sábado, 8 de junho de 2024

Conta-me histórias, 2

Pe. José Hipólito Jerónimo, um democrata assumido

José Hipólito Jerónimo fez a sua formação religiosa superior em diferentes geografias (Roma, Itália; Bona, Alemanha; Chicago, Estados Unidos da América). Forçosamente, este contacto tão prolongado (8 a 9 anos) com a vida democrática, que até então desconhecera, impregnou-se-lhe no seu modo de ser pessoa.

Curiosamente, a crise académica coimbrã de 1969 não o entusiasmou. O já sacerdote José Hipólito Jerónimo frequentava o último ano do curso de Filologia Germânica, onde foi colega de curso de Artur Jorge, então jogador da Académica e mais tarde treinador de futebol. O presidente da República Américo Tomás foi inaugurar do edifício das matemáticas e o presidente da Associação Académica, Alberto Martins, pediu a palavra, mas foi-lhe recusada.  Isto provocou a revolta estudantil, que levou ao fecho da academia, por tempo indeterminado. O Pe. Jerónimo não ficou em Coimbra para viver a revolta (o seu reino já não era deste mundo), mas regressou ao Verbo Divino com a convicção de que o regime estava por pouco.

Precisamente quatro anos após esta crise académica, o Pe. Jerónimo, então no Tortosendo, foi uma das individualidades a quem o Jornal do Fundão pediu um depoimento sobre o estado em que Portugal de encontrava e quais as perspetivas de futuro. Durante três semanas, 7, 14 e 21 de maio de 1973, o jornal publicou as respostas às questões colocadas. Da zona de Castelo Branco, participaram os Drs. Fernando Dias de Carvalho, Francisco Rolão Preto, Albano Pina, Mário Branco e Manuel João Vieira. Este último viria a ter um importante e ativo papel na implementação da democracia, após o 25 de Abril, nesta parte sul do então distrito de Castelo Branco.

Graças a esta defesa da democratização do país, o Pe. Jerónimo esteve, por direito próprio, na festa do 25 de Abril no Tortosendo, a 27 de Abril, onde foi um dos oradores. Reproduz-se seguidamente o seu discurso, publicado no Jornal do Fundão de 5 de maio:

(discurso apresentado na publicação anterior)

Semanas depois, ele e outros padres da região manifestaram publicamente a sua solidariedade com o programa da Junta de Salvação Nacional, criticando os bispos portugueses, ativos colaboradores do regime ou simplesmente remetidos a «um silêncio cúmplice», com exceção do bispo do Porto, e recordando o exemplo de muitos religiosos que «conseguiram arrancar-se à apagada e vil tristeza em que colectivamente mergulhou a comunidade cristã portuguesa». Esta tomada de posição de sete padres foi publicada no Jornal do Fundão de 12 de maio.

Estes e outros cristãos aderiram ao Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um espaço de reflexão cristão, internacional e não partidário, dos anos 70, que pretendia conciliar a doutrina social da Igreja Católica com os ideais igualitários do socialismo. E assim se viveu a revolução nas comunidades católicas portuguesas, numa procura constante de como viver os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 5 de junho de 2024

25 de Abril - 50 Anos

 Um democrata assumido

Discurso do Pe. José Hipólito Jerónimo, na festa do 25 de Abril, no Tortosendo, a 27 de abril de 1974. Fonte: Jornal do Fundão, de 5 de maio de 1974 (agradece-se partilha nas redes sociais)

Estamos aqui por uma razão muito simples, mas muito importante, estamos aqui porque estamos contentes. O dia 25 de Abril trouxe-nos a primeira alegria limpa, sã, expontânea, de todo o bom povo português nos últimos 48 anos. Estamos a viver a aventura de sermos livres pela primeira vez, de podermos mostrar abertamente, sem medo, o que somos, o que pensamos, o que queremos. Numa palavra: estamos a viver a felicidade de nos sentirmos, finalmente, homens no verdadeiro sentido da palavra.

Amigos! Permiti que vos dê conta de mais uma razão para o meu contentamento e para a minha presença aqui. Eu, como cristão e como padre, estou feliz porque caiu um regime anti-cristão, anti-democrático e anti-humano. Porque um regime         que à mentira chamava verdade, às trevas chamava luz, e, sobretudo, à opressão chamava liberdade, não era um regime cristão, não era um regime humano.

