segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Fontes de mergulho


As fontes de mergulho têm origem muito antiga, provavelmente ainda no tempo dos Romanos, e depois dos Árabes. A sua construção e utilização foi retomada mais recentemente, nos últimos duzentos ou trezentos anos, e foram a principal fonte de abastecimento de água às populações urbanas e rurais.
São constituídas por um tanque de tamanho variável, coberto por uma cúpula. Eram construídas abaixo do nível do chão, e para retirar a água tinha que se mergulhar o cântaro dentro do tanque, por isso lhes davam aquele nome. A sua arquitetura variava de acordo com as posses de quem as mandava construir, e os materiais utilizados eram os que abundavam na região – o xisto ou o granito; algumas vezes uma mistura dos dois. Para além da estrutura da fonte, existia um poial para se pousarem os cântaros e, quase sempre, um banco em pedra para as pessoas poderem descansar enquanto esperavam a vez.
Por se considerar que eram uma ameaça para a saúde pública, porque muitas vezes serviam também de bebedouros dos animais, as fontes de mergulho foram substituídas por fontes de bica. Finalmente, já na última metade do século XX, quase todas as habitações foram dotadas de rede de água canalizada e devidamente tratada. Apesar disso, podem encontrar-se ainda fontes de mergulho um pouco por todo o pais; algumas muito simples, outras mais elaboradas, revestidas a azulejo ou com pinturas de frescos no seu interior. Algumas são autênticas obras de arte.
À semelhança de muitas outras regiões do país, na freguesia de São Vicente da Beira também podemos encontrar bastantes fontes de mergulho, algumas ainda bem preservadas, outras nem tanto, o que é pena porque constituem uma parte importante do nosso património. Embora muitas vezes estejam em propriedades privadas, eram de acesso público. Talvez por isso, algumas se chamem “Fonte do Povo”.

Fonte de Santiago (1878?), Partida

Chama-se assim porque se situa junto de uma vereda, no fundo da encosta que leva à capela de Santiago, na margem direita da ribeira.
Há ainda muitas pessoas que se lembram de lá ir todos os dias buscar a água que precisavam para os gastos de casa. A água era muito boa e fresca, por isso, no tempo em que não havia ainda frigoríficos, era também usada para manter frescos alguns alimentos e bebidas: «Quando era pequeno acarretei de lá muitos cântaros para encher os bidões onde o meu pai refrescava as cervejas e as gasosas que vendia na taberna. E a minha mãe também a usava para meter a panela da sopa, para não azedar.»
A fonte ainda tem alguma água, mesmo no verão, e disseram-me que ainda há quem lá vá buscá-la para beber. Como curiosidade, por cima da pedra que encima a abóbada, pode ver-se uma cruz esculpida no granito.

Fonte das Hortas (1886?), Partida

Esta fonte situa-se mais perto da zona urbana da Partida, numa zona de hortas. Talvez por isso, seja este o nome por que é conhecida. Por ficar mais perto da povoação, foi muito usada noutros tempos, mas atualmente, como diz um vizinho, «…já está quase seca e a precisar de limpeza. Não serve senão para regar algum pé de couve
     

