sexta-feira, 30 de junho de 2017

O apelido Paradanta


Prometi ao Joaquim Bispo pagar-lhe o texto poético sobre as mulheres da Paradanta com informações sobre este casal, embora ele não seja de lá (ver o comentário que ele postou no seu texto).

Os assuntos que vou focar, a propósito do registo de nascimento acima apresentado, não são novos, mas vale a pena voltar a eles:

- Ainda hoje existe o apelido familiar Paradanta, em pessoas da Partida. O avô do Manuel, o bebé deste registo, chamava-se Manuel Rodrigues Paradanta e era natural da Paradanta (por isso ganhou este apelido).
- O pai do batizado, Luís Rodrigues, era das Rochas de Cima. No século XIX (este batismo é de 23.05.1824) inúmeros jovens da freguesia de São Vicente casaram com jovens da freguesia de Alamaceda, sobretudo das povoações vizinhas (Mourelo, Partida, Vale de Figueira e Violeiro / Rochas de Cima, Ingarnal, Almaceda, Rochas de Baixo e Martim Branco). Nos séculos anteriores, isso não era tão frequente.
- O avô paterno do bebé Manuel era incógnito. Teve sorte o pai Luís, não ter sido abandonado para a roda, como então era costume. Parabéns à sua mãe Joaquina Rodrigues! Os filhos naturais (nascidos fora do casamento) eram muito menos frequentes do que os filhos expostos.
- Os avós maternos vivam na Partida (a avó Josefa Freire era de lá), mas a filha Joaquina Freire e o genro Luís Rodrigues vivam no Vale de Figueira. Existia e existirá ainda uma relação muito estreita entre as gentes da Partida e do Vale de Figueira (como entre São Vicente e o Casal da Fraga).
- Normalmente, as testemunhas dos batismos (não os padrinhos) eram o sacristão e o padre tesoureiro da Igreja: Joaquim Marques e Francisco José de Oliveira. Reparem na forma de assinar o nome: o mais recente, como o do padre, e o tradicional, com o nome próprio, seguido do sinal + e depois o apelido (Joaquim + Marques)

José Teodoro Prata

segunda-feira, 26 de junho de 2017

As mulheres da Paradanta

Vista geral da Paradanta. Foto de Carlos Matos.

