terça-feira, 7 de junho de 2016

AINDA boas notícias


Passámos por lá há três anos, durante o passeio pedestre realizado por alturas da Feira do Artesanato. A casa já andava em obras nessa altura, mas não imaginava que ficasse tão linda!


Se o Padre Zé Sarafana cá voltasse nem ia acreditar…
Agora já ninguém tem desculpa para não vir à terra por falta de alojamento. Até eu, que estou aqui tão perto, fiquei com vontade de lá ir passar uns dias para usufruir daquele sossego.


M. L. Ferreira

domingo, 5 de junho de 2016

Juventude que já lá vais...


Quando recebi esta foto do Zé Teodoro que, por sua vez a recebera da Luzita Candeias (essa nossa menina!), para comentar qualquer coisa sobre ela, não sabia, num primeiro momento, o que dizer. Por isso, mal alvitrei o título deste texto que será, decerto, para vós, apenas um vulgaríssimo lugar comum.
Mas, bom, tinha, forçosamente, que pensar em juventude! Quantas alegrias, quantos projetos, quanta inspiração, quantos versos escritos, quantas coisas bonitas se escrevem sobre ela!
Depois, pensei no tempo, esse grande mestre! Aquele, como sabeis, do qual Santo Agostinho dizia não saber o que seria, se lhe perguntassem. Mas que saberia, com certeza, o que era, se não lhe perguntassem!
Ora, se o Santo não pôde defini-lo, como poderei eu, simples mortal, carregar sobre mim tão hercúlea tarefa?! Confessemos a nossa ignorância e não mexamos, pois, no assunto, porque nada sabemos sobre ele!
Só há uma coisa que sabemos: é a ação que ele tem sobre nós! Porque o sentimos! E é também o que experimentamos quando olhamos para uma fotografia da nossa juventude, como foi agora o meu caso, já que sou um dos que nela estão incluídos!
Mas, curiosamente, a surpresa, embora agradável, não foi total. E com isto espero não desiludir a Luzita. As razões são duas.
Em primeiro lugar, não é a primeira vez que, publicamente, faço o exercício de tentar identificar os figurantes de uma fotografia da nossa juventude em S. Vicente da Beira, tirada há décadas. Nesta, estou eu próprio e mais alguns que irei identificar. Já lá vamos! Mas havia outras fotografias em que estavam outros nossos coevos compagnos de route. Tal exercício aconteceu numa das “Noites da Taberna”, na Casa do Hipólito Raposo, organizadas pela Junta de Freguesia. Em que o José Manuel dos Santos apresentou uma fotografia com alguns jovens vicentinos que, a custo, lá consegui decifrar!
Em segundo lugar, porque a fotografia, que agora aqui se junta, já tinha sido exibida pelo Tó Sabino, o ano passado, nos dias das Festas de Verão, na praça, através de slide, num grande ecrã, nos intervalos da publicidade!
Sobre o caso, queria ainda dizer duas coisas. Desde logo, eu, pessoalmente, não fazia a mínima ideia que tinha tirado tal fotografia e muito menos sabia que alguém a tinha em seu poder. E nem sei como foi parar ao Tó Sabino. Ele saberá. Não cheguei a falar-lhe sobre isso. Ele já fez algumas exposições de fotografias antigas de pessoas e coisas ligadas a São Vicente. Mas, certamente, deve ter sido fornecida por algum dos que nela figuram.   

Depois, numa das noites de arraial das da Festas de Verão, quando a fotografia apareceu no ecrã da praça, sucedeu uma coisa curiosa. É que eu, neste caso, não consegui identificar todos os que lá estão! Apesar de eu próprio lá constar. E foi a Jú Jerónimo, estava ali perto, que me elucidou. Pelo que, se hoje consigo saber quem eles são (embora não saiba o nome de alguns, porque não são da vila), isso só foi possível com a ajuda dela!
O que posso dizer, então, sobre isto? É o seguinte: a fotografia deve ter sido tirada, talvez, em 1969 ou 1970, pelo João Duarte do Casal da Fraga, conhecido por João Brito ou João da Mila. Ele tinha uma máquina fotográfica a preto e branco e andava a tirar-nos fotografias para depois nos vender como recordação. O café onde foi tirada é, de facto, o da Sra. Tomásia, mas acho que, à data, ainda seria da Sra. Eulália. Digo isto porque na fotografia está um filho dela, o Júlio, e ao meio está um rapaz colega dele da tropa com uma bandeja com copos, na mão. Os figurantes são, então, da esquerda para a direita: Miguel Rodrigues (ou Miguel Prata), conhecido por Leca. A seguir está o João Pereira (para nós, João Rolo). Depois vem um indivíduo (filho?) de um feirante que vinha sempre às Festas de Verão (de quem não sei o nome). Ao meio, com a bandeja, está o rapaz que era colega de tropa do Júlio (de quem não sei o nome). Depois, atrás, e sempre no sentido indicado, está o Júlio, estou eu, o José Joaquim Roque Henriques (o Coluna), infelizmente já falecido. A seguir o Francisco Vitório (Chico da Mercês ou Chico Guião). Há ainda um outro personagem que mal se vê e por isso não se sabe quem é.
Antes de terminar deixem-me ainda que vos diga que a surpresa, embora não tendo sido total foi, isso sim, muitíssimo saborosa! Obrigado, Luzita e beijinhos!

