sexta-feira, 30 de abril de 2010

A ponte de Alcântara


Volto sempre à ponte romana de Alcântara, passagem para a capital da Lusitânia, Emerita Augusta (Mérida), situada nas margens do rio Guadiana, a pouco mais de meia centena de quilómetros de Badajoz e Elvas.
Mas por aqui faço a viagem de regresso. Na ida, é obrigatória a passagem por esta extraordinária obra de engenharia que maravilhou o Mundo Antigo.
A ponte romana de Alcântara situa-se a escassos quilómetros da fronteira de Segura, no concelho de Idanha-a-Nova. Foi erguida, no ano de 106, a fim de facilitar a travessia do Tejo, ligando a via romana que de Mérida e Cáceres seguia para norte, com a via que depois levava até Conímbriga, Viseu e Braga, por Idanha-a-Velha, Belmonte, Valhelhas…
A ponte foi construída no tempo do Imperador Trajano, por Caio Julio Lacer. Tem 194 metros de comprimento, 61 de altura e 8 de largura.
Na época árabe (após 711 até à Reconquista Cristã) a ponte deu nome à povoação que nasceu junto dela, pois, em árabe, “a ponte” diz-se al-quantarat (Alcântara).
A ponte romana de Alcântara diz-nos respeito, porque foram os povos, os municípios, das duas margens do rio que pagaram a sua construção, logo, os nossos antepassados de há cerca de 1900 anos.
Chamávamo-nos, na altura, Lancienses, segundo uns, Tapori, segundo outros investigadores. Talvez os Tapori fossem um subgrupo dos Lancienses. A nossa capital de então é ainda desconhecida.




Pormenor da inscrição, em pedra mármore, no arco do triunfo, à esquerda, com os nomes dos municípios que pagaram a ponte. Em primeiro, na sexta linha, vêm os Igaetani (Idanha-a-Nova).

Deixo-vos com a divisão dos povos da Lusitânia, segundo Jorge de Alarcão, na sua obra Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e outros mundos), publicada pela Revista Portuguesa de Arqueologia, volume 4, número 2.2001.
Mas está on-line, no site http://www.apocalipse.us/forum/index.php?topic=895.0;wap2
A parte referente aos habitantes desta zona vem no final do trecho citado.

