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domingo, 12 de novembro de 2023

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Simão

José Simão nasceu no Casal da Fraga, a 17 de maio de 1893. Era filho de Joaquim Simão, jornaleiro, natural da freguesia de S. Vicente da Beira, e de Felícia Maria, doméstica, natural de Rochas de Cima.

Assentou praça no dia 9 de julho de 1913, como recrutado, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21 em 13 de janeiro de 1914, como atirador de 1.ª classe.

Pronto da instrução da recruta em 30 de abril, foi licenciado em 1 de maio, regressando a São Vicente da Beira.

Apresentou-se novamente em 5 de maio de 1916 e, fazendo parte do CEP, embarcou para França em 21 de janeiro de 1917, integrando a 6.ª Companhia do 2.º batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, no posto de soldado com o n.º 92 e a chapa de identidade n.º 44924.

Da sua folha de matrícula e boletim individual do CEP consta o seguinte:

a)   Punido em maio de 1916, pelo Comandante da Companhia, com 2 faxinas, por estar sentado na cama durante o dia e não se ter levantado prontamente à voz de sentido dada quando o comandante entrou na caserna;

b)   Punido em 20/08/1917, pelo Comandante da Companhia, porque, quando se fez a distribuição do vinho à Companhia, disse para alguns dos seus camaradas que os rancheiros não lhes davam a ração que era dado e eram todos uns ladrões;

c)    Punido em 16/03/1918, pelo Comandante da Companhia, com 10 dias de detenção, por faltar aos trabalhos de S. Naast, no dia 13;

d)   Punido em 02/05/1918, pelo Comandante da Companhia, com 4 dias de detenção, por ter faltado aos trabalhos, em 28 de abril;

e)   Punido em 17 /9/1918, com 12 dias de detençã,o por ter feito uso dum passe regulamentar fora da data, que lhe tinha sido concedido em vez de o ter entregado, saindo da sua área de estacionamento sem autorização;

f)     Aumentado ao efetivo do Depósito Disciplinar 1, em 26 de setembro de1918, onde ficou com o n.º 718, porque, de acordo com a folha de matrícula "encontrando-se com prevenção de marcha para um novo acampamento mais avançado em relação à frente do inimigo, insubordinou-se, recusando a desarmar as barracas e a entrar na formatura, ameaçando matar com granadas de mão e a tiros de metralhadora todo aquele que tal fizesse, como também se recusando a entrar em ordem às intimações que lhe foram feitas pelos seus superiores";

g)   Marchou em diligência do Depósito Disciplinar 1 para o Tribunal de Guerra, a fim de ali ficar à disposição daquele tribunal, em 22/02/1919;

h)   Em 16 de março de 1919, foi condenado pelo Supremo Tribunal de Guerra, na pena de 7 anos de presídio militar e mais na pena acessória de igual tempo de deportação militar ou, em alternativa, na pena de dez anos de deportação militar;

i)     Repatriado para Portugal, no dia 05/06/1919, com o Serviço de Adidos, na condição de condenado;

j)     Passou ao presídio militar de Santarém, em 28 de junho, a fim de cumprir a pena a que tinha sido condenado;

k)    Amnistiado pela Lei n.º 1198 de 2 de setembro de 1921, foi solto por ordem da Secretaria da Guerra e passou ao Regimento de Infantaria 21, em 26 de Setembro de 1921. Foi licenciado em janeiro de 1922 e domiciliou-se em São Vicente da Beira.

Passou ao Regimento de Infantaria de Reserva 21, em 31 de dezembro de 1923, e ao Regimento de Infantaria 11, em 17 de julho de 1931, por ter transferido a residência para a freguesia de Bocage, em Setúbal.

Passou à reserva ativa em abril de 1928 e à reserva territorial em Dezembro de1934. Em 31 de dezembro de 1934, foi-lhe dada baixa por ter cumprido toda a obrigação de serviço militar.    

Família:

José Simão casou com Gertrudes Rosa, na Conservatória do Registo Civil de Setúbal, no dia 21de outubro de 1925. Sabe-se que tiveram filhos e netos, mas não mantiveram um relacionamento de grande proximidade com os familiares em São Vicente da Beira. Não existem, por isso, muitas memórias deste ramo da família.

