Sara Varanda
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
quarta-feira, 31 de maio de 2017
domingo, 28 de maio de 2017
Romaria à Senhora da Orada
Prometia ser um rico dia de chuva, mas só caíram uns barrufos, durante a noite.
Na curva da estrada, os feirantes.
Os bombos que ouvia enquanto me aproximava da capela.
Na fonte, as filas do costume, para refrescar o corpo e o espírito.
A procissão já terminara. Havia mais dois cestos como este.
O GEGA animou a festa com uma exposição de fotografias de romarias passadas,
algumas há uns bons anos.
A Senhora, linda como sempre!
José Teodoro Prata
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quarta-feira, 24 de maio de 2017
Ex votos
Todos nós somos de uma maneira ou outra, religiosos.
Mais não seja crermos na ciência humana. Os partidários do agnosticismo não
crêem naquilo que não vêm, o intangível. Apesar de aparentemente não
acreditarem na existência de um Ser criador de todas as coisas, crêem na
ciência. São Tomé só acreditou quando viu o Mestre.
Ao
contrário dos agnósticos, os ateus não seguem qualquer religião; para eles,
Deus não existe, em contrapartida, há os que acreditam numa divindade.
Católicos, muçulmanos, judeus, adoram um Deus único. “Latria”.
Há povos que aceitam vários deuses.
Os católicos muitas vezes “negoceiam” com a divindade
oferecendo contrapartidas pela graça recebida; podem ser velas, dinheiro, ex
votos…
Quem numa hora difícil nunca pronunciou a palavra
Deus? Valha-me Deus, Deus nos valha, Deus nos acuda…
A igreja da Misericórdia, dedicada ao Senhor Santo
Cristo, guarda umas largas dezenas de ex votos, formas de agradecimento por
graças alcançadas. Nela figuram dois belos quadros: um oferecido pelo visconde
de Tinalhas e o outro pela família Robles Monteiro.
A maioria representa órgãos do corpo humano feitos em
cera: braços, pernas, corações… Cada figuração representa a cura daquele órgão
figurado.
Também
se encontram figurações humanas completas, representam crianças que foram curadas
dos seus males. A criança manifesta a dor através do choro, mas não consegue
dizer qual o órgão afectado, então os progenitores oferecem à divindade uma
figura humana.
Seja na igreja do Senhor Santo Cristo ou no santuário
da Senhora da Orada, todos os objectos ex votos estão dependurados nos locais
mais nobres do templo.
Na igreja da Misericórdia existe um divisa militar
oferta de alguém que foi para a guerra e voltou são e salvo. Também se exibe um
grande cirio.
Esta fé em algo que nos transcende já acontecia nos
santuários da antiga Grécia. Os nossos reis, em alturas de aflição, agradeciam
a Deus, através da construção de grandes monumentos: Real Convento de Mafra, Mosteiro
da Batalha… No nosso tempo, ainda há muitos crentes que continuam a oferecer à
divindade da sua devoção peças votivas.
Em Santuários como Fátima, Aires, Senhora da Póvoa, existem
expostos em lugar apropriado peças de roupa, fotografias, ourivesaria e todo o
género de recordações.
Nos
grandes ou pequenos santuários, como da Senhora da Orada, em dias de romaria,
os crentes exibem velas acesas como agradecimento. Não se perpetuam no tempo. Enquanto
dura a cerimónia, a súplica, o pedido ou o agradecimento pela graça recebida, as
velas alumiam, é a forma de pagamento pela graça que a divindade concedeu.
Tudo isto está enraizado nos cultos de raiz popular.
O Homem, ser finito, pelas suas fragilidades e dores,
é limitado. Por isso tem necessidade de recorrer à acção benevolente dos
santos, eles são os mediadores entre Deus e o Homem. Estas situações acontecem
quase sempre quando a esperança na ciência se esgotou, voltando-se a pessoa
para o além, para conseguir o milagre, por intercessão do santo a que se
recorre.
