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domingo, 28 de junho de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


Domingos Esteves (do Mourelo)


Domingos Esteves nasceu no Mourelo, a 26 de Abril de 1894. Era filho de Manuel Esteves e Josefa Maria. 

Ficou órfão de pai e mãe muito cedo e, juntamente com os outros quatro irmãos, foi criado por uma tia. Terá aprendido cedo a arte de sapateiro, profissão que tinha quando assentou praça e fez a instrução da recruta, no regimento de Infantaria 21, em Castelo Branco.
Mobilizado para a guerra, embarcou para França no dia 21 de Janeiro de 1917, integrando a 7.ª Companhia do 2.º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 610 e a placa de identidade n.º 9518-A. 
Grupo de combatentes do Sobral do Campo

No seu boletim individual constam as seguintes informações:
a)    Colocado na 1.ª Bateria de Infantaria, em 13 de Setembro de 1917;
b)    Aumentado ao efetivo do seu batalhão, por ter deixado de fazer parte da 1.ª Bateria de Infantaria, em 27 de Setembro;
c)    Punido com 6 dias de detenção, em Outubro de 1917, por ter faltado à instrução que teve lugar no Campo de Marthes, alegando estar doente, situação que não se provou ser verdadeira;
d)    Colocado no D.M.B. (Depósito de Material de Bagagens?), em 7 de Novembro;
e)    Punido com 8 dias de detenção, em Fevereiro de 1918, por falta de comparência na oficina de sapateiro onde trabalhava;
f)      Baixa ao Hospital Inglês n.º 35, em 28 de Julho de 1918, e evacuado para o Hospital de Base, em 11 de setembro;
g)    Julgado incapaz para todo o serviço, em 23 de Setembro de 1918, e evacuado em 4 de Outubro, a fim de ser repatriado.



Regressou a Portugal, no dia 29 de Janeiro de 1919, e domiciliou-se no Sobral do Campo, localidade onde, segundo o seu boletim individual, residia uma irmã, o seu parente mais próximo. Esta informação não foi confirmada pela filha Josefa Lourenço, que diz nunca ter ouviu qualquer referência a esta tia.

Em junho de 1919, Domingos Esteves casou com Severina da Conceição e tiveram sete filhos:
1.    Rosa Henriqueta, que casou com José Amoroso Dias e tiveram 5 filhos;
2.    Maria Nazaré Esteves Marques, que casou com Francisco Paulo Marques e tiveram 1 filha;
3.    José Domingos da Conceição, que casou com Rosa dos Santos e tiveram 2 filhos;
4.    Armandina Alice Esteves dos Santos, que casou com Francisco Luis dos Santos e tiveram 7 filhos;
5.    Francisco Pires Esteves, que casou com Rosa de Jesus Martins e tiveram 3 filhas;
6.    Josefa Esteves Lourenço, que casou com José Augusto Lourenço e tiveram 2 filhos;..
7.    Maria da Conceição Esteves Duarte, que casou com José Marques Duarte e tiveram 2 filhos.


O casal viveu sempre no Sobral do Campo, onde Domingos Esteves continuou a trabalhar como sapateiro, apesar dos problemas de saúde que trouxe da guerra, principalmente dificuldades respiratórias que lhe provocavam dores e cansaço permanente. Por vezes, como era habitual naquele tempo, andava de terra em terra e permanecia vários dias nas casas das famílias que o contratavam. Também trabalhou na agricultura, cultivando alguns pedaços de terra que herdou ou foi comprando. Conseguiu que lhe fosse atribuída uma pensão pela incapacidade adquirida na guerra, o que contribuiu para lhe proporcionar uma vida um pouco melhor.
Domingos Esteves faleceu no dia 26 de dezembro de 1968, na sequência de um traumatismo grave provocado por uma queda na noite de Natal. Tinha 74 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Josefa Esteves Duarte e da neta Maria Isabel Lourenço)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

domingo, 10 de setembro de 2017

Mais Maiores Contribuintes

A listagem que se segue não está datada, mas situar-se-á entre 1843 e 1852, tal como a lista anteriormente publicada. Mas é certamente posterior a ela. As informações relativas ao Ninho estarão na parte de Tinalhas (Fernando da Costa), assim como as do Freixial do Campo (o património de João Duarte Simões dividia-se entre Tinalhas e o Freixial).