O casal terá vivido sempre na cidade de Setúbal e foi ali que José Simão faleceu, na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, no dia 19 de Fevereiro de 1975. Tinha 81 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José da Silva Lobo 

José da Silva Lobo, filho único de Cipriano da Silva Lobo e Emília Maria Jerónimo Lopes, nasceu no Casal da Fraga, a 23 de Agosto de 1895.

Frequentou a escola primária e teve como professor o Padre José Antunes que, para além de o ter ensinado a ler, escrever e contar, o ensinou também a falar línguas estrangeiras.

Na juventude, aprendeu a tocar requinta, na filarmónica de São Vicente da Beira, e aprendeu também o ofício de alfaiate, profissão que tinha quando assentou praça.

Após ter concluído a instrução da recruta, foi mobilizado para integrar o Corpo Expedicionário Português e embarcou para França, no dia 21 de Janeiro de 1917, integrando a 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 438 e a placa de identidade n.º 8894.

Do seu boletim individual de militar do CEP constam, entre outras, as seguintes informações:

a)   Promovido a 2.º Cabo, em 1 de abril de 1917, e a 1.º Cabo, a 12 de maio do mesmo ano;

b)   Em setembro de 1917, iniciou serviço no S.B.F. (Serviço de Bandas e Fanfarras?) onde continuou até julho de 1918;

c)    Licença de campanha de 1 de maio até 23 de junho de 1918;

d)   Promovido a 2.º Sargento Miliciano, em 18 de outubro de 1918;

e)   Entre o final de 1918 e março de 1919, foi em várias diligências a Paris, a fim de ali desempenhar um serviço dependente da comissão de codificação das disposições de execução permanente em vigor no CEP (contava que acompanhava os seus superiores servindo de tradutor);

f)     Regressou a Portugal, em 4 de maio de 1919.




Louvores e condecorações:

·        Louvado em 17 de abril de 1918, pelo diretor do S.B.F., «pelas muitas qualidades demonstradas durante a ofensiva alemã de 9 de Abril, desempenhando dedicada e serenamente o serviço de que estava incumbido, contribuindo valiosamente para que se tivesse salvado o arquivo do S.B.F.» (boletim individual do CEP);

·        Medalha comemorativa das campanhas do Exército Português em França;

·        Medalha da Vitória;

·        Cruz de Guerra pelos actos heróicos praticados em França.

Para além destas, recebeu ainda outras condecorações que não foi possível identificar e terá estado na primeira fila do Desfile da Vitória, nos Campos Elísios, após a assinatura do armistício.




Família:

Depois de regressar a Portugal, José da Silva Lobo ainda permaneceu algum tempo em Lisboa, fazendo parte do quadro privativo da Escola de Guerra. Foi lá que conheceu Maria da Piedade Dinis Mendes, a companheira da sua vida. Tiveram três filhos:

1.    Cipriano Dinis Mendes da Silva Lobo, que casou com Celeste Apolinário e tiveram dois filhos;

2.    Alfredo Dinis da Silva Lobo, que casou com Aurelina Afonso e tiveram dois filhos;

3.    Zulmira Mendes da Silva Lobo (herdou do pai as mãos e a voz de artista), que casou com Manuel Barata Lopes e tiveram três filhos.

Passados alguns anos, o casal fixou residência no Casal da Fraga onde, além de carteiro, José da Silva Lobo foi também alfaiate. Mas do que ele mais gostava era de tratar da sua horta e do pequeno rebanho de cabras que tinha. Dizem que às vezes até se esquecia das horas, e tinham que o chamar para regressar a casa. Foi também secretário da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da Beira durante alguns mandatos e pertenceu à Banda Vicentina.

Para além de ser um bom tocador de requinta, cantava muito bem, sobretudo o fado. Tinha um amigo, o Hermenegildo Marques, que tocava guitarra, e juntavam-se muitas vezes para tocar e cantar numa taberna que havia no Casal da Fraga. Era farra até altas horas. Outras vezes, de verão, quando ia regar de manhã ou à noite, ao serão, punha-se a cantar. Assim que o pressentiam, muita gente da Vila corria para a Estrada Nova só para o ouvir. Alguns até traziam bancos de casa para se sentar. De tão bem que cantava, chamavam-lhe o “Passarinho da Ribeira”.