As mulheres da Paradanta são o amparo da casa. Como são robustas e determinadas, as deusas primordiais admiram-nas e protegem-nas. A sua aldeia fica encravada entre montes atulhados de pinheiros nas faldas da serra da Gardunha, onde só é possível cultivar estreitas leiras junto ao pontos mais profundos dos vales. Por isso, sempre tiveram de obter complemento económico fora da pequena agricultura de subsistência. Às vezes, em atividades inesperadas e até longe da sua terra. São vistas desde sempre a carregar pesos à cabeça. Em grupo, em rancho. Decididas, caminhando, balançando as ancas cheias. E como os deuses gostam de contemplar o seu caminhar! Talvez por isso as tenham colocado ali, na Paradanta, para lhes fruírem a atividade, em vez da rigidez de antanho.
Na década de 40, era comum vê-las a carregar caldeiros cheios de pedras com volfrâmio. O dinheiro do minério já lhes permitia comprar alguma massa ou arroz na venda da aldeia. Todas se lembravam e queriam afastar os tempos penosos da Guerra Civil de Espanha, com racionamentos e contrabandos. Os homens manejavam as enxadas a esburacar terrenos, e as picaretas a desfazer calhaus, um pouco por todos os montes das redondezas, onde vissem ou suspeitassem encontrar o apetecido minério negro e brilhante. Elas enchiam as vasilhas, punham-nas à cabeça e pelo meio dos pinheiros, dos matos, das pedras, por fim por veredas, carregavam-nas até pontos combinados, onde as mulas podiam chegar. De etapa em etapa, o minério lá acabava por chegar aos Aliados. E aos Nazis. O comércio não tem ideologia. Umas atrás das outras, em filas espontâneas, abanando as ancas, iam e vinham lançando um ou outro canto com temática de igreja, mas reconforto pagão. Por vezes, Atena apiedava-se do esforço brutal das suas amadas paradantenses e, disfarçada como uma delas, ajudava-as, sem que elas percebessem. E afugentava algum condutor de mulas que, fiado no ermo dos pinhais, se preparasse para abusar de alguma delas.
Na década de 50, com a II Guerra acabada, já ninguém queria saber do volfrâmio. As mulheres da Paradanta voltaram à agricultura, ou antes, ao trabalho sazonal nos grandes terrenos planos a sul da serra, por conta de proprietários ou rendeiros. Os homens iam para as grandes ceifas do Alentejo, elas ficavam-se por zonas não tão distantes. Aí por princípios da primavera, ora um ora outro agricultor aparecia na terra depois da missa de domingo e propunha o trabalho. O acordo não tinha nada que negociar: era um terço da produção para todas. Por isso lhes chamavam “terceiras”. Às vezes, já apalavradas de antemão, repetiam o lavrador de um ano para o outro. Constituído o rancho, apresentavam-se ao trabalho depois das ceifas, por meados de julho e mantinham-se até final de setembro. Regavam milhos, melancias e abóboras, colhiam a produção na altura certa, ajudavam a transportá-la para as tulhas ou para a eira, descamisavam as maçarocas, malhavam-nas, limpavam o grão. O trabalho mais demorado era o da apanha do feijão frade. Extensões enormes eram calcorreadas em setembro, feijoeiro a feijoeiro, colhendo as vagens maduras para as cestas e descarregando-as no carro de vacas. Vendo-as em tão grandes penares de labuta campestre, Deméter, disfarçada como uma delas, imiscuía-se frequentemente no rancho, colhendo as vagens agilmente, aliviando a dureza da lida. A mais nova estava encarregue de, ao longo do dia de calor inclemente, ir buscar água a alguma fonte ou mina, numa bilha à cabeça, e dessedentá-las. Também era a aguadeira que ia adiantando os cozinhados de todas, em panelinhas de ferro individuais. Muita solidariedade coletiva, muita comunhão de quase tudo, mas mantinham áreas de reserva individual: a comida, os homens e a religiosidade pessoal. Uma fogueira, uma dúzia de panelinhas em redor, cozendo batatas ou feijão. Com um naco de toucinho cozido ou um pedaço de morcela, estava a ceia feita. Se houvesse lua e trabalho na eira, era possível que Zeus, Dioniso ou outro deus igualmente lúbrico incentivasse os cantares e as danças, disfarçado de ganhão ou pastor. Sileno nunca perdia uma desfolhada. E um beijo por outro não desonra ninguém. Iam à terra no sábado à tardinha e voltavam no domingo à noite. Uma cesta à cabeça, umas atrás das outras. Cantando, galhofando, calando. Como os deuses gostam de ver o balanço das suas ancas!
Na década de 60, os namorados foram combater para África, os maridos foram trabalhar para França. Algumas foram com eles. A salto. Malas à cabeça. As que ficaram na Paradanta amanharam-se como puderam. Rezavam, teciam, cuidavam dos filhos, tratavam de uma horta, iam à lenha. Traziam os molhos à cabeça. Os faunos dos pinhais gostavam de as ver calcorrear veredas. Meneando as ancas. Mesmo com poucos homens na terra, não deixaram morrer a romaria da Senhora da Orada. No quarto domingo de maio, partiam ao princípio da manhã, com o tabuleiro da merenda à cabeça, cantando glórias à Virgem. Oscilando as ancas, aos poucos iam vencendo os vários quilómetros que separavam a aldeia da capela, sempre a subir. Depois da missa, derramavam-se pelas sombras, saboreando a merenda, rodeadas da filharada e de uma ou outra deusa disfarçada de romeira e saudosa de convívio humano. Pagas as promessas, feita a procissão, regressavam à Paradanta, cantando modas menos religiosas que à ida.
Na década de 70, acreditaram na mudança prometida. Ouviram os militares, os políticos, fizeram reivindicações, conseguiram um lavadouro público coberto. Com a chegada do gás e da eletricidade, deixaram de ir à lenha. Os incêndios sucederam-se, nos pinhais atulhados de mato. As fontes tornavam-se frequentemente chafurdos de cinzas. As mulheres da Paradanta punham os cântaros à cabeça e percorriam distâncias até alguma mina que não fora atingida. Por veredas serpenteantes, uma após outra, traziam para casa o líquido mais precioso. Como os deuses apreciam o seu caminhar! Algumas convenceram os maridos a regressar, fizeram reuniões, dançaram. Dioniso não deixava de aparecer, sempre que havia folia. Finalmente, chegou a água canalizada e uma estrada de alcatrão. Algumas famílias compraram carro. Ou motoreta.
Aos poucos, as mulheres da Paradanta, deixaram de calcorrear lonjuras com pesos à cabeça. Os deuses ficaram melancólicos. Alguma graça no mundo se perdera. Chegaram a pensar devolvê-las aonde tinham ido buscá-las. Lá onde, rígidas e pétreas, eram o sustentáculo de arquitraves e platibandas clássicas. E a quem os mortais chamam cariátides. Além disso, estavam a ficar cheiinhas e roliças. Felizmente, Hera, também com um pouco de peso a mais, lançou a moda de andar a pé, para emagrecer, e precisou de companhia. As veredas da Paradanta voltaram a encher-se de mulheres que caminham. Embora sem pesos à cabeça. Mas ainda com o tão admirável meneio de ancas. E os deuses voltaram a ostentar um sorriso deleitado, no rosto divino.
Cariátides, na acrópole de Atenas.

Joaquim Bispo

domingo, 25 de junho de 2017

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Incêndios

Quinta rodeada de árvores escapou ao fogo


Propriedade é de uma empresária holandesa que vive em Portugal há dez anos
A Quinta da Fonte, em Figueiró dos Vinhos, "sobreviveu" aos vários incêndios que deflagraram no centro do país desde o sábado passado. As chamas estiveram muito perto da quinta da holandesa Liedewij Schieving, que vive em Portugal há dez anos. Tudo ardeu à volta, menos as árvores plantadas há décadas.
"Aqui ardeu praticamente tudo. Havia muitos eucaliptos que não resistiram às chamas", refere a empresária holandesa. Uma mancha verde destaca-se da paisagem negra envolvente. "A única coisa que não ardeu foram os carvalhos, os castanheiros, oliveiras e sabugueiros", explicou ao JN.
No Facebook, a mulher, de 50 anos, publicou vídeos e fotografias da zona envolvente à propriedade.
Os bombeiros "não estiveram no local" e as árvores que lá estão "há muitas décadas protegeram a quinta e sobreviveram por si", disse Liedewij Schievin.
Diário de Notícas, 23.06.2017

