Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
O caldudo
O castanheiro é uma árvore de grande porte e
longevidade que se cultiva em muitas regiões do Mediterrâneo. Até aos meados do
século XX, em muitas regiões beirãs e transmontanas, existiam enormes soutos.
Os nossos pais saíam da vila em direcção à Senhora da Orada, levavam uma saca
ou uma cesta e iam apanhando as castanhas que caiam para o caminho; “tal a
quantidade de castanheiros que havia”. Na serra existiam enormes exemplares. Os
fogos, a doença da tinta… exterminaram a maior parte dos soutos na região de
São Vicente da Beira.
Durantes séculos, a castanha era um dos alimentos
principais dos povos que habitavam as zonas serranas.
Com a chegada dos espanhóis aos países andinos
descobriram um tubérculo “batata” que aos poucos foi destronando a castanha.
As castanhas eram as nossas “batatas”, podem-se comer cozidas,
assadas, adocicadas…
Os nossos pais e avós faziam um pitéu muito apreciado,
nos nossos dias quase completamente esquecido. Caldudo era o seu nome.
Para se fazer um bom caldudo, são necessárias
castanhas piladas. A castanha era colocada em caniços “varas que se estendiam
por cima da lareira paralelas umas às outras com uma distância de cerca de um
centímetro”; deitavam-se as castanhas em cima das varas,
espalham-se e iam secando com o calor da chama.
Depois de secas, tirava-se a pele e guardavam-se em
bolsas de pano.
Perguntei
à minha mãe como se faz o caldudo:
Para se fazer um bom caldudo, as
castanhas têm que estar bem secas.
Põem-se de molho de um dia para o outro,
depois tiram-se algumas peles que ainda tenham, coloca-se água num tacho com um
pouco de sal, deitam-se as castanhas lá para dentro e deixam-se cozer.
Com uma colher e um garfo, vemos se já
se esmagam. Quando se esmagarem, estão cozidas.
Havia quem gostasse de esmagar as
castanhas todas; a tua avó deixava sempre algumas inteiras…
Despejamos a água que ainda se encontra
no tacho e colocamos o leite juntamente com o açúcar. Deixamos ferver
lentamente e vamos provando.
Quando punha o leite e o açúcar, gostava
de deitar um pouco de canela e uma casquinha de limão. Ficava mais saboroso,
havia quem não pusesse.
E se não tivermos castanhas piladas,
pode-se fazer com castanhas normais!
Pode, mas não é tão bom.
Se o caldudo for feito com castanhas
“verdes”, antes de se porem no tacho a cozer não esquecer de fazer um corte na
castanha, se não se fizer começam a inchar e desfazem-se. Depois de cozidas
tira-se a casca…
José
Manuel anotou, a explicação foi dada por sua mãe Maria da Trindade, no dia 21
de Outubro do ano 2016, no Lar da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da
Beira, sua vila Natal.
J.
M. S.
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
Consaguinidade
Quanto mais prima, mas se lhe arrima.
O estudo demográfico Consanguinidade aparente em S. Vicente da Beira, a que já fiz referência neste blogue, é da autoria de Paulo J. Gama Mota e foi publicado na obra que abaixo se apresenta.
O Jaime Gama informa-nos que o autor tem raízes vicentinas:
«Sim, penso que é originário de São
Vicente. Segundo a minha investigação, o avô do Dr. Paulo Jorge Gama Mota era
Jacintho Gama, irmão do Ti Clemente Gama, "marido da ti Celeste Dias e irmã
da tia Alzira Gama, casada com Manuel Gama, irmão do meu avô Fernando Gama
"Fernandito". Morava ao pé do Posto da GNR e eram filhos de Manuel
Gama que foi irmão do meu bisavô João Gama.»
José Teodoro Prata
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
O Endireita da Paradanta
Naquele tempo, havia poucos médicos e o
dinheiro para consultas e medicamentos ainda era menos, por isso os mais pobres
não tinham outro remédio senão recorrer aos santos da sua devoção ou aos
curiosos, para se tratarem de qualquer mazela de que padecessem. Havia-os por
todo o lado e para quase tudo usavam benzeduras, rezas e mezinhas feitas com o
que tinham à mão.
Para problemas de ossos, não havia como
o Endireita da Paradanta. Tinha uma fama tão grande que era procurado até por
gente que vinha de longe. Dizem que às vezes lhe chegavam à porta tolhidos das
costas ou com pernas e braços que mal podiam mexer e saíam de lá como se não
fosse nada com eles. Por modos, até os médicos lhe mandavam os doentes, quando já
não se entendiam com os males de que se queixavam.
