Peço desculpa pela sobriedade deste
texto, o qual, penso que até toca as raias da aridez. Mas esta coisa das leis é
assim mesmo! Achei, todavia, muito interessante trazê-lo aqui pela importância
que poderá (ou poderia) ter a sua aplicação, em casos concretos, na Vila e sua
freguesia; quer pelos imigrantes estrangeiros que aqui têm chegado, quer
mais pelos nossos jovens que têm que
decidir o seu futuro. Mas vamos ao diploma legal que aqui está em causa. No
fim, do texto logo vos direi a minha opinião.
Pelo Decreto-Lei n.º 64/2018 de 7 de
agosto, foi criado em Portugal o Estatuto da Agricultura Familiar, cujo objeto
visa, nos termos do seu artigo 2.º:
"a) Reconhecer e distinguir a
especificidade da Agricultura Familiar nas suas diversas dimensões: económica,
territorial, social e ambiental;
b) Promover políticas públicas adequadas
para este extrato socioprofissional;
c) Promover e valorizar a produção local
e melhorar os respetivos circuitos de comercialização;
d) Promover uma agricultura sustentável,
incentivando a melhoria dos sistemas e métodos de produção;
e) Contribuir para contrariar a
desertificação dos territórios do interior;
f) Conferir à Agricultura Familiar um
valor estratégico, a ter em conta, designadamente nas prioridades das políticas
agrícolas nacional e europeia;
g) Promover maior equidade na concessão
de incentivos e condições de produção às explorações agrícolas
familiares."
Quer dizer, é a própria lei que consagra
aquilo a que, nesta análise, se podem considerar os pontos fortes. Não sou eu
que o faço! Além dos constantes das
normas acabadas de referir, há vários outros (ver diploma)!
Muita gente, a começar pelos nossos pais,
pensou, ao longo dos tempos, que não valia a pena produzir mais que aquilo de
que necessitava para si, para a sua família e para os animais. Era a economia
familiar de subsistência. As pessoas viviam daquela maneira, em que quase nada
se estragava. Mas essa forma de viver era básica. Dizemos que era feliz! Pois
sim! Mas penso que essa felicidade se refere mais aos tempos de criança e aos
bons momentos. Isso sim! O resto não deixou saudades.
Para dar um exemplo quase da idade da
pedra, posso testemunhar que quando tinha uma dor de dentes, como não havia
dentistas, o meu pai dizia-me para pôr uma areia de sal no dente que o bicho
assim sossegava! Perante isto, acho que não é preciso dizer mais nada! E eu
ainda era daqueles que sempre tive sapatos e roupa e comida. Escuso de dizer
algumas coisas que via nas famílias numerosas que, aos olhos da malta de hoje,
parecerão barbaridades! Por isso, fico
por aqui.
Mercê da alteração da legislação a nível
sanitário, as pessoas já não podem criar livremente e abater animais de maior
porte para alimentação. Embora isso também não seja necessário dado o acesso
generalizado à alimentação. Aliás, relativamente às nossas comidas, o que hoje
se verifica é uma seleção em que têm que se ter tomados em consideração
critérios de escolha para uma boa saúde. Quem diria!
A grande inovação que este decreto-lei
parece trazer é, para quem o lê, a possibilidade de o agente investidor poder,
não só sobreviver com seu trabalho, mas escoar os seus excedentes para o
mercado, através de canais determinados, coisa que antes não acontecia, pelo
menos como agora foi legislado. E, com isso, compor os seus rendimentos diretos
(em espécie) com outros (em moeda), por forma a viver com maior dignidade que
noutros tempos. Dantes, embora já
houvesse essa possibilidade, ela apenas funcionava para certas quantidades e
seria só reservada ao azeite e pouco mais.
Na hipótese do regime do presente
decreto-lei entram todos os produtos e para qualquer quantidade! É, pelo menos,
o que lá diz!
Mas o texto legal continua com muitas
outras coisas; desde benefícios fiscais, até às linhas de crédito, etc, etc.
Só que agora vem o pior. E o pior também
está na lei. Senão vejamos e depois façamos algumas interrogações:
Artigo 6.º
Direitos da Agricultura Familiar
"1 — A atribuição do título de
reconhecimento do Estatuto permite o acesso:
...
e) Aos mercados e aos consumidores,
concretizado através do apoio à criação e reativação de mercados de proximidade
e de circuitos curtos de comercialização;
f) A um regime específico de contratação
pública para fornecimento de proximidade de bens agroalimentares (escolas,
hospitais, Instituições Particulares de Solidariedade Social e Forças Armadas);
Ora, é exatamente aqui que começam as
dificuldades. Alguém me sabe dizer o que já foi feito para a "criação e
reativação de mercados de proximidade e de circuitos curtos de
comercialização"?
ou,
Se foi criado "um regime específico
de contratação pública para fornecimento de proximidade de bens agroalimentares
(escolas, hospitais, Instituições Particulares de Solidariedade Social e Forças
Armadas"?
No primeiro caso, claro que não! No
segundo, pode ter sido criado um regime específico de contratação, mas de nada
serve!
Para ilustrar, dou apenas um exemplo:
Alguém acredita, por exemplo, que a Santa
Casa da Misericórdia da Vila vai contratar o fornecimento da fruta,
aproveitando os excedentes dos agricultores de São Vicente da Beira? Com
certeza que não! E não há aqui nada mal! Apenas, não existe obrigatoriedade
legal de contratação, nem de um lado nem do outro. Por isso, se houver alguns
agricultores que têm excedentes vendem-nos, por norma, aos intermediários que
têm os seus armazéns na A23 e estes é que os comercializam com os seus lucros!
São estes que dispõem de quantidades suficientes para fornecer as instituições.
Esses agricultores são, normalmente, os que já têm certas quantidades, porque
têm pomares com essa finalidade. E os armazenistas não querem os pequenos
excedentes. Por isso, tudo fica na mesma!
Estes são os pontos fracos desta análise.
Não é preciso eu invocá-los porque eles também estão todos na lei ou, melhor,
na impossibilidade de esta ser concretizada.
É mais um daqueles normativos legais que
parece muito bom, mas que, salvo raras exceções, vem apenas carregado de boas
intenções. No entanto, se, na verdade, fosse aplicável à generalidade das
famílias que pudessem fazer da agricultura a sua vida, então era mesmo capaz de
ser revolucionário para a nossa região! Mas, infelizmente, parece que não!
José Barroso