Mostrando postagens com marcador maria libânia ferreira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador maria libânia ferreira. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Discriminações

Na escola:

Quando acabei o 2.º ano da Telescola, não foi fácil conseguir autorização dos meus pais para continuar a estudar. Valeu-me uma enorme teimosia e as ajudas do Padre Branco e da Dona Teresinha.

Naquele tempo, em aldeias pobres como a nossa, muitas crianças não iam além da quarta classe: começavam cedo a trabalhar no campo, nas obras, nas fábricas ou a servir nas casas ricas da cidade. Das que continuavam a estudar, poucas aspiravam chegar à faculdade, por isso iam quase sempre para a Escola Técnica, que dava maior garantia de trabalho imediato (muitos rapazes iam par o seminário). Eu, sem nenhuma razão consciente, matriculei-me no Liceu. Era o ano letivo de 1969/1970.

Por essa altura, percebi depois, o Liceu de Castelo Branco era uma escola bastante elitista: via-se pela arquitetura do edifício; pela figura de um reitor todo-poderoso que raramente se deixava ver, mas temíamos; pelos professores que abusavam da autoridade e do estatuto, e eram distantes no relacionamento com os alunos; pelo rigor na separação entre sexos; sobretudo pelo critério discriminatório utilizado na constituição das turmas.

Nas turmas A e B andavam os filhos das famílias “bem” da cidade: advogados, médicos, entidades administrativas do Concelho, militares, grandes proprietários ou homens de negócios. Raramente se misturavam com os outros alunos, nem nos corredores, nem nos recreios, muito menos na rua. Só faltava terem uma porta diferente para entrar e sair. O modelo seria semelhante em todo o país.

Eu pertenci sempre à turma C ou D. Na altura, nem tive consciência de que esse facto poderia estar a determinar o meu futuro. Só mais tarde percebi como aquela escola era o instrumento de um sistema educativo injusto, competitivo e elitista, que deixava para trás várias gerações de alunos, não por serem menos competentes que outros, mas apenas com base na origem social e geográfica: os professores, os livros e vários outros aspetos do contexto educativo poderiam ser iguais para todos, mas as expetativas, crenças e preconceitos que se criavam sobre o desempenho de cada um dos grupos influenciavam os resultados. Para além deste efeito psicológico altamente penalizador dos alunos das classes sociais mais baixas, sabia-se que os professores eram pressionados a não dar notas mais altas aos alunos dessas turmas, que as que davam aos das turmas A e B, mesmo que as merecessem.  

Isto acontecia ainda no início da década de setenta, já depois das reformas do Ministro Veiga Simão, que prometiam introduzir alguma democratização no ensino. Só após o 25 de Abril de 1974, com o fim dos Liceus e Escolas Técnicas, a criação das Escolas Secundárias e o alargamento da escolaridade obrigatória, o Sistema Educativo se democratizou. Começou então a falar-se numa Escola para todos e na Educação como elevador social. E foi de facto um dos setores da sociedade que mais evoluiu neste meio século. Apesar disso, passados 50 anos, é evidente como o elevador continua a subir mais facilmente para determinados grupos; para outros é ainda muito vagaroso. As causas estarão, em grande parte, nas assimetrias sociais que continuam a dividir o país, e permitem que haja ainda escolas para ricos e escolas para pobres. Os rankings publicados anualmente são disso uma evidência escandalosa.     

 

No trabalho:

Numas férias de verão fui oferecer-me para a vindima nas Vinhas do Poço (naquele tempo as vindimas faziam-se em finais de setembro e as aulas começavam só em outubro). Olharam-me com cara de quem não acreditava muito nas minhas capacidades, mas devem-me ter valido os créditos herdados dos meus pais e avós, gente de muito trabalho e boas referências. Disseram que me apresentasse na segunda-feira de manhã na Fonte Velha, que era onde se juntava o pessoal apalavrado. Só tinha que levar uma cesta, uma faca que cortasse bem e a merenda. Estava tão ansiosa que fui das primeiras a chegar.