«Já em diversas ocasiões considerámos as posições geográficas e limites destas civitates (com excepção da dos Elbocori), civitates que possivelmente mantiveram, e sem grande alteração, na época romana, as fronteiras entre populi proto-históricos (Alarcão, 1990a, ultrapassado por Alarcão e Imperial, 1996 e Alarcão, 1998). Vamos manter essas fronteiras, com algumas correcções derivadas de mais atento exame do quadro oro-hidrográfico.
Referiremos, em primeiro lugar, que a proposta de situar os Lancienses Transcudani na margem esquerda do Côa, apresentada por muitos autores, assenta na ideia de que o Côa se chamava Cuda. Fernando Curado (1988-94, p. 216) observou já que o nome antigo do rio seria Cola, ainda atestado na época medieval. J. P. Machado (1993, voc. Côa) considerou Cola dos documentos medievais como um falso latinismo mas não cremos, neste particular, que o autor tenha razão.
Situados no planalto da Guarda/Sabugal, os Lancienses Transcudani viriam até ao rebordo desse planalto ou, mais concretamente, até às alturas de Cabeço das Fráguas (1018 m), S. Cornélio (1008 m) e Mosteiro (939 m), três elevações que se observam na paisagem a muitos quilómetros de distância. A sul, o limite passaria pela serra da Malcata (que, aliás, poderia ter sido a Cuda romana, nome não atestado literária nem epigraficamente mas pressuposto pela própria designação de Transcudani).
A norte, os Lancienses Transcudani confrontavam com Aravi e Cobelci, embora não possamos propor uma linha muito provável (vid. todavia Alarcão, 1998, onde se traça essa fronteira).
É também incerta a raia oriental, bem como a localização da capital desta civitas, capital que poderá corresponder à Tutela do Parochiale suévico.
Na Cova da Beira ficariam os Ocelenses Lancienses, cuja capital também permanece, por enquanto, desconhecida, já que as escavações de Terlamonte, sítio proposto por nós como provável sede administrativa, não revelaram núcleo urbano.
É muito possível que o vale da ribeira de Meimoa integrasse ainda os Ocelenses Lancienses, cujo limite meridional poderia correr, de nascente para poente, pelos actuais marcos geodésicos de Santa Marta (804 m), Cabeça Gorda (525 m), Ferreira (578 m) e Enxames (604 m). Entre os dois últimos há uma passagem por onde corre a ribeira de Taveiró e, hoje, a estrada n.º 346 de Penamacor a Capinha. Na área dessa passagem, numerosos topónimos em que entra a palavra "vale" sublinham o seu carácter afundado. Vale das Ovelhas poderá referir-se a rota de transumância para as campinas de Idanha.
Em Salvador, um terminus augustalis entre Igaeditani e Lancienses Oppidani, CIL II 460, permite situar estes últimos para além da serra de Penha Garcia. Por ficarem sediados maioritariamente em território hoje espanhol, consideraremos os limites dos Lancienses Oppidani mais adiante. Diremos aqui apenas que, ao contrário do que já propusemos, não nos parece que Penamacor tenha sido o lugar da capital destes Lancienses (Alarcão, 1998, p. 149).
O topónimo Penamacor não derivará de Pena+Macur ou Macurium? Pena é topónimo medieval comum. Macur ou Macurium conteria uma raiz Mac- ou Mag- e uma componente -ur-, que surge em Verurium e Elbocoris. A raiz Mac- ou Mag-, também observável na Beira central, onde se situariam os Magareaicoi (Vaz, 1997, p. 188), encontra-se no suposto território dos Ocelenses Lancienses, donde temos menção de um Silo, Angeiti filius, Maguacum (Alarcão, 1993, p. 37). Pelas imediações do local onde foi encontrada a inscrição que regista este Silo corre a ribeira de Mogo. A alternância o/a verifica-se em época romana, como se prova pelo nome de Copori, que Ptolemeu chama Capori, e em português medieval, porque o nome de Penamacor também aparece grafado Penamocor (Machado, 1993, voc. Penamacor).
Se esta proposta de etimologia for correcta, Penamacor, chamada Macur ou Macurium, não pode ter sido capital dos Lancienses Oppidani, visto que esta se chamava Lancia Oppidana. Penamacor seria apenas vicus ou castellum, aliás possivelmente importante, no limite entre Oppidani e Ocelenses.
A sul da serra da Gardunha ficavam os Tapori, que confinavam com os Igaeditani. Propusemos, em trabalho anterior (Alarcão e Imperial, 1996, p. 42), uma fronteira entre estas duas civitates correndo pela ribeira de Alpreade até à sua confluência com o Ponsul e descendo depois por este rio até ao Tejo. Não podemos, hoje, deixar de perguntar-nos se a fronteira entre Igaeditani e Tapori não poderia coincidir com a extrema oriental da enorme herdade da Cardosa, doada aos Templários, em 1214, por D. Afonso II (documento publicado por Cardoso, 1940, p. 27-29).
Infelizmente, não conseguimos localizar os topónimos que no documento de 1214 se citam entre o Tejo (talvez não longe da sua confluência com o Salor, rio da sua margem esquerda, em território espanhol) e Escalos (não importa se o documento se refere a Escalos de Cima ou de Baixo, dada a proximidade a que se encontram as duas povoações). Podemos, todavia, com alguma verosimilhança, fazer passar a extrema da herdade pela actual freguesia do Ladoeiro e pela Ponte da Munheca, onde se encontra, numa gravura possivelmente proto-histórica, uma cruz demarcatória, talvez feita por ordem de Rodrigues Mendes e Mendo Anaia, com outros bonis hominjbus, encarregados, segundo o documento de 1214, de assinalarem a extrema per petras et per signos (Figs. 4 e 5). Neste caso, a fronteira entre Tapori e Igaeditani, que voltaremos a discutir mais adiante, seria um limite artificial, não coincidente com linha orográfica ou hidrográfica.
A localização dos Tapori na área de Castelo Branco parece-nos suficientemente credível. Talvez a cidade de Verurium, citada por Ptolemeu, tenha sido a sua capital.»


