sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Jaime Duarte da Fonseca Fabião

Jaime Duarte da Fonseca Fabião nasceu em São Vicente da Beira, no dia 13 de outubro de 1882. Era filho de António Duarte da Fonseca Fabião, proprietário, natural da Barroca do Zêzere, e de Maria Amália da Cunha Pignatelli, natural do Tortosendo. O casal residia em São Vicente da Beira, na rua da Fonte (atual rua da Costa ou rua de São Francisco?).

Alistado como voluntário no Regimento de Cavalaria n.º 8 do Príncipe Real, em Lisboa, foi incorporado em 11 de outubro de 1902. Concluiu o curso de Infantaria da Escola do Exército, em 11 de outubro de 1908, e foi promovido a Alferes, por despacho de 15/11/1909. Subiu depois ao posto de Aspirante a Oficial do Regimento de Infantaria n.º 23, em Coimbra.

Passou ao Regimento de Infantaria 21, em 26 de fevereiro de 1910, e novamente ao Regimento de Infantaria 23, em 4 de junho. Em julho de 1912, foi colocado no Grupo de Metralhadoras n.º 7. Fez parte da escola de recrutas, entre 1912 e 1913.

Promovido a Tenente, em 1 dezembro de 1913, passou ao Estado-Maior de Infantaria, por ordem de 2 junho 1915, e colocado no Regimento de Infantaria 22, Portalegre, por ordem de 30 outubro do mesmo ano. Foi nomeado diretor das aulas regimentais, em 18 de janeiro de 1916.

Foi mobilizado para fazer parte do CEP e embarcou para França a 20 janeiro de 1917, integrando a 1.ª Divisão, 1.ª Brigada, do Regimento de Infantaria 22, com o posto de Tenente de Infantaria.



No seu boletim individual do CEP e Folha de Matrícula encontram-se as seguintes informações:

a)   Punido em 10 de abril de 1917, pelo Comandante do 2.º Batalhão de Infantaria, com dois dias de prisão disciplinar, por fazer uma reclamação infundada;

b)   Transferido para o Batalhão de Infantaria n.º 7, em 12 de abril de 1917;

c)    Promovido a Capitão, por despacho de 29 de setembro de 1917;

d)   Passou a comandar o Batalhão de Infantaria n.º 7, em 8 de janeiro de 1918;

e)   Punido em 16 de maio de 1918, com cinco dias de prisão correcional, por não ter reprimido prontamente atos de indisciplina das praças da sua companhia que evitavam seguir para as linhas;

f)     Colocado à frente do DD1 (Depósito Disciplinar 1), em dezembro de 1918;

g)   Deixou de comandar o DD1, em 17 de fevereiro de 1919, e foi desmobilizado nesse mesmo dia. Regressou a Portugal, por via terrestre, no dia 22 desse mês.

Em de 30 de junho, foi nomeado diretor da carreira de tiro de Castelo Branco, ficando encarregado da instrução preparatória, na 1.ª Área da 7.ª Divisão do Exército.

Foi colocado no Batalhão de Caçadores n.º 11, por Ordem de 23/10/1926, mas passou ao Batalhão de Caçadores n.º 6, em 1 de julho. Por Ordem de 17/05/ 1928, foi colocado no Quadro da Arma de Infantaria e, em março de 1930, passou novamente ao Batalhão de Caçadores n.º 6. Foi promovido a Major do mesmo batalhão, em maio de 1935.

Em 31 de maio de 1938, passou à situação de reserva e ficou desligado do serviço a partir de 13/10/1952, transitando para a situação de reforma, por limite de idade.

Louvores e condecorações:

·        Louvado pela excecional dedicação com que ministrou o ensino aos recrutas do contingente de 1910;

·        Louvado pelas excelentes qualidades de comando e dedicação pelo serviço que demonstrou no desempenho do cargo no Comandante do D. D. 1, «...sabendo pelo seu critério e energia impor-se aos seus subordinados, para que por uma forma rápida e acertada fossem executados todos os trabalhos indicados pelos comandos britânicos a que o Depósito esteve adstrito no referido período que antecedeu o armistício, merecendo elogiosas referências do comando do 1º Exército Britânico e conseguido manter a disciplina entre as numerosas praças que pelo seu péssimo (?) comportamento se acham incorporadas naqueles Depósitos.» (transcrito da folha de matrícula);

·        Medalha militar de cobre da classe de comportamento exemplar;

·        Medalha “Military Cross”.