CONCELHO DE SÃO VICENTE DA BEIRA
Relação dos maiores contribuintes de décima

Almaceda
Domingos Gomes – 7$026
José Bernardo Ribeiro – 9$268
São Vicente da Beira
João António Ribeiro Robles – 10$768
Bonifácio José de Brito – 8$830
Francisco António de Macedo – 8$000
João Pereira de Carvalho – 10$600
João Ribeiro Garrido – 19$976
João dos Santos Vaz Raposo – 7$070
José Maria de Moura Brito – 6$602
Manuel Martins Dâmaso – 7$630
Nogueira (?) – 4$040
Póvoa de Rio de Moinhos
Francisco José Dias de Oliveira – 11$184
António Joaquim de Carvalho – 7$516
Doutor António Luciano da Fonseca – 45$810
Bernardo da Silva Carrilho Marques – 8$864
Francisco António de Matos – 7$224
Francisco Duarte Carrilho – 7$200
José Alves de Azevedo – 4$218
Tinalhas
José do Espírito Santo – 3$740
Fernando da Costa – 11$510
João Duarte Simões – 12$015
Joaquim Augusto de Magalhães – 8$060
José Coutinho Barriga – 63$388
José Inocêncio Lalanda – 104935
Sobral do Campo
João Paulo do Rosário – 6$440
José Vaz Duarte – 6$110
Luís de Proença – 8$145
Manuel Ramos de Proença – 12$545
Manuel Ribeiro do Rosário – 7$452
Padre Sebastião Bernardo Ribeiro – 8$722
Louriçal do Campo
João António Ribeiro Gaspar – 9$530
Manuel António Ribeiro Gaspar – 9$142
Manuel Ramos Preto – 45$737
Padre Manuel Alves – 5$048

José Teodoro Prata

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Os Maiores Contribuintes

Concelho de São Vicente da Beira
Os maiores contribuintes da décima
Manoel Ramos Pretto (Louriçal do Campo) – 36$698
Doutor António Luciano da Fonseca (Póvoa de Rio de Moinhos) – 30$413
Bonifacio Joze de Britto (São Vicente da Beira) – 14$560
Francisco Joze Dias de Oliveira (Póvoa de Rio de Moinhos) – 12$341
Joaõ dos Santos Vaz Rapozo (São Vicente da Beira) – 10$450
João Pereira de Carvalho (São Vicente da Beira) – 10$235
Antonio Joaquim de Carvalho (Póvoa de Rio de Moinhos) – 7$900
Francisco Carrilho Marques (Póvoa de Rio de Moinhos) – 7$753
Francisco Antonio de Matos (Póvoa de Rio de Moinhos) – 6$954
Alexandre Barboza (?)– 6$592
Jacinto Ventura Netto (?)– 6$392
Joze Vaz Duarte (Sobral do Campo) – 5$670
Alexandre Joze Alves (?) – 5$068

Notas:
- 36$698 lê-se: trinta e seis mil, seiscentos e noventa e oito réis.
- A décima era um imposto que incidia sobre o valor das casas, terrenos, emprego, dinheiro a juros... Corresponderia hoje ao IRS, ao IRC, ao IMI... 
- Esta listagem não vem datada, mas podemos situá-la entre 1843 e 1850: 1843, porque nela consta João Pereira de Carvalho, o bisavô pela linha materna dos irmãos Pereira dos Santos (Inácio, Alexandre, Manuel, Zeca…), notário, natural das Sarzedas, que veio trabalhar para São Vicente e cá casou, em 1843, com uma filha do Bernardo Ribeiro Robles; 1852, pois nesse ano faleceu o Doutor António Luciano da Fonseca, o maior contribuinte da Póvoa de Rio de Moinhos.
- A elaboração desta listagem estaria relacionada com o sistema eleitoral liberal, que era censitário, isto é, os direitos a votar e ser eleito dependiam dos impostos pagos por cada um.
- Há uma lacuna nesta listagem relativa a Tinalhas: aparentemente não aparece ninguém. Numa listagem idêntica que publicarei dentro de dias, já aparecem os maiores contribuintes da décima desta freguesia, incluindo o homem mais rico do concelho, Joze Coutinho Barriga, visconde de Tinalhas.