Fonte do Rabo de Coelho, Mourelo

«Não havia outra na terra e era lá que toda a gente ia buscar a água para beber. É tão boa, aquela água, que ainda hoje lá vai muita gente buscar garrafões para levar para fora, e quem lá passa não fica sem ir beber dela; até lá está uma malga de propósito. Por causa disso, ainda é limpa todos os anos, mas já não é como antigamente, que não se via ali uma erva.
Chamam-lhe a Fonte do Rabo de Coelho por causa duma lenda que se conta que diz que um dia, logo ao nascer do sol, um velhote passou por ali e viu um coelho, de rabo encarnado, a beber água da fonte. Quando acabou de beber fugiu para o mato e desapareceu. O homem achou aquilo muito estranho porque nunca por ali se vira um coelho com o rabo daquela cor. No dia a seguir passou por lá à mesma hora e tornou a ver o coelho a beber água no mesmo sítio. E o caso repetiu-se por mais alguns dias.
O velhote já andava a ficar intrigado, mas não contou nada a ninguém, com medo que se rissem dele. Mas o pessoal da terra começou a desconfiar que alguma coisa se passava, porque todos os dias o viam passar, de madrugada para os lados da fonte; logo ele que não tinha horta para ali, e tinha tanta dificuldade em andar ou fazer o que quer que fosse, todo apanhado pelo reumatismo. Quando lhe perguntavam o que é que ele ia lá fazer, respondia que ia beber água, mas ninguém acreditava.
Um dia, com medo que descobrissem o que se passava, resolveu apanhar o coelho com uma armadilha. Foi lá durante a noite armar o ferro e na manhã seguinte, quando chegou à fonte, estava o coelho morto, lá dentro. Tirou-o e levou-o para casa, bem escondido. Depois de o ter esfolado, meteu-o numa panela de ferro, a cozer. Esteve todo o dia ao lume, mas a carne cada vez estava mais rija. Já farto de esperar, deitou a carne aos cães, mas nem eles foram capaz de a comer. Alguma coisa de estranho se passava, e resolveu enterrar tudo. Pegou na pele e, mal lhe tocou, sentiu o braço e a mão a mexer como se não tivesse nada. Até a perna, que já arrastava com dificuldade, parecia como nova.
Ficou tão contente, que não se teve e contou o segredo ao povo inteiro. A partir dali, toda a gente que tivesse uma dor, passava com o pêlo do coelho por cima do sítio que lhe doía, e o mal abalava, como que por milagre. Chegou até a vir gente de fora para experimentar a pele milagrosa, e abalava curada.
A partir daí, aquela fonte passou a chamar-se Fonte do Rabo de Coelho; até hoje.»
Esta fonte fica numa zona de hortas, num caminho à direita da estrada que vai para o Tripeiro, logo à saída do Mourelo. De todas as que encontrei, é a que tem a água mais fresca e limpa.

Fonte do Cimo do Povo (1932?), Vale de Figueira
 

«Chamam-lhe assim porque era lá que, quem morava deste lado de cima do povo, íamos buscar a água; não havia outro sítio. Os de lá de baixo tinham uma fonte ao pé da ribeira, mas essa já se não pode lá ir, que foi comida pelas ervas e pelas silvas. Agora ninguém limpa nada, mas também já cá há pouco quem o faça.
Antigamente as famílias tinham muita gente e era preciso ir lá duas e três vezes para dar para as necessidades da casa: para fazer o comer e lavar a loiça, para a gente se lavar e para os vivos; só a roupa é que a íamos a lavar lá abaixo, à ribeira.
No inverno, quando nevava ou geava, era muito perigoso porque a gente escorregava, e era ver os cântaros a rebolar por essa rua abaixo. Vi muito cântaro em cacos, e eu também ainda parti alguns.
Agora já está quase seca, mas ainda a limpam todos os anos e há gente que ainda cá vem buscar água para beber, quando a há

Fonte do Povo (1943?), Violeiro

«Antigamente, quando era nova, não havia outra fonte onde a gente ir à água, de modo que toda a gente aqui vinha a ela. Quando vinham aqueles grandes sequeiros, a nascente não dava vazão a encher tanto cântaro, e às vezes a água acabava-se. Era preciso ficar à espera. Formavam-se aqui uns carreiros tão grandes de gente, que havia quem de cá saísse já para lá da meia-noite. Também havia quem tivesse poços, mas a água da fonte era melhor e toda a gente cá vinha a ela, que mais não fosse para beber. E para o gado, tiravam-na da fonte com caldeiros e deitavam-na nesta pia que ainda aqui está, quando não, também a bebiam da fonte e tudo.
Agora a água que vem das torneiras não é tão boa, mas é outro asseio; e a gente também já está velha para aqui vir a buscá-la, que também já cá há pouca, calha bem. Mas, mesmo assim, ainda há quem venha cá buscá-la para beber».
Esta fonte encontra-se ao fundo da rua da Fonte, que começa perto da capela. É de granito e xisto e tem uma placa com a data. Está limpa, mas já tem pouca água. Ainda se pode ver a pia que servia de bebedouro aos animais.

Fonte do Povo, Tripeiro

 
Esta fonte situa-se num desvio da estrada que vem do Mourelo, pouco antes de se chegar ao Tripeiro. Durante muito tempo foi quase a única fonte de abastecimento de água à população, mas, dizem os mais velhos, há muito tempo que ficou quase seca, e tiveram que fazer uma mina logo do lado de baixo do caminho. Vê-se que fizeram obras há pouco tempo, mas parece que não tiveram muito cuidado em preservar alguma coisa do que ainda existiria da antiga estrutura. Também não encontrei quem explicasse o facto de estar fechada.