Antes de ser mobilizado para a Grande Guerra, Jaime da Fonseca Fabião já tinha casado com Maria da Cunha Pignatelli, no dia 18 de junho de 1910. Tiveram 6 filhos:

1.    Rui Pignatelli Fabião (abril de 1911), que também foi militar e casou com Ana Matilde Carreteiro;

2.    Artur Pignatelli Fabião (junho de 1914), que terá falecido ainda jovem;

3.    Jaime José Pignatelli Fabião (janeiro de 1917), que casou com Maria Fernanda Soares de Albuquerque e Castro Tavares;

4.    António Pignatelli Fabião (abril de 1920), que casou com Maria Fernanda Fabião de Carvalho em 1953;

5.    Maria do Céu da Cunha Fabião (fevereiro de 1925), que viveu em S. Vicente até finais do século passado e faleceu sem deixar descendência;

6.    Joaquim Pignatelli Fabião (Agosto de 1927), que casou com Eugénia Pereira da Piedade Ganchas.

Depois de ter passado à situação de reforma, em Outubro de 1952, Jaime da Fonseca Fabião veio residir para São Vicente da Beira, dedicando-se à administração das muitas propriedades agrícolas e florestais que a família possuía. 

Faleceu passados poucos anos, em 27 de outubro de 1957, vítima da gripe asiática. Tinha acabado de completar 75 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Publicado no livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Os primórdios

 

Recebi, na semana passada, a revista VISÃOHistória de outubro, totalmente dedicada a Portugal na Idade Média. Traz duas informações que nos interessam diretamente.
A primeira é este mapa que nos mostra ter sido a serra da Gardunha a fronteira entre o Condado Portucalense, uma "província" do reino de Leão, e o Al-Andalus muçulmano. Não sei, e o mapa não mostra, se a vertente sul da serra já pertencia aos cristãos do Norte ou se apenas foi integrada no grande impulso dado à Reconquista, no tempo de D. Afonso Henriques. Mas a antiga pertença de São Vicente à Covilhã quase nos permite atrever-nos com a hipótese da nossa pertença à Cristandade ainda antes de existir Portugal.
A revista traz também a informação de que já nessa época os reis raramente participavam em batalhas. D. Afonso Henriques tem o record, com 5 presenças, seguido do seu filho D. Sancho I com 4. Ora isto arruma de vez com a questão da presença ou não do nosso primeiro rei na batalha da Oles (mas não põe em causa a sua existência).

José Teodoro Prata

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Naquele tempo...

Daquele tempo lembramo-nos nós, os mais velhos. Foi o tempo da nossa infância. Depois tudo mudou, tanto que até as crianças acabaram nas terras abaixo referidas.

O texto que se segue é um trecho de um artigo publicado no jornal Gazeta do Interior da semana passada (13 de outubro). A sua autora chama-se Cesaltina Gilo, professora aposentada com ligações familiares a Monsanto, que ainda conheci na Escola Secundária Nuno Álvares. Antes de se licenciar em História, foi professora do Ensino Primário e esta história autobiográfica conta a sua experiência na primeira colocação que teve depois de concluir o Magistério Primário, precisamente nas Rochas de Cima.


José Teodoro Prata

domingo, 17 de outubro de 2021

Boletim climatológico de setembro de 2021

O IPMA já publicou o seu boletim de setembro. Nós tivemos um setembro normal, mas a temperatura no mundo continua alta, o que terá impacto também aqui. Reparem no calor que fez nas zonas polares! O gelo vai continuar a derreter e o nível do mar a subir. Já se fala em retirar as pessoas de zonas baixas da nossa costa, como Caparica, Aveiro, Esposende...

A cimeira do clima decorrerá em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro. Mas irão os líderes mundiais comprometer-se com o que é necessário fazer? E depois irão cumprir? E nós, os habitantes do planeta, vamos abdicar de estilos de vida a que nos habituámos nos países mais ricos?

O mês de setembro de 2021 está entre os 4 mais quentes a nível Global (2020, 2021, 2019 e 2016).

