domingo, 28 de fevereiro de 2016

Dickens na Beira Interior

Este texto vem na revista VISÃO desta semana e é do Ricardo Araújo Pereira.
Publico-o aqui porquê:
1. É um excelente texto.
2. Diz respeito à nossa região.
3. Refere-se a um assunto que temos tratado nas últimas publicações (há lá novos comentários).


José Teodoro Prata

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Fonte Velha II

Em finais de 2011, já lá vão 4 anos, dei-vos a conhecer a minha grande tristeza com o estado de degradação de um dos locais mais nobres e vetustos da Vila numa crónica aqui publicada: A Fonte Velha. Volto hoje ao tema.
Não se pode dizer que nada foi feito, de lá para cá, para inverter a situação. Temos a casa da música, que reabilitou, com bom gosto, um espaço degradado e que faz com que só o Porto rivalize connosco, com uma casa da música ainda maior e com melhor programa que a nossa. E temos também o compromisso, por parte da Câmara Municipal, do acabamento da casa paroquial e da demolição do barracão contíguo, que foi construído com a participação de muitos de nós.
Mas cumpridas que sejam as promessas da Câmara, representando um passo enorme para a reabilitação daquele local mágico que é a Fonte Velha, local privilegiado de namoros antigos, onde os nossos pais esperaram pelas nossas mães, antes de o serem, com o coração ao pulos; onde se celebrava a festa da inspecção, entre amigos e irmãos, que a embelezavam com vazos de flores e cabeleiras amarelas, que muitas mulheres da Vila cultivavam com carinho especial, na escuridão, para nesse dia os oferecerem àqueles jovens. A quantos encontros simbólicos assistimos com o coração amassado, pelo Pe. Leal, entre Jesus, sua Mãe e o amigo inseparável João?
A fonte velha vos digo eu, além do lugar mágico que é, devia ser um local de culto. Um espaço cheio de dignidade e por isso é com o coração amassado que venho assistindo à degradação da casa Cunha, sem que o fenómeno pareça incomodar ninguém, quando nos devia incomodar a todos.
O grupo informal dos Amigos da Praça, a que tenho a honra de pertencer, que ali reúne regularmente durante o mês de agosto de cada ano, tendo como um dos assuntos recorrentes a reabilitação daquele espaço, deliberou tornar publica a deliberação tomada e que é a seguinte:
- A Junta de Freguesia (curadora dos interesses colectivos) deverá envidar esforços junto da Câmara Municipal para notificar os proprietários ao abrigo do artigo 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, republicado pelo Dec.-Lei n.º 136/2014, que estabelece: as edificações devem ser objecto de obras de conservação pelo menos de 8 em 8 anos…destinadas a manter a edificação nas regras de segurança, salubridade e arranjo estético.
- A intervenção destina-se a conferir alguma dignidade àquele espaço urbano, que provavelmente estará até classificado como núcleo histórico e por isso sujeito a regras mais apertadas.
- No caso de não ser feita qualquer intervenção por quem de direito, a Junta/Câmara deverá obter destes autorização para que qualquer delas possa intervencionar o espaço.
- A reparação consistirá em pintar a fachada principal e a lateral da Rua da Costa, substituir os vidros partidos das janela, retirar os estores que se encontram num estado de degradação total e dar um jeito às portas. Sendo que o mais difícil será suportar o telhado visível da Fonte.
- Foi ainda deliberado oferecer para já os seguintes contributos: Francisco Barroso, José Craveiro e Tó Luis, artista de lápis de carvão, mas também de nível e fio-de-prumo, dois dias de mão-de-obra, cada. O João Craveiro ofereceu-se para instalar o sistema de suporte do telhado em questão, o das águas para a Fonte.
Este contributo é disponibilizado para o mês de agosto, que é quando o pessoal se encontra de férias, mas estou certo que se a ideia for agarrada outros aparecerão. Não é uma questão megalómana…está perfeitamente ao nosso alcance.
Lanço o desafio a todos os que gostam muito de São Vicente. Àqueles que o assumem publicamente e aos leitores desta nossa Praça virtual que, não se revelando, nos lêem porque gostam também de São Vicente.
O meu grito está lançado. Há alguém desse lado?

Fevereiro, 2016
Francisco Barroso

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Toda a gente é pessoa

Os meus olhos não queriam acreditar no que estavam vendo. Um barraco que no dia anterior tinha servido de corte aos animais, hoje serve de habitação a um casal.