José Cipriano foi toda a vida uma pessoa boa, e por isso muito querida dos seus conterrâneos. Faleceu no dia 11 de Abril de 1955. Ainda não tinha completado 60 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Zulmira da Silva Lobo e da neta Susana Lopes)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Santa Bárbara

O mundo não está muito para festas, mas andarmos todos tristes também não ajuda a melhorar nada. É bom voltarmos à normalidade nas nossas pequenas comunidades, e dela fazem parte também as festas e romarias.

Não será muito antiga a festa de Santa Bárbara aqui no Casal da Fraga, porque, como se sabe, a primitiva capela situava-se no Valouro, mesmo no limite entre São Vicente e o Sobral. Penso que não se sabe quando foi mandada construir (o José Teodoro não o refere no livro sobre o Concelho de São Vicente da Beira), mas seria bastante antiga e importante para as povoações à volta (o registo de óbito de Violante Antunes, no dia 4 de junho de 1728, diz que era ermitoa da capela de Santa Bárbara; outro registo de 27 de janeiro de 1744 diz também que faleceu Sebastiana Nunes, pobre, ermitoa da mesma capela).

Há quem se lembre de ouvir contar histórias sobre a maneira como, após a extinção do concelho, os da Vila trouxeram a imagem da Santa e conseguiram escondê-la dos do Sobral. Parece que ainda houve grandes zaragatas e os ressentimentos mantiveram-se por muitos anos. Depois trouxeram também as pedras de cantaria que foram utilizadas na construção da atual capela.

No Valouro já é difícil encontrar vestígios da antiga capela, mas, um pouco mais adiante, construíram um altar com a imagem da Santa, e, na segunda-feira a seguir à Páscoa, muita gente do Sobral junta-se lá para rezar e conviver.

O Casal da Fraga visto da Devesa 

M. L. Ferreira

domingo, 18 de julho de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Hermenegildo Marques

Hermenegildo Marques nasceu em São Vicente da Beira, no dia 25 de dezembro de 1895. Era filho de Manuel Marques, Guarda-Fiscal, natural do Sobral do Campo, e de Ana Martins.

Hermenegildo e esposa, à esquerda, com o filho ao centro

Assentou praça no dia 9 de julho de 1914, em Castelo Branco, e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, em 13 de janeiro de 1915. De acordo com a sua folha de matrícula, sabia ler e escrever mal e tinha a profissão de sapateiro. Foi vacinado.

Ficou pronto da instrução da recruta no dia 24 de maio de 1915 e foi licenciado em 26 do mesmo mês, indo domiciliar-se em Aranhas, Penamacor. Passado pouco tempo, foi novamente mobilizado e fez parte do contingente de reforço às tropas que se encontravam em Moçambique. Embarcou no dia 7 de outubro de 1915, integrando a 2.ª Expedição enviada para o norte daquela província ultramarina.

Tal como os seus companheiros de expedição, também terá ficado retido durante alguns meses em Porto Amélia, em muito más condições de higiene, alimentação e outras, e só em 1916 partiu para a zona de guerra, na fronteira com os territórios alemães.

Regressou à Metrópole a 28 de setembro de 1916, vindo residir para São Vicente da Beira. Passou ao 2.º escalão do Exército e ao 7.º Grupo de Bateria de Reserva, em 31 de dezembro de 1924, e ao Depósito de Licenciados do Regimento de Artilharia n.º 4, em agosto de 1926. Em setembro de 1930, passou à Companhia de Trem Hipomóvel e, em 31 de Dezembro de 1935, passou à reserva, por ter completado 45 anos de idade.

Condecorações:

  • Medalha comemorativa das campanhas em Moçambique;
  • Medalha da Vitória.

Família:

Hermenegildo Marques casou em São Vicente da Beira, com Maria da Ressurreição dos Santos, no dia 9 de abril de 1918, e foi aqui que lhes nasceram os 3 filhos que tiveram:

  1. João dos Santos Marques, que casou com Guilhermina(?) e tiveram 4 filhos;
  2. António Marques (06/10/19120), que casou com Ana de Jesus e tiveram 2 filhas;
  3. Maria da Luz Marques, que casou com Mário Pedro e tiveram 4 filhos. 