José Teodoro Prata

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Há Feira Medieval



José Teodoro Prata

Santa Águeda: e se se multiplicarem cerejais

Julgo que não achará descabida, ou prematura, esta pergunta. Realmente, se o Estado, através da interpretação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entendeu que a lei não proibia a implantação de um cerejal numa albufeira de abastecimento de água a dezenas de milhares de pessoas, por que não equacionar (e temer) uma corrida a este novo faroeste dourado? O que vale para um, vale para todos, sejam quantos forem; presumo que a APA o avaliou, quando assim decidiu. 
            Imagine que a criança da fábula perguntava a quem não quer ver a nudez do rei: “E se estes 17 hectares passarem a ser 34 e 68 e 136 e por aí fora?” A decisão da APA abre esse caminho para o tal faroeste. Isto, não falando na eutrofização já instalada por outras razões e cujas causas terão anos de vigência a montante da albufeira e estão equacionadas por especialistas. 
            No imediato, enfrentamos o cerejal de 17 hectares e o cortejo de poluentes que são carreados para esta nossa albufeira no rio Ocreza. A comprovada utilização do fungicida “Pomarsol” contamina gravemente o meio aquático e, segundo peritos, terá sido a causa de morte de dezenas de peixes na altura das primeiras pulverizações. Ainda na fase inicial, estando as árvores apenas com dois palmos e ocorrendo já problemas desta natureza, imagino o que virá a passar-se quando as cerejeiras forem adultas e tiverem mais corpo com dois, cinco, dez anos...
            Ainda temos água de boa qualidade garantida pela Estação de Tratamento de Água (ETA) mas os poluentes provenientes dos fungicidas, herbicidas e pesticidas, utilizados na exploração do cerejal, e a crescente poluição em fósforo e manganês diminuirão a eficiência da ETA até ao limite de não poder garantir a necessária capacidade de tratamento. Entretanto, haverá aumento substancial dos custos e degradação, tecnicamente previsível, da qualidade da água que abastece as populações que vivem no concelho de Castelo Branco e em parte dos de Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão. 
            A APA também sabe o que aconteceu durante anos e anos em tantas áreas protegidas e de reserva agrícola e ecológica que foram desqualificadas para uso de interesses especulativos. A APA sabe (e o país também vai sabendo) de rias Formosas, Caparicas, Furadouros, Tejos, Almondas, pastas de papel, fábricas de óleos, Nabões, suiniculturas, um rol infindável gerido e comandado por egoísmos que vegetam em terras e águas más. A APA sabe que muitas atividades trocaram equilíbrio, bem comum e visão de futuro por laborações poluentes que as administrações do Estado foram (e vão) permitindo. A APA sabe muito mais do que nós acerca das dinâmicas dos obscuros interesses que por aí andam. 
            Também sabe e todos sabemos, não só na pele como no mais extenso e fundo corpo de comunidade, o que tivemos de pagar em recursos financeiros e em não-desenvolvimento (e antidesenvolvimento) nestas operações que satisfazem os deleites dos servidores do deus dinheiro.
            Na falta do Estado de que precisamos, e perante o menos (e pior) Estado com que nos vêm castigando, precisávamos, por exemplo, de uma operação de investigação jornalística qualificada que ouvisse especialistas, como ouvimos, em 29 de maio, na Conferência Técnica em Defesa da Albufeira de Santa Águeda/ Marateca. Uma investigação que desvendasse a realidade de muitas suspeições e as relacionasse com a realidade dos dados e dos factos. E que iluminasse as sombras onde vegetam muitos silêncios. 
Costa Alves - mcosta.alves@gmail.com
Reconquista, 14/06/2017
José Teodoro Prata 