Não me importa o motivo desta aberrante situação, o mais importante, para mim, é encarar esta realidade que eu pensava já não existisse - pelo menos nas nossas terras. Afinal a história parece que se repete. O Pai deu a uns mais talentos que a outros, certo. Mas, como diz o padre António Rêgo, toda a gente é pessoa.
Um dia, encontrava-me bastante mal e dirigi-me às urgências. As dores não diminuíam. Passado algum tempo, chamaram-me e mandaram-me esperar. As dores não abrandavam. Finalmente, fui visto pelo médico que se mostrou bastante atencioso. As primeiras palavras que eu lhe disse foram as seguintes:
- Doutor, trate-me como se eu fosse um cão.
Ficou sem palavras; há animais que são mais bem tratados que as pessoas.
Um destes dias, a R.T.P. noticiou que, em Olhão, um grupo de defesa dos animais, com a colaboração de dois bombeiros, estão a ensinar as pessoas a prestar os primeiros socorros a cães e gatos… e por aí fora. Gosto muito de animais, na casa dos meus pais sempre houve cães e gatos; mas, meu Deus, que sociedade é esta?! Que interesses são estes?! Deixamos ao deus dará pessoas e acolhemos cães e gatos nas nossas casas como se fossem gente. Que mundo é este, Deus meu?!
O cão é cão, o gato é gato e a pessoa é Gente. Os animais são os nossos melhores amigos; e as pessoas, Senhor?! O general Ramalho Eanes de quem eu tenho muita admiração e respeito, quando, no passado mês de Novembro, a vila de Alcains - sua terra natal - lhe prestou sentida homenagem, a certa altura disse:
- Uma pátria onde os homens são concidadãos nunca deveria permitir que um português em qualquer situação passasse fome.
Senhores do mando, não permitam que este pobre casal viva num curral, isolados, onde falta tudo.
Estamos no ano santo da Misericórdia, não sejamos indiferentes.
PORQUE TODA A GENTE É PESSOA.

J.M.S

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A culpa foi dos frades

Uma ocasião, era eu ainda rapaz novo, andaram por cá uns frades que diz que eram das Missões. Diziam missa de manhã e à noite, e durante o dia confessavam e faziam benzeduras.
A igreja estava sempre à cunha com gente que vinha de toda a freguesia para se confessar e assistir às missas. Os sermões eram compridos e de meter medo. Às vezes até parecia que o púlpito caía com os clamores dos frades a enumerar as fraquezas e a falta de fé do povo. Os homens, uns bêbados e unhas de fome; só taberna, mas pagar as bulas e as côngruas, deixa estar. As mulheres, umas pecadoras, que agora até já tinham arranjado maneira de evitar os filhos; rapazes e raparigas, uma miséria; só maus pensamentos. Nem os inocentes escapavam, por via do pai e da mãe que os geravam. Por causa disso, se não se emendassem, não tardaria que Deus fizesse desabar o mundo e ia tudo direitinho para o fogo do inferno.
O povo andava todo atremozado e não saía da igreja, ajoelhado no confessionário ou a adorar a cruz, ao cimo da igreja. Tinham-na mandado fazer de propósito no Casal da Fraga, ao Miguel Leitão que a ofereceu como agradecimento por ter escapado duma doença tão grande, que até já lhe tinham feito a mortalha. Levaram-na depois do Casal para a Vila, em procissão. Quem a carregou foi o ti Jaquim Guilherme, homem considerado por todos. Pelo caminho, o povo todo cantava, em ato de expiação dos pecados:

Que viva, que viva,
A Cruz sacrossanta,
Que viva, que viva,
E quem a levou.