Na Europa

Setembro de 2021 registou um valor médio da temperatura média do ar 0.2 acima do valor normal 1981-2010, no entanto verificaram-se contrastes significativos entre a Europa Ocidental e Oriental (Fig. 1).

Assim na maioria das regiões ocidentais foram registados valores de temperatura muito acima da média, por exemplo o Reino Unido registou o seu 2º setembro mais quente de sempre. Por outro lado, na parte leste do continente Europeu registaram-se valores de temperatura inferiores à média, por exemplo Helsínquia teve o setembro mais frio desde 1997.

Em relação à precipitação na Europa setembro de 2021 foi mais seco do que a média em grandes partes do sul da Europa e mais húmido do que a média na parte oeste da França, na Península Ibérica e ao longo da costa oriental do Mar Negro.

Em Portugal continental

O mês de setembro de 2021, classificou-se como normal em relação à temperatura do ar e chuvoso em relação à precipitação (Fig. 2).

O valor médio da temperatura média do ar, 20.36° C, foi +0.14° C superior ao valor normal 1971-2000.

O valor médio de temperatura máxima do ar, 26.13° C, foi inferior ao valor normal, com uma anomalia de -0.16° C, sendo o 4º valor mais baixo desde 2000. O valor médio de temperatura mínima do ar, 14.60° C, foi 0.44° C superior ao valor normal.

Durante o corrente mês a temperatura máxima do ar foi quase sempre próxima ou inferior ao valor normal mensal, exceto nos períodos 2 a 6 e 11 a 12. Em relação à temperatura mínima verificaram-se 2 períodos distintos, a 1ª quinzena com valores quase sempre superiores à normal e a 2ª quinzena com valores em geral inferiores à normal.

O valor médio da quantidade de precipitação em setembro, 66.8 mm, foi superior ao valor normal 1971-2000, correspondendo a 159% e sendo o 4º valor mais alto desde 2000.

No final do mês de setembro 43% do território estava em situação de seca meteorológica. Verificou-se uma diminuição significativa da área em seca meteorológica em Portugal continental. Mantém-se a situação de seca apenas nas regiões a sul do Tejo onde se verificou uma diminuição da sua intensidade, predominando agora as classes de seca fraca e moderada.

Alteração de 18 de outubro: sobre a subida do nível da água do mar, ver notícia e imagens neste link do Público (se o jornal deixar...): 

https://www.publico.pt/2021/10/17/p3/noticia/vai-mundo-nivel-mar-continuar-aumentar-1980982

José Teodoro Prata

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A Senhora da Lapa

Depois de parte do dia perdidos por Viseu (cidade antiga, mas sempre nova em cada visita), encontrámo-nos com o Aquilino. Sentado à secretária, meditativo, quem sabe se a engendrar mais alguma daquelas histórias que nos transportam pelo imaginário dum mundo rural cada vez mais esquecido, mas ainda parte das memórias mais acarinhadas de muitos de nós.

Foi quanto bastou para nos metermos a caminho da Lapa, numa visita adiada há anos. Os dias grandes de verão, onde cabem dois de inverno, permitem-nos estas coisas.

Chegamos já sobre o cair da tarde. As casas de granito velho a assomar ao longe, confundidas com as fragas; não fossem os telhados berrantes, mal se dava por elas. Destaca-se, pelo tamanho, o casarão austero, em forma de paralelepípedo, colado à igreja por um arco. Já foi casa de jesuítas, mais tarde colégio de meninos ricos, filhos do que restava da nobreza rural ou de proprietários abastados; excecionalmente, mas não raro, escola de um filho de mãe solteira, recomendado por um pároco que se dizia padrinho, e que, por descargo de consciência, lhe dará o nome à hora da morte. Agora é abrigo dos muitos peregrinos que, movidos pela fé, por memórias antigas ou a beleza austera do lugar, por ali se aventuram ainda.