Aviso: Notas alteradas a 10.09.2017, com base em informação da Doutora Benedita Duque Vieira, relativa à data de óbito do Doutor António Luciano da Fonseca.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Fontes: Enguernal

Há anos, o José Martins protestou por eu escrever Engarnal (ele queria Ingarnal). 
Mas era como eu encontrava escrito na documentação dos séculos XVIII e XIX.
Agora encontrei Enguernal, num registo de 4 de junho de 1730.
Terá sido erro do Vigário ou era a forma antiga de dizer?
O tempo o dirá.
Segue-se o registo e o pormenor onde se encontra a palavra (à direita, a meio).
O documento também traz a forma antiga do nome Sobral: Soveral



José Teodoro Prata

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Rivalidades antigas

 Já houve um tempo em que os do Sobral não podiam ver os de S. Vicente, e os de S. Vicente, a mesma coisa quanto aos do Sobral. Ai daqueles que se aventurassem nas festas uns dos outros, e nos bailes nem os mais valentes se atreviam a tirar uma rapariga para dançar. Eram logo encorridos à pedrada ou à paulada. E tudo por causa da Santa Bárbara que antigamente tinha a capela na estrema entre os dois povos e os de lá achavam que era deles; os de cá, diziam que era nossa.
Um dia os nossos puseram-se a caminho e roubaram a Santa. Depois pegaram num carro de bois e foram buscar as pedras para a capela. Pediram um bocado de terra à Dona Celestina e fizeram-na aqui, no Casal da Fraga.


Enquanto duraram as obras, a Santa andou fugida de casa em casa, escondida no forro ou na loja para não ser achada, que os do Sobral não se conformavam com a perda da Santa.
É pequenina, a capela, mas motivo de grande orgulho e devoção. Tem a data de 23 – 03 - 23 e a partir daí todos os anos lhe fazem cá a festa, na terceira semana a seguir à Páscoa. É este fim de semana.


O programa promete, assim a Santa ajude com a melhoria do tempo. Diz que para contentar os dois povos, no ano em que chove na festa da Senhora da Saúde faz sol na de Santa Bárbara. Este ano choveu no Sobral, oxalá se cumpra a tradição e faça sol por cá…
Mas não é só entre o Sobral e S. Vicente que aconteceram estas rivalidades na disputa de santos e santas. Diz que entre a Póvoa e Tinalhas houve guerras ainda piores por causa da Senhora da Encarnação cuja capela também foi construída nos limites entre as duas localidades. Todos os anos, por alturas da romaria, tinham que pedir o reforço da guarda, e mesmo assim havia sempre muitas cabeças partidas. Só quando os de Tinalhas resolveram fazer uma capela à Rainha Santa Isabel, no outro extremo da terra, os ânimos acalmaram. Mesmo assim, na veneração à Santa ainda lembram rivalidades antigas:

Rainha Santa Isabel,
Tendes uma capela nova,
Foi o povo de Tinalhas
P’ra fazer ver aos da Póva.


M. L. Ferreira

sábado, 9 de abril de 2011

Borboleta


Hoje, passei, no Sobral, e fui comprar queijos, ao Veríssimo.
Encontrei esta borboleta pendurada nas fitas da porta da queijeira. No chão, estava outra, do mesmo tamanho. Nunca vira borboletas tão grandes!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Hipólito Raposo 3

Aconselhamos a leitura do trabalho anterior, pois o que se segue vem na sequência daquele.