A principal razão da existência dos ex votos é a
gratidão pela graça concedida, mas para isso o pedido tem que ser acompanhado
de muita fé. Porque a fé, nas obras se vê.
domingo, 21 de maio de 2017
Béjar
Na passada quinta-feira, fui de visita de estudo a Espanha. A manhã foi passada em Moraleja, num intercâmbio escolar, e depois rumámos a Salamanca. Logo a seguir a Plasencia, surgiu-me aquela que eu conhecia apenas dos registos paroquiais: Béjar. Ao contar a história da vinda dos antepassados do Robles Monteiro para a Covilhã, esqueci-me de fotografar, mas esta é a paisagem vista da autoestrada.
O percurso aqui marcado passa na fronteira de Marvão (Galegos), mas nós (SVB) atravessaríamos nas Termas de Monfortinho e dali diretos a Plasencia. É perto.
Béjar é uma cidade de montanha. Ainda havia neve, não tanta como na foto. A abundância de água e de gado ovino fizeram surgir uma forte indústria de lanifícios, daí a contratação do João António Robles (roble é carvalho, em castelhano) para vir ensinar os operários portugueses, no tempo do Marquês de Pombal.
O meu colega, professor de Espanhol, contou-me que ali se situa a praça de touros mais antiga de Espanha, ainda de planta retangular. A meia encosta, existe uma aldeia de montanha com uma arquitetura tradicional, muito bonita (vê-se da autoestrada). Anualmente, realiza-se em Béjar um importante festival de blues.
O meu colega, professor de Espanhol, contou-me que ali se situa a praça de touros mais antiga de Espanha, ainda de planta retangular. A meia encosta, existe uma aldeia de montanha com uma arquitetura tradicional, muito bonita (vê-se da autoestrada). Anualmente, realiza-se em Béjar um importante festival de blues.
Este registo refere o batismo de Josefa, nascida a 28.10.1812, filha de Bernardo Ribeiro Robles, da Covilhã, e Antónia Raimunda Ribeira, de São Vicente da Beira, neta paterna de João António Robles e Belchior Gomes, naturais de Béjar, Espanha, e neta materna de José Custódio Ribeiro, de SVB, e Maria Hipólita Cassiana, de Zalamea, Espanha.
Acima referi que este Robles e a sua esposa eram os antepassados do Robles Monteiro. Mas sê-lo-ão também de pessoas ainda a viver em São Vicente.
José Teodoro Prata
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quarta-feira, 17 de maio de 2017
Aos domingos
O domingo era o dia do
descanso das lides do campo e da confraternização com a família. Era sobretudo
religioso: ir à missa era um compromisso a que ninguém se atrevia a faltar.
Envergava-se o melhor fato. As mulheres cobriam a cabeça com um véu arrendado.
A igreja enchia-se: os homens ao fundo, no coro e nos camarins, as mulheres nos
bancos e à frente as crianças, nos primeiros bancos e nos degraus de madeira
dos altares, sob o olhar vigilante das catequistas, a Menina Amélia, a Menina
Graça a tia Estela Passaraça e a Menina Maria de Jesus. As meninas ficavam
todas juntas, com os seus vestidinhos engomados e com o lencinho de assoar
bordado, preso na mão. A missa demorava, algumas pessoas adormeciam, no
abandono do corpo enfim repousado e aconchegado pelo calor e pelo já longo
sermão, previamente elaborado, do pároco.
À saída da missa todas as
pessoas se concentravam em redor da igreja, agrupando-se para cumprimentar os
familiares e para por a conversa em dia. Lembro-me de ser muito pequena e olhar
em redor e ver um mar de saias compridas e já não saber qual era a da minha
mãe. Cumprimentavam-se os familiares, reviam-se tios e tias, avós e netos,
recebiam-se carinhos e palavras calorosas. Os homens dirigiam-se para a taberna,
com os filhos ainda rapazitos a reboque e confraternizavam, acompanhados de um copito
de vinho, onde por vezes se perdiam, até tarde.
No muro da praça, alguns
agricultores vendiam fruta da época. A mãe comprava-nos um dióspiro ou uma romã
a cada um que sabiam a pouco e nos ajudava à subida da quelha, no regresso a
casa. E no tempo das melancias, era com cada uma, enormes, vermelhinhas e
suculentas. Estas, era o pai que as comprava e carregava ao ombro, quelha
acima.