Templo romano em honra do arquitecto da ponte Caio Julio Lacer, que ali foi sepultado. Após a conversão dos romanos ao Cristianismo, o templo foi dedicado a S. Julião.

domingo, 25 de abril de 2010

Em Abril, lutas mil

Era uma vez um povo que labutava de sol a sol, para garantir o pão de cada dia. A sabedoria das suas coisas simples condensava-a nos provérbios que fazia:

Em Abril, águas mil.
Em Abril, salga o teu olivil.
Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.
Abril molhado, sete vezes trovejado.


Uma vida simples, sem ambições e de horizontes estreitos.

Bendita seja a miséria, porque faz o povo humilde.
(Cardeal Cerejeira)


Mas os poetas vêem as coisas noutra perspectiva.

Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.
...
(“A Rapariga do País de Abril”, Manuel Alegre)


E semearam a inquietação:

Menina dos olhos tristes
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar


ou

Eles comem tudo
eles comem tudo
eles comem tudo
e não deixam nada


ou

Grândola, vila morena
terra da fraternidade
o povo é quem mais ordena
dentro de ti, ó cidade
(José Afonso)


E no dia 25, até o poeta se comoveu ante a realização do sonho.

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Depois, o povo fez desse dia 25 de Abril um marco divisório, entre um antes...

O tempo da fome
O tempo da outra senhora
Um tempo dum filho da p…


...e o depois:
o direito ao voto para todos,
melhores salários,
mais educação,
melhor saúde...

sábado, 24 de abril de 2010

Flores silvestres

É Primavera. As plantas desabrocham em flor.


O pinheiro bravo.



A polígala.
Para saber mais, consultar a publicação de 14 de Março de 2009


A giesta branca.


A serradela.


Não sei o nome, mas abunda em S. Vicente e é muito bonita.


A carqueja (carqueija, como nós dizemos).


O rosmaninho.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Artista determinada

A nossa Luzita desceu à cidade, para receber um prémio. A notícia e a foto são do jornal Reconquista, que aqui reproduzo, para quem está longe. É fácil identificá-la, no centro da fotografia.


Os participantes do concurso "A minha cidade é Arte", organizado pela Biblioteca Municipal de Castelo Branco, receberam no passado dia 14 de Abril, os prémios pela realização dos respectivos trabalhos numa cerimónia informal.

Numa nota enviada à nossa redacção refere-se que os objectivos lançados por este concurso foram integralmente atingidos e passavem pela promoção da escrita criativa e valorização da expressão literária.
Esta foi, igualmente, uma forma de estimular o interesse pelas artes plásticas e dar a conhecer os artistas plásticos do concelho.
Segundo reza a mesma nota, a participação ultrapassou os limites geográficos definidos e no decorrer do prazo porposto para realização e entrega dos trabalhos, inúmeros foram os albicastrenses, mesmo os que residem fora do concelho, a procurar informação para melhor adptarem a sua obra ao concurso.

Destaca-se a participação de Maria da Luz Candeias que não quis faltar à cerimónia de entrega dos prémios, deslocando-se de S. Vicente da Beira, numa ambulância, devido à sua deficiencia motora. Trouxe inúmeros admiradores dos seus trabalhos artísticos nas áreas de desenho e escrita, mas acima de tudo da sua determinação e criatividade.