Luzita Candeias (foto)

José Barroso (texto)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

1895


1895, setembro; as parreiras deixavam ver entre a folhagem belos “gachos” de uvas prontos para serem colhidos, “algumas com muita parra e pouca uva”, as festas de verão estavam à porta; quarta-feira; lavradores e camponeses, começavam a faina, “embora alguns já andassem vindimando”.
Na Fonte Velha junto ao chafariz dornas, pipos, tonéis eram tratados com água para as aduelas incharem e o vinho novo não vazar por alguma frincha.
A praça municipal fervilhava de munícipes que vinham dos mais recônditos lugares para tratarem de assuntos inerentes às suas vidas, pagar a décima ou fazer compras no comércio que a circundava.
Ao fundo da praça ouvia-se o barulho cadenciado do martelo batendo na bigorna, ferrador não tinha mãos a medir ferrando as alimárias. O céu azul começou a toldar-se de nuvens escuras, grossas pingas começaram a cair, a poeira da praça num ápice se transformou em lama, a cachopada corria descalça lapacheirando-se uns aos outros.
Um cidadão com um saco na mão subiu o balcão da cadeia como habitualmente, entrou na câmara, entregou-o e saiu. Todos os dias fazia o trajecto S. Vicente, Castelo Novo à tarde; no outro dia de manhã regressava. Comboio levava e trazia as cartas, encomendas e todo o género de valores.
Uma carta chama a atenção ao presidente da câmara, “vinha do governo” ao lê-la, seu rosto ficou branco como a cal. Estava sonhando, só podia; dentro vinha uma cópia do diário do governo que suprimia o concelho, a chuva continuava a cair, o céu tristonho parecia querer comungar da mesma desgraça, o martelo continuava a bater na bigorna, as festas estavam à porta, o povo não queria acreditar, os principais monumentos da vila cobriram-se de faixas negras. “ o escudo que encima a velha fonte ainda se podem ver os pregos que serviram para o tapar com um pano preto, em sinal de luto”.
Ganhões atravessavam a praça transportando dornas cheias de uvas para serem desfeitas nas adegas. Os sinos dobravam, as pessoas choravam, a autonomia municipal deixou de existir.
A partir daquele momento a vila passou a ser uma simples freguesia sem qualquer poder administrativo. Depois; bem, depois, começou a debandada dos funcionários, a partida de muita gente para outras paragens, a vila a começou a fazer uma longa travessia no deserto. Durante muitas décadas o marasmo, o esquecimento, a apatia foram os “donos e senhores do burgo” sessenta e três anos depois a casa da câmara foi restaurada. As sonaves, os caibros e as telhas viam-se, não havia forro, os pardais e as andorinhas na primavera esvoaçavam fazendo seus ninhos nos caibros, de vez em quando uma chinca obrigava os alunos e terem que mudar as carteiras para que a água não caísse em cima das cabeças, os espaços onde outrora existiram repartições passou a haver jovens estudantes. Cada sala possuía duas classes; primeira com a terceira e a segunda com a quarta classe. Para além do quadro negro de ardósia na minha sala existia junto à janela um ábaco, as andorinhas e os pardais sobrevoavam o espaço chilreando e nós aprendíamos o bê á bá através de uma grande senhora, a professora dª Susana. Ao cimo do balcão da cadeia existiam duas portas, uma dava acesso directo à sala do antigo tribunal.
Com a remodelação do edifício essa porta desapareceu, a Domus foi restaurada, levou sobrado novo, forro, retretes,” um luxo”, salamandras que nos aqueciam durante os dias frios e chuvosos invernais.
Por essa altura a vila possuía muitos habitantes, as crianças de ambos os sexos em idade escolar andariam à volta de 120 alunos. A praça fervilhava de catraios correndo e brincando.
(…) Mais uns anos de pasmaceira, em 1961 rebenta a “bernarda” em Goa, Damão e Diu. Nehru invade com cerca de cinquenta mil soldados aquelas parcelas de território “Luso”.
Angola, Moçambique… seguem as pisadas, a partida dos mancebos para as ex colónias, emigração para os países devastados pela grande guerra, a sangria humana; a desertificação começa, a vila continua “pasmada”, nada de novo, até que 70 anos depois novo surto de desenvolvimento. Barragem, saneamento básico, água ao domicílio, luz eléctrica, “à meia-noite mais ou menos os candeeiros eram desligados ficando as ruas às escuras” A velhinha calçado basáltica foi substituída por paralelos graníticos; a estrada que liga Alcains ao Castelejo aos poucos foi sendo alcatroada 78 anos depois da queda do concelho, a Pequena Lisboa recebeu uma embaixada da Grande Lisboa, chefiava-a o presidente da câmara. Um “obelisco” é levantado na Fonte Velha para comemorar os oitocentos anos da deslocação de alguns homens bons à capital do reino para oferecerem o povoado ao rei D. Afonso Henriques.
A vila sempre a aumentar; novas artérias, casas, serviços, indústrias. A baixa densidade humana… a partida dos naturais procurando novos rumos transformaram-na. Na zona medieval vivem cada vez menos cidadãos, a maioria idosos, não há sangue novo.
No dia de Corpo de Deus, fizeram a primeira comunhão quatro crianças.
Com tantos melhoramentos que existem:- ”piscina, escola, banco, estradas (quase todas asfaltadas) falta a velhinha Cascalheira, santuário da Senhora da Orada primorosamente alindado, templos recuperados,… filarmónica, rancho, bombos, bombeiros, escoteiros… há cada vez menos pessoas a habitar a donairosa vila de São Vicente da Beira
Quo vadis interior!