Mas, como em todo o lado, aqui nas
nossas terras há muita gente que não pode ver uma camisa lavada a um pobre e
havia quem tivesse inveja de alguns bocaditos de terra que ele ia comprando à
custa do trabalho que fazia. Devem ter ido dar parte dele, que um dia a
autoridade bateu-lhe à porta.
- Como é que vossemecê se chama?
- Por enquanto ainda sou João; João
Faustino, senhor guarda.
- Então e é vossemecê que anda aí a
fazer-se passar por doutor?
- Não senhor, senhor guarda, que não
estudei para isso. Desde pequeno que sou ferreiro, que foi a arte que o meu pai
me deixou.
- Não estudou p’ra doutor, mas até
parece; que por modos não lhe falta freguesia à porta.
- Olhe, senhor guarda, lá isso é
verdade, mas os doutores fazem o serviço deles e eu faço o meu, que neste mundo
há trabalho para todos. Mas sempre lhe digo que para levar os ossos ao lugar,
não há pai p’ra mim.
- Ai ele é assim? Então já vamos a ver
se é como vossemecê diz. Traga-me aí uma galinha.
- Trago até duas, que tenho um
galinheiro cheio delas, bem gordas.
- Para o que é, basta uma!
O ti João foi à capoeira, apanhou a
galinha mais gorda e entregou-a a um dos guardas. Nem quis crer quando o viu
agarrar no animal pelas patas, pegar no bastão e quebrar-lhas pelo meio.
- Agora é que vamos a ver se é como
vossemecê diz! Pegue lá no bicho e ponha-o outra vez a andar, se for capaz.
O endireita agarrou no frango e, mexe
daqui, puxa dali, roda dacolá, passado um bocado põe-no outra vez no chão. O
animal, mal se viu à solta, ó pernas para que vos quero! Desatou a correr por
ali fora e já ninguém o agarrou. Os guardas até ficaram aparvalhados.
- Sim senhora, por esta é que nós não
estávamos à espera! Olhe, ti João, fique cá com Deus e governe a sua vida, que
bem merece. Nós já levamos que contar.
M. L. Ferreira
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domingo, 12 de fevereiro de 2017
O Dr. Nicolau Veloso
Estive a recapitular e já fiz duas publicações sobre o Nicolau Veloso. Mas numa coloquei um documento do de Távora e noutra do de Carvalho.
Hoje apresento documentos dos dois: o casamento do de Carvalho e o casamento de dois jovens de fora da Vila que trabalhavam no forno do Licenciado Nicolau Veloso de Távora. Era então um letrado, o que o coloca na primeira linha para ganhar nome de rua.
Outra questão são os fornos da Vila. Não havia fornos comunitários e as pessoas mais ricas tinham um forno, onde quem cozesse pão pagava uma percentagem da cozedura. O mesmo se passava nos moinhos e os lagares. Aliás, na Torre, todos os poderosos da região tinham um moinho, para ganhar com a correnteza das águas da Ocreza. O nome do pagamento variava do forno para o moinho (maquia) ou o lagar (poia), mas o valor não, era sempre um oitavo (1/8).
Agora imaginem este cenário muito próximo da realidade: um rendeiro colhia os cereais e a renda menor que poderia pagar era 1/8 (se colhesse 8 sacas, entregava uma). Depois moía o cereal, quinzenalmente ou de mês a mês, mas sempre que fosse ao moinho, que poderia ser do senhorio das terras que cultivava, deixava 1/8 da semente ou da farinha. De seguida ia ao forno de um senhor da vila, que poderia ser do dono das terras que trazia arrendadas, e entregava 1/8 do pão no final da cozedura. Não admira que se morresse tanto!
Agora imaginem este cenário muito próximo da realidade: um rendeiro colhia os cereais e a renda menor que poderia pagar era 1/8 (se colhesse 8 sacas, entregava uma). Depois moía o cereal, quinzenalmente ou de mês a mês, mas sempre que fosse ao moinho, que poderia ser do senhorio das terras que cultivava, deixava 1/8 da semente ou da farinha. De seguida ia ao forno de um senhor da vila, que poderia ser do dono das terras que trazia arrendadas, e entregava 1/8 do pão no final da cozedura. Não admira que se morresse tanto!
sábado, 11 de fevereiro de 2017
Neve
Há neve um pouco por todo o país, mas entre o sopé da Gardunha e o da serra de São Mamede (Portalegre) não caiu nada. Daqui (Castelo Branco) vê-se o cabeço do Mastro todo branquinho, parece um lençol estendido lá do alto até à capela da Senhora da Orada.
A imagem abaixo apresentada é do site http://www1.hotelsamasafundao.com/index.php/galeria.
Não será deste nevão, mas é assim que estarão os altos da Gardunha.