Casal Hermenegildo com familiares

Josefa, sogra de Hermenegildo, natural dos Pereiros

Casal Hermenegildo e sogra (à esquerda) com familiares

Casal da Fraga, 1955

Hermenegildo (em pé) com familiares à porta de Sebastião Jerónimo, no Casal da Fraga

Hermenegildo com a esposa junto da casa da sogra, no Casal da Fraga

Em 1927 o casal domiciliou-se em Lisboa, na rua Cidade de Cardiff, mas regressou a São Vicente da Beira, em Outubro de 1934. Foram depois viver para a Covilhã, onde Hermenegildo teve uma oficina de sapateiro. Contam que era um grande artista e tudo o que fazia (sapatos, carteiras e outros objetos) eram autênticas obras de arte. Trabalhou nessa profissão até ao fim da vida.

Dizem também que era uma pessoa muito alegre e um bom tocador de guitarra. Juntamente com o seu amigo José Cipriano (José da Silva Lobo), um grande cantador de fado, e outros rapazes da idade deles, faziam grandes farras percorrendo as ruas da Vila a tocar e a cantar, parando apenas à porta das tabernas para molhar a garganta e afinar a voz.

Hermenegildo faleceu ainda novo, na freguesia de Santa Maria Maior, Covilhã, no dia 20 de maio de 1959. Tinha 63 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração do neto Carlos Marques Pedro)


Maria Libânia Ferreira

Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Francisco Jerónimo

Francisco Jerónimo nasceu no Casal da Fraga, a 12 de agosto de 1892. Era filho de José Lopes, jornaleiro, e de Olália (Eulália) da Conceição.

Não se conhece muito sobre a sua participação na Grande Guerra, porque não foram encontrados documentos oficiais que o confirmem (folha de matrícula ou outro). Desse tempo sabe-se apenas o que contava Francisco Candeias, seu amigo e companheiro desde a recruta até às expedições em África.

Assim sendo, Francisco Jerónimo assentou praça em Castelo Branco, como recrutado, em 12 de julho de 1912. Foi incorporado no Grupo de Baterias de Artilharia de Montanha, em 14 de janeiro de 1913, e, pronto da recruta em 30 de março, passou à formação permanente em virtude de sorteio. Tomou parte na Escola de Recrutas de 1913 e passou ao Regimento de Artilharia de Montanha de Portalegre, em 1 de novembro. Foi licenciado em 5 de junho de 1914 e regressou à terra.

Apresentou-se novamente em agosto e, destacado para a Província de Angola, embarcou em 10 de setembro de 1914, fazendo parte da 1.ª Expedição para aquela província ultramarina. Chegou a Moçâmedes, no dia 1 de outubro, tendo depois seguido para sul, para a zona do rio Cunene, na fronteira com a Namíbia.

Participou na ação do dia 18 de dezembro de 1914, contra os alemães, fazendo parte das tropas que ocuparam o vau de Calueque. Pertenceu ao destacamento que reconquistou e ocupou o Cuamato, de 12 a 27 de agosto, e tomou parte na ação do Ancongo, em 13 de agosto de 1915, e no combate da Inhoca, em 15 do mesmo mês. Com o mesmo destacamento, avançou em 20 de agosto sobre Cunhamano, a fim de restabelecerem as comunicações que haviam sido cortadas pelo inimigo. No dia 24, participou no combate da Chana da Mula.

Embarcou de regresso à Metrópole, no dia 16 de novembro de 1915, e chegou a Lisboa a 5 de dezembro.

À semelhança do que aconteceu com o amigo Francisco Candeias, terá sido novamente mobilizado e seguido para Moçambique, integrando a 3.ª Expedição para aquela província ultramarina. É provável que tenha participado também nos ataques levados a cabo por aquela expedição para ultrapassar o rio Rovuma para a margem norte. Terá regressado à Metrópole, em dezembro de 1917.

