José Teodoro Prata
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
terça-feira, 7 de novembro de 2017
domingo, 5 de novembro de 2017
Reflorestar
Várias associações e autarquias das vertentes norte e sul da Gardunha têm reunido no sentido de encontrar respostas para a recente destruição da vegetação na nossa serra. De São Vicente da Beira, participam o movimento Todos Juntos, o GEGA e a Junta de Freguesia. As crianças e adolescentes das várias escolas também vão ser envolvidos nas ações a desenvolver.
A aposta imediata é a recolha de sementes de árvores autótenes, no sentido de promover a reflorestação das áreas queimadas. Vai proceder-se ao levantamento dos terrenos públicos, onde se possam plantar as novas árvores.
Embora altamente meritória, a iniciativa levanta-me algumas reservas: acho as medidas curtas para tamanha destruição ciclicamente repetida; idênticas iniciativas já foram promovidas no passado, sem resultados à vista; só nos espaços públicos? então mas os espaços ardidos não são quase todos privados?; a maioria das áreas públicas que conheço situam-se nos altos da serra, onde a vegetação não vinga, basta olhar in loco e basta verificar os resultados de anteriores plantações nesses locais.
A reflorestação, tal como a prevenção, ou aposta na implementação de medidas, começando pela sensibilização, junto dos privados ou está condenada ao fracasso.
José Teodoro Prata
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
Pirocumulonimbo
O
fenómeno que pode estar na origem dos fogos de 15 de outubro
Tem um nome difícil de pronunciar, é
raro, mas poderá ter-se registado por duas vezes este ano em Portugal
Os incêndios mortais de Pedrógão
Grande, a 17 de junho, e da zona centro, a 15 de outubro, poderão estar
relacionados com um fenómeno raro, com um nome difícil de pronunciar:
pirocumulonimbo. Dois elementos da Comissão Técnica Independente que
investigaram os fogos do início do verão que mataram 64 pessoas acreditam que foi
isso que aconteceu, segundo contaram à TSF.
"Pirocumulonimbo é uma
tempestade criada por um incêndio", diz Paulo Fernandes, doutorado em
Ciências Florestais e Ambientais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
(UTAD). De entre as imagens que viu e os relatos que ouviu acerca dos
incêndios, destaca a nuvem do incêndio, que descreve como "muito desenvolvida,
muito alta, que a determinada altura começou a produzir relâmpagos e
trovões". "Esse é um dos sinais do pirocumulonimbo", conclui.
Este fenómeno já havia sido descrito
pela Comissão Técnica Independente relativamente ao incêndio de Pedrógão.
"É uma nuvem de fumo que sobe muito alto, a 10 quilómetros, 12. Quando
essa nuvem sobe tão alto, além da condensação, forma-se gelo e é o atrito entre
os cristais de gelo que pode provocar raios, provocados pelo próprio incêndios,
e que por vezes dão origem a novas ignições", descreve o Paulo Fernandes,
para quem a existência de um pirocumulonimbo "explicaria, pelo menos em
parte, a devastação a que se assistiu nestes dois grandes incêndios do
interior". De acordo com o que o investigador afirmou à TSF, "um
incêndio florestal típico não causa aquela destruição", sendo necessário
para isso acontecer "vento forte, com projeções a grande distância de
materiais incandescentes".
Carlos Fonseca, outro elemento da
Comissão Técnica Independente, diz à mesma rádio que aquilo que viu foi
"um incêndio de uma dimensão, de uma violência, de uma rapidez como nunca
tinha assistido". O investigador, que também andou no terreno a combater
as chamas junto da sua propriedade, recorda as "labaredas com mais de 30
metros, com fumos de múltiplas cores", um cenário com "toda uma
dinâmica atmosférica estranha".