José Hipólito Vaz Raposo era filho de João Hipólito Vaz Raposo e de Maria Adelaide Gama, um casal de pequenos/médios agricultores, que já formara um filho padre, o Pe. Domingos Raposo, 12 anos mais velho que o José.
Terá sido pelos fracos recursos económicos que o José não frequentou uma escola que o preparasse para o ingresso num curso universitário. Em boa hora, pois os seus mestres particulares tão bem o prepararam que foi o primeiro na candidatura ao Curso Teológico, em 1903, no Seminário da Guarda.
Foram vários e sábios, os seus professores: o irmão Pe. Domingos Raposo, o tio Francisco, professor nos Escalos de Baixo, e um Pad´Zé.
Quem seria este? Não poderia ser o famoso Pad´Zé, de alcunha, grande boémico e militante republicano, natural de Aldeia de Joanes. Não foi este Pad´Zé, pois não chegara a padre e, por esses anos, andaria por Coimbra ou no seu exílio de São Tomé, a amadurecer o Reino para a Revolução Republicana de 1910.
O Pad´Zé referido por Pinharanda Gomes, possivelmente com base em informação da filha de Hipólito Raposo, só poderia ser o Pe. José Antunes David dos Reis, natural do Sobral do Campo e professor do Ensino Primário Complementar, em S. Vicente da Beira, nos últimos anos do século XIX e durante as primeiras décadas do século XX.
Era este padre de grande competência intelectual. Em 1890, integrou o júri dos exames de habilitação para o Magistério Primário Complementar, em Castelo Branco. Considerando que Hipólito Raposo realizou as provas de admissão ao Seminário da Guarda, no ano de 1902, podemos concluir que teve como mestre o Pe. David dos Reis, primeiro na Escola Primária Complementar e depois como professor particular.

Segue-se um trecho do terceiro capítulo da obra “Hipólito Raposo seminarista na Guarda (1902-1904)”, de Pinharanda Gomes:


A contenda com um professor

O caso Hipólito Raposo começou ainda no tempo do bispo D. Tomaz, quando o futuro autor integralista fez o exame de ingresso no Seminário. Ao chegar à Guarda, já o novo bispo, D. Manuel Vieira de Matos, teve de se confrontar com o ambiente gerado em torno de Hipólito Raposo. Nos exames de admissão, em Junho de 1902, o candidato a teólogo tivera uma disputa filológica com um dos professores, disputa essa da qual saíra vencedor, porque o professor se mostrara incapaz de redarguir. O episódio criou desde logo, em torno de Hipólito, uma aura em que despeito, admiração e temor se aliaram. Os alunos não admiravam tanto o saber do candidato como estavam perplexos face à coragem que ele mostrara em desafiar o respeito da disciplina, contestando, contra todas as normas e contra os hábitos comuns, a autoridade do professor.
Felizmente, Nuno de Montemór deixou-nos um testemunho deste episódio e das respectivas sequelas. (…)
«Quando Hipólito Raposo entrou no Seminário da Guarda a frequentar Teologia, estava eu no último ano do curso, mas conhecia-o já de há mais tempo por um facto de sensação.
Vira-lhe um dia o busto agigantado emergir da chusma negra de estudantes alvoroçados que a distância o rodeavam mudamente. Por todo o claustro, dezenas de mãos apontavam-no espavoridas, algumas lívidas de comoção, outras retraídas de inveja mal velada.
“Foi aquele! … Aquele alto! …”
E os dedos assestavam-se sobre ele, transidos de mistério.
Ao debandar das batinas, que foram reboar o eco do escândalo pelo silêncio dos corredores, avizinhei-me da sua figura tranquila, quase regozijada.
O caso fora realmente pavoroso, estupendo: o rapaz, sem ser chamado, levantara-se, pedindo licença, a impugnar uma afirmação do professor, e tão vitoriosamente erguera a discordância, que o mestre ficara vencido, de cabeça pendente na aresta da cátedra, como uma planta murcha torcida no bordo de um jarro exótico, sagrado …
Tinha ele então dezoito anos.
Ao voltar em Outubro seguinte ninguém esquecera o atentado irreverente.»
Prossegue Nuno de Montemór:
«Nos corredores discutia-se-lhe a idade, contavam-se-lhe as distinções, espiava-se-lhe o estudo, indagava-se-lhe da riqueza, e como transpirassem as suas tendências linguísticas, visto ele ter sido aluno externo, perguntava-se quem fora o seu mestre de latim… E assim se tornou uma figura discutida, agravando diariamente, por novas palavras, a nota de rebeldia.»
Tudo isto se passou em Junho (contestação de um professor em matéria filológica) e em Outubro de 1902 (o episódio narrado por Nuno de Montemór, em que Hipólito se tornou o alvo de todas as atenções). À primeira vista, e para os efeitos da tranquilidade disciplinar, esta situação não era benéfica para Hipólito. Ele fora causa de múltiplas ninharias, que, no contexto disciplinar, eram assumidas como factores de gravidade: professor desautorizado, sentido de necessária solidariedade do corpo docente, aluno tornado centro motivador dos condiscípulos, sujeito a risco de orgulho e vaidade; enfim, aluno fomentador de um clima de curiosidade e, sem querer, de intriga. (…)
Os três primeiros meses do ano lectivo de 1902-1903 foram, assim, de alguma perplexidade na comunidade seminarística. O mais certo era, havendo pretexto, Hipólito Raposo ser convidado a sair.
(...)