O primeiro prémio foi entregue a Ana Teresa Serra Lourenço, na categoria ‘Prosa’, escalão Infanto-Juvenil. Nesta mesma categoria, no escalão Adulto, o primeiro prémio foi arrebatado por Odete Gavina, e o segundo por Maria da Luz Teodoro Candeias e Carlos Alberto Pires Poças. Já p terceiro prémio também foi repartido entre Helena Pires Alves e Luís Tiago Carvalho.
Na categoria ‘Poesia’, no escalão Adulto, ficou em primeiro lugar António José Alves Oliveira; o segundo lugar foi conseguido por Maria Deolinda Nunes.
Sofia Manuela Cameira Afonso conseguiu o primeiro prémio, na categoria Fotografia, escalão Adulto; Pedro dos Reis Antunes, o segundo.
O primeiro ligar da categoria Desenho, escalão infantil, foi entregue ao Jardim-Escola João de Deus - Bibe Encarnado, sala dos 4-5 anos, cabendo o segundo ao Jardim de Infância Santa Casa da Misercórdia n.º1, sala dos 5 anos.
A Casa de Infância e Juventude ficou em primeiro lugar na categoria Desenho, escalão Infanto-juvenil, em simultâneo com a Escola EB1 da Mina, (6 – 10 anos). em segundo ficaram João Pedro Martins e Cristiano Filipe Lopes Pedro. Já em terceiro, nesta mesma categoria ficou o Centro Social Amigos da Lardosa.
A categoria Desenho, escalão Adulto, foi conquistada ex-aequo por Ana Matias e Carlos Alberto Pires Poças.

domingo, 18 de abril de 2010

Jovens músicos


Ao olharmos para estes jovens músicos da Banda Filarmónica de S. Vicente da Beira, ficamos optimistas quanto ao futuro da nossa banda.

A notícia estava para ser a participação da Banda Filarmónica na festa do também centenário Museu Francisco Tavares Proença Júnior, em Castelo Branco, no sábado, dia 17 de Abril. Mas uma pancada de água e a antecipação do programa, pela chegada da Ministra da Cultura antes do previsto, fizeram da minha notícia uma não notícia.


Foto roubada ao blogue "O Albicastrense".

Creio que foi o fundador do Museu, Francisco Tavares Proença Júnior, quem explorou o castro do Castelo Velho, nos inícios do século XX, tendo trazido alguns achados arqueológicos para a sua colecção pessoal, com a qual criou o museu, no dia 17 de Abril de 1910.


Machado de bronze proveniente de S. Vicente da Beira e pertencente ao Museu Francisco Tavares Proença Júnior. Data de antes do ano 500 antes de Cristo, pois foi cerca dessa data que chegaram os Celtas, com armas de ferro e por isso mais fortes.
Foto do Tó Sabino.



Machado de bronze encontrado no Castelo Velho e exposto na Secção de Arqueologia do Museu Francisco Tavares Proença Júnior. Este machado é também anterior à chegada dos Celtas, os quais se misturaram depois com os povos da região, formando os Lusitanos. Foto do Tó Sabino.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Os Hipólito

Tive de voltar às investigações, pois as dúvidas nunca acabam (desta vez, dei por concluído o trabalho).
Os Hipólito estavam tão à mão de semear, que não resisti em anotá-los. Já dá para montar uma pequena genealogia, com cinco gerações que viveram entre as décadas de 1720/30 e as décadas de 1880/90:

1. Francisco Duarte Galecho estava casado com Maria Antunes, ambos naturais e residentes em S. Vicente da Beira. Terão casado em meados do século XVIII.

2. Hipólito de Jesus era filho dos anteriores e prestava serviço militar no Regimento de Cavalaria de Almeida. Estava casado com Brísida Maria da Trindade, natural de S. Miguel d´Acha. O casal teve uma filha (Ana), no dia 26 de Janeiro de 1788, e mais filhos, nos anos seguintes.

3. José Hipólito de Jesus era filho dos anteriores e casou, no dia 22 de Novembro de 1813, com Ana Joaquina de Oliveira, filha de José Pereira e de Brites Maria do Rosário, ambos de S. Vicente da Beira. Tiveram um filho, chamado José, no dia 17 de Março de 1814.

4. José Hipólito, filho dos anteriores, casou, no dia 16 de Novembro de 1840, com Ana Raposa, filha de Francisco Vaz Raposo e Maria Candeias.

5. António Hipólito de Jesus, outro filho do número 3, casou, no dia 8 de Fevereiro de 1854, com Maria Amália, filha de João Agostinho e de Maria Eufrásia.