Àquela hora, no largo à frente da igreja, só um cão deitado ao sol, que mal deu pela chegada de estranhos. Tão longe daqueles dias de romaria que esvaziavam de gente as terras todas à roda, e conhecemos tão bem de viagens imaginárias como se alguma vez ali tivéssemos peregrinado: a devoção das mulheres, de joelhos por terra e rosário entre os dedos, às voltas ao santuário; os homens, comerciantes ou lavradores, a regatearem gado e artigos de lavoura, mais tarde a selar acordos nas tabernas improvisadas ao correr da rua; a gente mais moça a arregalar os olhos para as novidades das tendas; as bulhas a deslindar teimas antigas, não raro na ponta da navalha; os pobres, aleijadinhos e lazarentos, que não despegam, a pedir esmola pelas alminhas do purgatório; os namoros acertados no abraço da dança ao toque das bandas, e os amores consumados no silêncio das fragas, com promessas de casamento; os foguetes a trovejar montes afora, ou desfeitos em lágrimas, a pintarem a noite de todas as cores.

Ao fundo da rua que corre para poente, um velho encostado a um choupo também antigo; o tronco caído para a frente e as mãos apoiadas em concha, uma por cima da outra, na ponta do cajado. Parecia dormir em pé. Mal deu por nós levantou um pouco a cabeça e olhou-nos sem surpresa, como se estivesse ali à nossa espera. Não era um velho bonito, mas tinha um ar simpático e a conversa na ponta da língua. Os olhos azuis, já a cair para o cinza, mas ainda brilhantes e desafiadores, a espreitarem por cima dos óculos empinados na ponta dum nariz reboludo, deformado pelas bexigas. Quando falava, os lábios grossos deixavam espreitar os dentes ralos que pareciam querer fugir-lhe da boca atrás das palavras:

­ - Também vieram ver as lapas? Não me digam que na vossa terra não têm lá disto?!

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 - Ah, mas de sorte serão assim tão taludas como estas… Donde é que vêm?

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 - É longe como o diabo! Não é que eu conheça, que mal passei de Viseu pra baixo nem pra riba de Lamego. 

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 - Já viram a capela? Está ali uma coisa como é dado. Nem há outra igual nestes arredores todos. Uns artistas, aqueles antigos!

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 - E a história, também já a sabem?

 -

 - Então vão ouvi-la como ma contou o meu pai, que também já a ouvira dos mais velhos:

«Já lá vão muitos anos, tantos que diz que nem têm conto, costumava andar por aí uma pastora a guardar cabras; trazia a filha com ela, uma menina chamada Joana, muda. Nunca ninguém lhe tinha ouvido uma palavra da boca para fora. Um dia, já sobre a tarde, o céu escureceu de repente, como de fosse noite, e armou-se um temporal tão grande que elas mal tiveram tempo de se acoitar numa lapa, coisa que por aqui não falta. A menina era curiosa, como são todas as crianças, enfiou-se por uma passagem estreita que entrava pela gruta adentro, e lá no fundo encontrou uma nena caída no chão, tão bonita como nunca tinha visto outra igual.

A mãe tinha ateado uma braçada de chamiços para se aquecerem e, enquanto assava uma mão de castanhas que levava no bolso, pediu-lhe, lá naquela maneira que tinham de se entender, que fosse espreitar as cabras, não fugissem pra longe. A menina nem tuge nem muge, não buliu um pé. A mulher ateimou, mas ela cada vez mais salamurda, só tinha olhos para a boneca; mirava, remirava, parecia que estava a adorar o Menino Jesus na manjedoura. Até que a mãe perdeu a paciência, que as mães são umas santas, mas às vezes também perdem a paciência, arrancou-lhe a nena das mãos e aventou com ela para o lume.

 - Mãe, o que é que fizeste à Senhora da Lapa?

A mulher, que nunca lhe tinha ouvido uma palavra, também ficou sem fala quando ouviu a filha a falar, e não teve dúvida de que o que ela dizia era a mais pura das verdades. Enfiou a mão no lume e salvou a Senhora do fogo. Por milagre nem ela nem a imagem ficaram com uma chamuscadela e a menina também começou a falar. Só podia ser graça da Nossa Senhora.

Quando se espalhou a notícia daquele milagre tão grande, o povo mandou fazer uma capela e levaram para lá a imagem, mas, mal se descuidavam, ela desaparecia do altar onde a punham e vinham dar com ela no sítio onde a menina a tinha achado. Fizeram-lhe então outra capelinha à roda da lapa, e nunca mais a Senhora de lá saiu. E puseram-lhe a Senhora da Lapa, até hoje. 