Por causa disto, um cachopito chegou a casa e disse assim para o pai:
- Eh pai, hoje é que o ti Jaquim Guilherme levou vivas!
- Atão porquê?
- Vossemecê não viu que era ele que levava a cruz na procissão?!
E o pai benzeu-se, da inocência do filho.
E os dias foram passando. Um dia, estava a igreja à cunha (homens e rapazes no coro, mulheres cá por baixo e a cachopada pequena à roda do altar), e os ralhos do sermão até pareciam trovões:
- Homens de pouca fé! Pecadores! Se não vos emendais vem aí o fim do mundo, não tarda!
Nisto, começa-se a ouvir um estrondo tão grande de dentro da torre, que até parecia que a igreja vinha abaixo.
Os homens atropelaram-se pelas escadas do coro, e os que vinham atrás pisavam os capotes aos da frente; era vê-los a rebolar todos, escadas abaixo. As mulheres gritavam e fugiam pela porta que tinham mais à mão. Até a ti Ana Ferreira, que passava a vida de candeias às avessas com o homem, gritava:
- Ai Federico, acode-me! Meu rico homem, não me deixes morrer sem ti!
Outra chorava:
- Ai o meu rico xale, que só tenho este! Alguém mo apanhe!
Os cachopitos, no coro, desataram também a correr, aos gritos, cada um para seu lado e alguns já todos mijadinhos pelas pernas abaixo.
O frade que fazia o sermão continuava a berrar com quantos pulmões tinha. O senhor vigário, de caldeira na mão, aspergia os fiéis com água benta.
Apanhados cá fora, cada um correu para a sua casa. O pior foi para os que eram de longe; e logo com uma noite de breu como aquela...
Ao outro dia foram espreitar o que é que se tinha passado nas escadas da torre, mas não se viu nada. No altar-mor é que não se podia estar com o mau cheiro.
Nos anos a seguir, as mulheres tiveram tantos meninos que foi uma coisa por demais. Até eu, que já namorava, um dia cheguei a casa fartinho de trabalhar, e mandaram-me a dormir para a loja da burra. Que voltasse só de manhã. Ao outro dia disseram-me que tínhamos lá mais uma menina. Uma menina? É mas é mais uma boca! E tudo por culpa dos frades…

M. L. Ferreira

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Fraga e Jerónimo

Já aqui fiz várias publicações sobre a família Fraga e Jerónimo e sobre a origem do nome Casal da Fraga.
Entretanto, encontrei um registo de 1768, do casamento de Manuel Rodrigues Fraga com Luisa [Maria] Leitoa, pais de Jerónimo Duarte Fraga.
O que me traz de novo ao assunto é facto de o pai do noivo não ter o apelido Fraga, mas sim Rodrigues Gregorio.
Neste casamento, tanto os pais do noivo como os da noiva vivam nuns casais de São Vicente da Beira. Mas não se usa o nome de Casal da Fraga.
Terá sido este Manuel Rodrigues a dar o nome ao casal? E como é que o arranjou para ele? Fraga seria apelido ou alcunha? E porque é que o padre que fez o registo escreveu Fraga a começar com maiúscula, ao contrário do que muitas vezes se fazia quando se acrescentava uma alcunha ao nome? Tantas perguntas sem resposta...

José Teodoro Prata

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Ode a São Vicente

Tudo começou no Ocaia
Nos cumes frios e agrestes
Começou a vir gente da raia
Acompanhados pelos seus mestres
Não havia mar nem praia
Um castro lá fizestes
Formoso e altaneiro
Forte, belo e roqueiro

Gente rude e pastoril
À sombra da sua fortaleza
Gente forte e varonil
Caçava, trabalhava, que beleza
Gente rude, mas viril
À noite em redor da mesa
Aos seus deuses vão rezando
E o tempo vai passando

Vindos de longes terras
Soldados com armas e cultura
Palmilhavam vales e serras
Sempre em busca de aventura
Trouxeram saber, mas também guerras
Estranha língua falada com doçura
Vinham de Roma, eram romanos
E por cá ficaram por muitos anos

Nossos avós a serra desceram
Abandonaram seu reduto
Nas vinhas seus casebres ergueram
Semeavam, plantavam e colhiam o fruto
Nasciam, viviam e morriam
Dançavam, cantavam e punham luto.
O velho castelo iam deixando
E na planície foram ficando

Trans-Serre se chamavam
Aos que para este lado partiam
Novas terras arroteavam
As mulheres por lá pariam
As pessoas aumentavam
Muitas crianças morriam
A tribo aumentava
Gente livre e não escrava

Um dia chegou a mourama
Na Óles uma batalha travaram
O crescente caiu na lama
Já fogem, passam todos a palavra
Longe chegou esta fama
Suas espadas embainharam,
E a mourama partiu…
Nunca mais ninguém os viu

Talvez por causa do clima
Deixaram este lugar
Construíram mais acima
Sua casa seu novo lar
Mais água para todos
Novas terras para arrotear
Mais almas a rezar
E o povoado a aumentar

Eis que um dia pensaram
Oferecer ao rei a terra
Alguns homens bons a Lisboa rumaram
Senhor, te oferecemos Trans Serra
Fica na Guardunha, disseram
Naquele lugar terminou a guerra
D. Afonso olhando para aquela gente,
Doravante, vai chamar-se São Vicente

Era o dia da trasladação
Dos restos mortais de São Vicente
Da igreja de Santa Justa para a Sé onde repousarão
O rei ficou tão contente
Um osso lhes ofereceu dizendo, ao estender sua mão…
Aceitai esta relíquia do Santo mártir Vicente.
Quando ao povoado chegaram
A santa relíquia guardaram