6. Augusta Hipólito de Jesus, filha do número 4, casou, no dia 26 de Outubro de 1864, com Joaquim Cardoso, filho de Francisco Cardoso, natural de Castendo (bispado de Viseu), e de Ana Emília de S. Vicente da Beira.

7. João Hipólito Raposo, também filho do número 4, casou, no dia 16 de Outubro de 1872, com Maria Adelaide.

Arquivo Distrital de Castelo Branco, Registos Paroquiais de S. Vicente da Beira, Casamentos, Maço 96 (1803 a 1874).

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Curiosidades Genealógicas

A minha visita pascal à Torre do Tombo permite deixar-vos alguns dados genealógicos, cuja importância vai para além das meras curiosidades.

Os Barroso
Não tenho notícias deles antes de 1785. Nesse ano, a 5 de Outubro, nasceu o filho de Joze Barrozo e Anna Leitoa, ele do Salgueiro do Campo e ela de São Vicente da Beira, mas residentes na Vila. A criança foi batizada com o nome de Antonio.
Tinha esperança de poder dar uma boa notícia aos meus amigos Barroso, mas depois surgiu-me outro pai Barroso, originário de Castelo Branco.
E como não há duas sem três, nos anos seguintes vieram casar à Vila mais dois Barroso, estes do Casal da Serra.
Sem mais consultas, desconhecemos qual a origem genealógica dos Barroso de S. Vicente da Beira e se descendem todos do mesmo ramo.

Os Hipólito
Hipolito de Jesus era soldado no Regimento de Cavalaria de Almeida, regimento já referido na publicação “A fortaleza de Almeida”, de 5 de Março de 2010. Estava casado com Brizida Maria da Trindade, natural de São Miguel d´Acha. O casal tinha residência na Vila, terra natal de Hipolito de Jesus, filho de Francisco Duarte Gallecho e de Maria Antunes, ambos também naturais de S. Vicente da Beira.
Tiveram uma filha, chamada Anna, nascida em 26 de Janeiro de 1788. Nos anos seguintes, foram registados outros filhos do mesmo casal, o que significa que o soldado fazia deslocações anuais ao ninho doméstico, facilitadas pela sua categoria de cavaleiro.
Anos depois, a 17 de Março de 1814, nasceu o Joze, filho de Joze Hipolito e de Anna Joaquina. Os avós paternos eram os já referidos Hipolito de Jesus e Brizida Maria da Trindade.
De pai para filho, o nome próprio tornou-se apelido familiar (o processo é o mesmo do apelido do nosso primeiro rei: Afonso Henriques, porque filho de Henrique). Pode ser esta a origem da família Hipólito, em S. Vicente da Beira. A partir destes dados, impõem-se novas consultas. Mas é possível que as pessoas desta família possam recuar até este José Hipólito, apenas com base na tradição/sabedoria familiar.

Os Candeias
Candeias havia muitos, sobretudo mulheres.
Um dia, um Candeias do Casal da Serra explicou-me que a sua família tivera origem numa bebé enjeitada, abandonada no dia de Nossa Senhora das Candeias e por isso se lhe chamou Candeias.
Também encontrei mulheres de apelido Candeias.
Francisco Vas Rapozo estava casado com Maria Candeias. Tiveram uma filha, chamada Maria, no dia 4 de Novembro de 1820. Uma Catherina, no dia 18 de Fevereiro de 1823, outra Catherina, a 4 de Julho de 1829, e uma Joaquina, no dia 23 de Junho de 1831.
Os avós paternos eram João Vas Rapozo e Ignes Maria. Os maternos chamavam-se Manuel Marques e Anna Candeias dos Santos.
Esta Ana Candeias dos Santos era filha de Teodósio Duarte da Póvoa da Atalaia, e de Maria das Candeias de S. Vicente da Beira. Nasceu-lhes uma neta (desta filha Ana), chamada Inês, em 1786.
Mas isto são só umas pontas…