Éramos um rancho grande de homens e mulheres, toda a gente muito animada, a pé, pela estrada adiante até às Vinhas. Era a minha primeira vez numa vindima assim tão grande, mas estava determinada a dar tudo para mostrar que era capaz de merecer o salário. E ia fazendo contas a ver se o que ia ganhar chegaria para os sapatos que andava a namorar há que tempos.

Quando chegámos, as mulheres distribuíram-se pela vinha, cada uma no seu carreiro, a colher as uvas. Trabalho duro: costas curvadas o dia inteiro e o olhar do feitor, sempre em cima de nós, atento ao que fazíamos, principalmente se levávamos tudo a eito ou metíamos à boca mais que a conta de bagos de uva. Os homens carregavam os cestos que íamos enchendo, até ao sítio onde pisavam as uvas. A minha cesta, mal a despejava, voltava a encher-se num instante. Fui até repreendida por me adiantar um pouco às outras mulheres: «Na vindima há que andar todas a par umas das outras; é mais bonito». A partir daí fiz por acompanhar o passo do grupo: nem à frente, nem atrás, cumprindo o ritual que, a pouco e pouco, fui percebendo.

Não me lembro de quanto tempo durou a vindima, mas, à medida que passavam, parece que os dias iam ficando maiores e as costas cada vez mais doridas; mas aguentei sem me queixar nem dar parte de fraca até ao fim. No dia do pagamento estava ansiosa; era o meu primeiro salário! Mas o entusiasmo passou assim que vi que aos homens pagavam uma coisa, às mulheres um pouco menos e a mim uma miséria. Perguntei porquê e responderam-me que toda a vida os homens ganharam mais que as mulheres, e eu também não podia querer o mesmo que uma mulher já feita. Foi uma desilusão; e senti-me discriminada não apenas pelo patrão, mas também pelas outras mulheres, que olhavam para mim a achar que era justo que assim fosse. Na altura nem percebi que era a luta pelo pão a sobrepor-se a qualquer tentativa de solidariedade. Naquele tempo, pensava-se lá em enfrentar os patrões por melhores condições e igualdade no trabalho?!

Já lá vão mais de cinquenta anos desde que isto aconteceu. Entretanto a situação laboral das mulheres melhorou significativamente, mas, reminiscências de um passado que não queríamos tão presente, uma das grandes reivindicações das mulheres continua a ser o fim da discriminação salarial relativamente aos homens.  Salário igual para trabalho igual!

M.L. Ferreira

sexta-feira, 1 de março de 2024

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Luís da Costa

Luís da Costa nasceu em São Vicente da Beira no dia dois de maio de 1895. Era filho de Maria do Rosário Costa.

Tinha a profissão de jornaleiro quando assentou praça no dia 14 de Fevereiro de 1916. Foi incorporado no 2º Batalhão do R. de Infantaria 21 de Castelo Branco nesse mesmo dia. Licenciado ainda em 14 de Fevereiro, foi domiciliar-se na freguesia de Santa Maria Maior, na Covilhã.

Apresentou-se novamente em 3 de maio para fazer a recruta que concluiu no dia 29 de agosto de 1916. Foi mobilizado para a Guerra e, fazendo parte do CEP, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917 integrando a 4ª Companhia do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o número 522.

Do seu boletim individual de militar do C.E.P. e folha de matrícula constam as seguintes ocorrências:

a)   Ferido em combate por gases, e baixa ao Hospital de Sangue nº 1 no dia 24 de agosto de 1917; alta em 26 com 6 dias para convalescença;

b)   Baixa ao Hospital de Sangue nº 1 no dia 21 de dezembro de 1917; evacuado para um H. Base em 29; alta em 2 de janeiro;

c)    Baixa ao hospital no dia 30 de janeiro de 1918, alta em 15 de fevereiro;

d)   Punido algumas vezes com vários dias de detenção por ter faltado ao trabalho sem motivo justificado;

e)   Punido com 15 dias de prisão correcional por ter estado em ausência ilegítima durante 38 horas (ordem de serviço de 23/12/1918);

f)     Punido com 15 dias de prisão correcional por se ter ausentado, sem autorização, desde as 10 h do dia 28 de fevereiro de 1919 e considerado desertor desde 2 de março, período a partir do qual a ausência foi considerada deserção.

g)   Regressou a Portugal no dia 4 de abril de 1919.