Casal da Fraga

Esta fonte situa-se no ribeiro que passa pelo Casal Poisão e desagua na Ribeira, por baixo do “Casalito”. Era lá que muitas pessoas do Casal da Fraga iam buscar a água para uso de casa. Originalmente estava no local onde, há alguns anos, fizeram a ponte que vai do Casal para a Devesa. Com as obras, deslocaram-na um pouco para baixo. Infelizmente foi reconstruída sem grande rigor, não respeitando o que existia antes. Há pedras de granito, que fariam parte da fonte original, espalhadas ali por perto. Pode ser que ainda venha a ser reconstruída com a dignidade que merece, mesmo que fora do local de origem.

Fonte da Portela, São Vicente da Beira

Esta fonte poderá ser das mais antigas da freguesia. Encontra-se à saída de São Vicente, num local de passagem de pastores, ganhões, jornaleiros, comerciantes, etc. que se deslocavam a caminho de Castelo Branco ou outros locais mais a sul. Para além da fonte, destinada às pessoas, existia um tanque para onde escorriam as sobras, que servia de bebedouro para os animais. Ainda se pode ver, à direita. Atualmente, quer a fonte quer o tanque ficam completamente secos durante o verão.

Senhora da Orada, São Vicente da Beira


Esta fonte, reconstruída há pouco tempo, foi feita a partir do que terá sido uma antiga fonte de mergulho, soterrada há anos, durante as obras de alargamento do terreiro do Santuário da Senhora da Orada. Ainda há pessoas que se lembram dela e do efeito milagroso das suas águas.  Contam que muita gente lá curou o “cobrão” e outras doenças de pele, banhando-se nela.
Algumas das pedras de granito são originais, outras foram postas agora, durante as obras de restauro. O cano que serve de bica não existia antes, e terá sido colocado por razões de higiene e para facilitar a tomada da água.

Para além destas fontes, que são públicas e motivo de orgulho e muitas memórias (por ali nasceram muitos amores), há outras mais modestas, que são menos visíveis por se encontrarem em terrenos privados e de difícil acesso. Parece-me que será o caso destas, na Quinta do Infante, que se avistam do caminho que passa em frente da antiga casa da quinta, do lado direito da ribeira.


Haverá ainda muitas outras pequenas fontes de mergulho na freguesia. Algumas ainda à vista, outras escondidas por mato e silvas, e de acesso muito difícil (será o caso de uma que me disseram que existe perto da capela de Santiago, na Partida, onde os peregrinos que se dirigiam ao santuário matavam a sede). Algumas terão desaparecido por razões de vária ordem, principalmente pelas alterações que se fizeram nos terrenos onde se encontravam, por terem secado as nascentes ou terem deixado de ser utilizadas após o abastecimento domiciliário de água. Provavelmente já não vamos a tempo de as recuperar.

M. L. Ferreira

sábado, 28 de setembro de 2019

Pe. Soares


Foi assim que ele se apresentou em setembro de 1973(?), Pe. Soares!, sem entoação de pergunta, nem jeito de apresentação. Vinha a pé, mochila às costas, certamente da estação do comboio.
Nós preguiçavamos pela entrada do Seminário, encostados ao gradeamento que dava para a piscina.
- Aqui não há nenhum Pe. Soares! - informou-o o Chico Barroso.
- Eu sou o Pe. Soares. - esclareceu então e cumprimentou-nos.
Era um homem prático, sempre em ação, nunca parava. Dinamizou os escuteiros, a mim coube-me "apenas" o teatro, pois era prefeito dos mais novos e eu já pertencia aos grandes.
Sabia-o desde há anos na paróquia verbita de Almodôvar e de vez em quando pensava nele, imaginando-o de um lado para o outro, entre escuteiros e grupos de catequese, no intervalo das missas.
Afinal falecera já em Julho, dia 29. E já tinha 77 anos, não que fosse uma boa idade para partir, mas sempre o vi com 50 anos, pequeno e magrito, sempre enérgico.
Soube pelo Contacto svd, o nosso jornal. 
Um dia, num dos encontros do Tortosendo, comprei uma peça em cerâmica com um arranjo floral, da Bajouca, terra dele e de onde vinha anualmente uma numerosa comitiva a encontros religiosos e de amizade. Fico com esta lembrança.
O Pe. Soares foi sobretudo importante para os alunos mais novos que eu, a geração a seguir à minha. Vários foram os sanvicentinos que privaram com ele durante a sua passagem pelo Seminário do Tortosendo. Não sei se algum lê este blogue, mas aqui deixo a triste notícia.
Honra ao Pe. Soares da Bajouca!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