Hipólito Raposo concluiu o primeiro ano, em Junho de 1903, com distinção. Os seus mestres particulares haviam-no preparado bem, intelectualmente, mas não lhe tinham moldado o carácter, demasiado livre para se integrar numa instituição religiosa, naquela época.
Regressou a S. Vicente da Beira, tranquilo, mas dias depois o Padre Santiago(João Fernandes Santiago), pároco da vila, recebeu uma carta do bispo da Guarda, em que lhe era comunicado que Hipólito Raposo não seria readmitido no Seminário. O motivo era a falta de vocação. Mas havia que denegrir tão distinto aluno e, para isso, o Pe. Santiago fez constar, meses depois, que o bispo tinha um maço de cartas que Hipólito Raposo escrevera a uma senhora.
Hipólito Raposo indignou-se, contestou a expulsão e os motivos invocados, em várias cartas endereçadas ao bispo e aos seus ex-colegas seminaristas, publicadas, pelo autor, em “Folhas do meu cadastro”. Ninguém apresentou provas da existência das pretensas cartas que Hipólito Raposo endereçara a uma senhora.
Depois esteve no Real Colégio das Missões, em Cernache do Bonjardim, como aluno não matriculado, levado pela mão do Pe. António José Boavida, natural de Alpedrinha. Ingressou, de seguida, no Liceu de Castelo Branco, onde, em 1905, frequentava a quinta classe. Depois rumou para a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

sexta-feira, 5 de março de 2010

A fortaleza de Almeida

No princípio, eram os castelos, de madeira ou pedra, sempre altaneiros, a impedir a entrada dos inimigos.
Venciam-se pelo fogo, catapultando para dentro bolas de lume ou ateando as portas. Também pela doença, através do lançamento, para o interior, de cadáveres de vítimas da peste, designação genérica de doenças contagiosas de morte certa. Foi o início da guerra biológica. Por vezes, simplesmente, esperava-se. A fome e a sede levariam os sitiados à rendição. Habitualmente, tomava-se o castelo transpondo as muralhas, com engenhos e escadas.


O castelo do Sabugal: pátio interior, com a torre de menagem ao fundo.