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Fonte de São João

Foi particularmente quente o verão esse ano, durante o pino solar as temperaturas elevadas que se faziam sentir não eram convidativas para que se fizesse fosse o que fosse nos campos.
As ceifas tinham terminado, procedia-se à malhação dos grãos. Por todo o lado ouviam-se os manguais batendo ritmadamente nas eiras, “o calor é bom para a debulha”. À tardinha malhadores esperavam que o ar rarefeito trouxesse alguma brisa para que o trigo ou centeio se pudesse limpar; as praganas e os cachiços que estavam misturados com o grão voavam.  
Alguém, munido com um meio alqueire enchia-o e despejava-o nas sacas; contava a quantidade de medidas que ia deitando, atava-as, estas eram transportadas em carros de bois, burros ou às costas; conforme a quantidade de semente recolhida. Por vezes malhadores dormiam na eira em cima da palha; para a filharada era uma festa estarem deitados a olhar as estrelas ouvindo os ralos, as rãs coaxando nas presas, os cães a ladrar certamente afugentando alguma raposa, quiçá um lobo. Uma restolhada de gente dormindo ao relento.
Depois de um dia abrasador mal se estendiam começavam a ressonar; fadiga, cansaço; a cachopada, com os olhos abertos virados para o horizonte contavam estrelas…
A banda filarmónica vicentina esse ano tinha participado em muitas festas nas redondezas e mais longe; para se deslocarem partiam muito cedo a pé, em carroças… A filarmónica, menina dos olhos dos vicentinos; chegou a atuar em terras de Espanha tal a sua fama.
Naquela manhã os músicos entraram no ensaio que ficava na Rua da Misericórdia, pegaram nos seus instrumentos e foram de abalada a caminho de Castelo Branco. O relógio marcava cinco horas, chegariam à cidade por volta das dez.
Plérias, conversas de escárnio e mal dizer, anedotas…o tempo custava menos a passar. Ao chegarem a Castelo Branco dirigiram-se à estação onde estavam alguns malpiqueiros com suas carroças que os transportariam àquela aldeia raiana. Quando chegaram, mal tiveram tempo de repousar, deram uma arruada pelas ruas da povoação. O povo gostava das marchas tocadas pelos músicos, o arraial muito participativo, animado, todos dançavam ao toque da banda.
Terminado o concerto os músicos ajeitavam-se dormindo em casa dos festeiros, palheiros….
Quando a aurora acordou levantaram-se, prepararam-se, ei-los no largo principal da aldeia tocando a alvorada, foguetes estralejavam no ar enquanto percorriam novamente as ruas, o povo escancarava portas e janelas para ver passar a banda.
A missa de festa é mais demorada que uma missa normal, os músicos cantam e tocam durante a cerimónia, a procissão demorou bastante tempo a dar a volta, muitos crentes compenetrados entoavam cânticos e rezavam, a fome apertava. Findas as cerimónias, cada festeiro levou alguns músicos para suas casas onde almoçaram.
 Um foi parar à casa de uma família numerosa no meio da sala uma mesa rectangular tinha ao meio um grande alguidar que fumegava, não viu pratos na mesa, o chefe da família, a esposa e os filhos sentaram-se em redor… festeiro chamou o nosso músico que se sentou também.
Todos tiravam a comida do alguidar e comiam; músico cheio de fome quando viu aquilo perdeu o apetite
- Não come!
- Não tenho fome.
- Coma que está bom…
Ao lado, numa outra mesa estava um bolo de festa, nosso músico não fez mais nada, agarrou na faca e partiu uma fatia.
- O que é que está a fazer! Pergunta o dono da casa
- A partir uma fatia de bolo, respondeu:
- Ponha aí o bolo… primeiro come-se o que está no alguidar, e só depois …
Músico saiu porta fora vagueando pelas ruas da terra; nisto aparece o João Carvalho bem- disposto, vendo-o com cara tristonha, cabisbaixo, perguntou-lhe
- Há azar? - António Maria com a barriga a dar horas respondeu-lhe:
- Deixa-me cá, logo me havia de calhar uma casa onde todos comiam no mesmo caçoulo, os filhos com o ranho a sair do nariz, não fui capaz… estava um bolo em cima de uma mesita, quando ia partir uma fatia ele tirou-ma da mão…
- Vem comigo, eu levo-te à casa onde comi, gente boa, comida farta.
João Carvalho quando contou o episódio ao festeiro este respondeu:
- Sempre assim foi; sente-se e sirva-se à vontade…
António Maria comeu, bebeu e ficou saciado.

Canto da nossa praça onde existiu a fonte de São João de Brito.

Nota: a imagem está invertida (a casa da varanda é à esquerda), 
mas era esta a fonte de São João de Brito.

Na atualidade, parte da fonte em São Francisco.

O presidente da Junta daquela época chamava-se Manuel da Silva, quando chegava à praça todo ele se orgulhava: câmara, igrejas, casas solarengas… faltava qualquer coisa para o ramalhete ficar completo. Que bem ficava uma fonte naquele canto e não afectava nada a monumentalidade da praça. Contactou os outros elementos da Junta, um deles era o senhor João Prata; um dia rumaram a Castelo Branco, a verba apareceu e a fonte foi edificada.
Durante algumas décadas deu de beber aos moradores e aos viandantes.
A Rua do Beco era estreita a Junta da época pensou e muito bem alargar a artéria, houve necessidade de “roubar” um pouco à praça, a fonte teve que ser desmontada; findas as obras, voltaria para o seu lugar. Azar dos azares; a fonte de São João de Brito nunca mais foi reposta, algumas pedras desapareceram, a parte central trasladaram-na para junto do calvário, onde se encontra.
Faz este ano setenta anos, esquecida sem dar fruto ou seja sem jorrar água, julgo que deve voltar a erguer-se no local original nem que para isso tenha que se abrir uma subscrição pública para que a velha fonte regresse ao lugar que lhe pertence por direito.
Assim sendo; haja quem aja.
São João de Brito nasceu em Lisboa no dia 1 de Março do ano 1647; trezentos anos depois foi canonizado pelo papa Pio XII no dia 22 de Junho do ano 1947
Em sua homenagem nascia na praça uma fonte.
Fiquem bem

J.M.S

quinta-feira, 15 de junho de 2017

À nossa porta


O Boletim Oficial do Estado espanhol, correspondente do Diário da República português, publica esta sexta-feira as autorizações para dilatar os prazos de renovação das licenças de exploração das centrais nucleares de Almaraz (Estremadura espanhola) e Vandellós II (Tarragona).
No que diz respeito a Almaraz, unidade que se situa a cerca de 100 km de Portugal, numa das margens do rio Tejo, o limite da licença de exploração mantém-se até 8 de junho de 2020, mas o prazo para pedir a sua renovação é aumentado.
(...) as centrais terão de solicitar a renovação da licença, o mais tardar, no momento em que cada uma delas apresente a sua Revisão Periódica de Segurança, até mais ou menos um ano antes da expiração das autorizações de exploração vigentes, que no caso de Almaraz é 8 de junho de 2020
Vários grupos de defesa do ambiente em Portugal e Espanha têm contestado a construção de um aterro de resíduos nucleares em Almaraz assim como a continuação do período de vida da central para além do termo da autorização em vigor que caduca em 8 de junho de 2020.

Quando a crise chegou e muitos imigrantes voltaram aos seus países de origem, um aluno meu disse-me que a sua família nunca voltaria, porque o pai era originário da região de Chernobil, Ucrânia, e no acidente da central nuclear perdeu muitos familiares e amigos. Nunca mais se soube deles.
Penso que, no caso de Almaraz, cujo prazo de validade termina em 2020, andamos a assobiar para o lado. O prolongamento do prazo de funcionamento, sem garantias de segurança, pode significar o fim do mundo em que vivemos (a região de Chernobil foi completamente evacuada e nos arredores as pessoas sofreram e sofrem de múltiplos cancros - no youtube há vídeos elucidativos). 
Por outro lado, não sejamos hipócritas, parte da eletricidade que consumimos vem de Almaraz. Mas urgem alternativas limpas.