O tempo ia passando
Com os dias sempre iguais
Construindo e labutando
Trabalhando sempre mais
O sino ia tocando
Dlim, dlão, vê lá se cais
São Vicente a aumentar
Cada família com seu lar

Eis que um dia chegou
Um pregoeiro que avisava
A morte nos roubou
Nosso rei que tanto nos amava
Seu filho Sancho de quem tanto gostou
É o novo rei desta pátria amada
Chorai a morte do rei, chorai
Longa vida para o novo rei, cantai

D. Afonso o nome nos deu
Com tanta alegria e convicção
Sãovicentino sim, sou eu
Sancho deu foral à nossa povoação
Tudo morreu
Só resta a saudade do coração
Setecentos anos de autonomia municipal
Despojaram-nos de tudo, até o hospital

São Vicente sempre a crescer
Até que um dia chegou
O concelho nos tiravam; não podia ser
Uma terrível lei que a todos abalou
Antes morrer
Tudo se desmoronou
Depois foi o marasmo
O esquecimento, o pasmo

Assim durante muito tempo
Prá qui ficámos esquecidos,
Muito pouco movimento
Bastante combalidos
Deixados ao esquecimento
No nosso orgulho feridos
Sempre muito resignados
Durante muito tempo parados

Era na fonte velha que as pessoas se sentavam
Bebendo a água fresquinha
Enquanto namoravam
Tratando cada um sua vidinha
Tudo e todos se falavam
As mulheres enchiam a cantarinha
E ao toque das trindades
Todos rezavam, que saudade

Lá vem o senhor vigário
No seu cavalo galopando
Na mão traz o breviário
Enquanto vai rezando
Vem da casa do boticário
Onde passou a tarde falando
A noite vai caindo
E as pessoas para suas casas vão indo

Tens uma igreja grandiosa
Como tu não há igual
Bela, grande e formosa
Não há outra em Portugal
Tua talha é valiosa
O altar-mor não tem rival
Guardas imagens de grande valor,
Que nós veneramos com amor

Tens a relíquia de São Vicente
Que morreu martirizado
Foi um diácono valente
Um osso do seu queixo, temos guardado
Protege nossa gente
São Vicente, homem honrado
Vicentinos, rezai assim
São Vicente, tem pena de mim

E a igreja da misericórdia
Casa do Senhor Santo Cristo
É um templo de concórdia
Onde se ora e suplica, só visto
Senhor, que na cruz estás pregado
Tens que ter mão nisto
O mundo anda tão mal
Salva-nos e salva Portugal

Santo António e São Francisco
Homens de grande fé e amor
Nunca pisaram o risco
Sempre amaram o Senhor
Alegres, bem-dispostos, só visto
Paz e bem, senhor doutor
Vossa capela é maravilhosa
Grande, arejada e espaçosa

Um calvário logo em frente
Bastante original
Onde se junta muita gente
Rezando naquele local
Na semana santa o crente
Vem de todo o Portugal
Lá está o Cristo crucificado
Aos pés Maria e João ajoelhado

A capela de São Sebastião
Pequenina mas asadinha
Tem o lar como irmão
Onde moram muito velhinho e velhinha
O povo tem-lhe muita devoção
Coloca tua fitinha
Tem o condão de afastar
As bexigas ou de as curar

Ficava no campo no limite da freguesia
Santa Bárbara; tinha lá sua capela
O povo do Sobral também a queria
No dia da festa havia muita querela
O Sobral dizia:
A capela é nossa, queremos ficar com ela
A imagem para São Vicente foi levada
E no Casal da Fraga nova capela foi levantada

No cimo da vila uma capela havia
Ao São Domingos pertenceu
Desapareceu como que por magia
Foi um ar que lhe deu
Que saudade, que nostalgia
Não sei o que aconteceu
Desleixo ou afastamento
Já nem resta o assento

Ao fundo da vila junto ao ribeiro
Também havia uma capela
Santo André era o seu padroeiro
Ninguém se lembra dela
Em frente está o Barreiro
Uma paisagem muito bela
Devia de se “alevantar”
Porque há lá muita gente a morar

E a praça municipal
Bela, arejada, espaçosa
Não conheço outra igual
Uma beleza tão grandiosa
Não conheço em Portugal
Graciosa, bela, formosa.
Tens um lindo pelourinho
Forte, formoso e bonitinho

