Com a Reforma de Rodrigo da
Fonseca de 7 de Setembro de 1835, Portugal foi um dos primeiros países europeus
a instituir a escolaridade obrigatória. Apesar disso, e porque a legislação
nunca foi cumprida, a escolarização das populações permaneceu muito baixa,
comparativamente ao que se passava no resto da Europa. Em 1900 cerca de 66% dos
homens e 82% das mulheres não sabia ler nem escrever. Esta situação, que se
manteve quase inalterada até meados do século vinte, era ainda mais grave nas
zonas rurais, como é o caso da nossa terra.
Há tempos, a propósito duma
pesquisa que nada tinha a ver com este tema, chamou-me a atenção o facto de na
maioria dos registos de batismo de meados do século XIX (1860) constar a
assinatura do padrinho da criança (em 76 batizados, apenas 21 não assinaram).
Quanto às madrinhas, o número é bem menor: nos 76 registos consta a assinatura
de apenas cinco, sendo que, pelos nomes, seriam quase todas da mesma família e
pertenceriam a famílias ilustres da terra: D. Antónia Henriqueta Almeida de
Brito, Maria Margarida Almeida de Brito, Maria Augusta de Brito Coelho Faria,
Ana Balbina de Brito e Teodora Rita Xavier.
Durante a mesma pesquisa deparei
com o nome de Manuel Marques Leite, professor
do ensino primário. Manuel Marques Leite era casado com Clara Augusta e
eram ambos naturais de Castelo Branco. Terão vivido por cá alguns anos, pelo
menos entre 1860 e 1867, primeiro na rua Velha onde lhes nasceram três filhos,
e depois na rua das Lajes, onde tiveram outra criança. Os padrinhos deste
último filho foram dois irmãos mais velhos dos quais não encontrei o registo de
batismo, talvez porque não tivessem nascido em S. Vicente (já nessa altura os
professores teriam vidas errantes…).
É pouco provável que este Manuel
Marques Leite fosse o único professor na terra, porque, mesmo que a escola
fosse apenas para os rapazes, havia tantos nessa altura que um professor seria
insuficiente. De qualquer forma a situação piorou nos anos seguintes.
Em 1880, dos oitenta e nove
registos de batismo, só seis continuavam a ter a assinatura da madrinha. Quanto
aos padrinhos, a situação era bem pior que vinte anos antes: cinquenta e três
não sabiam assinar.
Em 1900 a situação continuava
pouco animadora, mas os números eram mais equilibrados entre homens e mulheres:
dos 99 registos de batismo, apenas 23 tinham a assinatura das madrinhas e 33 a
dos padrinhos.
Estes números não podem ser lidos
de forma simplista, mas são um indicador importante do estado de iliteracia na
nossa terra, naqueles tempos.
Não encontrei referência a mais
professores, mas deve ter havido outros depois de Manuel Marques Leite. Entre o
final do século dezanove e o princípio do século vinte o Padre José Antunes,
para além de padre, foi também professor de muitos rapazes durante aquele
período. Devia ser pessoa de cultura vasta porque parece que, para além de
ensinar a ler e escrever, ensinava também outras disciplinas aos alunos. Morreu
em 1940 e está sepultado no nosso cemitério.
Deve ter havido outros antes
deles, mas muitos já nos lembramos do professor Couto e da mulher. Ele era
professor dos rapazes e ela das raparigas. Sobre este período, moí o juízo a
uma das minhas tias para me contar porque é que não tinha andado na escola. A
explicação dela:
«Sabes,
isto d’agente querer aprender é uma coisa que já nasce connosco. A tua mãe era
muito inteligente, que nunca foi à escola, mas sabia ajuntar as letras e
assinar o nome. Eu ainda lá andei aquase um ano, mas era burra e não aprendi
uma letra. A professora também não ajudava, que mal entrava na sala,
assentava-se na cadeira, amouchava a cabeça em cima da mesa e começava a
dormir. Não sei lá o que é que ela andava a fazer de noite… Mandava era a filha
do doutor Alves, a mai velha, fazer uns riscos na pedra de cada uma e dizia
para a gente copiarmos. Eu sabia lá agora fazer aqueles riscos! De modos que
quando chegou a altura, fui mas é a regar e a sachar o milho e os feijões, que
era aquilo que nos enchia a barriga, e nunca mais pus os pés na escola».
Depois destes, vieram as nossas
professoras: a Dona Susana, a Dona Teresinha, a Dona Natália, a Dona Nazaré, a
Dona Maria do Carmo, e outras que já não são do meu tempo, mas a quem, cada um
de nós, deve um pouco do que é hoje.
Penso que neste exercício de
memória seria injusto esquecer o Padre Branco. Para além de ser o responsável
maior pela implementação da Telescola (um marco histórico na democratização do
ensino em Portugal) na nossa terra, foi também um professor empenhado e
competente para muitos dos alunos que a frequentaram. Incluo-me nesse número.
M. L. Ferreira