Família:

Antes de partir para Angola, em 1914, Francisco Jerónimo já era casado com Luz Martins, natural da Partida. O casal passou a viver numa casa no Ribeiro Dom Bento, arredores de São Vicente, lugar onde os avós maternos de Luz Martins, Joaquim Duarte Remualdo (já falecido na altura do casamento) e Maria Martins, teriam algumas propriedades. Sabe-se que, nesse ano de 1914, lhes nasceu a primeira filha, Maria da Ascensão; provavelmente ainda antes da partida de Francisco para África.

Não se sabe muito mais sobre a vida de Francisco Jerónimo, para além de que faleceu de pneumonia gripal (pneumónica), no Hospital de São Vicente da Beira, no dia 2 de novembro de 1918. Tinha 26 anos de idade. Ironicamente, no dia da sua morte nasceu-lhe a segunda filha, Maria de Jesus.

Após a morte do marido, Luz Martins e as duas filhas emigraram para o Brasil onde já vivia uma irmã. A família de Francisco nunca perdeu a esperança de as ver regressar. Dizem que quando fizeram as partilhas dos bens herdados dos pais, guardaram a parte da herança que lhes caberia, durante muito tempo.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Fontes de mergulho


As fontes de mergulho têm origem muito antiga, provavelmente ainda no tempo dos Romanos, e depois dos Árabes. A sua construção e utilização foi retomada mais recentemente, nos últimos duzentos ou trezentos anos, e foram a principal fonte de abastecimento de água às populações urbanas e rurais.
São constituídas por um tanque de tamanho variável, coberto por uma cúpula. Eram construídas abaixo do nível do chão, e para retirar a água tinha que se mergulhar o cântaro dentro do tanque, por isso lhes davam aquele nome. A sua arquitetura variava de acordo com as posses de quem as mandava construir, e os materiais utilizados eram os que abundavam na região – o xisto ou o granito; algumas vezes uma mistura dos dois. Para além da estrutura da fonte, existia um poial para se pousarem os cântaros e, quase sempre, um banco em pedra para as pessoas poderem descansar enquanto esperavam a vez.
Por se considerar que eram uma ameaça para a saúde pública, porque muitas vezes serviam também de bebedouros dos animais, as fontes de mergulho foram substituídas por fontes de bica. Finalmente, já na última metade do século XX, quase todas as habitações foram dotadas de rede de água canalizada e devidamente tratada. Apesar disso, podem encontrar-se ainda fontes de mergulho um pouco por todo o pais; algumas muito simples, outras mais elaboradas, revestidas a azulejo ou com pinturas de frescos no seu interior. Algumas são autênticas obras de arte.
À semelhança de muitas outras regiões do país, na freguesia de São Vicente da Beira também podemos encontrar bastantes fontes de mergulho, algumas ainda bem preservadas, outras nem tanto, o que é pena porque constituem uma parte importante do nosso património. Embora muitas vezes estejam em propriedades privadas, eram de acesso público. Talvez por isso, algumas se chamem “Fonte do Povo”.

Fonte de Santiago (1878?), Partida

Chama-se assim porque se situa junto de uma vereda, no fundo da encosta que leva à capela de Santiago, na margem direita da ribeira.
Há ainda muitas pessoas que se lembram de lá ir todos os dias buscar a água que precisavam para os gastos de casa. A água era muito boa e fresca, por isso, no tempo em que não havia ainda frigoríficos, era também usada para manter frescos alguns alimentos e bebidas: «Quando era pequeno acarretei de lá muitos cântaros para encher os bidões onde o meu pai refrescava as cervejas e as gasosas que vendia na taberna. E a minha mãe também a usava para meter a panela da sopa, para não azedar.»
A fonte ainda tem alguma água, mesmo no verão, e disseram-me que ainda há quem lá vá buscá-la para beber. Como curiosidade, por cima da pedra que encima a abóbada, pode ver-se uma cruz esculpida no granito.