Mas as técnicas militares começaram a mudar. Em 1453, os turcos tomaram Constantinopla (actual Istambul), usando canhões que “vomitavam fogo”, não os trons usados em Aljubarrota (1385), que apenas lançavam pedras esféricas.
Esta nova arma tornou os castelos medievais obsoletos, incapazes de resistir ao fogo cerrado do inimigo. Dois ou três disparos bastavam para abrir uma brecha na muralha e permitir a entrada e a conquista. Ficaram para alimentar o nosso imaginário romântico, de príncipes e princesas.
As fortificações tiveram de se adaptar à nova arma. A primeira, em Portugal, foi a parte inferior da Torre de Belém, de influência italiana. Mas seria a necessidade de defesa face a Espanha, após a Restauração de 1640, que obrigou Portugal a construir uma ampla rede de fortalezas modernas, nas fronteiras terrestres e marítimas.
Em vez das muralhas altas dos castelos, fizeram-se muros grossos e baixos, quase a nível do chão, intervalados por fossos fundos e largos, com canhões apontados para o exterior, em todas as direcções. No subsolo, escavaram-se abrigos, as casamatas.
Assim nasceu a fortaleza de Almeida. O velho castelo lá continuou, mas apenas a servir de paiol da pólvora. Uma estrela de pedra passou a circundar a sentinela da Beira, guardando uma das duas entradas naturais de Espanha em Portugal, com percurso favorável até Lisboa.


Mapa de Portugal, com as duas estradas de ligação de Espanha a Lisboa, seguindo o percursos mais acessíveis: relevo pouco montanhoso e sem linhas de água intransponíveis.
Na entrada por Ciudad Rodrigo-Almeida, o rio Mondego era atravessado na ponte de Coimbra; na entrada Badajoz-Elvas, passava-se o Tejo de barco, junto à foz.
Neste mapa, as fortalezas referidas estão assinaladas com estrelas.




A praça-forte de Almeida: esquema e fotografia aérea.

Almeida merece a nossa visita, pois um dos concelhos que a fornecia de soldados era o de S. Vicente da Beira. Nos séculos XVII, XVIII e XIX, era principalmente para o Regimento de Cavalaria de Almeida que os oficiais das Ordenanças enviavam os nossos soldados, embora também houvesse vicentinos na fortaleza de Elvas, que guardava a outra entrada natural.
Na “Matrícula dos Moradores” de 1779, temos o registo de homens do concelho que pertenciam à força armada do Reino, o exército de primeira linha: Manoel da Gama do Freixial, marido de Izabel Pires, era soldado da praça de Almeida; Joaõ Antunes do Sobral, casado com Maria Agostinha, servia na praça de Elvas.
Indo a Almeida, visitar também Sortelha, para fazer o contraponto com um castelo medieval. Ali bem perto, o Sabugal oferece-nos uma torre de menagem majestosa, restaurantes ou uma praia fluvial para picnicar. No regresso, temos a Sé da Guarda, ampla nave de pedra que nos espera na frieza granítica dos seus muros e pináculos góticos.


O castelo de Sortelha: torre de menagem.


Almeida, "Casa da Amélinha": uma ginjinha de estalo!

domingo, 15 de novembro de 2009

As Chuvadas de Novembro

Não participei no passeio pedestre pela encosta da Gardunha, organizado pelos nossos Bombeiros. A noite foi chuvosa e o clima matinal estava instável. Fiquei-me por Castelo Branco.
Mas um bom grupo de gente corajosa meteu pés ao caminho. Arriscaram e petiscaram. O mundo é dos afoitos, como diz o povo. Fica para a próxima.


As chuvas de Novembro são incertas. Tanto se podem ausentar durante anos, fazendo o Verão de S. Martinho, como chegar de mansinho ou caírem torrenciais e arrasarem tudo.
As deste ano são mansas (estão a ficar bravas, no centro e norte do país), mas as chuvadas mais violentas costumam cair neste período de transição entre o fim do tempo quente e a chegada do frio invernal.
A memória dos homens dá-nos alguns testemunhos de temporais de Outono.
A referência constante a Alcains deve-se ao facto de se situar num vale, nas margens da ribeira da Líria. Em S. Vicente da Beira, as ocorrências terão sido muito semelhantes às das outras povoações da região.