José Teodoro Prata

terça-feira, 13 de junho de 2017

Morreu Alípio de Freitas

Foi padre português, revolucionário brasileiro, cooperante em Moçambique. Privou com os grandes do mundo em Moscovo e partilhou a sorte dos camponeses no sertão nordestino. Preso, torturado, libertado, voltou a Portugal e foi jornalista da RTP. Morreu hoje, aos 88 anos de idade.

Alípio Cristiano de Freitas nasceu em 1929, em Trás-os-Montes. Ordenado padre em 1952, desde logo quis viver junto das comunidades a quem se dirigia. Instalou-se primeiro junto dos camponeses pobres na Serra de Montesinho.
Foi depois para o Brasil, a convite do arcebispo do Maranhão. Deu aulas na universidade e fundou uma paróquia. Queria ser entendido e recusou dizer missa em latim. Disse-a depois em português, desafiando uma Igreja que ainda tinha por fazer o aggiornamentodo Concílio Vaticano II.
Mas a mensagem nada valia sem a ação: Alípio de Freitas empenhou-se em organizar a criação de uma escola e de um posto médico. Envolveu-se na luta política e apoiou a candidatura de Miguel Arraes ao governo do Estado de Pernambuco, numa ampla coligação de comunistas, trabalhistas e social-democratas. Essa ousadia valeu-lhe um primeiro sequestro por um grupo paramilitar e detenção durante mais de um mês à ordem do Exército.
A detenção não o intimidou, antes acresceu a sua determinação. Naturalizou-se brasileiro e, ao lado de Francisco Julião, tornou-se co-fundador das Ligas Camponesas. Organizou a ocupação de latifúndios no que era um sinal precursor do atual Movimento dos Sem Terra.
O dirigente bloquista Alberto Matos, que militou com Alípio na fase final da vida deste, recordou recentemente a indignação que ecoava ainda na voz do amigo, várias décadas depois, sobre os pistoleiros pagos pela oligarquia terratenente para matarem camponeses pobres, que queriam terra para dar de comer aos filhos.
Depois de ter enterrado vários desses pacíficos ocupantes de terras, Alípio cada vez mais se foi decidindo a organizar a autodefesa do movimento: pistoleiros e mandantes deveriam doravante recear as consequências dos seus crimes. Viria a ser citado anos mais tarde com o apelo: "Trabalhadores, ontem vos ensinei a rezar e hoje aqui estou para ensinar-vos a pegar em armas e lutar".
Com o golpe militar de 1964, o ex-padre partiu para Cuba, onde recebeu instrução de guerrilha. Antes, em 1962, estivera na URSS, para participar no Congresso Mundial da Paz. Aí conheceu o dirigente soviético Nikita Kruchev, o poeta chileno Pablo Neruda e a lendária dirigente espanhola Dolores Ibarruri.
Na clandestinidade, foi dirigente do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Em maio de 1970 foi capturado e sujeito a intensa tortura. Recusou sempre prestar declarações e apenas deve a vida à ampla campanha de solidariedade internacional de que foi alvo. Nessa campanha se inscreve a canção que lhe dedicou Zeca Afonso, no álbum Com as Minhas Tamanquinhas.


Libertado em 1979, após várias intervenções da diplomacia portuguesa, foi viver para Moçambique, e pôs a sua experiência nas Ligas Camponesas ao serviço da reforma agrária no novo país lusófono. Foi alvo de um atentado dos serviços secretos sul-africanos, que, por engano, vitimou um companheiro da mesma cooperativa onde trabalhava.
Regressou a Portugal ainda na década de 1980, tendo trabalhado na RTP até 1994. Foi co-autor de vários programas (“Fim de Semana”, com Mário Zambujal, Carlos Pinto Coelho e José Nuno Martins, “À procura do socialismo”, com Mário Lindolfo). Foi também eleito para a Comissão de Trabalhadores da RTP. A actual CT fez-se representar ao lado de centenas de pessoas, algumas delas trabalhadores da RTP, numa homenagem a Alípio de Freitas, em janeiro de 2017, recordando esse seu mandato precursor.
Embora tivesse perdido completamente a visão nos últimos anos, Alípio de Freitas continuava a ser uma presença constante, sempre guiado pela sua companheira Guadalupe, em movimentos de solidariedade internacional ou de protesto cívico. Ainda há poucos dias, recém-saído de um internamento hospitalar, interveio de forma marcante numa cerimónia realizada no Museu do Aljube.
O velório de Alípio de Freitas tem lugar hoje, terça-feira, a partir das 18 horas, na Basílica da Estrela. O funeral realiza-se amanhã, quarta-feira, para o cemitério do Alvito, Alentejo, onde viveu uma parte dos seus últimos anos.
Jornal PÚBLICO

José Teodoro Prata

Jerónimo

Ao contrário do que eu a certa altura conclui e aqui escrevi, o apelido familiar Jerónimo não vem do Jerónimo Duarte, filho do Fraga, que casou no Casal do Pisco. E consequentemente os Jerónimo não são os descendentes diretos dos Fraga (são os Teodoro).
A sua origem é a que se segue. Destes até à atualidade mediaram poucas gerações. Prometera a alguns parentes acabar esta genealogia, mas falta-me parte da atualidade, sobretudo o ramo do Zé Eletricista, Luís Jerónimo(Revelho)...