Desde essa atura todos os anos lhe fazem uma romaria como não há outra igual entre Douro e Mondego. O ouro que lhe trazem para pagar promessas é mais que o das malas dos ourives que andam por essas feiras fora. E notas, só das graúdas. Mas ela também merece, que os favores que faz dão brado pra lá da raia.»

A conversa continuou à mesa do café, mesmo em frente da igreja, alimentada por fatias de bola de carne e uns copos de Terras do Demo. Soube a pouco, o petisco e a conversa...

M. L. Ferreira

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A guerra do ti Hipólito

Em setembro de 2012, quando escrevi e aqui publiquei o texto “Coisas do diabo”, ignorava que a perturbação mental do ti Hipólito era afinal um trauma de guerra, como logo na altura uma sua familiar me informou em comentário ao texto. Depois, aquando da investigação para o livro “Os combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra” fui sabendo coisas novas e é justo que agora aqui deixe mais informações sobre o que foi esta expedição a Moçambique, na qual participou Hipólito dos Santos Nascimento, possivelmente como soldado do 7.º grupo de metralhadoras de Castelo Branco ou de artilharia de montanha (regimento de Évora ?). Em Penamacor existe um monumento com os nomes de dezenas de militares mortos nesta 2.ª expedição a Moçambique.

A 23 de Agosto 1915 foi decretada uma segunda expedição a Moçambique. Tal como a primeira expedição, esta nova força enfrentou as mesmas dificuldades que a anterior, isto é, foi preparada à pressa, razão pela qual levou a mobilização do pessoal doente. Estas doenças não eram incapacitantes, mas dificultavam a adaptação dos soldados ao clima de Moçambique, associado a isto estava a má preparação das praças que fazia com que muitos destes fossem punidos por razões disciplinares. Os serviços de saúde eram inadequados, os medicamentos e os géneros alimentícios eram insuficientes, não só por causa da má preparação da expedição, mas também, devido ao facto de muitos géneros estarem deteriorados à chegada

Esta 2.ª Força Expedicionária de Moçambique era formada por:

- 3.º Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 21 (Penamacor)

 - 2.ª Bataria do 7º Grupo de Metralhadoras (Castelo Branco)

 - 5.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Montanha (Évora)

- 4.º Esquadrão do Regimento de Cavalaria n.º 3 (Estremoz)

- Tropas de Engenharia - Serviço de Saúde - Administração Militar

(41 oficiais, 1.502 praças). 

A expedição chegou Porto Amélia (Moçambique) a 7 de novembro de 1915. O comandante da expedição Major José Luís de Moura Mendes nunca tinha servido nas colónias e a sua nomeação estava mais ligada aos seus contactos políticos no Governo da República, do que ligado à sua capacidade militar. As suas ordens eram para defender a fronteira do rio Rovuma e criar uma rede de postos de observação ao longo do rio desde o Oceano Índico até ao afluente rio Lujenda. 

O Major Moura Mendes ignorou os avisos do comandante da 1.ª Força Expedicionária, quando o avisou do que o Governo de Lisboa lhe estava a pedir e que deveria resolver rapidamente o problema do aquartelamento das tropas no Porto Amélia. Manteve o Quartel-general perto do porto, numa zona insalubre, e por falta de hábitos de higiene das tropas aquarteladas, rapidamente apareceram doenças que também se tornaram epidémicas e atingiram quase todos os expedicionários. Os militares mantiveram-se dentro das fronteiras da colónia portuguesa numa posição defensiva, tendo passado o ano de 1915 sem qualquer contacto com as forças alemãs. 

            A 9 de Março de 1916 a Alemanha declarou guerra a Portugal e o Governador Geral de Moçambique, Álvaro de Castro, retoma novamente o objetivo de reocupar o Quionga, de invadir a colónia alemã até ao rio Rufigi e de colaborar com as tropas britânicas.

