que fizeram.
E depois de edificada e já povoada a foram oferecer ao mesmo Senhor, no dia em que se trasladava o corpo do Mártir São Vicente da Igreja de Santa Justa para a Sé de Lisboa, por motivo do qual o dito Senhor Rei, aceitando a vila, lhe deu por nome São Vicente, querendo que o Santo Mártir fosse da mesma vila padroeiro, dando aos mesmos moradores dela parte do seu queixo, que hoje se venera na dita vila.
E lhe confirmou na mesma ocasião grandes privilégios e isenções, com a condição de que todos os anos irem ao dito Castelo Velho, câmara e povo, a fim de se conservar sempre em ser para memória do sucedido, o qual se observou por muitos anos. E o descuido dos moradores foi causa para se perderem os ditos privilégios, deixando de satisfazer a condição com que foram dados.


Vamos recomeçar a cumprir a obrigação que os nossos antepassados negligenciaram?
É um excelente cartaz turístico!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Geoparque da Naturtejo


O Geoparque
A UNESCO, em conjunto com a União Internacional de Ciências Geológicas, criou, em 2004, a Rede Mundial de Geoparques.
Um geoparque é, por definição, um território de limites bem definidos, com uma área suficientemente grande para servir de apoio ao desenvolvimento sócio-económico local. Deve abranger um determinado número de sítios geológicos de relevo ou um mosaico de entidades geológicas de especial importância científica, raridade e beleza, que seja representativa de uma região e da sua história geológica, eventos e processos. Poderá possuir não só significado geológico, mas também ao nível da ecologia, arqueologia, história e cultura.


O Geoparque da Naturtejo
O Geoparque da Naturtejo abrange os concelhos de Idanha-a-Nova, C. Branco, Vila Velha de Ródão, Nisa, Proença-a-Nova e Oleiros.
A Naturtejo é a empresa intermunicipal que gere este geoparque.
Para saber mais, consultar www.naturtejo.com. À direita, clicar em Geossítios.

A Rota da Gardunha


Esta rota é uma das várias rotas do Geoparque da Naturtejo. Mais informação pode ser encontrada na página da Internet acima indicada, clicando, à direita, em Rotas Naturtejo.
Aquando da criação desta rota, em 2006, o Geoparque estudou a hipótese de pelo menos mais uma rota na freguesia de S. Vicente da Beira: pelo vale da Ribeirinha, desde a Vila à Senhora da Orada. Mas ocorrera então o grande incêndio e a rota ficou para mais tarde. Até hoje.



Algumas notas sobre a Rota da Gardunha:
Em vez de partir do Louriçal e subir a serra íngreme, pode começar-se no Casal da Serra e seguir pelo percurso P. R. 1. 1, em direcção à Casa da Floresta. Mas abandonar esse percurso a cerca de 800 metros do Casal e continuar pelo caminho à esquerda. Depois subir e descer novamente para o Casal (clicar no mapa acima, para ver melhor).
Junto à Casa da Floresta, há um parque de merendas. Mesmo ao lado, fica a mata dos cedros, para os esfomeados de natureza.




O Castelo Velho está fora da rota. É um castro da Idade do Bronze, mas com reutilizações posteriores. O caminho do percurso passa a cerca de 150 metros. Tem de se virar à esquerda e ir por entre matos e rochas, em direcção à crista do galo e continuar depois desta, até ao picoto. O limite das freguesias do Louriçal e de S. Vicente passa precisamente neste cume.


O Castelo Velho nunca foi estudado, embora tenha um potencial arqueológico enorme. No final do século XIX, cerca de 1890, alguém o visitou e levou alguns achados arqueológicos, que se encontram no Museu Francisco Tavares Proença Júnior de Castelo Branco. Mas os vários poderes nunca se interessaram pelo Castelo Velho, embora esteja ali, possivelmente, a génese do povoamento desta região.


A não perder: descer o percurso entre o Casal e a Torre. É curto, fácil e lindíssimo. Há poucas semanas, os representantes de uma cidade francesa, com a qual o Louriçal se geminou, fizeram esse percurso, apenas.






quarta-feira, 3 de junho de 2009

Rota da Gardunha


Foi na Primavera de 2007, menos de um ano após o grande incêndio que despiu a serra.
Participei na inauguração da Rota da Gardunha, a mais bonita rota do Geoparque, na opinião de um dos seus criadores, o geólogo Carlos Carvalho.
Ao chegar a casa, pus no papel o que me ia na alma. Aqui vai:



