quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A nossa Praça: visita guiada

 

Não imaginam o que podemos descobrir em espaços que conhecemos desde a infância e por isso julgamos conhecer bem!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

As republicanas

 

Foi quase inglória, principalmente pelo muito tempo de ditadura e pobreza em que Portugal viveu, mas, porque a semente ficou lá, é à luta inicial destas mulheres republicanas (terão havido outras, sobretudo mulheres anónimas do povo) que devemos muitas das conquistas que alcançámos após o 25 de Abril:

Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911) – Viúva, mãe e pioneira do feminismo é a primeira mulher cirurgiã portuguesa. É também a primeira mulher a votar, devido a um lapso na lei: «todos os portugueses maiores de 21 anos, que saibam ler e escrever e sejam chefes de família». Depois das eleições de 1911 a lei é imediatamente corrigida para «todos os homens»;

Ana de Castro Osório (1877- 1935 – Editora, pedagoga, jornalista e pioneira da literatura infantil em Portugal, É autora do primeiro manifesto feminista, Às Mulheres Portuguesas. Funda a primeira organização sufragista e colabora com o Ministro da Justiça Afonso Costa para a aprovação da lei do divórcio, em 1910;

Adelaide Cabete (1867-1935) – Feminista, professora e médica obstetra, luta ativamente pelo direito à licença de maternidade e pela existência de uma política feminista que assegura uma maior proteção a crianças, jovens e mulheres;

Carolina Michaelis de Vasconcelos (1851-1925) – Intelectual luso-alemã, escritora e crítica literária, torna-se a primeira mulher a lecionar numa universidade portuguesa, a Universidade de Coimbra. É também uma das primeiras a entrar na Academia das Ciências. Defende o trabalho e a educação como fatores decisivos no processo de emancipação das mulheres;

Maria Veleda (1871-1975) – Professora e escritora para crianças, pertence ao núcleo das Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Ativista convicta na luta pela educação e proteção das crianças e pelos direitos das mulheres, é uma das mais importantes e revolucionárias dirigentes feministas.

(do livro “A Melhor Amiga da Menina República” – Isabel Zambujal e Bernardo P. Carvalho)

ML Ferreira

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

A Tia

 

Foi a segunda de cinco filhos; a única rapariga. Quando a mãe morreu foi ela que, aos 16 anos, tomou conta da casa e cuidou do pai e dos irmãos; o mais novo tinha cinco anos. Num tempo em que as dificuldades eram muitas, cuidou de todos como se fosse a mãe, e foi adiando a vida até já não precisarem dela.

Quando finalmente pôde sonhar uma família sua, já ia muito para lá dos trinta. A notícia do casamento não foi bem recebida, por o noivo ser viúvo e bastante mais velho, mas não fez caso. Teve os seus próprios filhos e ganhou muitos enteados, alguns mais velhos que ela, mas a quem queria como a novos irmãos. Continuou também a cuidar do pai, até ser velho, e do marido, pouco mais novo. Construiu uma casa onde havia sempre lugar para mais um e todos se sentiam bem. 

Para nós, os sobrinhos, foi sempre a Tia, simplesmente; nem precisávamos dizer-lhe o nome quando nos referíamos a ela, talvez porque não tínhamos mais nenhuma do lado paterno, mas principalmente porque não se confundia com nenhuma outra; quase uma avó, que nos mimava com o pouco que tinha e não nos distinguia dos próprios filhos, mesmo na proteção que nos dava. Às vezes falava muito alto, mas era o jeito dos Lérias, que vinha de longe. Sabíamos que o coração dela era maior que as palavras que lhe saíam da boca, um pouco atrapalhadas.

Desde que me lembro que gostava de ir a casa dela e participar dos rituais, quase festivos, em que transformava qualquer tarefa caseira, mesmo a mais simples. Às vezes íamos ajudá-la na limpeza da casa, feita a preceito, com ela sempre atenta para que nenhuma teia de aranha ficasse no teto, ou algum grãozinho de pó escondido no meio das fisgas entre as tábuas. A água para esfregar o chão tinha que andar sempre limpa, não fosse o soalho ficar encardido; havia muita na fonte de Santo António e na da Praça, logo ali. 

Quando acabávamos o trabalho, já sabíamos que a cafeteira de esmalte azul estava ao lume para fazer o chá. Sentávamo-nos no banco grande, que era o desnível entre o soalho da cozinha e a lareira, e deliciávamo-nos com as fatias de pão amassado em casa e cozido no forno da Mari Estela, com uma boa talhada de queijo fresco comprado no Zé Gomes ou da marmelada feita com os marmelos da Barroca. Havia dias em que apanhávamos grandes barrigadas de beringela ou botelha, que o tio Francisco, amorosamente, ia fritando ao lume. Às vezes também fazia arroz doce ou papas de carolo.  Ficávamos ceados.

Por alturas das Festas de Verão, a casa era revirada do avesso: os ferros e tábuas das camas desarmados e lavados com água a ferver, não andasse por lá algum percevejo escondido; a palha das enxergas mudada, e mantas e cobertores tudo lavado na ribeira; as telhas da cozinha passadas uma a uma com o esfrunhador; todas as paredes caiadas; só para arear tachos e panelas era preciso um dia inteiro, mas ao fim ficava tudo como novo, a brilhar na cantareira enfeitada com recortes de jornal.