Aliás, como cristão que sou, e estou certo que muitos outros cristãos pensam como eu, não quero um regime cristão para Portugal; quero sim um regime que represente todo o povo português porque só assim poderá servir a todo o povo português.

Amigos! Não olhemos mais para o passado. Não nos deixemos tomar do ódio nem da vingança, mesmo que tenhamos sido - e todos fomos – agravados durante tantos anos. Sejamos generosos! Mostremo-nos dignos da liberdade que o Movimento das Forças Armadas nos conquistou, mas que nós próprios temos agora de consolidar através do nosso trabalho, do nosso civismo, da nossa capacidade de escolha e das nossas opções! Olhemos para a frente, demo-nos as mãos e, unidos, construamos todos um Portugal mais justo, o Portugal do Futuro!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Outros tempos eleitorais

 Este discurso de um candidato a deputado às Cortes é ficção, mas o retrato nos sugere do Portugal de há quase duzentos anos, comparando-o também com outros países da Europa de então, não andará longe da realidade:

«Meus amigos. Aconteceu no penúltimo Verão percorrer, na comitiva de Sua Mercê o senhor visconde de Santarém, uma grande parte de França e Áustria, países de hereges, hoje limpos desse escorbuto. E eu vos digo o que vi e que gostaria de ver na nossa terra. De norte a sul há estradas, riscadas a cordel e a teodolito, de brita formando concreto com a terra à força de cilindrada. Por semelhantes estradas novas, a que dão o nome de reais, onde não empoça a água das chuvas e se não perde tempo em desvios e rodeios, passam magníficas seges e malas-postas. Nas aldeias há um mestre que ensina a ler gratuitamente quem queira e um maire que administra a comuna com vara firme e segura. A água vem encanada das nascentes e cai por uma bica para tanques e lavadoiros. Fontes de chafurdo, não há. É falso que tenham posto fogo às igrejas e assado os padres nos espetos. Conversei com um e outro e, gordos e prósperos, louvam a Deus e aos paroquianos, e estes os respeitam e estipendiam. Outrossim, vi belas casas a servir de paços do concelho, tribunais e outros edifícios de interesse público, cheios de imponência e da melhor ordem. Nada vos digo sobre os costumes, mas creio que neste capítulo nós ganhamos aos Franceses. Não que amemos a Deus melhor do que eles, mas em matéria de guardar o dia do Senhor, eles lá só não trabalham ao domingo e não observam mais nenhum dia santo, desdenhosos dos preceitos da Santa Madre Igreja. Trabalham como moiros, por isso estão ricos. É Verdade! Mas como o trabalho não é recomendação perante o Senhor e, sim, a prece, eu quero que continuem a guardar-se no Reino todos os dias santos que marca a folhinha, e vêm a ser uns quarenta na roda do ano, permitindo deste modo que o bom povo ouça a missa e a homilia, sempre que se comemora um grande santo ou fasto religioso. Não vos falo da superioridade dos Portugueses sobre os Franceses em matéria de outros preceitos do Decálogo. Se não fosse o abuso que os frades mendicantes fazem das casas mal guardadas de homens, dir-vos-ia que a nossa terra é na cristandade um dos baluartes do sexto mandamento.

«Mas, fora do domínio espiritual, eu sou pelos caminhos limpos e rectos, onde possam passar reses, carros de lavoira e seges, e onde vacas e burras não enterrem os jarretes e partam o pernil. Sou pela água a cair duma bica em cada aldeia, embora ouça dizer que é mais saborosa e fresca essa que repousa nos limos da madre e entre merugens, e tirada por um cantarinho de mergulho. Pelo menos, a dos canos é mais limpa. Não entram para a fonte cobras nem lagartos, nem moscas que gostam no pino do Verão de se acolher à frescura que lhes oferece o sobrecéu de pedra das fontes cobertas com uma laja ou abobadadas. Sou por um mestre, já não digo em cada terra, que seria ciência supérflua e perigosa, porquanto os livros se propagam o bem também propagam o mal, mas ao menos uma escola em cada vila onde os senhores morgados, os fidalgos e mesmo aqueles que dispõem de alguns teres, vão aprender a ler, escrever e a fazer as contas dos gastos e receitas de suas casas. Gostaria mais de ver malas-postas para cá e para lá, cruzando a nossa terra, carregando abades, fidalgos e senhoras, já que a boa gente pobre do povo não pode nem deve usar de tais luxos. E, como Sua Senhoria o doutor Cabeça Ancha, entendo que hereges, franchutes, constitucionais devem ser banidos do Reino para as Pedras Negras e expropriados os seus bens em benefício de quem os der à dica e desmascarar. E, sobretudo, porque hão-de as alçadas reais vir cá tão longe fazer soldados para a guerra? Não, três vezes não. Têm muita soma de gente, de braços a abanar, lá pelo Sul, a quem custará menos, depois, a voltar para suas casas, porque estão perto. Deixem-nos, que nas nossas igrejas rezemos pala paz do rei e a vitória das suas armas, e trabalhemos dobrado pelo engrandecimento da Nação.