Fonte das Hortas (1886?), Partida

Esta fonte situa-se mais perto da zona urbana da Partida, numa zona de hortas. Talvez por isso, seja este o nome por que é conhecida. Por ficar mais perto da povoação, foi muito usada noutros tempos, mas atualmente, como diz um vizinho, «…já está quase seca e a precisar de limpeza. Não serve senão para regar algum pé de couve
     

Fonte do Rabo de Coelho, Mourelo

«Não havia outra na terra e era lá que toda a gente ia buscar a água para beber. É tão boa, aquela água, que ainda hoje lá vai muita gente buscar garrafões para levar para fora, e quem lá passa não fica sem ir beber dela; até lá está uma malga de propósito. Por causa disso, ainda é limpa todos os anos, mas já não é como antigamente, que não se via ali uma erva.
Chamam-lhe a Fonte do Rabo de Coelho por causa duma lenda que se conta que diz que um dia, logo ao nascer do sol, um velhote passou por ali e viu um coelho, de rabo encarnado, a beber água da fonte. Quando acabou de beber fugiu para o mato e desapareceu. O homem achou aquilo muito estranho porque nunca por ali se vira um coelho com o rabo daquela cor. No dia a seguir passou por lá à mesma hora e tornou a ver o coelho a beber água no mesmo sítio. E o caso repetiu-se por mais alguns dias.
O velhote já andava a ficar intrigado, mas não contou nada a ninguém, com medo que se rissem dele. Mas o pessoal da terra começou a desconfiar que alguma coisa se passava, porque todos os dias o viam passar, de madrugada para os lados da fonte; logo ele que não tinha horta para ali, e tinha tanta dificuldade em andar ou fazer o que quer que fosse, todo apanhado pelo reumatismo. Quando lhe perguntavam o que é que ele ia lá fazer, respondia que ia beber água, mas ninguém acreditava.
Um dia, com medo que descobrissem o que se passava, resolveu apanhar o coelho com uma armadilha. Foi lá durante a noite armar o ferro e na manhã seguinte, quando chegou à fonte, estava o coelho morto, lá dentro. Tirou-o e levou-o para casa, bem escondido. Depois de o ter esfolado, meteu-o numa panela de ferro, a cozer. Esteve todo o dia ao lume, mas a carne cada vez estava mais rija. Já farto de esperar, deitou a carne aos cães, mas nem eles foram capaz de a comer. Alguma coisa de estranho se passava, e resolveu enterrar tudo. Pegou na pele e, mal lhe tocou, sentiu o braço e a mão a mexer como se não tivesse nada. Até a perna, que já arrastava com dificuldade, parecia como nova.
Ficou tão contente, que não se teve e contou o segredo ao povo inteiro. A partir dali, toda a gente que tivesse uma dor, passava com o pêlo do coelho por cima do sítio que lhe doía, e o mal abalava, como que por milagre. Chegou até a vir gente de fora para experimentar a pele milagrosa, e abalava curada.
A partir daí, aquela fonte passou a chamar-se Fonte do Rabo de Coelho; até hoje.»
Esta fonte fica numa zona de hortas, num caminho à direita da estrada que vai para o Tripeiro, logo à saída do Mourelo. De todas as que encontrei, é a que tem a água mais fresca e limpa.

Fonte do Cimo do Povo (1932?), Vale de Figueira
 

«Chamam-lhe assim porque era lá que, quem morava deste lado de cima do povo, íamos buscar a água; não havia outro sítio. Os de lá de baixo tinham uma fonte ao pé da ribeira, mas essa já se não pode lá ir, que foi comida pelas ervas e pelas silvas. Agora ninguém limpa nada, mas também já cá há pouco quem o faça.
Antigamente as famílias tinham muita gente e era preciso ir lá duas e três vezes para dar para as necessidades da casa: para fazer o comer e lavar a loiça, para a gente se lavar e para os vivos; só a roupa é que a íamos a lavar lá abaixo, à ribeira.
No inverno, quando nevava ou geava, era muito perigoso porque a gente escorregava, e era ver os cântaros a rebolar por essa rua abaixo. Vi muito cântaro em cacos, e eu também ainda parti alguns.
Agora já está quase seca, mas ainda a limpam todos os anos e há gente que ainda cá vem buscar água para beber, quando a há