Passou à reserva ativa em 11 de abril de 1928 e à reserva territorial em 31 de dezembro de 1936.

Não foram encontrados registos nem testemunhos que possam dar alguma informação sobre a vida de Luís da Costa após o seu regresso a Portugal, nomeadamente o local ou a data do seu falecimento.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Sobre a importância da Língua Portuguesa

Uma das coisas que me entristece muito é a dificuldade que tenho em manter uma conversa normal com os meus familiares que vivem no estrangeiro, principalmente os meus sobrinhos que já por lá nasceram. Os pais, por razões que percebo, deixaram-se levar pelo receio das mentalidades xenófobas dos países de “acolhimento”, que, por muito que disfarçassem, mais não cuidavam que da força dos braços dos emigrantes, ignorando (ridicularizando até) dimensões importantes da sua cultura. Foi o caso, por exemplo, da Língua Portuguesa, que quase desapareceu dos lares de muitas famílias que vivem lá fora.

Portugal poderia ter criado condições que evitassem esta situação, mas, mesmo sabendo que a Língua Portuguesa é um dos principais elos entre muitos milhões de pessoas, e que havia que cuidá-la, muito ficou por fazer.

Tenho andado a ler o livro de Seixas da Costa «Antes que me Esqueça», em que, para além da insinuação dos muitos almoços e jantares a que o Corpo Diplomático tem de assistir, aborda temas/episódios curiosos sobre as relações entre os diversos países e instituições.

Num dos textos, a que chamou “Demasiada memória” fala da sua missão em Angola na década de 1980: conta alguns problemas que existiam a propósito da liberdade de expressão na imprensa (sempre tão atual!), e termina a falar na importância da nossa Língua, comum a tanta gente. É este trecho que partilho com quem não conhece o livro:

«… À época, os editoriais do Jornal de Angola contra Portugal sucediam-se. A embaixada portuguesa em Luanda optara por não reagir, de modo a que essa catarse mediática não fosse estimulada por um contraditório que se via como de escassa eficácia. Por isso líamos matinalmente essas colunas agressivas e através delas íamos apenas medindo a febre de acrimónia contra Lisboa, esperando que o tempo a atenuasse, como de facto acabou por suceder.

Um dia vi publicado um texto de rara violência, já não sei bem a propósito de quê. Nele se referia que Portugal, como «o miserável país das caravelas decrépitas» era um colonizador frustrado, porque, contrariamente a outros, não deixara em Angola nenhuma herança positiva.

Sem consultar o meu embaixador, tomei a iniciativa de telefonar ao autor do texto. Era um jornalista e escritor de algum mérito, nascido em Portugal (…).

Disse-lhe que tinha lido o seu texto com interesse e queria felicitá-lo pelo mesmo. Do lado de lá da linha a resposta foi a esperada: «Você está a gozar comigo?» Respondi-lhe que não estava e que o artigo, cuja liberdade de apreciação sobre Portugal eu não contestava, comportava, contudo, uma evidente contradição de que ele talvez não se tivesse dado conta, mas que era a única razão do meu telefonema. O meu interlocutor estava cada vez mais perplexo. Até pela deliberada cordialidade que atravessava o meu discurso. Pelo que decidi explicar: «O seu artigo, independentemente do conteúdo agressivo contra o meu país, (…), está extremamente bem escrito e exprime, de forma brilhante, uma leitura crítica do comportamento do meu governo. Embora eu não concorde rigorosamente em nada com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe que você está no pleníssimo direito de exprimir aquilo que pensa, embora eu imagino o que “por aí iria”se lá em Lisboa, o Diário de Notícias (…) se abalançasse a escrever uma coisa de natureza similar sobre o governo angolano, Mas não é essa hoje a minha questão. O que eu queria sublinha é que o texto está redigido num português exemplar, numa escrita de grande elegância estilística. Ora, você, diz nesse mesmo texto que nada ficou em Angola de herança lusitana! E essa língua em que você escreve tão bem? É uma herança de quem? Ou será que você é capaz de escrever um editorial em quimbundo, em umbundo ou em chócue, que qualquer angolano que saiba ler possa perceber? E em que língua se publica o Jornal de Angola? Que outra língua une hoje politicamente Angola? Esta é ou não é uma herança do tempo colonial?

