Talvez, na Taberna da Viúva
Chegou.
Era
um estranho de vestes brancas e longas!
Assomou
à porta da Taberna e disse à sociedade:
—
Que estão vocês aqui a fazer, reunidos?!
— A
olhar o calendário do ano de 2016 e a mirar de soslaio o passado – disseram.
— Já
viram por aí os anos de 1893, 1924, 1951 ou 1960?!
—
Ói, ói, ói, ói! Lá para trás, lá para trás!... Parece que somos os velhos
destes tempos.
E o
forasteiro, autoritário:
—
Vocês já estão mortos, ouviram? E os vossos filhos também! Vocês são um
"Coro de Defuntos".
—
Ah! Sim?
—
E quem é você?
—
Sou um anjo do Senhor.
Jerolme
tomou a palavra e disse:
—
Atrás de tempo, tempo vem!
—
Palavras de sábio - asseverou Canhoto.
E
mais não queriam eles dizer!
Que
as cruas palavras do anjo lhes tinham ferido fundo a alma, provocando-lhes
enorme inquietação!
Mas
Garrancho ergueu a voz para um dos mirones do adjunto, de modo que todos
ouvissem:
—
Sabes o que é isto meu rapaz?
—
Humm!
— É
a senilidade!
Houve
um grande rumor entre os presentes.
E,
de facto, como declarara o homem das vestes brancas, viu-se que se assemelhavam
a um "Coro dos Tribunais", de voz fria e atitude austera.
Todavia,
o anjo no seu esplendor, buscando alguma harmonia:
-
Olhai: os velhos de hoje não são vocês. São os vossos netos!
Ora,
porque essa era a pura da verdade, não puderam responder-lhe.
Contra
fatos não há jumentos! Pois todos sabiam que estes apenas usam albarda.
Então,
o anjo limpou a parede às suas vestes!
E,
tal como surgira, assim dali se sumiu, lesto.
Mas
antes, desejou:
—
Tenham um bom futuro!
Boris
de Viana
4 comentários:
Isto anda lindo!
Primeiro tivemos o narrador duplicado do JMS e agora este Boris, ainda por cima de Viana.
Já me tinham falado no outro, que ainda não tive a honra de conhecer, mas este deixa-me os olhos em bico, ou melhor, os neurónios num emaranhado.
A coisa é enigmática!
Por entre certas imagens, conseguem-se, contudo, perceber algumas outras. Por exemplo, entende-se que o caso se passa hipoteticamente, há muitos anos, na taberna da Viúva. Os homens que lá estão, são velhos. Mas como se fala no calendário de 2016, dá a impressão que esses homens são ainda mais velhos do que imaginavam. E os velhos atuais são, afinal, os seus netos! Pelo que só um anjo que, por definição, atravessa a eternidade, consegue dizer-lhes a verdade que eles parece não compreenderem. No resto, a interpretação é, como se costuma dizer, aberta.
Abraços.
ZB
O espanto do Zé Teodoro, sobre os últimos textos, é certamente sentido por outros leitores, como no meu caso. É uma questão que me parece interessante, porque sendo a maioria do material publicado focado no mundo da recordação, estes apelam sobretudo ao mundo da imaginação (que vamos perdendo com a velhice) e isso é bom.
Parabéns aos autores pela sua frescura.
FB
Não entendo é o que estava o Canhoto a fazer na taberna da Viúva. Só se faziam como o Zé Pasteleiro e o Ventura, que todos os dias vão ao café um do outro beber um copo. Cortesias…
Quanto ao resto, vou aproveitando o que posso destes magníficos exercícios literários, mas sobretudo de memória. A sorte dos Jerolmes, já defuntos (e dos Patanuchos, e dos Garranchos…), que aqui vão sendo lembrados! Enquanto alguém falar deles, permanecerão entre nós.
M. L. Ferreira
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