Também era uma doceira afamada. Chamavam-na muitas vezes para fazer os bolos mais finos de casamentos, batizados e festas de gente rica. Em casa dela nunca se acabavam porque quando cozia o pão amassava sempre uma lata de bolos de leite, esquecidos ou borrachos. Pelas Festas de Verão fazia-os de toda a qualidade.

Algumas semanas antes começava a juntar os ovos das galinhas poedeiras que tinha sempre com fartura. Arrecadava-os dentro de um cesto no fundo mais fresco da loja, por baixo da casa. Com o moleiro era um desassossego enquanto não chegava com as talegas, e ficava doente se a farinha não vinha com a moagem que ela entendia. Dizia que os ovos e a farinha eram o mais importante para os bolos calharem bem.

Na semana das Festas não saía da loja durante três ou quatro dias, sempre a dar ordens e vigilante para que tudo se fizesse como é dado: partir os ovos um a um, não fosse algum estar podre; separar bem as claras das gemas e batê-las em castelo firme, quando era preciso; medir bem o açúcar e a farinha; dar as voltas todas à massa; untar as latas bem untadas. Nada lhe escapava, nem as rezas e benzeduras, logo ao princípio. No dia das cavacas e biscoitos ficava ainda mais gaga, e só ela é que mexia na massa. Até chorava, se ficavam com pé…

Os pães leves ficavam para último. Levavam muitos ovos e muito açúcar, e eram muito trabalhosos. Consoante os ovos, eram precisas duas ou três mulheres, que se sentavam à roda do alguidar, e se iam revezando com o batedor, sem parar, até a massa fazer bolhas. Era cansativo e só para mãos calejadas. Para os mais novos era o dia preferido, porque, mal despejavam a massa nas formas, nos deliciávamos a rapar o alguidar. Ficava que nem que já tivesse sido lavado. 

No dia seguinte os cestos dos bolos ficavam quase pela metade: a Tia arranjava uns pratos com dois ou três de cada qualidade e mandava-nos ir dá-los de presente a alguma vizinha ou parente que não tinha podido fazê-los, principalmente se andava de luto, estava doente ou trazia algum filho na guerra. Nós íamos todos contentes, na esperança de que nos dessem alguma moeda para gastarmos nas tendas armadas na Praça, cheias de novidades, onde perdíamos os olhos augados, durante os três dias das Festas de Verão…

ML Ferreira

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Batedor de bolos

 

Era deste objeto da culinária que a Libânia precisava, no domingo, na sessão do Conta-me histórias, para associar ao texto que leu.
Chama-se batedor e serve (servia) para bater a massa dos bolos.
Encontrei-o nos meus ficheiros, mas não me lembro de quem me enviou a foto. 
(Ernesto? Zé Manel? Pedro Gama?...)

José Teodoro Prata

domingo, 29 de setembro de 2024

Mais histórias vicentinas




Foi um bom momento de partilha, com histórias dos mais variados assuntos, mas com maior incidência nas nossos memórias das Festas de Verão. Venham mais Conta-me histórias.

José Teodoro Prata

Fotos da Maria da Luz Teodoro e do Joaquim Varanda

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Malápios

 

Tenho raízes em S. Vicente da Beira, pelo lado materno, mais propriamente no Casal da Fraga.

Da infância, das férias e ao longo dos anos em muitos fins de semana, deixaram-me recordações de vivências, cheiros e sabores, que nunca me largaram e que fui sempre recordando com nostalgia e sorriso no rosto.

Dentro dos sabores, havia umas maçãs pequenas, deliciosas e com um cheiro forte que ao longo do tempo nunca mais vi.

Resolvi por isso partilhar esta minha "busca" com um grupo no facebook da Vila de São Vicente, perguntando às pessoas o nome e se ainda existiam.

A resposta veio de uma forma muito rápida e agradável e concluí que muitas delas tinham as mesmas saudades, mas que desconheciam se ainda haveria em São Vicente, excepto duas pessoas que a tinham enxertado e a possuíam.

Ficou decidido que, compradas ou dadas, eu este ano voltaria a saborear as maçãs.

O engraçado desta partilha com vocês é que passados uns dias telefono ao meu irmão, atualmente a residir em São Vicente, e lhe falo das mesmas, e qual não é o meu espanto quando ele me diz que existe um malapieiro no Valcovo.

O Valcovo (lugar que herdei da minha mãe, localizado no Casal da Fraga) dei ao meu filho mais velho que mo pediu e onde ele e a mulher passam os fins de semana.

Acredito que muitos de vocês, tal como eu, também sintam saudades desta bela e pequenina maçã

Aqui vos deixo uma foto do nosso malapieiro.

Muito obrigado a todos.

Isabel Costa

Nota: Como administrador do blogue, peço descula à Isabel pelo tempo que demorei a publicar o seu texto (um ano). Ele foi enviado para o endereço de e-mail que constava do cabeçalho deste blogue. O que acontece é que criei este endereço, mas de facto ele nunca cumpriu a função para que fora criado. Ia lá raramente e já o substituí pelo meu pessoal, para evitar situações como esta. 

Quanto aos malápios, estão quase a amadurecer e o melhor deles é mesmo o aroma que espalha pelo ambiente em que os deixamos. Também tenho malápios enxertados!

José Teodoro Prata