Da parte da tarde, por
vezes, íamos visitar os avós maternos à Oriana. Fazenda enorme soalheira e
fértil situada na parte sul da vila. A casa ficava situada mesmo junto à
estrada nova, pelas traseiras e a frente virada para sul, com uma varanda corrida
de madeiras cruzadas em losangos, entrelaçadas por
trepadeiras, cravos e cravinas bem cheirosas. As flores preenchiam também parte
dos muros que dividiam os leirões e que em certas alturas do ano se enchiam de
cores.
Juntávamo-nos aos tios e
tias, que ficavam a conversar, enquanto os miúdos se entretinham nas
brincadeiras. Às tantas, o avô João Prata pedia à avó para ir ao forro buscar
fruta para dar aos netos. A avó Doroteia subia os degraus largos de madeira da
escadaria que levava ao forro. Lá em cima no soalho, estendiam-se as maçãs
sobre a palha que assim se conservavam nos meses de inverno. Encostadas à
parede, arcas enormes de madeira onde eram guardados os cereais. Ao lado, as
bilhas de zinco com o azeite. Então a avó descia a escada com uma abada de
fruta e distribuía pelos pequenos. Mas estes, rebeldes e ainda insatisfeitos,
corriam pelos leirões abaixo que se estendiam desde a casa até ao ribeiro,
férteis, salpicados de cores, transformados em pomares onde as laranjeiras,
carregadinhas de laranjas, abundavam.
No lameiro, altos arbustos
em flor, como o noveleiro, carapeteiro e roseiras, ladeavam a represa que
ligava o ribeiro ao tanque a transbordar de água límpida, para a rega. Era ali também
que as mulheres da casa lavavam a roupa, por vezes na companhia de amigas mais
próximas, tempo também aproveitado para conviverem e trocarem confidências.
Os pequenos assaltavam as
laranjeiras e tiravam a barriga de misérias e iam atirando algumas aos mais
pequenos, que ficavam em baixo, à espera. A avó Doroteia perseguia-os, gritava
com eles e punha-os em fuga.
A avó era uma mulher que
vivia no seu mundo silencioso, habituada ao trabalho e à obediência ao marido.
O avô era um homem inteligente e trabalhador, mas firme no carácter. Deu o seu
melhor aos filhos, trabalho e também a educação possível para a época e
permitiu-lhes crescer trabalhando no amanho das terras, que eram o sustento da
família, ou aprendendo um ofício.
Noutros domingos íamos
visitar os avós paternos, no Casal da Fraga: o avô Francisco e a avó Maria do
Rosário. Eram pessoas humildes e com um enorme coração. Havia sempre uma fatia
de pão com queijo fresco para os netinhos.
Em cada família das tias do Casal e
na nossa, havia um domingo por ano que era o dia da matação. Toda a família se
juntava: logo de manhã, os homens chegavam para matar e pendurar o porco, mais
tarde chegavam as mulheres que, após um farto almoço com toda a família, iam
lavar as tripas ao ribeiro, cortar as carnes, temperá-las e tratar dos
enchidos. Após uns dias era ver o fumeiro junto ao tecto da cozinha por cima da
lareira, com as morcelas, as chouriças, os chouriços e as farinheiras, que
emanavam um cheirinho de fazer crescer água na boca.
Também havia o domingo de
Páscoa, da Ressurreição. As famílias limpavam cuidadosamente as casas e
enfeitavam-nas com flores. O padre Branco com as suas vestes brancas levava a
água benta. O Sacristão, o sr. António Maria, com a sua batina vermelha, levava
a Cruz de Cristo, toda enfeitada com flores. Os donos da casa mais os
familiares próximos faziam um círculo à volta da sala e era-lhes dado o Cristo
a beijar. A casa era abençoada pelo Padre, com a água benta. Os pequenos corriam
de casa em casa a beijar Nosso Senhor e iam comendo e enchendo os bolsos com os
doces e tremoços, que cobriam as mesas.