Novembro de 1807
O Exército Francês atravessou a França em direcção a Portugal, sempre debaixo de uma chuva impiedosa. Os soldados franceses chegaram a Castelo Branco, no anoitecer do dia 20, exaustos, encharcados e famintos.
Na noite de 21, havia 16 mil homens em Castelo Branco e arredores. Acenderam uma fogueira na igreja do castelo, para secarem a roupa e se aquecerem. O templo acabou por pegar fogo. Pelos campos, onde pernoitaram milhares de soldados, cortaram-se as oliveiras para alimentar fogueiras.
A passagem para Lisboa era difícil, neste tempo de poucas pontes e frágeis barcas. Choveu torrencialmente durante semanas e os rios e ribeiras iam de enxurrada. Muitos soldados morreram na travessia e outros andavam às voltas, na esperança de passagens mais favoráveis.
No dia 1 de Dezembro, Castelo Branco, uma cidade de cerca de 1000 habitantes, tinha alojados cerca de 6000 franceses. Todos os dias chegavam novos regimentos, mas a chuva não lhes permitia a partida. As cavalarias não tinham como atravessar rios e ribeiras.

Novembro de 1852
As ribeiros de Alcains galgaram os seus leitos, como não havia memória. A água subiu aos 4 metros, na parte baixa da povoação.
A ribeira da Ocreza subiu 12 palmos acima da maior elevação conhecida até à data. A torrente levou todos os moinhos e pontes. Houve mortos e desaparecidos.

Novembro de 1908
No dia 8, caiu uma tromba de água sobre Alcains. A água submergiu a parte baixa da povoação e muitas pessoas foram salvas pelos telhados, por pontes que se fizeram com as escadas de colher a azeitona.
A ribeira da Líria tomou tamanho caudal que destruiu a ponte da estrada para o Salgueiro.
A linha do caminho de ferro ficou interrompida próximo da estação de Alcains.
Não escapou nenhum dos moinhos da ribeira da Ocreza.
Nas Benquerenças, o temporal levou um moleiro, apanhado desprevenido no seu moinho.

Novembro de 1937
Pelos meados do mês, caiu uma tromba de água, sobre a parte este da Gardunha, levando a destruição às gentes das duas vertentes da serra. A maior descarga foi sobre o Sobral do Campo e depois Louriçal do Campo, Soalheira, Alpedrinha, Donas, Capinha…
Parte da população de Alcains esteve em sério risco. A água levou uma ponte da Ocreza e três da Líria. Desaparecerem moinhos e azenhas.
A Câmara de Castelo Branco teve de conceder subsídios para reparação dos caminhos nos Escalos de Baixo, Sobral do Campo e Louriçal do Campo.
O melhor testemunho deste temporal é uma carta de Armando Prata Lizardo, morador no Louriçal do Campo, publicada no jornal “A Beira Baixa”, de 27 de Novembro. Transcrevem-se alguns excertos.

«…foram arrastadas pela torrente impetuosa as azenhas, algumas delas pela base, ficando sem recursos algumas pobres famílias (…). Prédios rústicos, que ladeavam a ribeira, ficaram sem a camada de cultura, que as águas arrastaram, deixando a descoberto a rocha. Outros ficaram cobertos de uma espessa camada de areia, tornando impossível a cultura durante muito tempo (…).
A ponte de comunicação com a povoação da Torre ficou quasi por completo destruída (…), No mesmo estado ficou a ponte que faz a ligação de Louriçal com S. Vicente da Beira.
(…) Estragos iguais se deram na freguesia de S. Vicente da Beira, onde muita e pobre gente ficou reduzida a uma situação aflitiva.»


Em S. Vicente, os potes grandes do lagar que foi de José Mesquita, recentemente falecido, foram arrastados ribeira abaixo e ficaram presos nos amieiros junto à ponte do Ramalhoso, no Sobral, segundo me contou o centenário Tio Joaquim Teodoro.
A minha mãe, Maria da Luz Prata, nascida em 1927, lembra-se bem de as pessoas andarem a acarretar terra em cestos, para refazerem os terrenos agrícolas das margens da ribeira.