«Agora, eu vos digo – e tenham-no em vista para que não sofram decepções – representar o Braço do Povo da nossa comarca não é legislar. Isso virá em seguida à assembleia magna da coroação e proposição do nosso dilecto monarca D. Manuel I, em que vos representarei, se me derdes a honra de me designar. Para essa conjectura é que elaboro a lista das aspirações da comarca que irei levar à Secretaria do Reino a fim de que sejam ponderadas e atendidas, na medida em que o nosso real amo assim o julgar e o favor que lhe merecer a minha instância, que vos prometo aturada e infatigável. Viva a monarquia absoluta! Viva D. Miguel, rei e arcanjo!»

Retirado do livro “Casa do Escorpião” de Aquilino Ribeiro

M. L. Ferreira

sábado, 1 de junho de 2024

Festival do Pão


Festival do Pão – Programa

8.00 - Arruada dos Bombos Vicentinos

8.30 – Preparação do Pão com Chouriço com as Crianças, orientado pelo Zé Carlos

Local: Padaria Matias

9.00 – Passeio de Motorizadas nas Aldeias da Freguesia

10.30 – Jogos Tradicionais para Crianças na Praça

12.00 - Arruada dos Grupos de Concertinas Águias Vermelhas*

15.00 - Homenagem ao Senhor António Inverno

Salão Nobre da Junta de Freguesia

16.00 – Animação com os Bombos Sempre Frescos do Sobral do Campo

16.30 – Lanche com Pão com Chouriço

22.00 – Animação com DJ Rui Sargento

* Grupo onde brilha o nosso conterrâneo Artur Teodoro

M. L. Ferreira 

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Conta-me histórias, 3

O “Vermelho” 

A Rua Nicolau Veloso terá sido, desde sempre, uma das mais importantes vias de entrada e saída de São Vicente. No tempo em que os meus pais lá moraram continuava a ser ainda das ruas mais movimentadas da Vila. Desde madrugada ao sol-posto, rua abaixo, rua acima, não se esvaziava de gente: homens e mulheres a caminho das hortas, da ribeira ou dos pinhais; crianças para a escola, logo ali na Praça; quem chegava ou partia na camioneta da carreira, sempre motivo de curiosidade. Nas noites de verão enchia-se de vizinhos que fugiam da calma dentro de casa e vinham respirar o ar fresco soprado da serra. Para nós, os mais novos, era o mundo inteiro naquela rua.

Mas havia dias (diziam os mais velhos que era nas voltas de lua) em que esse mundo era perturbado por um homem que morava numa casa, mesmo ao fundo da rua. Chamávamos-lhe o “Vermelho”. Assim que o víamos debruçado à janela, a “pregar”, de braços levantados, tal e qual um padre nos sermões dos dias de festa, já não saíamos de casa; se andávamos na rua, corríamos a esconde-nos na primeira porta que encontrássemos aberta. De vez em quando espreitávamos, porque enfrentar o medo nos dava também algum prazer e transformava em quase heróis.

Mais ou menos por essa altura os meus avós moravam numa casa do Casal da fraga. Foram tempos bons, os que lá passei, principalmente durante as férias grandes, quando vinham também os meus primos da Covilhã. Trabalhávamos muito, em tudo o que havia para fazer em casa ou na horta, mas tínhamos tempo de sobra para brincar. “Brinquedos” também não faltavam porque tudo nos servia. Alguns dias, já mais pela fresca, a minha prima Nela e eu íamos à Senhora da Orada com a nossa avó, que trazia sempre alguma novena em atraso e aproveitava os dias grandes e alguma companhia para as cumprir.