E no domingo da Senhora da
Orada? Era uma alegria. Na véspera tratava-se da merenda, onde não faltava o
frango frito e os ovos verdes. Na manhã de domingo, todas as veredas, caminhos e
estradas, desde São Vicente e povoações dos arredores, se enchiam de
peregrinos, carregados com as cestas do almoço, na mão ou à cabeça,
cantarolando, em direcção à ermida. Ao aproximarem-se, já se ouvia o padre e os
fiéis a rezarem o terço. Toda a zona envolvente se enchia de barraquinhas, onde
se vendiam guloseimas e brinquedos para regalo da pequenada. As mães não podiam
deixar de comprar aos pequenos a Nossa Senhora de Açúcar, que era pendurada ao
pescoço por uma fita e depois comida no regresso a casa. As pessoas enchiam o
terreiro da capela, para ouvir a missa, sob a sombra das grandes amoreiras, no
chão, um tapete de flores branquinhas. A seguir à procissão, as famílias
procuravam-se e juntavam-se para almoçar: estendia-se uma manta de trapos no
chão, à sombra de pinheiros ou amieiros, no meio de mato florido ou relva, o
barulho da água a cantarolar no ribeiro e dos passarinhos a cantar. Por cima
estendia-se a toalha, onde se colocava a merenda. As famílias sentavam-se em
redor, comia-se com vontade e convivia-se.
Quando já era mais crescida,
nos domingos à tarde e com a difícil e conseguida permissão dos pais e com a
promessa de regressar antes de se fazer noite, ia sair com as minhas amigas. As
conversas aconteciam na Praça, na Fonte Velha e por vezes no café da beira da
estrada, onde bebíamos uma coca-cola, uma Pepsi ou uma Seven-Up, acompanhada
com um prato de amendoins. Quantos namoros começaram assim!
Dávamos passeios na estrada
nova, por vezes com alguns rapazes no encalço, uns metros atrás. Mandavam
olhares comprometedores e piropos. Havia risos entre os grupos, por vezes trocistas.
Nas árvores da estrada eram gravados nomes, corações, juras de amor.
Sentávamo-nos na Praça e jogávamos
ao anel e ao lenço, com os rapazes. Era o ponto de partida para uma aproximação
entre rapazes e raparigas.
À tardinha quase ao por do sol com o tempo bom, havia
baile na Praça, no cantinho, ao pé do café da tia Janja. O César montava a
aparelhagem que ligava ao café e punha o funil na árvore do canto da Praça que
se enchia com músicas e alegria.
As raparigas sentavam-se de
um lado e os rapazes do outro, dançávamos Rock and Roll em grupo, slows e
corridinhos. Quando a música era para dançar a dois, os rapazes faziam sinal à
rapariga ao longe, ou iam busca-la, se se sentissem seguros. Dançáva-se ao som
dos ABBA e outras músicas então em voga. Era então o tempo do despertar de
novas emoções, de incendiar as paixões, dos encontros e desencontros.
Quando estava muito frio e
chuva, o baile fazia-se num salão ao pé da capela de São Sebastião. Este era
também utilizado para teatro e projecção de filmes, o cinema ambulante. As
bancadas eram feitas com tábuas de madeira corridas, o filme era projectado num
grande papel branco ou um pano a cobrir o palco. Lembro-me do filme que me
impressionou e vi naquela sala: O Tubarão. Uma delícia e uma saudade enorme daqueles
domingos.
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domingo, 14 de maio de 2017
O Espírito Santo
Publiquei, a
3 de abril de 2011, um artigo intitulado Os
franciscanos em São Vicente. Recupero a parte inicial:
«A presença franciscana
remonta, na nossa terra, possivelmente, ao século XV ou XVI. Quase todos os
templos da Vila são desses finais dos tempos medievais e inícios da Idade
Moderna, exceto a Igreja Matriz (erigida na época da fundação da povoação) e a
Orada (é muito mais antiga que a Matriz, mas a atual capela também foi
construída naquele período).
Nesses fins da Idade Média,
São Vicente terá alcançou o seu máximo desenvolvimento económico e social.
Houve então riqueza para levantar templos, palácios e equipamentos públicos,
como a Câmara Municipal e o Pelourinho.
A capela de São Francisco
não foge a esta regra. O grande arco de volta perfeita, no seu interior, com a
aresta cortada, é, na nossa Beira, tipicamente quinhentista. Esteve, até há
poucos anos, pintado de azul.
Mas o templo não foi, desde
o início, de devoção a São Francisco, mas sim a Santo António, ele próprio
franciscano e contemporâneo do fundador da Ordem Franciscana, com quem ainda se
encontrou, na Itália que depois o adotou como seu e onde se tornou um dos
santos maiores da Cristandade.