Em fins de março organizou-se em Porto Amélia um pequeno destacamento, sob o comando do Major Portugal da Silveira, com uma companhia do Regimento de Infantaria n.º 21, uma bateria de artilharia de montanha (m/82) e um pelotão de cavalaria, tendo por fim ocupar Quionga e fazer um reconhecimento ofensivo na direção de Mikindani, Lindi. O destacamento foi transportado, em princípios de abril, no vapor "Luabo", até Palma, onde incorporou forças indígenas. O Major Portugal da Silveira marchou ao longo do litoral de Palma até Quionga, cerca de 12 quilómetros, com as referidas forças e uma companhia indígena, ocupando, a 10 de abril de 1916, a localidade que se encontrava abandonada pelos alemães, deixando, no entanto, algumas trincheiras construídas. A 23 de Abril as restantes forças expedicionárias foram transportadas a bordo do vapor "Limbo" de Porto Amélia para Palma.

De seguida procedeu-se à ocupação de todos os postos militares alemães que se encontravam na margem direita do rio Rovuma: Namaca, Namiranga, Namôto, Nachinamoca e Nhica, os quais passavam a ser a base defensiva da colónia, numa linha que se estendia por 50 km desde a foz do rio. Em frente na margem esquerda do rio ficavam os postos militares alemães de Fábrica, Migomba, M'chinga, Marunga e Tchidia.

A 23 de abril os alemães iniciaram incursões militares para recuperar o Quionga, através de ataques sucessivos aos postos militares portugueses, mas que não tiveram êxito. Os alemães abriram fogo de metralhadora sobre o posto de Namôto e o pelotão de praças indígenas (landins) e os graduados europeus fugiram para Quionga. O pelotão foi reorganizado e enquadrado por outros graduados que contra-atacaram e recuperaram o posto de Namôto.

A 19 de maio chegou à foz do rio Rovuma o Cruzador "NRP Adamastor" e a Canhoneira "NRP Chaimite" que colaboraram ativamente com as forças expedicionárias. Uma pequena força de marinha desembarcou junto do posto alemão Fábrica e incendiou tudo quanto era combustível, palhotas e cercados, sem que o inimigo disparasse um tiro.

A 23, tentou a marinha, com as suas lanchas, novo desembarque no mesmo posto, mas foi alvejada pelas metralhadoras alemãs, pelo que teve de retirar com três mortos e seis feridos. Foi então resolvido tentar-se a passagem do Rovuma, em força e assim a 27 de maio, forçou-se a passagem, sob o comando do Major Moura Mendes, assistindo o Governador Geral Álvaro de Castro de bordo do cruzador Adamastor. Foi um ataque coordenado entre forças da marinha que tinham por missão um desembarque e forças do exército que tinham por missão atravessar o rio mais a montante. O ataque foi repelido pelos alemães após várias horas de combate, tendo-se verificado 3 oficiais e 30 praças mortos, 4 oficiais e 20 praças feridos e 2 oficiais e 6 praças prisioneiros. Representou um grande esforço, bem executado, mas malsucedido.

Este insucesso paralisou a 2.ª expedição durante quatro meses e inutilizou a sua ação ofensiva, mantendo-se, contudo, a reocupação da margem sul do Rovuma. Verificaram-se numerosas ações neste período, tendo esses pequenos combates o mesmo aspeto do ataque alemão ao nosso posto de Maziúa. 

Pequenas forças alemãs vinham atacar os nossos postos desde o Oceano Índico até ao Lado Niassa e com fortuna vária terminavam os assaltos, que não podiam ter continuidade em vista do isolamento dos postos, mas conseguiam do lado alemão manter o espírito ofensivo, enquanto do nosso lado nos enervavam fazendo-nos enfraquecer o espírito combativo. 

 

Texto elaborado a partir de informação tirada dos sites:

https://www.momentosdehistoria.com/MH_05_02_Exercito.htm

https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/14690.pdf

http://www.portugalgrandeguerra.defesa.pt/Documents/A%20PRIMEIRA%20GRANDE%20GUERRA%20EM%20MO%C3%87AMBIQUE.pdf

 

José Teodoro Prata

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Limpeza das linhas de água

Nos séculos XVII e XVIII havia uma lei que estabelecida a obrigatoriedade dos proprietários com terras confinantes com ribeiros e ribeiras de os limparem todos os anos.

Esta lei já não está em vigor (agora pagamos muitos impostos e o Estado trata de tudo, embora não chegue para tudo), mas eu limpo na mesma a minha testada do ribeiro do Ribeiro de Dom Bento.