A genealogia do Albano Jerónimo



Jaime da Gama

Nota: O Jaime mandou-me esta preciosidade, mas tive de cortar a imagem, para se conseguir ler. A 1.ª imagem tem a parte do avô paterno e a 2.ª a parte da avó paterna. São os antepassadas do pai Albano Jerónimo, que casou em terra alheia e por isso não temos a parte materna.
Se alguém a quiser completa, peça-me ou ao Jaime. 
José Teodoro Prata

terça-feira, 24 de setembro de 2019

A Herdade do Albano Jerónimo


Vi "A Herdade". Eu nem gosto de novelas! Nunca gostei! A não ser uma ou outra baseada numa boa obra... Não posso, porém, deixar de dizer aqui que este Albano Jerónimo, o protagonista do filme, filho de Albano - com quem eu ainda privei algumas vezes quando era um jovem inconsciente, nomeadamente, à volta da fogueira de Natal em S. Vicente da Beira, a cantar e a beber um copo com outros inconscientes(!) - e neto de Albano (todos com o mesmo apelido), pensava eu, que não fosse, justamente, além de um ator de novelas; este Albano, dizia, está soberbo! A condizer com a boa interpretação de outros atores do filme e da qualidade do guião, que retrata, de forma muito rigorosa, um período recente da nossa história, com relevância para a teia das relações humanas naquele contexto. Do melhor que se fez em Portugal, creio eu! Daí, a grande repercussão internacional!
Apenas um reparo para o tema do incesto que, no fim, centraliza toda a substância do filme, mas que, a meu ver, podia ter um desfecho diferente; com efeito, o tema foi muito usado, praticamente nos mesmos termos (incestuosos que o ignoram), por exemplo, em mais que um romance do Eça. Mas isso não apaga a grande categoria deste filme! Bravo!

José Barroso

sábado, 21 de setembro de 2019

Museu de Arte Sacra


Publicámos esta fotografia em março de 2017, aquando das obras de adaptação da casa Hipólito Raposo a futuro Museu de Arte Sacra.
Paralelamente, também as obras de arte a expor no museu foram restauradas e tratadas.
Mas há mais de um ano tudo pareceu estagnar, para nosso desespero.  Felizmente, a equipa que tem trabalhado na sua instalação regressou ao terreno, na semana passada. 
Voltou a esperança!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


António de Matos


António de Matos nasceu no Casal da Serra, a 31 de setembro de 1894. Era filho de Fernando de Matos e Maria Bárbara.
Embarcou para França, integrado no 1.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, no dia 21 de Janeiro de 1917. Era o soldado n.º 609, com a placa de identidade n.º 9517.
O seu Boletim Individual do CEP refere o seguinte:
a)    Baixa à ambulância, em 24 de junho de 19717;
b)    Evacuado para o hospital n.º 26, em 2 de julho;
c)    Julgado incapaz para todo o serviço em sessão de 16 de julho; evacuado para o hospital de Brest, em 26 de agosto; alta em 4 de outubro;
d)    Baixa ao mesmo hospital, em 14 de outubro; alta em 16 de dezembro;
e)    Seguiu para Portugal em 18 de dezembro e desembarcou em Lisboa no dia 22.
Quando regressou a Portugal, António de Matos já viria doente com tuberculose ou terá adoecido passado pouco tempo, pois o seu boletim individual refere que deu entrada no Sanatório Militar de São Fiel, no dia 6 de junho de 1919. Terá permanecido internado durante pouco tempo, uma vez que a instituição foi encerrada em setembro de 1919.
Não foi possível saber qual foi o seu destino, mas é provável que tenha falecido talvez ainda em 1919, pois não há memória dele no Casal da Serra. O seu registo de batismo também não tem qualquer averbamento que possa dar conta de um possível casamento ou a data e local da sua morte.

Nota. O Sanatório Militar de São Fiel foi criado em 1918 para receber e tratar os militares que regressaram da Grande Guerra com tuberculose. Funcionou nas instalações do antigo Colégio dos Jesuítas, mas foi encerrado inesperadamente em setembro de 1919, por razões que nunca terão sido bem esclarecidas.  




Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

domingo, 15 de setembro de 2019

Do ângulo perfeito

Encontrei esta imagem na Agenda Cultural Julho-Setembro da Câmara de Castelo Branco. 
Este desenho e todos os outros, assim como as pinturas, realizados em ações pelas várias povoações do concelho, estão expostos no MUTEX (Museu dos Têxteis) do Cebolais-Retaxo.
É um desenho feliz de um dos recanto mais bonitos da nossa terra.

José Teodoro Prata