Foi, pois, a capela dedicada
a Santo António, até 1744. Nesse ano, veio a São Vicente um grupo de frades
franciscanos pregar uma missão. E sementeira foi de tal modo fecunda que, nos
anos seguintes, a capela deixou de pertencer apenas a Santo António para a ser,
sobretudo, dedicada a São Francisco. Nela teve sede, logo de seguida, a Irmandade
da Ordem Terceira…»
São Francisco recebendo a bula da criação da Ordem Terceira das mãos do Papa Inocêncio III.
Procissão dos Terceiros, 2010 ou 2011.
Ando a ler o
livro FRANCISCO, Desafios à Igreja e ao
Mundo, do Pe. Anselmo Borges, e ontem encontrei algo que diz diretamente
respeito a São Vicente da Beira. Cito uma parte do capítulo “As «sopas» do
Espírito Santo”, páginas 242 e 243:
A propósito
das festas do Divino Espírito Santo, nos Açores, escreveu o Pe. Anselmo Borges:
«Se
formos à procura da origem destas festas, encontramos um monge célebre do
século XII, Joaquim de Fiore, que deu o joaquinismo. Segundo ele, a História do
mundo está dividida em três idades: a Idade do Pai ou da Lei, que é a idade da
servidão e do medo; a Idade do Filho, que é a idade da submissão filial; a
Idade do Espírito Santo, na qual se ia entrar, e que é a idade do Amor, da
Liberdade e da Fraternidade.
[Segue-se um
parágrafo em que se refere o eterno conflito no seio da Igreja entre o lado institucional
e hierárquico e o lado espiritual e fraternal; a esta nova mensagem
revolucionária tinham aderido os franciscanos espirituais, desgostosos com os
papas que abafavam o Espírito. Os franciscanos espirituais viriam a abrir um convento na serra da
Arrábida.]
Em
1282, D. Dinis casa com D. Isabel de Aragão, a futura Rainha Santa. (…) Toda a
família da nova rainha de Portugal era partidária dos frades espirituais e a própria
rainha possuía um conceito franciscano de vida: simplicidade, despego dos bens
terrenos, amor aos pobres e fracos. Santa Isabel protegia os franciscanos, e
foi por seu intermédio que entrou um culto especial ao Espírito Santo.
Fundaram-se confrarias do Espírito Santo, irmandades de socorro mútuo, e
instauraram-se as Festas do Império do Espírito Santo, nas quais se celebrava o
Pentecostes, comemorando a descida do Espírito santo sobre os Apóstolos.
Ora São Vicente da Beira, embora nos últimos
séculos não tenha nenhum culto ao Espírito Santo, teve-o na Idade Média,
precisamente na sequência da difusão do joaquinismo em Portugal, pelos
franciscanos protegidos da Rainha Santa. É que, em 1362, menos de 100 anos após
a chegada de Isabel de Aragão a Portugal, existia na Vila a albergaria do
Espírito Santo, certamente gerida por uma confraria do Espírito Santo. Pensa-se
que foi esta irmandade que deu origem à nossa irmandade da Misericórdia, na sequência
de nova dinâmica fraternal criada por uma outra rainha, D. Leonor, nos finais do século XV. Os fins eram
os mesmos e talvez até a albergaria da Misericórdia, situada no início da Rua
da Misericórdia, fosse a mesma antes chamada do Espírito Santo.
José Teodoro Prata
sexta-feira, 12 de maio de 2017
Tempo de milagres
Os
autores têm tentado, ao longo dos séculos, explicar o nosso mundo, quer
material e físico, quer espiritual. A matéria, de certa forma, impõe-se-nos aos
sentidos. O que não acontece com o mundo espiritual. Pese embora tudo não seja
assim tão simples, vamos supor que é! E, assim, nada espanta que seja mais
fácil explicar o primeiro que o segundo. Acreditar no mundo espiritual é mesmo,
para muitos, uma impossibilidade. E essa é a maior razão, por que, talvez, metade
da humanidade se diz descrente, ateia ou agnóstica. Mas vejamos: o que dizemos
nós acerca do Amor, da Justiça, da Paixão ou da Beleza?! A nossa vida está
carregada dessas vivências, desses sentimentos! E todos eles fazem parte do
nosso mundo afetivo, emocional, irracional, numa palavra, espiritual. À nossa razão,
mesmo com a sua dura lâmina e finíssimo corte, é vedado penetrar na Alma.
