sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Pecados


TRÊS PECADOS DA SOCIEDADE

São três os males que assolam a sociedade.
Ignorância, fanatismo e tirania
acompanham-nos noite e dia
desde a mais tenra idade

O ignorante não tem ilustração
não possui o saber, a habilidade
mas não deixa de ter honestidade
não deixa de ter um bom coração

O fanático é um mal-educado
pensa cegamente
na verdade que sente
tornando-se cruel e obcecado

Dos fanáticos, livra-nos Senhor
fujamos deles como o diabo da Cruz
o fanático não traz luz
seu pensamento é demolidor

Por último temos o tirano
que só sabe vexar, oprimir, travar
pessoa sem amor para dar
despótico, cruel e desumano

 Evitem-se os fanáticos; políticos ou religiosos
são como peçonha, pegajosos.
 
Livra-nos Senhor das opressões
dos males da nossa sociedade
e Ilumina nossos corações

Zé da Villa

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A erva santa do tabaco...


Tive acesso a uns autos judiciais de 1849, do Julgado de São Vicente da Beira. Referem-se a casos que vos deixarão surpresos, como eu fiquei.
É que a noção do que é proibido ou não depende muito da sociedade em que se vive e dos interesses dos governantes ou da sociedade do momento. Isto é, os nossos mais velhos pensavam que as proibições eram ditadas por uma iluminação quase divina dos governantes, tornando o seu cumprimento um dever quase sagrado. Parece que não…
Por exemplo, atualmente estão legalizadas umas drogas e outras não. As bebidas alcoólicas, o tabaco e os medicamentos adquirem-se livremente, enquanto outras substâncias que também criam dependência e prejudicam a saúde são proibidas. Tudo depende do que a atual sociedade considera aceitável ou não.
Nos anos 80 do século passado, os Estados Unidos da América promoveram a formação de grupos armados na Nicarágua, para lutarem contra o governo deste país. Para se financiarem, organizaram a entrada nos EUA de quantidades enormes de droga, cuja venda financiou os Contra, como ficaram conhecidos. No entanto, os EUA eram oficialmente contra o tráfico de droga e mantiveram sempre a repressão sobre os traficantes.
Em meados do século XIX, a Inglaterra produzia muito ópio na sua colónia da Índia. Um dos mercados mais promissores era a China, cujo governo se fartou de ver definhar lentamente parte da sua população e proibiu a entrada do ópio inglês. A Inglaterra clamou contra esta medida que atentava contra a liberdade comercial e impôs à China uma guerra (a Guerra do Ópio) que humilhou  a China e a colocou, durante décadas, sob o domínio económico do Ocidente.
Os exemplos que se seguem são de 1849, ocorreram na área do antigo concelho de São Vicente da Beira e têm igualmente a marca do seu tempo. Nessa época, a produção e venda de sabão, tabaco e pólvora eram feitas em regime de monopólio, isto é, só os podiam produzir e comerciar quem tivesse autorização do Estado. Até era proibido o consumo de bens não produzidos por quem tinha o monopólio.

- A 13 de julho de 1849, Manuel Luís Mineiro, escrivão fiscal do posto de Castelo Branco, apresentou 64 pés de erva santa do tabaco que fizera arrancar numa fazenda  da Oles, pertencente a Maria Teresa, viúva de António Alves Vermelho, de São Vicente da Beira. A fazenda confrontava com o Excelentíssimo Francisco Caldeira Leitão Pinto Cardoso, da Borralha, e Josefa Carolina Ribeiro Robles, de S. Vicente da Beira. As testemunhas foram 2 soldados da Companhia de Granadeiros do Regimento de Infantaria 12. A erva do tabaco apreendida foi destruída em presença do Administrador do Concelho. Foram testemunhas António Rodrigues Castanheira e José Patrício Alves Leitão, de S. Vicente da Beira.

- No mesmo dia, os mesmos apreenderam 180 pés de erva santa de tabaco, na fazenda de Joaquim Dias, viúvo, de S. Vicente da Beira. A fazenda situava-se na Serra, confrontando com Miguel dos Santos e Ana dos Santos. As plantas de tabaco foram destruídas. Serviram de testemunhas Plácido Henriques e  Domingos de Oliveira, de S. Vicente da Beira.

- Ainda a 13 de julho de 1849, o Meirinho Filipe da Silva apresentou 170 pés de tabaco que arrancara na serra, em fazenda de Miguel dos Santos, que partia com Joaquim Dias e herdeiros de Maria Inês de Oliveira.

- A 14 de julho de 1849, Manuel Galvão Peixoto Lobato e Luciano Pereira de Paiva, empregados do Contrato de Tabaco, Sabão e Pólvora, encontraram na Ribeira do Ramalhoso, em posse de Helena Maria Duarte, mulher de João Caio, do Sobral do Campo, meia onça de sabão mole espanhol [cerca de 14 gramas]. Perante do Administrador do Concelho, a arguida disse que encontrara o sabão no lavadouro, ignorando de quem era. Os fiscais apresentaram como testemunhas Bernardo da Silva Marques e Cristina da Ressurreição, ambos também do Sobral do Campo.