Louriçal do Campo, 9 horas, recinto de festas. Apresentação do Geoparque e da Rota da Gardunha e partida. Contornamos a Igreja, é de São Bento, bi ne di te, como informa a pedra com a cruz de Avis. O templo foi construído por Petrus, em 1559, segundo o Edgar Fernandes, com o latim mais fresco que o meu. Viramos a nordeste, pela Rua do Casalinho e seguimos, entre casas e hortas, com ramos floridos debruçados nos muros, a ver-nos passar.
Enfim, a serra, sempre a subir, a subir. Por entre pinheiros, tojos, carquejas, estevas e giestas. O corpo já aquece, mas a brisa arrefece à medida que trepamos.
Cruzamento para o Casal da Serra, primeiro reforço, de águas, maçãs e laranjas. E uma oportunidade a quem não quer trepar mais e segue pelo percurso alternativo.
Continuamos. Mais acima, o bosque dos cedros, onde apetece descansar e merendar. O caminho dá agora uma grande volta e na curva espera-nos a recompensa, um bonsai de carqueja, com tronco ressequico e retorcido, no alto da rocha. Seguimos até ao miradouro da Baldaia, com o anfiteatro de Castelo Novo ao fundo e em volta rochas e mais rochas, paisagem lunar que o último incêndio realçou. Mas é terrena, pois tojos teimosos exibem as suas flores e o chão já se cobre de florinhas cor-de-rosa.
A nossa direcção é o Castelo Velho e por isso viramos à esquerda. Já se avista a rocha em crista de galo, daqueles que antes se criavam para haver ovos galados para o choco. Mas ainda não vamos para lá. Continuamos em direcção ao cume da Gardunha e pasmamos com uma paisagem cravada de penedos. A alguns, o tempo cortou talhadas, a outros, esquartejou a superfície, em quadrícula arredondada. São as meninas dos olhos do geólogo Carlos Carvalho.
Cortamos a mato, para o Castelo Velho. A crista de galo, já mais perto, dá boas fotos aos caminheiros, que também levam consigo a rocha com cara em cabeça de râguebi.
Deixamos o percurso e viramos à esquerda, para o castro lusitano, em homenagem aos nossos antepassados de há três mil anos. É difícil encontrar um acesso até ao picoto. Atravessamos panos de muralha derramados pela encosta, que ninguém já reconstrói. No alto, o deslumbramento, o prémio para quem ousou. Apetece ficar, sentado na laje, a beber toda a paisagem que se estende a nossos pés. À esquerda, o cume de Monsanto espreita pela toalha de nevoeiro, em frente, dois altinhos, Cardosa e S. Martinho, ajudam-nos a localizar Castelo Branco. Em baixo, azul, no verde acastanhado, a água da Marateca.
Mas não podemos ficar. Voltamos ao caminho e descemos a serra quase a correr. Por baixo dos nossos pés, o sussurro de água. Nos anos 40 e 50, tiveram que esventrar a serra, para saciar Castelo Branco, que crescia. Até ao Casal da Serra, é como se deslizássemos dentro de uma concha, até abaixo, onde camponeses desbravaram a terra e fizeram um casal. Há uma vaca, que nos fixa com olhar calmo, mas afinal é um boi. À frente, um cavalo, na sua elegância vaidosa. Depois um sardão, daqueles grandes e verdes, que mal se vê, porque desapareceu no buraco, escaldado de maus tratos.
Enfim, a casa dos telhados em bico, que Salles Viana projectou, a pensar nos Alpes Suíços. Segundo reabastecimento. As sandes de carne assada acabaram-se, mas há um queijo fresco, grande como a roda de um carro. Atrasados, não temos tempo para ele e por isso ensarroamo-nos de fruta, prontos a saltar do colo em que a Gardunha envolve o Casal, desfiladeiro abaixo, com a Ocreza, até ao campo.
A natureza excedeu-se, aqui. Eu andava quase morto na cidade e o paraíso aqui tão perto! A Ocreza atira-se à maluca, serra abaixo, despenha-se, espraia-se em lagoas, torna aos precipícios e nós, embalados com a sua música, mas mais prudentes, vamos descendo, às vezes em três, outras em quatro, com correntes de ferro a ajudar nos sítios mais difíceis.
Entramos num moinho pelo telhado e saímos pela porta. O moleiro já cá não vem, nem há taleigas pelos cantos. Atravessamos a Ocreza para a outra margem. Cabrinhas brancas, em verde de fetos, casas e mais moinhos abandonados. Um burro espoja-se na terra e o dono diz-me que este casal é o dos Pinhões.
Mais casas e moinhos, é a Torre. Durante séculos, este vale da Torre, junto com o vale de Castelo Novo, com mais de cinquenta moinhos, mataram a fome de pão à comarca de Castelo Branco, segundo documentos antigos.
Voltamos a atravessar a Ocreza, agora em pontão de madeira, e ficamos por ali, entre o verde e a água irrequieta e pura, sem vontade de continuar. Mas são quase catorze horas. Seguimos por veredas, entre hortas. Agora chega, o corpo já pede trato e descanso. Depois da capela de S. Sebastião, rua fora e final. O almoço reconforta-nos.
E regressamos, mas ainda vamos espreitar o casarão que foi o colégio jesuíta de S. Fiel. Os portões estão fechados e, da sabedoria que aqui bebeu o nosso nobel Egas Moniz, nem sinais.
Pela estrada, que foi o caminho dos moleiros em direcção à estação de comboios da Lardosa, sinto-me como o Malhadinhas do Aquilino Ribeiro, que já com dois carros de anos em cima ainda gostava de saborear a vida.