O documento regista o batismo de António, filho de Jerónimo Lopes e Antónia do Carmo, em 1822.

Aproveito para dar notíca de mais uma etapa da vida do ator Albano Jerónimo.


José Teodoro Prata

domingo, 11 de junho de 2017

Fé, ateísmo e proselitismo

Na sequência do texto sobre Fátima que há pouco tempo assinei neste blog, escrevo agora este outro, que pouco tem a ver com o primeiro. De alguma forma, porém, é, para mim, um aditamento clarificador. Mas, antes, duas advertências.
A primeira para dizer que respeito todos os que pensam de maneira diferente da minha. Este texto é, eventualmente, apenas, para confrontar ideias. E serviu de base para responder, noutra instância, a um amigo meu, que bastante prezo e que se assume como ateu (1).
A segunda, para pedir desculpa a muitos dos leitores que, certamente, acharão estes temas uma grande maçada! E com alguma razão! Mas, enfim, são poucas as vezes que aqui aparecem coisas destas. E acontece que sempre me inquietei com elas! Vá lá saber-se porquê! Ou talvez se saiba!...
Diz esse meu amigo, em consonância com as ideias que abraçou, que Deus não existe! Para se escorar nessa difícil posição (na verdade, o grau de dificuldade para provar que Deus existe ou que não existe, é o mesmo!), recorre, esse meu amigo, a argumentos de autores de vários quadrantes e sensibilidades. Todos próximos, porém, da sua orientação doutrinária. Entre eles, alguns que afirmam que os crentes são mesmo uma espécie de loucos! Mais comezinhamente, mas com idêntico conteúdo, li recentemente, algures numa revista, que Lúcia, uma das chamadas videntes de Fátima era uma doente mental.
Afirma ainda esse meu amigo que quer que o deixem em paz com todas essas embrulhadas da religião! Quer viver livre de todas as pressões e confusões do proselitismo (2), que os apaniguados das várias religiões têm cultivado ao longo dos séculos, para converter descrentes e pagãos. E tem esse direito!
Vamos ver se nos entendemos.
Apenas por via da razão e da lógica – instrumentos do nosso conhecimento – é claro que não se prova a existência de Deus. Pela mesma ordem de pensamento, não se comprova a Sua não existência. É mais ou menos o que afirma o agnosticismo (3) que diz, justamente, que Deus não pode ser conhecido porque – como Ser Absoluto - não é suscetível de ser sujeito a uma análise racional.   
Ora, é certo que a razão e a lógica são as bases da ciência, que constitui todo o património do nosso saber (conhecimento objetivo). Quer dizer, que pode ser explicado e que todos podem constatar. Mas já não são a origem de todo o conhecimento humano, mais vasto (conhecimento subjetivo). Isto é, aquele conhecimento que apenas cada um nós apreende, por si mesmo, que adquire pelas suas vivências e experiências ao longo das mais variadas situações da vida!
Ademais, sabemos que a ciência, que tanto fascina alguns e, na qual se reconhecem, efetivamente, enormes avanços, é, apesar disso, tão pequena que não nos dá as respostas mais óbvias aos nossos naturais e, por isso, tão expectáveis anseios.
Mas também é certo que quem se manifesta apenas pela fé, menosprezando, totalmente, a razão, pode cair na crendice. Veja-se a religiosidade popular, que, todavia, deve ser respeitada, se não for por adesão de opinião, que seja, ao menos, pela sinceridade das pessoas. É o que acontece em fenómenos como o de Fátima.
Igualmente, aqueles mesmos que atuam unicamente pela fé, podem também tornar-se doentes fanáticos. Pense-se, neste caso, nos que andam a cometer atos de terrorismo, matando dezenas de inocentes ou imagine-se o tempo da inquisição católica.
Por estas e por outras, como já se disse, alguns autores veem os crentes como loucos! Mas a fé é a única forma de respondermos às nossas grandes inquietações. O que carece é de ser esclarecida pela razão. Fé e razão, são, pois, dois elementos que fazem parte da nossa vida psíquica e não podem dissociar-se no ser humano.
A fé, tal como os amores, os ódios e tudo o que são emoções, faz parte do domínio do nosso irracional! Por sua vez, a razão, a lógica, o pensamento e os atos em geral, que usamos para governo da nossa vida, fazem parte do nosso racional! 
Receio, por isso, ter que dizer que ateus, agnósticos e descrentes em geral, também têm a sua fé! Pois, espero que, se nada lhes faltar, tenham também eles, como todos nós, a sua dimensão irracional! Se não têm fé em Deus, têm-na noutras coisas, entidades ou pessoas. E, se não em Deus, porque não O veem, manifestam-na nas suas paixões e arrebatamentos, em muitas situações da vida. Estados psíquicos esses, que eles também não conseguem clarificar! Portanto, sendo a fé a adesão ao que se considera absolutamente verdadeiro, logo, irracional, não pode, por isso mesmo, ser explicitada. Tal como os ateus e agnósticos (e todas as pessoas, afinal) não podem explicar a exaltação pela música do seu cantor preferido ou pelo seu clube de futebol! Têm apenas essa vivência! É como muitas vezes se diz de certo estado de alma: vive-se e pronto! Da mesma forma, a fé só pode ser experimentada pelo próprio.
E é, por consequência, a única forma de se poder chegar a uma outra verdade que não a científica, ainda que seja, por isso mesmo, uma verdade subjetiva. Mas que não deixa de ser uma verdade tendencialmente absoluta, ainda que válida apenas para quem a vive! Para essa pessoa essa é a sua verdade. 
Só para dar mais dois exemplos: como é que ateus e agnósticos (falo só deles, mas todos nós sabemos que assim é), podem explica o Amor (assim mesmo, com maiúscula) por uma mulher ou por um filho?! Eles bem sabem que não podem! Porque esses afetos, não só não têm valor económico, como não têm dimensão de qualquer outra natureza, que se possa dizer mensurável! Sabe-se apenas que tais vivências se aproximam do absoluto e, sendo assim, são tendencialmente impossíveis de entender. No entanto, existem e são bem reais!
Como se vê, todos possuímos a nossa face irracional! Por isso, quanto a saber quem são os loucos, como dizem certos autores, não é necessário pôr mais na carta, porque estamos conversados!
Os ateus, agnósticos e descrentes, quando se interrogam sobre o seu destino último, tomam uma atitude de conformismo ou de revolta perante a finitude física. Entretanto, vão admirando as maravilhas da ciência, mesmo sabendo da sua precaridade – como, debalde, fizeram todos os Cientismos. Ora, sendo a ciência passível de uma demonstração objetiva, acontece que os crentes, mesmo com uma pontinha de loucura (afinal, como todos os outros), também a compreendem. E ambos, crentes e não crentes, sabem, perfeitamente, que ela, sendo embora importante, não passa de uma verdade relativa. Mas só os segundos parece conformarem-se com esse relativismo e contentarem-se com essa meia verdade!
Relativamente ao proselitismo de que se queixa o tal meu amigo (pelo menos no que concerne ao Catolicismo), diz o Código de Direito Canónico, Cân. 748, § 2: “A ninguém é lícito coagir os homens a abraçar a fé católica contra a sua consciência.”. Também aqui, estamos conversados! 