J.M.S                                                                                                                            

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Fonte Velha

Altar dourado ao sol do infinito,
Robustecido pelo açoite
Flagelador do tempo,
É por milagre que, de dentro desse granito, 
Pedra constante, firme e dura,
Quer de dia, quer de noite,
E a todo e qualquer momento,
Brota água tão fresca e pura?!

Suave no inverno, fresco no estio,
Cristal líquido que ali vamos beber,
Caudal de inextinguível rio,
Que não se inventa,
Que mágico algum pode prever,
Que não pode imaginar-se,
O que és tu, ventre desta fonte?
Choro de moura encantada que te alimenta,
Mais forte que uma catarse,
Mais infindo que o horizonte?!

Ou és, por acaso, o pranto dos deuses,
Que corre do Olimpo, no firmamento,
Inesgotável e intemporal,
Elixir balsâmico que a dor alivia, 
Que à terra dás sustento, 
Que reconforta e que sacia,
A sede ao corpo e o âmago imortal?!

Se calhar és esse lamento!
Mas foste também lugar de muitos amores,
Ponto de encontros discretos,
Encruzilhada de desejos,
De promessas, futuros secretos,
Bons augúrios e ensejos,
Pelo crepúsculo, à noitinha;
Testemunha das risadas altas e claras
Das raparigas da vila que iam procurar-te
A água perlífera, límpida e fresquinha,
Saída das tuas pedras brutas, ignaras.

Obra da nossa gente, da nossa arte,
Velha fonte quinhentista,
Nos bancos que te ladeiam, os rapazes,
Procurando uma conquista,
Prometiam infinitos amores, sentidos,
Vidas a dois, lares e remansos,
Imáculos, idílicos - não tanto carnais ou mundanos!
Porém, as moças, ariscas, risos furtivos, 
Fugiam – pese embora inebriadas! - a tais avanços,
Muitas vezes temerosas da lisura de tais planos!

Largo térreo de séculos, alindado já a tardar,
- Pelos idos de sessenta –
Das bicas ao chafariz,
Onde os bois presos ao carro, fatigados e contraídos,
Ao peso de uma jeira - um dia inteiro a lavrar! –
Com a canga p’la cerviz,  
Vêm, sôfregos, beber, ronceiros e condoídos.