Tem
isto a ver com uma pergunta que se julga oportuna e atual: que fenómeno,
afinal, se terá passado em Fátima? Ou nada se terá passado, a não ser uma
espetacular manifestação popular, sedenta de um unguento para a suas feridas
corporais e espirituais? Não podemos negar as experiências pessoais destes
casos, se relatadas por pessoas idóneas e de boa fé, tomando-as como fantasias.
A questão é saber como podem tais fenómenos ser entendidos pela generalidade da
população, se só os que os vivenciaram os puderam conhecer? Percebe-se por que os
três pequenos pastores de Fátima, pediram à visão, a qual diziam ser Nossa
Senhora (Mãe Terrena do Jesus histórico), que fizesse um milagre que seria o sinal
para que todos acreditassem no que eles próprios vivenciaram.
Esse
terá sido o chamado milagre do sol, a 17 de outubro de 1917. Já lá iremos. Mas
sobre Fátima há explicações para todos os gostos! Uns dizem que foram
extraterrestres. Entre teólogos e padres católicos, uns dizem que foram
aparições, outros, visões. O padre Mário de Oliveira (católico dissidente), nega
o caso de Fátima. Frei Bento Domingues parece que também tem dúvidas quanto à
narrativa das chamadas aparições. O atual bispo de Leiria-Fátima, compara a
visão dos videntes com o Crucificado. Isto é, quem morre fisicamente não pode
mais aparecer aos nossos olhos com a sua dimensão material. Outros se pronunciaram.
De entre todos, Ratzinger, iminente teólogo, atual papa emérito, Bento XVI. O
antropólogo Moisés Espírito Santo entende que Fátima é uma manifestação do
Islão (com base na ocupação do território português pelos Mouros). Fátima é a
filha do Profeta Maomé, sendo, por isso, um topónimo árabe, etc., etc. Um
ponto, porém, parece impor-se como convergência de muitos dos autores e estudiosos
do fenómeno. Dizem que algo se passou em Fátima, especialmente, naquele dia 13
de outubro de 1917! O único milagre relacionado com o sol é descrito no Antigo
Testamento, quando se diz que Deus parou aquele astro para dar tempo a que
Josué pudesse desbaratar o inimigo de Israel, com quem travava uma batalha,
tarefa que não poderia levar a cabo, caso entretanto anoitecesse! Trata-se,
certamente, de mais uma descrição simbólica de que está pejada a Bíblia!
Como
crente, ressalvo a ideia de que a Deus nada é impossível. Uma premissa
irredutível! Mas como curioso destes acontecimentos e ser racional, admito que
será lícito assentar no seguinte: não é admissível que o sol físico, o astro
sol, se tenha deslocado um centímetro que fosse do seu lugar! Porque isso seria
uma hecatombe universal com consequências inimagináveis para a vida do sistema
solar e, particularmente, da Terra! Por outro lado, se se tratasse de um
fenómeno dessa magnitude, tal teria que ser visto em cerca de metade da Terra. Quer
dizer, em todos os locais onde, àquela hora, o sol fosse visível, caso não
houvesse nuvens! Atenta, obviamente, a hora e o fuso horário de Portugal. Com
efeito, sabendo nós que Terra é redonda, ela está permanentemente iluminada de
um lado, onde é dia, enquanto no outro é noite.
Ora,
parece que não existe notícia de qualquer registo em observatórios astronómicos
por esse mundo fora, relativamente aos acontecimentos desse dia em Portugal. Se
assim for, o caso leva-nos, forçosamente, à conclusão (como dizem algumas
fontes) que o fenómeno terá tido lugar no céu de Fátima apenas a cerca de 500
metros de altura (numa avaliação grosseira), a calcular a partir do local mais
distante do epicentro onde terá sido observado (e de que há notícia), que foi a
casa do poeta Afonso Lopes Vieira, situada a cerca de 40 Km de Fátima, que
disse tê-lo testemunhado.