Notas:
(1) Ateísmo: doutrina que nega a existência de Deus.
(2) Proselitismo: atividade que tem por missão angariar adeptos para determinada religião, partido, etc.
(3) Agnosticismo: doutrina que declara que a existência de Deus não é acessível ao espírito humano, por não ser passível de análise racional.


José Barroso

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Sede da Liga dos Amigos de SVB

Casa/sede da Liga dos Amigo de São Vicente da Beira 
Em Lisboa, no Bairro da Bica, Rua Marechal Saldanha, 28
 Início: 1973/1974

Jaime da Gama

terça-feira, 6 de junho de 2017

Histórias do meu pai

Quando o meu pai era pequeno o meu avô trabalhava na casa de uma das famílias mais ricas cá da terra e por isso era onde a professora ficava hospedada. Nessa altura o meu pai ainda não tinha idade para entrar para a escola, mas a mãe foi pedir à filha do patrão que falasse à professora a ver se o deixava entrar, só para o tirar da rua. A professora disse que sim, que podia ir, mas que levasse um banquinho de casa, que não tinha onde o sentar. E assim foi. Arranjaram um banco e o menino passava o dia sentado ao lado da secretária da professora, com a pedra no colo, e lá ia fazendo uns riscos com o ponteiro, a imitar as letras e os números que a professora fazia no quadro para os outros copiarem.
Mas aquilo era um inferno para o cachopinho, avesado a andar a correr pelas ruas ou a apanhar peixes na ribeira. Sempre que ouvia os chocalhos dos rebanhos a passar no caminho, ao pé da escola, e os pastores atrás, a assobiar, ficava numa tristeza tão grande que só visto. Mas ficava calado e assobiava baixinho, só para ele, a sonhar com o dia em que também pudesse ter um rebanho de cabras e andar por lá o dia todo com elas. Uma vez chegou a casa a chorar e voltou-se para a mãe:
            - Também não sei porque é que eu nasci tão desgraçadinho e os outros cachopos são tão felizes!
            - Porque é que dizes uma coisa dessas, filho?
            - Então não vejo os outros atrás das cabras, e eu ali o dia todo, assentado num banco a olhar p’ó cu da professora?

Mal fez o exame da 4ª classe começou logo a trabalhar como os da idade dele: à frente das vacas, atrás das cabras, a colher azeitona ou aos molhos de mato e de lenha. Era o que havia para fazer, e às vezes nem havia domingos nem dias santos. Havia alturas que já andava tão farto daquela vida que até sentia saudades dos tempos que passou sentado no banquinho ao lado da professora. Um dia, ainda bem cedo, chegou a casa todo derreado debaixo de um molho de mato que tinha ido roçar lá para uma lonjura que só visto. Antes de o traçar e fazer a cama ao porco foi beber o café, que ainda estava em jejum. Nisto, a mãe ouve-o a lamuriar-se:
            - Sou um desgraçadinho! Os meus primos ceguinhos é que são felizes, que nem têm que ir ao mato nem à lenha. Quem me dera ser com’ a eles!
A mãe nem queria crer no que estava a ouvir:
- Benza-te Deus, filho! Tu nem digas ma coisa dessas que o Nosso Senhor ainda te castiga!
- Digo pois, que s’ eu fosse ceguinho com’ a eles ainda estava na cama a estas horas…

Sempre gostou muito de cagarrapos. O dia em que enchiam as farinheiras, por alturas da matação, era uma festa. À ceia eram sempre dois ou três, ainda quentinhos, com um naco de pão por cima da sopa.
Uma vez, quando se levantou da cama, no dia a seguir, foi a correr chamar a mãe:
 - Eh mãe, venha cá aqui à cozinha, que está uma farinheira caída no meio do chão!
 - Deixa lá! É da maneira que já temos conduto p’rá noite!
O pior é que, durante quase uma semana, todas a manhãs aparecia uma farinheira caída por baixo do fumeiro.
- Rais parta o diabo, qu’inté parece que m’ imbruxaram as farinheiras! - Lamentava-se já a mãe.
- Anda pr’aí mistério; ai anda, anda… - Respondia o filho, ansioso que chegasse a ceia.
Mas um dia a mãe, estranhando que se andasse a levantar da cama primeiro que todos, foi espreitá-lo e descobriu que era ele que andava a afrouxar os nós das baraças das farinheiras.  