Átrio que, em tardes de sol, por desfastio,
Tanto convidava à bachica,
Em correria, ao desafio,
Com as roupas encharcadas,
Entre a mocidade irrequieta, louca,
- Momentâneas disputas e emoções! - 
Saias, calças, camisas, blusas ensopadas,
Rapazes e raparigas, na refrega, em êxtase - a voz rouca!
No fim, o afeto tornava aos estouvados corações!

Fonte velha que me precedeste
E, decerto, me hás de suceder,
Como já sobreviveste a tantos vicentinos!
- A vida é tão frágil como a tenra erva do jardim! -
Quem pode prevenir destinos?
E, embora eu não saiba o que irá acontecer,
Vós, pedras desta fonte, sereis sempre para mim, 
- Como para os que a ti se encostaram e beberam da tu’ água -
Quando já não vos puder ver,
Minha saudade, minha mágoa!  


Alcino dos Santos 

domingo, 29 de maio de 2016

Gente da nossa criação

Eu vivi na casa onde apanharam o Pistotira, antes do meu irmão Zé Maria lá morar. Na cozinha, havia um buraco na parede, ao lado do lume, que dava para a cozinha da tua tia Carlota. Quando precisávamos de alguma coisa, lume ou que uns tratassem dos filhos dos outros, era por lá que os dávamos. O buraco era pequeno, só lá cabia um bebé. A tua prima Celeste passou por lá muitas vezes, para a minha mulher tomar conta dela.
Assim me contou o senhor Luís da Tomásia, há anos, quando o entrevistei a propósito da prisão do Pistotira. É curiosa esta expressão Luís da Tomásia, que ouvi desde criança, tratando-se este Luís de um homem com uma personalidade forte, num tempo em que as mulheres ainda riscavam pouco.
Tenho refletido muito sobre esta expressão, por isso a demora. Ele é o Luís Rodrigues, também Luís Prata e ainda o Luís da Tomásia. Mas o que tinha ela para tamanho reconhecimento social? Acho que era um coração enorme, onde todos cabíamos.
A senhora Tomázia fazia parte do meu mundo de criança, prima da minha mãe por afinidade. Nunca fomos muito próximos, talvez por eu ser arredio, mas sentia-se um clima de carinho sempre que nos saudávamos.
Era ao alambique do Chão da Bica que nós da Tapada, a minha mãe e a minha tia Stela, íamos fazer a aguardente. Massa carregada em bacias, à cabeça, e depois longas horas noturnas de pouco trabalho e muita espera. A presença da senhora Tomásia era constante, nos intervalos dos seus afazeres domésticos. Às vezes aparecia-nos já noite dentro para uma conversa ou um conselho sobre a intensidade do fogo debaixo da caldeira e a temperatura da água no tanque.
As minhas irmãs eram muito amigas das filhas mais velhas dela, e praticamente da mesma idade. Num ano do final da minha infância, eu, a Eulália, o meu primo João e não sei se o Tó, fomos ajudar nos trabalhos outonais: vindima, apanha do feijão pequeno… Era um misto de trabalho e brincadeira, a de comer e ainda nos pagavam qualquer coisa. A senhora Tomásia recebia-nos na cozinha, a cada meio-dia. Lembro-me como se fosse hoje de um bacalhau com batatas e muito azeite. Ainda tenho o sabor na boca. Depois, à sobremesa, já na rua, a melancia que coubesse na barriga.
Nós com os olhos no infinito do universo, na esperança de uma ajuda dos santos e eles no meio de nós…


José Teodoro Prata

sexta-feira, 27 de maio de 2016

No choco




O choco da minha cocó já faz segunda-feira duas semanas. Depois, só falta uma semana.
Pôs nove ovos e chocou logo!
O macho anda baralhado, algo triste, sem saber bem o que fazer. 
Passa o tempo a olhar para dentro do púcaro, a ver se ela reage, mas nada.
Há dias levou-lhe até ao bico uma folha de couve, de uma distância de cerca de um metro. 
É bom ter estes animais que ainda conservam os instintos naturais.

