quinta-feira, 23 de junho de 2022

A marcela do São João


Marcela no Ribeiro de Dom Bento, caminho para a Senhora da Orada.
Os participantes na caminha do dia 10 de junho passaram por ela, numa altura em que ainda estava na sua máxima floração. Neste momento as flores já secaram

Esta é a popular marcela ou macela, tão usada nas fogueiras de São João, a par com o rosmaninho, duas plantas fortemente aromáticas que inundavam as nossas ruas com os seus cheirinhos.

As informações que encontrei na net, todas brasileiras, não se referem especificamente à nossa marcela, pois descobri que há uma enorme variedade de plantas com esse nome popular, por exemplo as camomilas.

Por isso vou seguir um livro em papel (Pour un jardin sans arrosage, de Olivier Filippi), que tem fotos da planta coincidentes com o aspeto da nossa marcela. Embora nem isso seja totalmente pacífico, pois o livro refere várias marcelas, a Helichrysum italicum (Imortal de Itália) e a Helichrysum orientale (Imortal do Oriente), esta das ilhas gregas e a primeira de toda a bacia mediterrânica. Existe ainda a stoechas, originária da Península Ibérica e da França mediterrânica e atlântica.

As três têm caraterísticas muito parecidas. Mas a italicum floresce em junho, enquanto a orientale desabrocha em junho-julho. Por outro lado, a italicum tem flores de amarelo de ouro, que libertam um odor a caril e a mel, enquanto na orientale as flores são de um amarelo pálido com reflexos prateados e odor apenas a caril. O livro nada adianta sobre as flores da stoechas, mas, pela origem geográfica, pode ser esta a nossa marcela, embora a hipótese da italicum não seja de excluir.

A net informa-me que as marcelas têm efeitos analgésicos, calmantes, anti-inflamatórios e antisséticos, que ajudam a amenizar os sintomas de ansiedade, stress e insónia.

Há que tempos que não as cheiro na noite de São João, mas temo-las abundantemente no seu habitat, por esses campos fora.

Deixo-vos com uma canção de Monsanto, cantada ao som de adufes, cujo tema é a marcela. Vem na Etonografia da Beira, II Volume, de Jaime Lopes Dias.

E ouçam-na aqui: https://www.youtube.com/watch?v=U15ruBo-DRc

José Teodoro Prata

3 comentários:

José Barroso disse...

Do que o ZT se havia de lembrar! Neste dia, em 1963, 11 anos, andava eu, na rua, a preparar a fogueira com rosmano e marcela. Fiz uma quadra para a música de S. João:
"S. Vicente da Beira, Baixa,
Vinte e quatro de junho de
Mil novecentos e sessenta e três;
Deus queira que d' hoje a um ano,
Cá estejamos outra vez!"
Chega o meu primo Chico Santos (Alfaiate) ao pé de mim e diz-me: "Mas isso para o ano já não rima!"
Pois... por isso, é que nunca mais fiz nenhuma quadra ao S. João!
Mas também nunca soube qual era o S. João que estava em causa. Se o Batista, se o de Malta, se o Evangelista, se o de Brito. E ainda há mais! Bastava ir a um calendário (com a indicação litúrgica) ou à net... Penso que é o Batista, mas tenho ideia que numa das quadras se falava em "Malta". O caso é que ainda hoje não sei...
Creio que o S. João é mais celebrado que os outros dois (S. Pedro e Santo António). São velhos tempos em que, na Vila, havia fogueiras de Cimo ao Fundo! Íamos saltá-las por todas as ruas! Havia umas bombas e umas bichas que se compravam e lançavam livremente nas ruas que, embora fossem fracas, podiam queimar. Nunca percebi como é que o Salazar dava essa liberdade! Ou talvez se compreenda...Enquanto andavam entretidos...
Abraços, hã!
JB

M. L. Ferreira disse...

Eu hei de ir colher marcela
Da marcela marcelinha, o - ai,
Lá nos campos verdes campos
Daquela mais miudinha, ó - ai.

Daquela mais miudinha
Daquela mais amarela, ó - ai,
Lá nos campos verdes campos
Eu hei de ir colher marcela, ó – ai.

Segundo esta cantiga, que antigamente, tanto se ouvi por estes dias, a nossa marcela será a miudinha e de cor mais amarela, mas acho que temos cá mais de uma variedade, pelo menos quanto à intensidade da cor.
O que é admirável é a diversidade e quantidade de plantas que começam a nascer espontaneamente, ainda a primavera vem longe até quase ao verão. São também enormes as propriedades e utilidades de algumas (medicinais, cosméticas, tinturaria, etc.); é pena que muitos dos segredos que as nossas mães e avós guardavam e lhes terão aliviado tantas dores, tenham morrido com elas.


M. L. Ferreira disse...

Deliciosa, a quadra ao São João e a conversa entre os primos. Bem poderia ter saído do "Constantino, guardador de vacas e de sonhos" ou d'"O meu Pé de laranja Lima".
E, por culpa do Chico, quem sabe se não perdemos o sucessor do José Lourenço...