Fonte do Povo (1943?), Violeiro

«Antigamente, quando era nova, não havia outra fonte onde a gente ir à água, de modo que toda a gente aqui vinha a ela. Quando vinham aqueles grandes sequeiros, a nascente não dava vazão a encher tanto cântaro, e às vezes a água acabava-se. Era preciso ficar à espera. Formavam-se aqui uns carreiros tão grandes de gente, que havia quem de cá saísse já para lá da meia-noite. Também havia quem tivesse poços, mas a água da fonte era melhor e toda a gente cá vinha a ela, que mais não fosse para beber. E para o gado, tiravam-na da fonte com caldeiros e deitavam-na nesta pia que ainda aqui está, quando não, também a bebiam da fonte e tudo.
Agora a água que vem das torneiras não é tão boa, mas é outro asseio; e a gente também já está velha para aqui vir a buscá-la, que também já cá há pouca, calha bem. Mas, mesmo assim, ainda há quem venha cá buscá-la para beber».
Esta fonte encontra-se ao fundo da rua da Fonte, que começa perto da capela. É de granito e xisto e tem uma placa com a data. Está limpa, mas já tem pouca água. Ainda se pode ver a pia que servia de bebedouro aos animais.

Fonte do Povo, Tripeiro

 
Esta fonte situa-se num desvio da estrada que vem do Mourelo, pouco antes de se chegar ao Tripeiro. Durante muito tempo foi quase a única fonte de abastecimento de água à população, mas, dizem os mais velhos, há muito tempo que ficou quase seca, e tiveram que fazer uma mina logo do lado de baixo do caminho. Vê-se que fizeram obras há pouco tempo, mas parece que não tiveram muito cuidado em preservar alguma coisa do que ainda existiria da antiga estrutura. Também não encontrei quem explicasse o facto de estar fechada.

Casal da Fraga

Esta fonte situa-se no ribeiro que passa pelo Casal Poisão e desagua na Ribeira, por baixo do “Casalito”. Era lá que muitas pessoas do Casal da Fraga iam buscar a água para uso de casa. Originalmente estava no local onde, há alguns anos, fizeram a ponte que vai do Casal para a Devesa. Com as obras, deslocaram-na um pouco para baixo. Infelizmente foi reconstruída sem grande rigor, não respeitando o que existia antes. Há pedras de granito, que fariam parte da fonte original, espalhadas ali por perto. Pode ser que ainda venha a ser reconstruída com a dignidade que merece, mesmo que fora do local de origem.

Fonte da Portela, São Vicente da Beira

Esta fonte poderá ser das mais antigas da freguesia. Encontra-se à saída de São Vicente, num local de passagem de pastores, ganhões, jornaleiros, comerciantes, etc. que se deslocavam a caminho de Castelo Branco ou outros locais mais a sul. Para além da fonte, destinada às pessoas, existia um tanque para onde escorriam as sobras, que servia de bebedouro para os animais. Ainda se pode ver, à direita. Atualmente, quer a fonte quer o tanque ficam completamente secos durante o verão.

Senhora da Orada, São Vicente da Beira


Esta fonte, reconstruída há pouco tempo, foi feita a partir do que terá sido uma antiga fonte de mergulho, soterrada há anos, durante as obras de alargamento do terreiro do Santuário da Senhora da Orada. Ainda há pessoas que se lembram dela e do efeito milagroso das suas águas.  Contam que muita gente lá curou o “cobrão” e outras doenças de pele, banhando-se nela.
Algumas das pedras de granito são originais, outras foram postas agora, durante as obras de restauro. O cano que serve de bica não existia antes, e terá sido colocado por razões de higiene e para facilitar a tomada da água.

Para além destas fontes, que são públicas e motivo de orgulho e muitas memórias (por ali nasceram muitos amores), há outras mais modestas, que são menos visíveis por se encontrarem em terrenos privados e de difícil acesso. Parece-me que será o caso destas, na Quinta do Infante, que se avistam do caminho que passa em frente da antiga casa da quinta, do lado direito da ribeira.


Haverá ainda muitas outras pequenas fontes de mergulho na freguesia. Algumas ainda à vista, outras escondidas por mato e silvas, e de acesso muito difícil (será o caso de uma que me disseram que existe perto da capela de Santiago, na Partida, onde os peregrinos que se dirigiam ao santuário matavam a sede). Algumas terão desaparecido por razões de vária ordem, principalmente pelas alterações que se fizeram nos terrenos onde se encontravam, por terem secado as nascentes ou terem deixado de ser utilizadas após o abastecimento domiciliário de água. Provavelmente já não vamos a tempo de as recuperar.

M. L. Ferreira