- A 24 de setembro de 1849, Filipe da Silva, Meirinho do Contrato de Tabaco, Sabão e Pólvora, e os seus empregados Manuel Nunes Carrega e Vicente Gonçalves, encontraram, nas proximidades do Sobral do Campo, Pulquéria Casimira, viúva deste lugar, que levava numa cesta de verga, misturado com roupa, uma onça de sabão [cerca de 28 gramas], que não tinha as caraterísticas do que era comerciado pelo Contrato, mas parecia manipulado em estranha fábrica (fabrico clandestino). O sabão foi apreendido e levantado um auto.
O Administrador do Concelho era Bonifácio José de Brito Coelho de Faria e o escrivão João dos Santos Vaz Raposo. Manuel Ribeiro do Rosário era o subdelegado do procurador régio do Julgado de São Vicente da Beira e o seu escrivão chamava-se Francisco José Dias de Oliveira.

José Teodoro Prata

domingo, 19 de agosto de 2018

Os baldios


No Arquivo Distrital de Castelo Branco existe um processo judicial do século XVIII, em que o governo do Marquês de Pombal manda fiscalizar todo o Vale de Sande, que era terra baldia e por isso o poder central tinha direito a um terço do produto da venda das pastagens.
O Vale de Sande, hoje chamado Vale do Santo, onde corre o ribeiro com o mesmo nome, vai das traseiras do Ninho do Açor até ao fundo do Monte de São Brás. No 3.º quartel do séc. XVIII já muitos particulares se tinham apoderado de parcelas de terras públicas ou ali plantado oliveiras, ficando por isso donos delas. Por exemplo, o Conde de São Vicente vendia as pastagens do fundo do vale, as melhores, como se fossem suas, subtraindo esse rendimento ao concelho do Freixial do Campo (embrião da atual junta de freguesia), e ao poder central. O Marquês de Pombal moveu processos judiciais a todos e a justiça foi reposta.
Pela Memória da Indústria Agrícola, aqui recentemente publicada, podemos concluir que foi sol de pouca dura, pois cerca de 1840 já muitos particulares, os maiores proprietários, se tinham apoderado de muitas parcelas dos baldios.
O documento que abaixo se apresenta vem na mesma linha. João dos Santos Vaz Raposo, meu antepassado direto ou irmão de um meu antepassado, solicitou à Câmara, em 1855, autorização para coutar (fechar) três barrocas contíguas que possuía (Vale Covo, Vale de Castanheira e Barroca dos Negros), legalizando, nesse ato, a posse de maninhos públicos que já ocupara e que se situariam entre as três barrocas a coutar.
A Junta da Paróquia deu-lhe razão, a Câmara dividiu-se e o Governo Civil terá dado resposta favorável, na linha da ideologia liberal que então governava Portugal, a qual valorizava a posse particular de bens em prejuízo do domínio público.
Tudo isto confirma a tradição oral existente na nossa terra de que os ricos ficaram ricos porque fizeram grandes propriedades com as terras que eram de todos.

Notas:
1. Como investigador, não posso dar como totalmente  certa uma conclusão destas, pois falta um estudo sistemático da transferência dos baldios para os particulares, no século XIX e inícios do século XX. «…pero que las hay, las hay!»
2. Não esquecer que o nome deste blogue designa o baldio de toda a encosta da Gardunha, desde a Oles à Senhora da Orada.

Sessão da Câmara de 11 de fevereiro de 1855
Ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1855, aos 11 dias do mês de fevereiro, nesta Vila de São Vicente da Beira e Paços do Concelho, sendo presentes o presidente da Câmara – Brito – e os vereadores – Ribeiro Robles – Garrido – e Magalhães, deixando de comparecer o vereador Neto, com motivo justificado, o dito presidente declarou aberta a sessão.
E foram presentes os informadores nomeados por esta Câmara a fim de declararem o que entendiam sobre o coutamento que pretende fazer João dos Santos Vaz Raposo das barrocas do Vale Covo, Vale de Castanheira e Barroca dos Negros, cuja declaração fazem pela maneira seguinte:
Que avaliaram a sementeira das três barrocas em cento e catorze alqueires, mas declararam que esta sementeira nas duas primeiras se não pode fazer senão de seis a nove anos e a última que nunca se poderá fazer menos de quinze a vinte anos;
Que aquelas ditas barrocas cada uma foi de seu dono que nesse tempo eram separadas umas das outras que por serem hoje do mesmo pretendente João dos Santos Vaz Raposo apenas as separam uns regos de arado, mas que todos os maninhos contíguos às ditas barrocas nunca lhe pertenceram em tempo algum que sempre foram estranhos às mesmas, tidos como baldios desta Vila e freguesia e que desde tempo de que se não lembram os nascidos sempre os ditos povos desta Vila e freguesia os desfrutaram em comum indo ali cortar mato, arrancar torga e pastar com seus gados grosso e miúdo e que os ditos terrenos baldios nunca foram nem podem ser cultivados.

O documento continua informando que a Junta da Paróquia (antepassada da Junta de Freguesia) tinha opinião diferente e mesmo entre os vereadores não havia consenso. A Câmara ia enviar todo o processo para o Governo Civil de Castelo Branco, ao qual caberia decidir.

José Teodoro Prata