José Teodoro Prata

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Hipólito dos Santos Nascimento

 

Hipólito dos Santos Nascimento nasceu em abril de 1894. Segundo a sua filha Maria de Jesus, foi colocado na roda da terra onde eram deixados os meninos desamparados e sem família. Posteriormente, foi dado a criar a Maria Saraiva do Nascimento casada com António Craveiro, que por essa altura tinham tido uma menina. Criaram-no como se fosse mais um filho e deram-lhe o nome de família. Passou a chamar-se Hipólito dos Santos Nascimento. Segundo consta, o apelido Santos provinha do seu pai biológico, um médico oriundo de Lisboa.

Assentou praça em 9 de julho de 1914 e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Morteiro (Montanha?) de Castelo Branco. Segundo a sua folha de matrícula era jornaleiro, analfabeto e foi vacinado. Pronto da instrução da recruta em 24 de maio de 1915, foi destacado para a província de Moçambique, para onde seguiu no dia 7 de outubro, integrando a 2.ª Expedição enviada para o norte daquela província ultramarina.

Tal como os seus companheiros de expedição, também terá ficado retido durante alguns meses em Porto Amélia, em muito más condições de higiene e alimentação. Só em 1916 partiu para a zona de guerra, na fronteira com os territórios alemães, com a missão de recuperar Quionga e passar o rio Rovuma, para norte.

Regressou à Metrópole, em 14 de maio de 1916. Viria doente, pois foi licenciado em 25 de agosto de 1917, por ser julgado incapaz para o serviço no Ultramar. Apresentou-se de novo em 11 de outubro de 1918, nos termos da circular n.º 46 da 3.ª Repartição da 1.ª Direção Geral da Secretaria da Guerra, mas foi novamente licenciado em 5 de julho de 1919.

Passou ao 2.º Escalão do Exército e ao 7.º Grupo de Baterias de Reserva, em 31 de dezembro de 1924, e ao Depósito de Licenciados, a 18 de agosto de 1926. Em 9 de setembro 1930, passou à Companhia de Trem Hipomóvel e, em 31 de dezembro de 1932, passou à reserva territorial.

Condecorações:

·         Medalha Comemorativa das Campanhas Portuguesas em Moçambique;

·         Medalha da Vitória.

Família:

Hipólito dos santos é o da última fila, à esquerda

Quando regressou à Metrópole, Hipólito continuou o namoro com Maria da Luz Candeias, a namorada que já cá deixara antes de partir. O namoro não era muito do agrado dos pais da noiva, mas, por fim, consentiram no casamento que se realizou no dia 14 de setembro de 1918. O casal ficou a viver em São Vicente, onde lhes nasceram os seus 8 filhos:

  1. Maria do Carmo Candeias (morreu com poucos dias);
  2. Maria José Candeias, que casou com António Lino e tiveram 5 filhos;
  3. Maria Antónia Candeias, que casou com Manuel Ricardo e tiveram 1 filho;
  4. Carlota Candeias, que casou com Jaime Martins e tiveram 2 filhos;
  5. José dos Santos Candeias, que casou com Valentina Marques da Fonseca (não tiveram filhos);
  6. Maria de Jesus Santos Candeias, que casou com Guilhermino Candeias e tiveram 3 filhos;
  7. Pedro José Santos Candeias, que casou com Maria Delfina e tiveram 2 filhos;
  8. Francisco Candeias, que casou com Ema Caetano e tiveram 2 filhos.

A felicidade do casal teve muitos altos e baixos, porque a guerra tinha deixado marcas profundas na saúde de Hipólito dos Santos. Sobre o tempo da guerra, também não contava muito. «Era pouco falador e não contava muito sobre a guerra; só dizia que passaram por lá mal, principalmente por causa da fome, da sede e do calor; mas também por terem medo de ficar por lá como os outros que viam morrer todos os dias ao pé deles. Essas coisas deixaram-no muito doente. Correram todos os médicos e hospitais, mas ninguém encontrou cura para aquele mal. Ainda esteve internado algum tempo no hospital de São José e pareceu ter algumas melhoras. Nessa altura a minha mãe resolveu ir para Lisboa connosco, para estar mais perto do meu pai, e acabámos por ficar lá a morar.» (testemunho da filha Maria de Jesus)