Os Jerónimo
Hironimo Duarte (do Casal da Fraga) estava casado com Maria Antonia (do Sobral do Campo). O casal teve um filho, chamado Joze, nascido a 11 de Março de 1796.
Os avós paternos do Joze eram Manoel Rodrigues Fraga (do Casal da Fraga) e Luiza Maria (do Casal dos Ramos).
Os avós maternos eram do Sobral do Campo e traziam arrendado o Casal do Pisco ao Conde de São Vicente. Chamavam-se Antonio Mendes dos Reis e Custodia da Cruz.
Será esta a origem do apelido Jerónimo(Hironimo), de que também não existe notícia anterior a esta data? É bem possível, pois sempre os conheci ligados à terra e aos gados, tal como o pai e o sogro de Hironimo Duarte.
Por outro lado, o processo de formação deste apelido familiar seria o mesmo que, possivelmente, deu origem à família Hipólito e, de certeza, originou a família Teodoro. Desta, darei notícias.

Fiz a consulta na Torre do Tombo, Lisboa, em: Registos Paroquiais de S. Vicente da Beira, Baptismos, Microfilme 144, Item 1 (1784-1801), Item 2 (1801-1822), Item 3 (1822-1841) e Item 4 (1841-1851).
A partir de 1851, os Registos de Baptismos estão no Arquivo Distrital de Castelo Branco, em Castelo Branco, situado no bairro do Castelo, em frente ao antigo edifício da Câmara Municipal.

sábado, 3 de abril de 2010

Procissão do Enterro


Passo em frente ao antigo Convento das Religiosas Franciscanas.

Passei a tarde e a noite de Sexta-Feira Santa, na nossa terra.
Ao sair de casa para a Procissão do Enterro, fui surpreendido pela escuridão das ruas. Com a iluminação pública desligada, voltou a magia dos nossos tempos de criança. Mas não é só isso. A escuridão liberta-nos de distracções e ajuda a encontrarmo-nos com nós próprios.
Depois, as duas longas filas de luzinhas, a bater metálico da matraca, o choroso toque da Banda e o canto da Verónica. Cada vez que o caixão do Senhor de aproximava de um Passo, todos paravam, para a ouvirem.
E na Rua da Costa, a que tira o fôlego à Banda, cantámos o Senhor Deus:

"Senhor Deus, Misericórdia!
Virgem mãe de Deus e mãe nossa
Alcançai o vosso amado filho, Misericórdia!"

É bonito de ver e viver!
Este ano, foi fácil reencontrar amigos, pois veio muita gente passar a Páscoa a S. Vicente da Beira.


Contaram-me uma história que não resisto em partilhar convosco, até para lutar contra o empobrecimento progressivo da Língua Portuguesa, em nome do politicamente correcto.
Em 1932, e apenas nesse ano, o pároco de S. Vicente da Beira foi o Padre Virgílio Alberto Cordeiro. O costume era contratar um ou dois padres para ajudar na Semana Santa. A Vila sempre teve muitos padres. No século XVIII, viviam aqui cerca de seis padres e a Câmara pagava, anualmente, a um pregador, quase sempre o capelão das Religiosas do Convento, para fazer os sermões da Semana Santa.
Ora, em 1932, o P.e Virgílio Alberto Cordeiro fez tudo sozinho: confessou os paroquianos, numa época em que toda a gente se confessava e comungava, disse as missas, fez os sermões, acompanhou as procissões do Ecce Homo, dos Passos e do Enterro do Senhor e ainda o esperava a festa da Aleluia, com mais duas missas, uma procissão e a visita a todos os lares da Vila.
Impressionado, o Ti Guilhermino chegou junto dele e disse-lhe:
"O Senhor Padre é um colhudo! Conseguiu fazer a Semana Santa sozinho!"