A Domus com seu balcão
E a torre sineira ao lado
Possui um lindo carrilhão
Pelo padre Branco comprado
Tocam muita canção
Que beleza o seu trinado
À noite nos bancos sentados à luz do luar
Que bem se está na praça a descansar

Um dia chegou um coadjutor
Sílvio era a sua graça
Cedo cativou os jovens este prior
Que a todos juntava na praça
Brincava com eles com muito amor
Jogando, rezando, cantando com muita graça
Um dia partiu…
Nunca mais ninguém o viu

Na serra está edificada
Num lugar verdejante e sagrado
É a Senhora da Orada
Muitos milagres tem obrado
Com sua água sagrada
Transportada para muito lado
É nossa rainha
Senhora nossa Senhora minha

Tiveste um convento famoso
Do qual só resta um portão
Sólido e glorioso
Encimado por um brasão
Pórtico belo e grandioso
Tudo o resto caiu para o chão
As pedras levaram
Num muro de uma quinta se transformaram

E a casa da roda, dos enjeitados
No cimo da vila edificada
Onde bebés eram depositados
Continua “alevantada”
Por uma rodeira eram criados
Da câmara recebia a soldada
Cá deixo; dizia uma voz abafada
E a criança a chorar, era abandonada

Ninguém sabia de onde eram
Nem quem a deixava ficar
Nem nome lhe puseram,
Para ali ficava a chorar
Nem roupa lhe trouxeram,
Que nome lhe vamos dar!
Se for menino, será José
Se for menina, será Maria, mulher de fé

Foste terra de judeus
Artífices e gentes honradas
Povo sofrido, temente a Deus
Restam alguns sinais, nalgumas moradas
Dispersos pelo mundo fora, os hebreus
Nunca esqueceram as suas raízes passadas
Gente nobre e valente
Quantos viveram em São Vicente!

Com uma nobreza decadente
De Cunhas, Costas, Monteiros e Raposos
Era gente de São Vicente
Muitos deles famosos
Gente de fé, gente crente
Alguns nem sempre amorosos
Gente de São Vicente
Forte, fiel e valente

Também há gente empreendedora
Em São Vicente nos nossos dias
Que não tem medo, investidora
Por exemplo: os Matias.
Transformaram a água criadora
Dando a muitos trabalho e alegrias
São pessoas valentes e corajosas
Sempre trabalharam e nunca foram preguiçosas

João dos Santos Vaz Raposo
Vicentino e abastado lavrador
Trabalhador, nada preguiçoso
Amava suas terras com amor

Mandou à exposição agrícola de Paris seu azeite
Como prémio de consolação
Trouxeram-lhe um diploma de participação
Foi um produto muito bem aceite

Seus descendentes guardam religiosamente
Este documento do seu antepassado
Era azeite das oliveiras de São Vicente
Que tratava com muito amor e cuidado

Os nossos campos actualmente
Andam tão desprezados
Há máquinas, mas não há gente
Vejam o exemplo dos nossos antepassados

A nossa riqueza está na agricultura
Saibamos trata-la com carinho
Apesar de a vida ser mais dura
Ela nos dá, azeite, mel, pão e vinho

Pedi a Deus para me ajudar
A encontrar a alegria
Respondeu-me, tens de labutar
Trabalha, semeia e cria
Para encheres o teu lar
Tens que lutar noite e dia
Só assim encontrarás a felicidade
Paz, harmonia e amizade

São Vicente terra bendita
Com paisagens sem igual
Não há outra mais bonita
Neste nosso Portugal
Tens campo, charneca e montanha infinita
Água pura, azeite, fruta e vinho divinal
São Vicente, amar-te nunca é demais
Minha terra, dos meus avós e pais

Tens muitas anexas, qual delas a mais famosa
Casal da Serra, Mourelo e Violeiro
Onde não há gente preguiçosa
Vale de Figueira, Partida e Tripeiro
Qual delas a mais formosa
Pereiros e Paradanta, onde houve muito resineiro
Cada uma tem seus encantos
Capelas e igrejas com seus santos

A vila de São Vicente está cercada
De bairros típicos e maravilhosos
O maior é o Casal da Fraga
Cercado de olivais mui formosos
Na serra a Senhora da Orada
São tantos e vistosos
Oriana, Devesa, Quintas, Tapadas e Caldeira
São todos, São Vicente da Beira

Tens casas apalaçadas
Grandes, solarengas e fortes
Algumas brasonadas.
Também tens casas pobres
Mas todas são engraçadas
Sejam dos remediados ou dos lordes
Cada uma tem sua história
Guardam todas a sua memória