A foto é do nevão de 2010, tirada pelo Jaime Gama.
Ontem o santuário estaria igual.
José Teodoro Prata
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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
O frete da farmácia
Todos
os vicentinos do meu tempo e mais velhos quando lerem esta historieta vão
recordá-la certamente, fez parte da nossa geração.
A
vila naqueles tempos era uma pacata povoação rural. Havia meia dúzia de casas
ricas que dominavam, os homens eram contratados à jorna. Se por ventura o tempo
não estivesse capaz e não pudessem trabalhar não ganhavam nada e alguns ainda
gastavam o pouco pecúlio que havia emborcando copos de vinho nas tabernas. Se
por um acaso jornaleiro tivesse o azar de adoecer, não havia nada que o
protegesse durante a doença; não trabalhava, não ganhava.
Tempos
duros, difíceis; alguns pela manhã iam para a praça na esperança que alguém os
contratasse para o duro trabalho diário
A
vida quotidiana regia-se pelo badalar das horas e pelo toque do sino que
chamava os fiéis à igreja. Todos os dias antes de o sol nascer, o vigário celebrava
uma missa, o templo na penumbra; bruxuleando somente as velas do altar
sacrificial, a igreja acolhia muitas dezenas de jornaleiros, artesãos, criadas,
proprietários… assistiam à missa antes de começarem as tarefas diárias
Apesar
da pacatez rural, as pessoas viviam felizes, naquele tempo não havia nenhuma
habitação pobre ou rica que não estivesse habitada, as ruas fervilhavam de
gente, a natalidade superava os óbitos. Na Rua do Beco existiam: um artesão, senhor
Fernando latoeiro; uma barbearia, senhor José Craveiro; uma padaria, senhor José
Matias; uma farmácia, senhor Segurado; um café, senhora Eulália; mais tarde da
tia Tomásia; uma mercearia, senhor Joaquim “boas noites”, atualmente o
proprietário é o Rui Pedro; duas tabernas, a do senhor João “arrebotes” e a da
senhora Maria “viúva”.
Para
termos uma ideia da população residente, no ano de 1950, segundo os censos,
residiam na freguesia 4.185 habitantes. A partir desse ano, a curva inverteu-se
de tal maneira que, no último censo de 2011, os moradores em toda a freguesia
eram 1.259 almas. Em 61 anos a freguesia perdeu 2.926 habitantes.
Se
dividirmos este número por 61 anos, faleceram ou demandaram outras paragens 48
pessoas por ano. A manter-se esta tendência, daqui por vinte e seis anos não
mora ninguém na freguesia. “O diabo seja cego, surdo e mudo”.
Se
não existirem leis que estanquem esta hemorragia e invertam este estado de coisas,
o interior transformar-se-á num enorme deserto e teremos outra vez de volta os
senhores “condes”.
Deus
permita que nunca aconteça uma coisa dessas, para que as nossas aldeias e vilas
não desapareçam do mapa. Oxalá!
Não
vou dar continuidade a este pensamento, porque não era nem é o cerne do meu
escrito, foi somente uma bucha que meti no texto.
Assim,
a estrada nova que hoje faz parte do perímetro urbano da vila, naqueles tempos
ficava nos arrabaldes; existia somente uma casa junto à paragem das camionetas
e que há muitos anos pertence à família do senhor João Ventura.
Naquela
época a malta ia para a paragem esperar a camioneta da carreira da Auto
Transportes do Fundão. Lourenço era o motorista, a carreira chegava às cinco
horas da tarde à vila. Este autocarro todos os dias partia do Fundão, passava
cerca das sete horas da manhã na vila e terminava o seu percurso em Castelo
Branco. À tarde saía às quatro horas de Castelo Branco para terminar no Fundão,
por volta das seis horas.
À
farmácia chegavam pessoas de toda a freguesia, a fim de adquirirem os remédios
que o doutor Alves receitava, para a cura dos seus males, alguns medicamentos certamente
esgotavam ou havia necessidade de se repor o stock. Todos os dias a carreira
trazia uma encomenda.
Um
pouco antes das cinco horas, na paragem, começavam a aparecer cachopos na
esperança de poderem apanhar o frete e entregá-lo na farmácia. Os mais pequenos
raramente conseguiam tal intento, o que valia era o senhor Lourenço de vez em
quando dar a encomenda a quem entendia. Só assim alguns de nós conseguíamos entregá-la
na farmácia.
À
força, aos grandes bastava darem-nos um encontrão e era uma vez o frete da
farmácia.
Era
assim que chamávamos à encomenda e sabem o porquê de tanta sofreguidão para a
conseguir apanhar? O farmacêutico dava dez tostões a quem a entregasse.
J.M.S
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