quarta-feira, 2 de junho de 2021

Parque do Barrocal

Visitei o Parque do Barrocal, em Castelo Branco. As opiniões têm sido muito positivas, mas eu vim de lá algo apreensivo. As linhas que se seguem são apenas uma reflexão pessoal, sem quaisquer pretensões, nem sequer de estar certo.

Não me admira ter sido premiado a nível internacional, pois está tudo muito bem feito. O meu problema é que o que se fez foi urbanizar um pedaço de natureza às portas da cidade, ainda em estado quase puro. Quase todos os percursos de fazem sobre passadiços em madeira nuns locais e metal noutros.

É verdade que se pode admirar a natureza, sem a pisar, mas também sob os passadiços nada cresce e se crescer é imediatamente cortado. Passeei pelos Alpes Suíços, por carreirinhos que pareciam de cabras e não consta que alguém se venha queixar que ali a natureza não é respeitada.

Neste parque, os citadinos transferiram para a natureza as comodidades de que gozam na cidade: sem lama, sem ramos a rasgar ou ferir, sem escorregadelas. Estacionam num parque automóvel e a ele voltam sem praticamente terem pisado terra ou rocha, sempre ao colo dos milhões que aquilo custou.

Vários pontos de interesse foram acrescentados à paisagem, como a ponte suspensa que nos dispensa de descer e subir uma pequeníssima depressão entre duas rochas ou o túnel do lagarto que não passa de uma estrutura metálica colocada sobre o caminho.

Para mim é um parque urbano muito bem feito e não o quero desvalorizar. O que me preocupa é que projetos como este estão a tomar conta do país, transformando alguns dos sítios mais bonitos de Portugal numa Disneylândia. Em Oleiros chamou-se o Siza Vieira para prolongar com uma pala um lindo miradouro; em Vila de Rei construíram-se alguns metros de passadiços que custaram 600 mil euros; Arouca já reivindica ter a maior ponte suspensa do mundo, mas entretanto os seus passadiços do Paiva já arderam por duas vezes.

Queremos urbanizar a nossa paisagem? Mas não é uma forma de adulterar a paisagem, uma forma de poluição? Sobra dinheiro ao poder local? É o dinheiro dos nossos impostos e os portugueses não estão a viver bem!

Nota: sempre alertei os meus alunos para, se um dia nos reencontrássemos e eu dissesse mal da escola e dos alunos, em comparação com o passado, não ligassem, pois estaria a ficar velho; neste caso estarei a ficar velho ou isto que se está a fazer um pouco por todo o país é mesmo uma saloiice?

José Teodoro Prata

4 comentários:

Anônimo disse...

O desígnio geral em curso é como diz o ZT: urbanizar um pedaço de natureza às portas da cidade. Mesmo a propósito. Não é que fiquei chocado com uma intervenção extremamente agressiva numa área do Parque Florestal de Monsanto – o corte de imensos pinheiros de alêpo com dezenas de anos, num terreno paupérrimo em que só os pinheiros se dão e a custo, para colocar escadarias de madeira e pavimentação artificial nos caminhos!!! Escrevi para a CML a pedir as razões de tal intervenção e deram-me uma resposta formal, muito bem fundamentada e da qual transcrevo o primeiro de vários parágrafos: O Parque Florestal de Monsanto é um Parque Florestal de Excelência, o único Parque Urbano Florestal da Europa com certificação florestal sustentável e, com cerca de 1000 hectares, vem referenciado como “Mata Modelo” no âmbito do PROF-AML (Plano Regional de Ordenamento Florestal da Área Metropolitana de Lisboa).
Então, é desígnio ou não é? Mas não me parece saloiice será mais mariquice… e com esta e outras intervenções destruíram o único nicho de Lisboa onde não entrava o ruído dos milhares de automóveis que circulam 24 horas por dia à sua volta. Mas que importa? Criou-se uma mata modelo.
FB

José Barroso disse...

Por acaso ainda eu há dias eu reivindicava um passadiço para S. Vicente, da Barragem até à Sra. da Orada. Mesmo que não fosse tão comprido (seria mesmo demasiado), que se fizesse em alguns percursos mais curtos junto à Ribeira. No entanto, em parte, concordo contigo. Tudo o que é demais é perdido. Não se deve "urbanizar" o que queremos que seja natural. Se calhar, no Barrocal foram capaz de exagerar. Não há nada que chegue ao bom senso. Com efeito, também reconheço que as plataformas dão ao turista/ visitante uma perspetiva das vistas que a maioria dos pontos naturais, excepto os miradouros, não dá, porque há sempre obstáculos à visão. A questão seria combinar convenientemente os passadiços com os circuitos naturais, nos locais a visitar.

M. L. Ferreira disse...

Estou muito curiosa, mas ainda não calhou uma visita ao Barrocal.
Possivelmente estas obras são mesmo uma saloiice, mas penso que a intenção, podendo revelar algum atraso até do ponto de vista ecológico, é a de criar alguma visibilidade e interesse para sítios ou localidades de que pouco se ouvia falar. A verdade é que têm atraído gente, e ainda bem.
Já andava para lá ir há que tempos, mas só ontem é que ganhei fôlego para me aventurar até ao sítio onde um casal do Violeiro recuperou um moinho abandonado que pertencera à família (a notícias foi-nos dada, na altura, pela Célia). É um lugar lindíssimo na ribeira de Almaceda (?) onde terão existido vários moinhos que pertenceram a gente do Violeiro, da Partida e de outras terras ali à roda. E funciona mesmo. Ontem estava a moer farinha de centeio para fazer o pão que ia ser cozido no forno comunitário do Violeiro (dos vários que foram recuperados, deve ser o único que ainda coze de vez em quando). E isto para dizer que é pena que as autarquias não reservem algum do dinheiro que têm para gastar em parques, pontes, passadiços e outros projetos um pouco megalómanos, e o gastem em coisas mais simples como limparem ribeiras e construírem veredas de onde possamos usufruir, de forma mais simples, as belezas que temos à mão, mas estão a ficar cada vez mais escondidas.

José Teodoro Prata disse...

Desculpem o atraso na publicação dos comentários, mas fui a terras de Sua Majestade ver como fazem por lá. Estive em três dos mais importantes parques de Londres, todos enormes, e em dois deles há apenas trilhos de terra. No outro, Barnes, num espécie de pântano, lugar de antigos reservatórios que abasteciam a cidade, especializado em aves, há passadiços mas de madeira e rentes ao chão.
Concordo que os nossos passadiços e pontes suspensas são uma forma de atrair gente já desligada da vida na Natureza e obtêm êxito nisso. Mas é uma tristeza em muitos aspetos... (o exemplo do Chico explica as minhas reticências).
Quanto à nossa rota que circunda a barragem, há várias questões: não existe rota propriamente (o percurso não é cuidado regularmente e quando há três anos lá fomos pelo São Martinho o percurso era invisível em vários pontos, coberto pelo matagal); duvido que a Câmara gaste esse dinheiro connosco (a escola leva-lhes muito...); ficaríamos apenas com as cinzas em caso de incêndio; claro que atrairia gente (muito mais gente)!