Alucinação
coletiva da multidão, como a Psicologia procura explicar? Esta tese não colhe
juntos dos estudiosos (ou pelo menos da maioria), porquanto o acontecimento foi
visto por muitos: crentes, descrentes, ateus ou agnósticos. E se os nossos olhos
só veem o que querem ver, só os crentes estariam imbuídos de uma predisposição
interior para aceitar o fenómeno como uma ilusão. Como explicar que uns tenham
visto e outros não? Dois exemplos para ilustrar: algumas fontes dizem que o
poeta e ensaísta português, António Sérgio, estava lá acompanhar a esposa e
nada viu. Mas há outra testemunha ocular que atesta o contrário. Trata-se de um
professor de Ciência Naturais da Universidade de Coimbra que nunca tinha visto
um fenómeno como o que presenciou. E não conseguia explicar o que tinha
acontecido, com o sol a rodar e a mudar de cor.
E
aconteceram todas aquelas coisas descritas como maravilhosas por milhares de
testemunhas. Coisas sobejamente conhecidas em Portugal e em todo o mundo! Em
face do que a Igreja Católica acabou por aceitar tudo como manifestação
sobrenatural e divina, oficializando o culto mariano de Fátima. O que foi,
definitivamente, confirmado com a vinda, pela primeira vez, de um papa a
Fátima, Paulo VI, em 1967 (por ocasião do 50.º aniversário das aparições). Já
vimos que, sobre estas coisas, cada um diz o que sente ou o que lhe parece, com
mais ou menos informação.
Já
foi publicado neste blogue o seguinte texto: «E, quando já não imaginava que via alguma coisa mais impressionante do
que essa rumorosa mas pacífica multidão animada pela mesma obcessiva ideia e
movida pelo mesmo poderoso anceio, que vi eu ainda de verdadeiramente estranho
na charneca de Fátima? A chuva, á hora prenunciada deixar de cair; a densa
massa de nuvens romper-se e o astro rei - disco de prata fosca - em pleno
zenith aparecer e começar dançando n'um bailado violento e convulso, que grande
numero de pessoas imaginava ser uma dança serpentina, tão belas e rutilantes
côres revestiu sucessivamente a superfície solar…
Milagre, como gritava o povo; fenomeno natural, como dizem sábios? Não curo agora de sabel-o, mas apenas de te afirmar o que vi...O resto é com a Ciência e com a Egreja...» AVELINO DE ALMEIDA (in Jornal “O Século”, de 17/10/1917). A grafia é da época).
Milagre, como gritava o povo; fenomeno natural, como dizem sábios? Não curo agora de sabel-o, mas apenas de te afirmar o que vi...O resto é com a Ciência e com a Egreja...» AVELINO DE ALMEIDA (in Jornal “O Século”, de 17/10/1917). A grafia é da época).
Perante
um testemunho tão claro evidente, creio que não foi tanto a história dos três
meninos, nem foram os textos da Lúcia, embora em coerência com os
acontecimentos históricos posteriores, que lograram levar tanta gente a acreditar
em Fátima! Também não foi a revelação do terceiro segredo, no ano 2000, que
ficou muito aquém das expectativas. E que se baseia apenas numa interpretação
peculiar daqueles textos pelo papa João Paulo II. O que, verdadeiramente, pôde
levar a acreditar que algo de extraordinário se passou em Fátima, em 1917, foi
este texto desse desconhecido e obscuro jornalista d’ “O Século”, Avelino de
Almeida, publicado naquele jornal alguns dias depois do sucedido. Um insuspeito
antigo seminarista do seminário de Santarém, ateu e anticlericalista.
Na
verdade, nunca saberemos o que terá acontecido naqueles dias na Cova da Iria. E
ainda menos conheceremos a sua verdadeira natureza. Porém, continuamos a ver passar
essa impressionante multidão de peregrinos! Já não são 50 ou 60 mil, mas 1
milhão! Massa de gente, consciente da sua inexorável finitude! Sôfrega de curar
as maleitas próprias da sua condição! Pedindo um bálsamo para as dores e um
momento de paz! Como há dias dizia um frade anónimo na televisão: “Talvez seja
esse o maior milagre de Fátima”!
A
fé é isso mesmo. É acreditar. Apesar das dúvidas, que sempre teremos. Porque acreditar,
está para além de toda e qualquer compreensão. O tempo é, pois, de milagres!
José
Barroso
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