Quem não conhece São Vicente
Não conhece Portugal
Venham ver nossa gente
Como esta não há igual
Quem disser o contrário mente
Deixo-vos um sinal
Museus, lugares e paisagens
Não encontram em outras paragens

Foi terra de artesãos
Alfaiates e sapateiros
Belas obras saiam de suas mãos
Barbeiros, latoeiros, pedreiros e carpinteiros
Escudeiros, fidalgos, todos unidos e irmãos
Tens filarmónica, bombeiros e escoteiros
O folclore e os bombos também têm actividade
Onde dançam e toca a mocidade

Bem no alto da Devesa
Junto ao campo de futebol
Está a escola que é uma beleza
Onde as crianças são formadas no melhor escol
É uma escola portuguesa
Bem arejada, cheia de alegria e sol
Não é só de São Vicente, mas é também do Sobral
Ninho, Almaceda e Louriçal

Na Rua do antigo convento
Viveu um notário, o último tabelião
Tiraram nosso concelho, e tudo levou o vento
Na casa da família Dória também havia uma repartição
A vila mudou radicalmente cem por cento
Ficámos sem nada, com as calças na mão
Na casa das Casacas ficava a recebedoria
Em frente havia um tronco onde ferravam todo o dia

Desculpem se não nomeei alguma instituição
Foi porque não me lembrei
Por isso peço perdão
Perdoem-me se errei
Do fundo do coração
Fiz o que pude e sei.
Quem dá o que tem
A mais não é obrigado…


Castelo Branco, 16 Julho 2010

Zé da Villa

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Paulino Leitão

No dia 16-09-2015, publiquei aqui o registo de casamento de José Paulino e Rita Maria da Conceição, 
ele filho de Paulino Leitão e Maria Luísa.
Trago-vos agora o registo de casamento deste Paulino Leitão, 
cujo nome deu origem ao apelido familiar Paulino.


Paulino Leitam e Maria Luiza casaram a 12-08-1765, ele de SVB, ela de Apedrinha.
Paulino Leitam era filho dos vicentinos Antonio Rodrigues Correa e Maria Leytoa.
Por estes anos, o porteiro da Câmara (apregoava informações) era Joze Correia, 
certamente familiar deste António Correia, possivelmente irmão.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O sonho

Estava já no sofá a gozar o lazer do serão. O bulício e o cansaço do dia, que acabara, trouxeram-me a dormência que é a antecâmara do inconsciente. As pálpebras tinham o peso de duas portas de castelo, com os seus pesados gonzos metálicos e teimavam em fechar-se. Meio adormecido, de olhos semicerrados, a entrar no mundo desconhecido das nossas próprias sombras, pareceu-me estar a viver um sonho. Esse sonho era assim:

Era num dia do mês de setembro do ano de 1173. Após as colheitas do fim do verão, mas quando os dias ainda estavam quentes, um grupo numeroso de moradores da muito nobre Vila de S. Vicente da Beira (que, então, ainda não tinha este nome), meteram os pés a caminho, mobilizando carros de bois, carroças, cavalos, e muita gente apeada e foram à presença do rei D. Afonso Henriques, a Lisboa, oferecer a sua terra. A fim de que o rei a tomasse como própria e a considerasse fiel a si e ao seu reino cristão, então em formação e franco crescimento.
Havia festa em Lisboa! As ruas estavam engalanadas com muitas bandeiras com a cruz de Cristo de cor azul sobre o fundo branco. O rei recebeu-os num dos seus palácios, em frente de toda a corte, onde pontuavam os nobres e inquebrantáveis cavaleiros da Causa Portuguesa que, anos antes, em 1147, haviam conquistado Santarém e, logo a seguir, a própria cidade da capital. E assim falaram os representantes daquela Vila:
— Pode El-Rei contar, aqui lho juramos, com esta geração de homens que está diante de vós e com toda a outra gente que aqui não pôde vir, daquela terra longínqua, inculcada na Gardunha, não muito distante da raia com Castela. Postada na margem de um dos braços do rio Ocresa, cujas águas se misturam com as deste belo rio Tejo que aqui tendes à vossa frente. Gente, que se obriga a render a Vossa Mercê o seu mais humilde preito de homenagem e fidelidade. E, solenemente, aqui se compromete a lutar, assim como os seus vindouros, para todo o sempre, a vosso lado e dos vossos descendentes, contra o infiel e contra todos os vossos inimigos, no alargamento de vossas terras e senhorios. Dai-nos, vos pedimos, um nome para a dita nossa terra, pois nome no vosso reino cristão ainda não aprouvestes dar-lhe! E que tudo seja para vossa honra e fama e dos vossos filhos, nossos reis, e nosso benefício, para glória de Nosso Senhor Jesus Cristo!
O rei, ao ouvir tamanha prova de lealdade, disse do alto da Sua Majestade:    
— Olhai meus dignos e fiéis súbditos, gente honesta e boa, que viestes de tão longe e que tantos trabalhos passastes para aqui chegar: hoje trasladam-se para a Sé Catedral, nesta magnífica cidade de Lisboa, os restos mortais de S. Vicente, esse grande exemplo de abnegação e coragem, na fé católica, da nossa Santa Madre Igreja. Em vista de tão importante acontecimento, do esforço por vós despendido e da dedicação que mostrastes ao vosso rei, hei por bem honrar-vos com a proteção desse santo, para que dela possais beneficiar, tanto no corpo, como, mais ainda, na alma. Dai a essa vossa terra da Gardunha, lá para as bandas de Castela, o nome deste Santo Mártir S. Vicente. Além disso - disse ainda o rei - vos dou também um osso do maxilar do seu respeitável corpo, para guardardes, como relíquia, na vossa igreja, através dos tempos! Assim me apraz! Assim, pois, procedei!
Os da Vila ficaram admirados com tão alta distinção que ouviam da boca do rei! Tinham ido a Lisboa a oferecer a sua terra simples e singela a Sua Majestade e vinham de lá com o nome do santo como padroeiro!
Mas El-Rei continuou. E os que isto ouviram ficaram atónitos:
— E, mais que isso – disse ele - estes nossos reinos não estão ainda em paz com Castela, que bastas vezes nos vem afrontando, a nós e a nossos leais cavaleiros. A vossa terra, na Gardunha, mais próximo da raia, serve bem os nossos desígnios de guerra contra nossos primos. Pois se nos afigura que esta cidade de Lisboa, muito digna embora, encontra-se afastada dos campos de luta, onde são necessárias pessoas e armas. A vossa terra ajuda, por isso, muito melhor, essa a nossa empresa, se para lá mudarmos a capital do país. Assim, poderemos garantir, mais solidamente, pela bravura das nossas armas, o nosso sagrado território de Portugal. Guardar melhor as fronteiras e as terras conquistadas e a conquistar aos mouros, para sul, onde novas famílias cristãs, sob a nossa bandeira, se querem instalar, progredir, construir o seu futuro e criar os seus filhos e netos. Assim o estamos a intentar, em nossas propriedades, doando terras às expeditas gentes da grei e aos laboriosos frades dos mosteiros, para que as arroteiem e façam produzir. E para ganharmos o respeito dos outros reinos temos empreendido também diligências, através da nossa diplomacia, junto de outras realezas e autoridades da Europa e, particularmente, de Sua Santidade, o Papa.
Ao contrário de outros políticos que nunca fazem o que prometem, o rei fez tudo o que havia prometido; ou não fosse a sua palavra uma palavra de rei! Enviou, então, os seus arautos pelo país fora, ordenando que em todos os locais públicos das vilas e cidades de Portugal, fosse lida a sua ordem de transferir a capital do reino de Portugal da cidade de Lisboa para a Vila de S. Vicente da Beira. E todo o povo do reino ia ficando admirado com aquele anúncio!
Aprazou o rei o início do mês de janeiro seguinte para que se fizessem os necessários preparativos, a fim de que no dia 22, dia da festa do Santo Padroeiro, S. Vicente, fosse assinado o decreto da transferência da capital de Portugal para aquela remota terra das Beiras. E por forma a que se começasse a mobilizar todo o seu séquito, com nobreza clero e povo. E que a criadagem se alvoroçasse, a preparar e acomodar os utensílios e haveres dos seus senhores para a viagem. Os cavaleiros preparavam-se para acompanhar o rei com os seus estandartes, pendões, achas de armas e arreios. Toda a imensa mole de gente, que nestas circunstâncias, acompanha o monarca, já se preparava. E precavia-se contra a aspereza dos caminhos e a rudeza do tempo durante a mudança. Os artistas da pedra desejosos de servir o seu rei preparavam-se para desenhar e edificar na Vila vários palácios dignos de um rei, para instalar a família real, os nobres e a governação do país! Tudo só encontrando paralelo nas presidências abertas do Dr. Mário Soares!
São Vidente da Beira, capital de Portugal! Que honra, que distinção!
E andava tudo numa fona! Mas, longe de ser pacífica e, apesar da autoridade e prestígio do rei junto dos seus fiéis partidários e seguidores, a sua decisão encontrou forte oposição junto da nobreza e da burguesia do país que entendia que Lisboa devia ser a capital.  
Reuniram-se as Cortes para discutir o assunto. O mais encarniçado dos defensores de Lisboa como capital, era um tal Martim de Sousa Coutinho, dono de muitas e extensas terras. E um dos braços direitos do monarca, seu partidário desde a primeira hora, que se distinguira em várias lutas travadas, tanto contra sua mãe, D. Teresa, em S. Mamede no ano já longínquo de 1128, ainda o rei era um jovem príncipe, como contra o vizinho castelhano, como nas campanhas do sul.
— Quer Vossa Senhoria mudar a capital de Portugal para S. Vicente da Beira! Bem sei que é uma terra simpática, de gente patriótica e apoiante das nossas hostes e da nossa causa! Lembro-me muito bem da batalha que travámos na Oles, abaixo da serra da Gardunha a pouca distância dessa dita terra, contra os nossos inimigos infiéis que se bateram valentemente, mas apesar disso, sofreram uma derrota marcante que muito dignificou as nossas armas, para grandeza da cruz da nossa bandeira branca. Sei-o muito bem! Mas isso não é razão para que vós, nosso rei, mudeis a capital de Portugal para S. Vicente da Beira. Lisboa é uma cidade linda! É grande, branca e espalha claridade pelas suas sete colinas! Tem o sublime Tejo a seus pés! E o mar aqui tão perto, que parece convidar-nos a um secreto desejo de aventura!
Do lado do rei e da sua opinião política para mudança da capital, pugnava um outro fidalgo com não menor valor e prestígio, Mem de Freitas Afonso, um dos seus generais, que se enchera de bravura nas lutas já travadas, que pediu a palavra ao rei e disse:
— Se o príncipe D. Afonso VII, muito poderoso rei de Castela e Leão, primo de nosso senhor e rei D. Afonso Henriques, tem estabelecida a sua capital em Toledo, no interior do seu território, caem por terra as vossas doutas palavras e argumentos. Não vejo por que razão não possa ser mudada a capital de Portugal para S. Vicente da Beira. Uma terra airosa, colocada na encosta da serra da Gardunha, último acidente geográfico das serranias no norte. A partir de cujo sopé, para sul, se inicia a dita Beira Alentejana, às terras da Idanha e da raia, sempre a raia, com suas campinas dilatadas!  
Estavam os contendores nesta obstinada luta de argumentos. E era tal a algazarra que grassava no palácio real e tão pertinazes as suas razões que o próprio rei se perturbou a pontos de mandar encerrar a discussão, de forma que por muito tempo não se falasse do assunto que tanto dividira os seus estimados cavaleiros!