Num desses dias, íamos já quase ao cimo da barreira, reparámos que andava um homem a roçar mato do lado de baixo da estrada. Reconheci logo o “Vermelho” e assustei-me, mas a minha avó tranquilizou-me: «não tenhas medo, filha, que ele não faz mal a ninguém», e continuámos o caminho. Daí a pouco sentimos que vinham a seguir-nos. Olhámos e era ele, de passo acelerado, a clamar, com o podão no ar, ameaçador. A minha avó, que deve ter sentido medo por nós, mandou-nos correr, mas nós, uma de cada lado, demos-lhe a mão e ajudámo-la a subir. Ela só dizia: «Nossa Senhora da Orada nos ajude! Nossa Senhora da Orada nos ajude!...» entremeando com Ave-Marias.

Passado algum tempo sentimos que já não havia ninguém atrás de nós. Olhámos, ainda com medo, e vimos o “Vermelho” a andar calmamente, estrada abaixo, o podão às costas, como se não fosse nada com ele. Nós continuámos o caminho até à capela, mas, pelo sim pelo não, à vinda metemos pelo caminho velho. Cruzámo-nos com ele, escondido debaixo de um molho de mato, já a caminho da Vila.

A minha avó contava esta história como mais um dos muitos milagres que a Senhora da Orada lhe fez. De vez em quando ainda me lembro dela como um dos maiores sustos que apanhei na vida.

 Nota: o “Vermelho”, que na verdade se chamava João, era o terror das crianças do meu tempo. Pelos vistos sem razão, porque o único perigo que constituía era ele achar que era médico e autor das cirurgias mais esquisitas que se possam imaginar. Dizem que ficou assim depois de, um dia em que teve que abrir uma sepultura para enterrar outro defunto (era coveiro), se ter deparado com um cadáver quase intacto. É possível que esse incidente também fosse fantasia, ou, a ser verdade, tenha potenciado o despoletar de um quadro de doença mental que, visto à distância de tantos anos, poderia ser algum tipo de esquizofrenia.   

M. L. Ferreira

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Conta-me histórias, 3

 Um vaso, com o nome do artista e uma data

O objecto que aqui me traz é um vaso.

O meu pai, João Teodoro, em certa altura, começou a fazer vasos em cimento, revestindo os lados com tiras de azulejos. Ficavam bonitos, com flores, partilhando o espaço com canteiros de flores na parte fronteira da casa de família. Alguns conservam-se ainda, mormente um, em minha casa, em Almada, de outro feitio, um paralelepípedo há mais de 30 anos habitado pela mesma sardinheira.

Este mesmo objecto me liga à Senhora da Orada, de que o meu pai era devoto, acreditando nas virtudes benfazejas da água daquela fonte. O vaso e a Senhora da Orada dão corpo a esta memória, que também mete o Seminário do Tortosendo, minha escola durante quase 5 anos, dos meus 11 a 16 anos de idade, onde se apurou a qualidade da vocação, sob o número 217.

Esta memória tem data, registada no fundo de um vaso feito pelo meu pai.

Na qualidade de seminarista, e bom cantor, uma competência que se esfumou com o tempo, eu participara, com outros potenciais futuros padres, na missa da festa da Senhora da Orada, no Maio do ano anterior - um acontecimento com nota pessoal negativa, uma vez que o coral do Seminário do Tortosendo, finda a missa da Senhora da Orada dali arrancou, sem participar no "festival merendário" que por aqueles leirões se celebrava depois da missa e da procissão - outro compromisso canoro havia a cumprir pelos infantes cantores, se não me engano em Peraboa,  Covilhã, creio na "missa nova" de um recém-ordenado-padre da terra, que (por sinal) terá deixado de o ser poucos anos depois.  

Um ano passado, nem tanto, eu já não integrava aquele "exército seminarial". Não por vontade própria, para que se saiba.

Aconteceu que, pelo Carnaval (Fevereiro ou Março), eu tinha sido expulso do Seminário.

Razões? Ao Prefeito (uma espécie de ministro do Interior, ou da Administração Interna do Seminário do Tortosendo), de seu nome José G., terão ouvido dizer que, ao praticar-se tal acto (a expulsão, entenda-se) se tinham visto livres de um "cabecilha". Nunca consegui entender o porquê do cognome, nem como adquirira eu a tal dignidade, mas, enfim, que remédio!, arquivei.