Capela do solar construído no local do antigo convento franciscano.
Numa terra onde nem sempre se respeita o património, o Doutor Lino continua a ser um exemplo de qualidade e bom gosto.
(Para quem vê apenas estas imagens, pode parecer despropositada esta minha opinião, mas, na realidade, não é.)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Os Martírios

Cantavam-se no escuro da noite, no tempo em que ainda não havia electricidade. Um grupo de pessoas, homens e mulheres, param nos locais de onde se podem ouvir bem, em toda a povoação, e cantam em coro. No passado, às vezes eram acompanhados por um pífaro.
Habitualmente, os locais são a Fonte Velha, a Praça, a Corredoura, (entroncamento com a Rua do Eiró e/ou com a Rua da Cruz), o cruzamento da Rua Velha com a Rua Nicolau Veloso, a Fonte de Santo António e o Calvário. A escolha dos locais depende do gosto dos cantores, mas o Calvário é fixo, pois ali terminam os Martírios, à meia noite. Em cada paragem, entoam-se três ou quatro estrofes.


Corredoura, no entroncamento com a Rua do Eiró. Era aqui que, nos anos 70, começávamos a cantar os Martírios. Subíamos as escadas e cantávamos de frente para a povoação. Acompanhavam-me o Ernesto Hipólito (o maestro), o Francisco Barroso, o Joaquim Trindade, o João Maria e outros.

Bendito e louvado seja
A Paixão do Redentor
P´ra nos livrar das culpas
Que morreu pelo nosso amor

Sofreu tão grandes tormentos
Duros martírios na cruz
P´ra nos livrar das culpas
Morreu por nós ó Jesus

Vossos divinos cabelos
Em sangue foram ensopados
Sangue que foi remido
Pelos nossos feios pecados

Vossos divinos cabelos
São mais finos que o próprio ouro
De onde ele tem a raiz
Tem a minha alma o tesouro

Vosso divino nome
É Jesus de Nazaré
Quero viver e morrer
Pela Vossa santa fé

Vossa santa cabeça
Coroa de espinhos cravados
Por grandes dores incríveis
Fontes de sangue derramaram

Vossos divinos olhos
Sofreram lágrimas internas
P´ra livrar as nossas almas
Do fogo e penas eternas

Vosso divino nariz
É um lindo diamante
É o cravo mais bonito
Que se cria no mirante

Vossa divina boca
Vinagre e fel amargoso provou
Poupando as nossas almas
Do castigo eterno horroroso

Vossas divinas faces
Sofreram mil bofetadas
Por duros ferros algares
Escarnecidas pisadas

Vossos sagrados ouvidos
Estão ouvindo os meus pecados
E lá, no dia do Juízo
Eles serão perdoados

O vosso puríssimo rosto
Cheio de escarros nojentos
Por nossos duros pecados
Senhor de tantos tormentos

O vosso divino pescoço
Grossas cordas o ligaram
De rua em rua com ele
Como réus o arrastaram

Vossos divinos ombros
Pesada cruz conduziu
De rua em rua com ele
Ainda mais chagas se abriram

As vossas mãos puras divinas
Pregadas nesse madeiro
Nele ficaste pendente
Bom Jesus verdadeiro

Os vossos divinos pés
Foram com ferros ofendidos
Mas foi rasgada a sentença
Contra milhões de perdidos

O vosso divino peito
Foi cruelmente rasgado
Todos nos dizem quanto horrendo
Quanto medonho é o pecado

Vossa sagrada cruz
É de pau de oliveira
É a rosa mais bonita
Que se cria na roseira

Quem me dera estar na fonte
Quando o Senhor pediu água
Eu lhe dera de beber
Dava-lhe bem a minha alma

Ó almas que tendes sede
Vinde ao Calvário beber
O Senhor tem cinco fontes
Todas cinco a correr

Ó almas que estais dormindo
Nesse sono tão profundo
Rezemos um Padre Nosso
Pelas almas do outro mundo

Estas duas últimas cantam-se no Calvário, onde terminam os Martírios.
É curioso que os momentos altos da religiosidade, em S. Vicente da Beira, sejam o Natal, a Páscoa e o Santo Cristo, nas festas de Verão. No primeiro, comemora-se o nascimento de Jesus e nos outros dois sofremos com a sua morte, para depois nos alegrarmos com a ressurreição. É Deus na sua humanidade que nós melhor entendemos, porque mais se parece connosco.

Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985