Foi, então, que acordei!
Dos sonhos nada nos fica. Mas com este não foi assim. É que, se esta terra nunca chegou a ser a capital do país - na verdade, isso nunca passou da estreiteza de uma simples soneca no meu sofá – pelo menos, a mesma terra, desde que o povo foi, historicamente, apresentá-la ao seu rei, à capital, que ficou a chamar-se, a Lisboa Pequena.
Lisboa e S. Vicente da Beira, a Lisboa Pequena, são, afinal, duas irmãs em armas heráldicas. Em ambas figura a barca e os dois corvos que, diz a tradição, guardavam o corpo do Santo Mártir Vicente, não deixando que os outros corvos se alimentassem do seu venerável corpo. As próprias cores da bandeira concelhia de Lisboa e de S. Vicente Beira são iguais, em ambas figurando o preto e o branco.
O patrono de Lisboa, ao contrário do que muitos pensam, não é Santo António, o santo de Lisboa e Pádua, e sim S. Vicente que deu o nome à mesma terra beirã.
Optou-se por pôr muitas paróquias sob a proteção de Nossa Senhora, pelas razões que já foram apontadas neste blog. Terá havido uma indicação, nesse sentido, do Concílio de Trento – razão religiosa. Mas também a partir da Revolução de 1640, em que Portugal ficou sob a proteção de Mãe de Cristo, muitas mudaram de nome – razão política. E, motivo pelo qual, Portugal é também chamado Terra de Santa Maria.
Seja como for, São Vicente, o Mártir de Valência, não deixa de ser – todos o admitem – o Santo Padroeiro Honorário de S. Vicente da Beira!
O sonho, afinal, não foi em vão!     


José Barroso