domingo, 28 de janeiro de 2018

Gente nossa

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Edmundo Pedro faleceu ontem e vai hoje a sepultar. Estava casado com Maria de Lurdes Ricardo, filha dos sanvicentinos Amélia de Jesus (Teodoro) e João Ricardo (este combatente da Grande Guerra).

Ler esta pequena resenha da sua vida, tirada de:
https://www.dn.pt/portugal/interior/edmundo-pedro-morreu-tive-uma-vida-fantastica-9079455.html (com cortes)

Antifascista, foi preso pela primeira vez aos 15 anos e estreou o campo do Tarrafal.
Começou a trabalhar aos 12 anos numa oficina de serralharia e aos 13 já estava no Arsenal da Marinha, onde conheceu dois "vultos" do movimento operário, que o levaram nesse ano para a Juventude Comunista Portuguesa. Com 15 anos foi detido no dia 17 de janeiro de 1934 pela primeira vez, quando da preparação de uma greve geral, em abril de 1935, depois de libertado, foi eleito para a direção da JCP com Álvaro Cunhal, e aos 17 anos acabou preso uma segunda vez em fevereiro de 1936 - e em outubro desse ano foi estrear (com o seu pai, Gabriel) "o tristemente célebre" campo de concentração do Tarrafal, prisão em Cabo Verde para presos políticos da ditadura de Salazar.
Poucos, como Edmundo Pedro (nascido no Samouco, Alcochete, em 8 de novembro de 1918), podem apresentar um parágrafo biográfico da sua adolescência tão intenso como este. Antifascista, afastou-se do PCP e juntou-se ao PS no ano em que este partido foi fundado - em 1973. Depois do 25 de Abril foi deputado socialista, presidente da RTP e um contador da sua história. Morreu ontem em Lisboa, aos 99 anos, revelou fonte do partido.
A vida de Edmundo Pedro é de espanto. Esteve dez anos no Tarrafal e, com o seu pai, foi o preso que mais tempo esteve na "frigideira". "Eu bati o recorde da frigideira porque tentei fugir. O castigo era 70 dias. Eu e o meu pai estivemos 70 dias. Não se pode imaginar o que era aquilo. A temperatura lá dentro chegava a atingir quase 50 graus. À noite havia uma condensação e a humidade escorria pelas paredes e nós lambíamos aquilo. Tiraram-nos a água. Não se faz ideia do que era aquele sofrimento", recordou na referida entrevista.
Não se armava em herói sobre esses dez anos preso sem culpa formada e sem ser julgado (cortesia da ditadura). "Tive momentos em que me fui abaixo." Não foi isso, no entanto, que o fez baixar os braços quando voltou a Portugal. "Regressei a Lisboa para ser, de novo, julgado no Tribunal Militar Especial", contou ele sobre o seu "percurso existencial", uma nota autobiográfica escrita para o blogue Caminhos da Memória.
Depois da Segunda Guerra Mundial e até à Revolução de 1974, Edmundo Pedro conspirou "sempre contra a ditadura". Esteve na campanha presidencial de Humberto Delgado, em 1958, num movimento insurrecional "que pusesse fim à ditadura", primeiro no 12 de março de 1959 (onde escapou à polícia) e no "golpe de Beja", em 1 de janeiro de 1962.
Uma vez mais acabou detido, em Tavira, para onde tinha fugido depois do falhanço deste movimento. Só foi libertado em 1965, com os seus "direitos políticos" inibidos por 15 anos. O 25 de Abril chegaria antes.
Edmundo Pedro tinha cortado com o PCP quando do tempo de prisão no Tarrafal. Em setembro de 1973 cruzou-se com Mário Soares e aderiu ao PS, que tinha sido fundado em abril desse ano em Bad Munstereifel, na Alemanha.
Já na democracia, ainda passou pela prisão, em 1978, depois de terem sido encontradas 150 armas num armazém de uma empresa sua em Setúbal. Essas armas, revelou no terceiro volume das suas memórias, em novembro de 2012, foram-lhe entregues por ordens diretas de Ramalho Eanes, na noite do 25 de novembro. "O Eanes, aqui nesta mesa (aponta para uma mesa na sala de sua casa), pediu o apoio do PS para a resistência e comprometeu-se a entregar 150 armas ao PS para que colaborasse com eles", contou ao i. Nunca foram usadas e Edmundo Pedro não revelou porque as tinha. "Bastava ter dito que Eanes as tinha dado", mas achou que "não o devia fazer" por ser ele então o presidente da República.

"Tive uma vida fantástica", sintetizava ao i em 2017. Teve mesmo.

José Teodoro Prata

4 comentários:

Anônimo disse...

Vi ontem a notícia na televisão. Na verdade, não é preciso ler muito. Bastam umas linhas como as que acabei de ler aqui, para perceber, imediatamente, a vida fantástica deste homem. Mas é preciso imaginar o que era o país antes do 25 de abril para perceber melhor o perigo que representava a atitude de defender valores democráticos! Era precisa coragem! Tomar posições políticas como as que ele tomou, era destruir a vida. Tinha a faceta aventureira, mas pagava-se caro!
Nunca soube muito bem a sua ligação à minha família (à minha avó Hermínia do Casal da Fraga) e, por via isso, a S. Vicente da Beira. Quem sabe é o meu primo Adelino Costa. Talvez ele saiba deste post e a queira aqui comentar. Se não for ele, outra pessoa que tenha essa informação.
Abraços.
ZB

M. L. Ferreira disse...

Para quem queira saber um pouco mais da vida de Edmundo Pedro, há uma reportagem muito completa, de Catarina Gomes, no Público de 2 de julho de 2017 (está na internet). Para além do seu percurso político, fala também do papel importante da esposa, Maria de Lurdes Pedro, na sua vida. Para além disso, dá também uma ideia, que pode estar um pouco distorcida, do funcionamento da PIDE no tempo da ditadura. A Reportagem chama-se "O pide que liga pelo Natal ao primeiro homem que viu torturar". Este Natal já não vai ligar...

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

José Barroso:
A Amélia de Jesus, mãe da esposa de Edmundo Pedro, era irmã da tua avó materna Hermínia) e do meu avô paterno (Francisco).

Anônimo disse...

Cruzei-me com Edmundo Pedro na leitura dos papéis sobre a Confederação Geral do Trabalho. Especialmente na Biblioteca Nacional, no chamado Arquivo Histórico Social (AHS), onde se reúne (graças ao labor, principalmente, de Emídio Santana) documentação original sobre o movimento operário português no século XX (pessoas, sindicatos, a própria Confederação):correspondência institucional e pessoal, comunicados, impressos, fotografias e outros. Depois, também no estudo da greve nacional de 18 de Janeiro de 1934, que ditou a proibição dos sindicatos livres e a imposição dos sindicatos nacionais, uma das traves do Estado Novo.
Deixando de lado a evocação do homem (que aqui se fez) gostaria de deixar uma nota sobre o que pessoas como ele passaram (há uma série de coisas publicadas, memórias pessoais e testemunhos vários) e sobre o ânimo destas pessoas em circunstâncias pessoais e familiares terríveis e sem fim à vista. E muito particularmente os deportados (a deportação "por motivos sociais" foi prática corrente durante a República e no Estado Novo). A correspondência dos deportados(muita no AHS), antes da partida, na viagem, no destino, é uma lição de vida, uma marca na vida de quem lê.
JMT