HÉLIO MADEIRAS, Diário de
notícias
https://www.dn.pt/portugal/interior/pirocumulonimbo-o-fenomeno-que-pode-estar-na-origem-dos-fogos-de-15-de-outubro-8883123.html
José Teodoro Prata
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terça-feira, 31 de outubro de 2017
Almas danadas ao santorinho
Na nossa
vila, principalmente em noites gélidas, frias, brancas e ventosas invernais,
logo que anoitecia as pessoas recolhiam aos seus lares. Depois da ceia, à luz
da candeia, com toda a família sentada em redor do braseiro, rezadas as
orações, os mais novos escutavam com atenção estórias que os mais velhos
contavam. Umas eram comoventes, outras, assim, assim e algumas eram terríficas.
Avô Zé, com
as tenazes “conchegava” os chamiços que ardiam; avó Ana encostava o púcaro de barro
ao brasido cheio de água da Fonte Velha, quando começava a ferver deitava para
dentro uma ou duas colheres de café, era tão bom, tão bom, perfumava toda a
casa.
Para assentar, punha dentro do púcaro uma brasa; sabia tão bem!
Avó, lenço
negro atado à cabeça, cabelos brancos entrançados, era uma santa mulher. Avô,
com seus safões de pele de cabra, barrete enfiado até às orelhas, começava:
Uma vez, era novo, tinha ido à vila,
conversa puxa conversa, estava na praça mais uns poucos da minha idade o sino
bateu a meia-noite; assustei-me, assustámo-nos todos. Entre a meia-noite e a uma
hora era muito perigoso andar na rua, podia aparecer a má hora, uma alma do
outro mundo, uma alma penada.
“Quem está aÍ! Se és uma alma do Purgatório
diz o que queres; se és o demónio, eu te arrenego em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo”.
Pessoas muito altas, gente com pés de cabra,
lobisomens. Quem se cruzava com estes seres sinistros corria esbaforido em
direcção a casa, queria gritar por socorro e não conseguia. Era uma hora má,
aquela.
Olhos bem
abertos, atentos e ao mesmo tempo cheios de medo, ouvíamos com atenção, não
olhávamos para trás, não aparecesse uma alma penada.
Naquela noite, ia para o Caldeira, estava
vento, fazia lua; quando cheguei ao fundo da barreira do Marzelo, rebolava na
minha direcção uma grande bola. Corri para São Sebastião cheio de medo, dei a
volta pela estrada em direcção às Poldras, subi o Souto do padre Teodoro, o
vento ventava com todas as forças; ao outro dia outras bolas rebolavam pela estrada.
Sabeis o que era! Sargaços.
Certa vez, um homem vinha do Casal, quando
ia a passar junto ao Calvário um vulto muito alto apareceu em cima da parede do
cemitério, começou a correr cheio de medo, quanto mais corria, mais a aparição
o acompanhava. Morava ao fundo da rua de São Francisco, ao chegar à porta, abre-a,
entra, coloca a tranca rapidamente, do lado de fora uma voz cavernosa, forte,
gritou:
-Foi o que te valeu!
- Ai home, que se passa contigo? - pergunta
a mulher toda atrapalhada.
Este, com o dedo indicador apontou para a
porta, sem nada dizer, ficou sem fala.
A esposa abre a porta, olha para a rua, não
vê vivalma. O céu estava limpo cheio de estrelas, a noite serena, deitou-se no
catre, não falava. No dia seguinte contou à mulher o acontecido.
- Ai home, a minha alma está parva…
- Ó vô; Como são os lobisomens!
- Durante o dia são pessoas como nós, à
meia-noite transformam-se em lobos danados, andam uivando por ruas, montes e
vales. No dia seguinte aparecem todos arranhados, feridos, por causa do esforço
que fizeram. Entregaram a alma ao diabo estes damonhos.
- Credo!
- Olhem; nos cruzamentos e em lugares
previamente escolhidos dançam as bruxas encarrapatas juntamente com o mafarrico.
Cruz da Oles, Fonte da Portela… são locais onde isso acontece. Era noite
cerrada, desci a rua a caminho da nossa casa com os meus pais e irmãos,
lanterna acesa, dormi toda a noite com a cabeça debaixo das mantas, não
aparecesse a má hora.
Meu avô
dizia o seguinte proverbio: “Pelos santos, neve nos campos”. Como mudou o
tempo, já não há neve, em contrapartida, ardem as matas.