Pretexto: uma carta por mim escrita, dirigida a uma hoje senhora que todos conhecemos (com quem, por sinal, pouco ou nada tinha falado, porque Deus me fez sobremaneira encolhido, esclareça-se, aflitivamente tímido e envergonhado!) acho que, a tal carta, contendo umas parvoíces carnavalescas, achada pelo padre-Prefeito entre outros papéis, na minha mesa da sala de estudo, na casa, numa operação de vistoria do reverendo, como agora se diz à procura de indícios - de quê, não sei, nem se visou apenas um ou mais residentes.

Num dos dias seguintes, lá veio a ordem de expulsão, sem conversas e sem apelo possível, irrevogável portanto. Na mesma "encomenda", sem culpas próprias atribuídas, o mano Artur, também estudante no mesmo Seminário, do 2º ou 3º ano, igualmente expulso. Portadores, ambos, de declaração de frequência, com aproveitamento, do último ano de estudos na instituição.

E é aí que começa a história do tal vaso, que tem uma data escrita por baixo.

À surpresa do acontecido, pai e mãe procuraram ser práticos. Fundamental era assegurar que não fossem para o lixo os quase três anos de estudos do filho-cantor, o tal "cabecilha", que assim seria se não fizesse, três meses volvidos, os exames de conclusão do Secundário (o então 5º ano, o 9º de agora). Uns quinze dias passados, se tanto, o ex infante-cantor subia na carreira da Auto Transportes, no Casal da Fraga, rumo ao caminho-de-ferro, em Castelo Branco, tendo Lisboa como destino. Uma viagem que tinha associada uma promessa do pai a Nossa Senhora da Orada.

Esqueçam-se os pormenores do ínterim; no derradeiro do mês de Julho do mesmo ano, realizado na véspera, dia do funeral do dr. Oliveira Salazar, o último exame do Secundário no Liceu Camões, em Lisboa, voltei para S. Vicente; dali a poucos dias, pai e mãe sabiam que havia uma promessa a ser paga a Nossa Senhora da Orada.

Só então eu soube que, por cima do cano da água da fonte, ia ser colocado um vaso, feito em cimento pelo meu pai, decorado lateralmente com pedaços de azulejos, fabricado, por devoção, para aquele fim. Por baixo, o homem que não sabia ler e somente sabia "fazer" o nome, escreveu as iniciais do seu nome,  J. T., e por baixo, uma data, 1970. 

José Miguel Teodoro

 (Escrito em 19 de Maio de 2024, enquanto decorria, na Senhora da Orada, a 3ª sessão de "Conta-me histórias", onde eu iria contar esta história. Concluído às 17:35H).

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Conta-me histórias, 3

 A romaria da Senhora da Orada

Este local mítico e sagrado, principalmente para nós vicentinos, é um espaço de que todos nós temos uma história para contar.

Recuo 60 anos atrás e revejo-me, juntamente com os meus irmãos já nascidos, atrás da minha mãe e do meu pai, ela com o cabaz à cabeça e ele com o garrafão na mão. Vimos caminhando pelo Cimo de Vila, passando pelo Ribeiro Dom Bento, em direção à Senhora da Orada. Revejo a alegria de outras famílias que encontramos pelo caminho, com a filharada atrás, rumando todos no mesmo sentido.

Mas antes, na véspera, estou a rever a minha mãe na preparação da merenda: fritar o frango (ainda hoje sinto esse cheiro), os bolos de bacalhau e os ovos verdes; na parte da doçaria, fazer os esquecidos, os bolos de azeite e pão-leve; no dia a seguir, de manhã cedo, fazer o arroz-doce e meter tudo no cabaz. O meu pai pega no garrafão de vinho e cá vimos nós todos contentes em direção à ermida.

À chegada, vamos à procura de um lugar onde todos, os de casa, os meus avós, os meus tios do Casal e primos, confraternizamos alegremente.

Com o tempo, tudo mudou e ainda bem. Hoje vimos de carro e foram feitas instalações modernas, sendo o principal mentor o Zé Pasteleiro, que pelo seu empenho e interesse de renovação lhe deixo aqui o meu elogio. Tem-nos oferecido no sábado, véspera da romaria, uma noite agradável, com música acompanhada do frango assado (infelizmente este ano substituído pela jardineira) e outras iguarias.

João Maria dos Santos