José Teodoro Prata

Nota: Há novos comentários, na publicação anterior.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Os nossos professores

Com a Reforma de Rodrigo da Fonseca de 7 de Setembro de 1835, Portugal foi um dos primeiros países europeus a instituir a escolaridade obrigatória. Apesar disso, e porque a legislação nunca foi cumprida, a escolarização das populações permaneceu muito baixa, comparativamente ao que se passava no resto da Europa. Em 1900 cerca de 66% dos homens e 82% das mulheres não sabia ler nem escrever. Esta situação, que se manteve quase inalterada até meados do século vinte, era ainda mais grave nas zonas rurais, como é o caso da nossa terra.
Há tempos, a propósito duma pesquisa que nada tinha a ver com este tema, chamou-me a atenção o facto de na maioria dos registos de batismo de meados do século XIX (1860) constar a assinatura do padrinho da criança (em 76 batizados, apenas 21 não assinaram). Quanto às madrinhas, o número é bem menor: nos 76 registos consta a assinatura de apenas cinco, sendo que, pelos nomes, seriam quase todas da mesma família e pertenceriam a famílias ilustres da terra: D. Antónia Henriqueta Almeida de Brito, Maria Margarida Almeida de Brito, Maria Augusta de Brito Coelho Faria, Ana Balbina de Brito e Teodora Rita Xavier.
Durante a mesma pesquisa deparei com o nome de Manuel Marques Leite, professor do ensino primário. Manuel Marques Leite era casado com Clara Augusta e eram ambos naturais de Castelo Branco. Terão vivido por cá alguns anos, pelo menos entre 1860 e 1867, primeiro na rua Velha onde lhes nasceram três filhos, e depois na rua das Lajes, onde tiveram outra criança. Os padrinhos deste último filho foram dois irmãos mais velhos dos quais não encontrei o registo de batismo, talvez porque não tivessem nascido em S. Vicente (já nessa altura os professores teriam vidas errantes…).
É pouco provável que este Manuel Marques Leite fosse o único professor na terra, porque, mesmo que a escola fosse apenas para os rapazes, havia tantos nessa altura que um professor seria insuficiente. De qualquer forma a situação piorou nos anos seguintes.
Em 1880, dos oitenta e nove registos de batismo, só seis continuavam a ter a assinatura da madrinha. Quanto aos padrinhos, a situação era bem pior que vinte anos antes: cinquenta e três não sabiam assinar.
Em 1900 a situação continuava pouco animadora, mas os números eram mais equilibrados entre homens e mulheres: dos 99 registos de batismo, apenas 23 tinham a assinatura das madrinhas e 33 a dos padrinhos.
Estes números não podem ser lidos de forma simplista, mas são um indicador importante do estado de iliteracia na nossa terra, naqueles tempos.
Não encontrei referência a mais professores, mas deve ter havido outros depois de Manuel Marques Leite. Entre o final do século dezanove e o princípio do século vinte o Padre José Antunes, para além de padre, foi também professor de muitos rapazes durante aquele período. Devia ser pessoa de cultura vasta porque parece que, para além de ensinar a ler e escrever, ensinava também outras disciplinas aos alunos. Morreu em 1940 e está sepultado no nosso cemitério.
Deve ter havido outros antes deles, mas muitos já nos lembramos do professor Couto e da mulher. Ele era professor dos rapazes e ela das raparigas. Sobre este período, moí o juízo a uma das minhas tias para me contar porque é que não tinha andado na escola. A explicação dela:
 «Sabes, isto d’agente querer aprender é uma coisa que já nasce connosco. A tua mãe era muito inteligente, que nunca foi à escola, mas sabia ajuntar as letras e assinar o nome. Eu ainda lá andei aquase um ano, mas era burra e não aprendi uma letra. A professora também não ajudava, que mal entrava na sala, assentava-se na cadeira, amouchava a cabeça em cima da mesa e começava a dormir. Não sei lá o que é que ela andava a fazer de noite… Mandava era a filha do doutor Alves, a mai velha, fazer uns riscos na pedra de cada uma e dizia para a gente copiarmos. Eu sabia lá agora fazer aqueles riscos! De modos que quando chegou a altura, fui mas é a regar e a sachar o milho e os feijões, que era aquilo que nos enchia a barriga, e nunca mais pus os pés na escola».
Depois destes, vieram as nossas professoras: a Dona Susana, a Dona Teresinha, a Dona Natália, a Dona Nazaré, a Dona Maria do Carmo, e outras que já não são do meu tempo, mas a quem, cada um de nós, deve um pouco do que é hoje.
Penso que neste exercício de memória seria injusto esquecer o Padre Branco. Para além de ser o responsável maior pela implementação da Telescola (um marco histórico na democratização do ensino em Portugal) na nossa terra, foi também um professor empenhado e competente para muitos dos alunos que a frequentaram. Incluo-me nesse número.


M. L. Ferreira