J.M.S
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segunda-feira, 30 de outubro de 2017
Ilustríssimos
A pequena Maria Luciana foi batizada na nossa Vila, a 4 de junho de 1826, tendo como madrinha Nossa Senhora da Conceição. Pais e avós pertenciam à mais fina flor da sociedade portuguesa. Naturais de Coimbra, Lisboa e Reino de França, o pai da Luciana era juiz de fora de São Vicente da Beira, onde dava os primeiros passos de uma carreira pública em que ambicionava atingir o cume, como o pai dele e o sogro: desembargador do Paço, um, e do Senado o outro.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
O nosso património
As
comunidades não podem dissociar-se do passado, mas também não podem e não devem
parar no tempo. Quero dizer com isto que a vida é como uma moeda, tem duas
faces.
O
homem maduro, depois de obter a sua reforma. deve aproveitar o tempo que ainda
tem de vida para transmitir aos mais novos valores e conhecimentos que foi
adquirindo ao longo do tempo. A memória de alguém considerado idoso nunca pode
ser igual à memória de uma pessoa jovem. Os neurónios vão-se perdendo, a
memorização é diferente, enquanto alguém jovem apreende algo com uma facilidade
tremenda, a pessoa idosa muitas vezes vê-se e deseja-se para captar
determinadas matérias, nomeadamente disciplinas que requeiram concentração,
aprendizagem.
Sendo
assim, suponho que cada geração terá muito para oferecer à outra. As gerações
mais antigas podem e devem transmitir ensinamentos vividos e experienciados à
medida que os anos foram passando. Ensinar aos mais novos saberes que de outra
maneira se perderão para sempre, a partir do momento em que se corte o fio
ténue que nos une à vida.
Entre
a vida e a morte, o espaço que medeia estes dois momentos é tão pequenino, tão
curto, basta um esticãozito, o fio parte-se e tudo termina para este
mundo.
Sou
daqueles que acredita que não morreremos. O corpo, sim; o espírito jamais, pertence
ao Criador.
Já
estou a entrar por um caminho que não é aquele que quero apanhar hoje;
portanto… Adiante.
Idoso
ou não; todos temos muito que aprender uns com os outros, mas cada geração tem
o seu tempo.
Este
pequeno intróito tem a ver com o tema que vou explanar.
Estava
eu sentado num dos cais da nossa praça a ouvir o som da aparelhagem cujos
altifalantes iam debitando decibéis incomodativos, (música de arreda cão, para
mim), quando ao meu lado se sentou
uma simpática idosa. Depressa veio à baila o passado.
Tínhamos
que falar um tom acima do normal, o barulho ensurdecedor dos altifalantes…
-
Olha Zé, uma parte da minha casa ainda está tal e qual como era no tempo do
Hipólito Raposo, os sobrados e os tectos em castanho, são daquele tempo…
-
Qualquer dia, vou lá, se me deixar, claro.
-
Quando quiseres.
José
Hipólito Vaz Raposo nasceu no dia 12 de Fevereiro 1885, numa casa situada na rua
Velha, nº 47, na vila de São Vicente da Beira; não teve uma vida muito longa
pois, no dia 26 Agosto do ano 1953, faleceu em Lisboa; tinha 68 anos.
Era
filho de João Hipólito Vaz Raposo e Maria Adelaide Gama. Aos 17 anos entrou
para o seminário da Guarda, “influência
do seu irmão padre Domingos Vaz Raposo com certeza”.
Na
Guarda permaneceu dois anos, 1902/1904; depois entrou no liceu de Castelo
Branco e mais tarde partiu para Coimbra, onde se formou em Direito, 1911.
Não
me vou alongar mais com a sua biografia, o José Teodoro e outros já a
esmiuçaram amiudadamente.
No
passado mês de Setembro, desci a rua da Cruz, bati à porta da senhora Maria de
Jesus, que amavelmente me convidou a entrar. Ao fundo das escadas encontra-se
uma porta que dá acesso a três lojas onde guarda utensílios de lavoura, pipos,
tanque para o vinho… Subi, ao cimo das escadas, à esquerda, entro numa sala
repleta de recordações da sua família: quadros, fotografias dos antepassados… O
que imediatamente me chamou a atenção foi um Menino Jesus de Malines!