Após a saída do hospital, Hipólito fez-se à vida e criou um negócio de penhorista, comprando e vendendo objetos em ouro. Um dos seus netos, agora com 72 anos, mas que na altura era ainda muito jovem, recorda-se de acompanhar o avô às casas de penhores onde ele ia fazer negócio. Lembra-o como um homem «…bem vestido e penteado com brilhantina, sapatos de última geração, um “Gingão Lisboeta”, com a sua malinha de cartão; sociável com toda a gente que o rodeava, e respeitado por todos, porque era honesto nas compras e nas vendas. Ainda o acompanhei duas vezes a contactar os clientes na zona da Fonte Luminosa e no Alto de São João, em Lisboa. Eram os seus lugares prediletos e onde se movimentava muito bem, talvez por serem dali as suas raízes paternas.»

Passados alguns anos, a doença que acompanhava Hipólito desde o tempo da guerra voltou a manifestar-se e a família regressou a São Vicente da Beira, para poderem ter uma vida mais calma. Ainda foi feitor da Casa Agrícola José Neves, por algum tempo, mas, numa tarde de setembro de 1963, logo a seguir às Festas de Verão, pôs termo à vida. Tinha 69 anos.

«Vida difícil: triste no nascer, honrado no viver e triste no morrer…» (testemunho do neto Francisco Eduardo, um dos netos que, juntamente com outro primo, já falecido, passou as últimas Festas de Verão com o avô).

(Pesquisa realizada com a colaboração da filha Maria de Jesus Candeias e do neto Francisco Eduardo)

Maria Libânia Ferreira

Publicado no livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

sábado, 2 de outubro de 2021

A nossa banda em concerto

Cartaz de Paulo Mateus 

Maria Libânia Ferreira

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Manuel Simões

A propósito da origem dos nomes das nossas ruas encontrei dados interessantes sobre o Presbítero (padre) Manuel Simões que complementam a informação deixada pelo José Teodoro há já algum tempo. Podem também responder a algumas questões relacionadas com este sanvicentino que teve uma vida anormalmente longa para aqueles tempos. Como não casou nem teve filhos não existe muita informação sobre ele nos registos paroquiais, apenas algumas referências a atos de batismos ou casamentos de que foi padrinho, testemunha ou oficiante. No entanto, atando muitas pontas, haverá poucas dúvidas quanto ao seguinte:

Manuel Simões, filho de Francisco Simões e Ana Rodrigues, naturais de São Vicente, nasceu em outubro(?) de 1653. Teve vários irmãos, entre os quais uma rapariga de nome Catarina (Catarina Martins) que casou com Francisco Lopes Guerra, pai de Manuel Lopes Guerra. Seria, por isso, seu tio pela parte materna.

Foi presbítero, licenciado, e terá exercido como vigário da paróquia de São Vicente, onde terá passado a maior parte da vida.

De acordo com a informação obtida no seu testamento, seria uma das pessoas mais ricas da terra, com várias propriedades que deixou aos seus sobrinhos, todos filhos de Manuel Lopes Guerra e Mariana Gracia, pois, para além duma irmã que morreu solteira ainda antes dele (Ana da Encarnação), não teria outros parentes chegados.

O testamento é muito longo e minucioso, mas de difícil leitura. Fica o principal, sujeito a algumas imprecisões, mas que para o caso (avaliar a riqueza de Manuel Simões) não serão significativas:

Ao sobrinho Francisco Simões Cardoso deixou a Tapada do Baraçal, uma vinha na Fonte da Pipa(?) e “mais umas terras a que chamam os Enxidros”;

A Cláudio António Simões deixou o Brejo com todas as árvores que lhe pertenciam, um souto no Casal (?), as casas em que vivia com o quintal, e outros bens;

A Fernando Luís deixou uma vinha e metade duma propriedade na Barroca;

A Angélica Maria deixou as terras e oliveiras do Valfeitoso e dois soutos no Pinheiro(?)

A Francisca Xavier deixou um olival abaixo de São Domingos e uma propriedade “a que chamam o Passo”(?)

Manuel Simões faleceu no dia vinte e sete de maio de 1754. Tinha 101 anos!

M. L. Ferreira