Um ano, já era pastor sozinho, começaram a usar-se as camisas de meia manga. Havia cá na terra uns rapazes do ano dele que tinham uma tia em Lisboa e que, pela festa do Santiago, trouxe uma dessas camisas da moda para cada um deles.
            No dia da festa, quando viu os amigos com as camisas novas, não tirava os olhos delas, de tão lindas que as achava. À noite moeu o juízo à mãe:  
            - Sou um desgraçadinho que nem tenho uma camisa de manga curta, com’os outros cachopos! Corte-me lá as mangas a esta aqui.
            - Tu vê se tomas tino e não m’atentes o juízo! E depois no inverno, com’ é que fazes? Apegas outra vez as mangas à camisa?
            Calou-se. Quando foi ao outro dia, que saiu com as cabras, levou um podão bem afiado e, mal chegou lá a um certo sítio, despiu a camisa, pôs as mangas em cima dum cepo e cortou-as pelo meio. Passou o dia numa ânsia, a ver quando é que o Sol descia para arrecadar o gado na corte. Mal entrou em casa e a mãe encarou com ele, ia caindo o Carmo e a Trindade; mas ele, bem ralado! Engoliu a ceia à pressa e saiu porta fora com as mãos nos bolsos, a assobiar, todo inchado, para que todos lhe pudessem ver bem a camisa de manga curta.

Era assim, o meu pai! E o que a gente se divertia a ouvi-lo contar estas histórias à roda do lume…

M. L. Ferreira

domingo, 4 de junho de 2017

Boletim agrícola, junho de 2017


Cabras
Esta cabrada é a do Luís Prata filho.  
A novidade em relação à minha última notícia sobre rebanhos de cabras é que este já aproveita o leite, em termos comerciais. 
De 3 em 3 dias, vem um camião-cisterna da serra da Estrela (Seia ou Gouveia?),
 buscar o leite deste e de outros rebanhos de cabras da zona.


Javalis
São coisa que não falta por aqui. Andam escondidos, mas adivinham-se pelos estragos. 
Esta era uma cerejeira enxertada que daria os primeiro frutos no próximo ano. 
Mesmo sem frutos... mas eles são brutos!



Cerejas
Este ano o tempo foi melhor e o frio do início da primavera apenas impediu uma minoria de dar frutos: algumas cerejeiras e ameixeiras.
É novamente um bom ano para as peras, mas no ano passado os javalis patiram-me as pereiras todas, à procura dos frutos ainda verdes. O resto irá este ano.
Há amendoeiras carregadas!


Pesticidas
Não mos vendem, nem tenho tempo para tirar um curso de 30 horas; por outro lado, já sei o suficiente para não os querer usar.
Tenho andado a testar este pesticida biológico. Experimentei nas tânjaras, no outono, e agora nas cerejas. 
Está aprovado. Não mata tudo, mas também eu escapo!
Cada frasco custa perto de 5 euros. Os outros custam isso ou menos, mas dão para muito mais. Em resumo: já gastei cerca de 20 euros nas cerejas e dos outros teria gasto 5 euros.
Mas vale a pena, nem que custasse o dobro...

Entretanto, devido aos pesticidas e aos adubos químicos, a água da rede de Castelo Branco está condenada. 
A margem esquerda da Ocreza e da barragem de Santa Águeda, entre o Louriçal e a Lardosa, está a ser aproveitada intensamente e com sucesso, para a plantação de pomar de regadio. 
E os peixes começaram a morrer na albufeira. Os homens morrerão mais lentamente, sem se saber porquê.
Se o mesmo acontecer do nosso lado, entre a Oles e a Póvoa, então é o fim.
Criou-se uma plataforma de defesa da barragem, com várias organizações, entre as quais o GEGA. 
A nossa junta de freguesia também está envolvida indiretamente, pois é autoridade na parte de cima da barragem, margem direita.
Aguardemos, mas os organismos do Estado não estão a fazer nada e se calhar pouco podem fazer. 
A lei só condiciona a atividade humana nos terrenos situados dentro dos 500 metros contados a partir da água. Mas até aí a lei tem sido violada, impunenmente. 
(Ver artigos do Costa Alves, no jonal Reconquista).
Estou pessimista. Depois da ameaça constante da Central Nuclear de Almaraz, com mais de duas centenas de acidentes por ano, só nos faltava esta!


José Teodoro Prata

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Acusação: judaísmo

Nome: Joana Henriques

Estatuto social: cristã-nova 

Idade: 17 anos 

Crime/Acusação: judaísmo 

Naturalidade: São Vicente da Beira, bispado da Guarda 

Morada: São Vicente da Beira, bispado da Guarda 

Pai: Antão Vaz Ribeiro, sapateiro 

Mãe: Isabel Ferreira 

Estado civil: solteira 

Data da apresentação: 02/11/1707 

Sentença: auto-da-fé de 06/11/1707. Confisco de bens, abjuração em forma, cárcere a arbítrio, penitências espirituais.


Jaime Gama