A
senhora Maria de Jesus falava, explicava e apontava.
-
Olha aqui ó Zé, para esta moldura: São
José, Menino Jesus e o São Roque; aquele quadro além é a Senhora dos Milagres, tem os milagres em toda a volta”.
-
E este Menino Jesus, perguntei.
-
Foi-me dado pela minha madrinha e tia Maria de Jesus; era irmã da minha mãe,
viveu 40 anos em Lisboa. Olha, tem dá réis
e tudo.
A
sala está igual ao que era no tempo do senhor João Raposo, o pai de Hipólito
Raposo.
-
É a sala de jantar, nunca cá comi nenhum jantar ou almoço.
-
Quer dizer, que aqui comeu muitas vezes Hipólito Raposo.
-
Com certeza.
-
Estas portas que dão acesso aos quartos, são as portas originais?
-
Isto não tinha portas; as cortinas fui eu que as pus. O sobrado e o tecto são
todos de castanho.
Entrei
nos quartos.
-
Terá sido neste quarto que nasceu Hipólito Raposo, é o maior. - diz a senhora
Maria de Jesus.
Fotografei
e seguimos.
Antes
de sairmos da sala, apontou para as portas de uma janela que dá para a rua.
-
Ó Zé, repara nestas portas, ainda entram num buraco que as segura, as da outra
janela já são modernas.
Ao
entrarmos no corredor disse-me: - Dava acesso à cozinha, a minha tia tapou a
porta, antes via-se logo a porta da rua.
-
Esta é a cama onde morreu a minha tia Resgate (catequista, zeladora da igreja).
Na
parede de outro aposento, um relógio de sala me chamou a atenção: - É muito antigo!
-
Se é, se é… já disse ao meu neto para mo por
aqui mais baixo para lhe dar corda; tem um defeito, quando começa a dar horas,
quando dá uma, temos que contar logo duas, parece que está a tocar ao fogo;
bam…bam…
-
Daqui para lá era à telha vã, e não era tão larga, tinha uma porta para o
quintal que já era velha, foi o meu homem que aumentou isto, não tinha aquele
quarto que é o meu. Aqui havia uma porta, repara nos buracos e no rasgo, era
para porem a tranca. O meu homem é que a tirou, porque era muito velha, aqui
era tudo à telha vã, era aonde a
minha avó tinha o tear; era tecedeira, esta sala não era tão larga, era mais
estreita. A minha avó chamava-se Josefa.
Entrámos
na cozinha, imediatamente a senhora Maria de Jesus apontando para o chão
dizendo.
-
O lar era aqui no meio, o Zé companhia
é que fez além a chaminé, o meu homem alargou para aqui a cozinha. As pedras do
lar eram iguais àquelas (ardosias que se encontram na soleira da antiga porta)
Olha, aqui está a dita porta que dava acesso ao corredor…
Entrei
no seu quarto, um cruxificado e várias imagens em cima da cómoda.
-
Uma vez cai agarrei-me à comoda, caíram os santos todos que estão em cima do
móvel; este Senhor que está além é muito antigo, ficou-me em cima do colo
atravessado, intacto; foi um milagre do Senhor Santo Cristo.
A
tarde já ia adiantada, tinha que ir regar as couves. Agradeci à Senhora Maria
de Jesus toda a atenção que me dispensou.
Com
os seus noventa anos, continua a ter uma memória invejável. Saí mais rico,
porque estive no lugar onde nasceu e viveu durante a sua meninice o escritor vicentino
doutor José Hipólito Vaz Raposo.
Corredor; ao fundo existiu uma porta que dava acesso à
cozinha.
Um batente
entra num buraco na parte superior; estas portas não
tinham ferragens.
Tecto da sala todo em castanho
Cabides
Quarto onde terá nascido Hipólito Raposo.
O sobrado é todo de castanho, diz a senhora Maria de Jesus.
J.M.S
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