(…)»

Claro que este texto pode levantar algumas questões relacionadas com a colonização ou as relações bilaterais, mesmo depois da independência; mas a razão por que o trouxe foi por comungar da ideia que nos dá de que, o maior legado que deixámos pelos lugares onde andámos, foi a Língua Portuguesa.

Quem é que, andando por fora do país, não vira logo a cabeça se ouve alguém a falar a nossa língua? É uma sensação estranha, mas de conforto…

M. L. Ferreira

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Luís Batista

 

Luís Batista nasceu em São Vicente da Beira, no dia 26 de julho de 1893. Era filho de João Batista, ganhão, e de Maria de São João, moradores na rua da Cruz.

Assentou praça no dia 9 de julho de 1913 e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, em 13 de janeiro de 1914. Era na altura analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro. Após ter concluído a instrução recruta, foi licenciado e regressou a São Vicente.

Voltou a ser mobilizado em 1916, para fazer parte do CEP, e embarcou para França, no dia 21 de janeiro de 1817, integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o número 21 e a placa de identidade n.º 9123. No mesmo barco terá seguido também o seu irmão António Batista.

Sobre o tempo em que permaneceu em França, o seu boletim individual de militar do CEP refere o seguinte:

a)   Punido em 11 de outubro de 1917, com dois dias de detenção, por ter             comparecido na formatura com a barba por fazer, apesar das recomendações que lhe tinham sido feitas;

b)   Punido em 14 de outubro, com 10 dias de detenção, porque, fazendo parte da guarda ao Chateau de St. André, manifestou indícios de embriaguez, pelo que foi mandado recolher ao acantonamento;

c)    Punido no dia 6 de dezembro de 1918, com 5 dias de detenção, por ter saído do distrito da guarda ao acantonamento sem autorização;

d)   Recolheu ao Depósito Disciplinar 1, em 23 de janeiro de 1919;

e)   Embarcou para Portugal, no dia 25 de fevereiro de 1919, chegando a Lisboa no dia 28 do mesmo mês.




Família:

Antes de partir para França, Luís Batista já se tinha casado com Joana Ambrósia, na Conservatória do Registo Civil de São Vicente da Beira, a 25 de setembro de 1916. Tiveram 3 filhas, uma das quais faleceu com 4 anos de idade. Criaram:

1.    Maria da Conceição, que casou com João Maria Madeira e tiveram 9 filhos;

2.    Maria Zara, que morreu solteira e sem descendência.


Quando regressou a Portugal, como grande número dos militares que estiveram em França, Luis Batista apresentava algumas sequelas do stress e do efeito dos gases a que esteve sujeito durante a guerra. Não falava muito desses tempos; apenas, de vez em quando, dos amores que lá teve…

Um dos companheiros de guerra contava que uma vez, perto do Natal, saiu do acantonamento e andou por lá algum tempo. Quando regressou trazia alguns ovos e um pouco de farinha. Ficaram todos contentes porque, assim, puderam fazer uma espécie de filhós para lembrar o Natal da terra e matar algumas saudades.

Apesar das dificuldades, teve sempre um trabalho regular que lhe garantiu o sustento da família. Foi ganhão, como o pai, e fez todo o tipo de trabalhos agrícolas, como jornaleiro, durante muito tempo ao serviço da família Remualdo, nas Quintas.

Na terra, todos lhe chamavam Luís Gonzaga e ainda hoje é lembrado por esse nome. Nem a família mais próxima sabe porquê, mas é provável que fosse porque era esse o nome do padrinho de batismo (Luís Gonzaga de Jesus Pereira, que na altura era solteiro e estudante). Pode ser também porque era assim que se chamava o capitão da sua Companhia (Luís de Sousa Gonzaga).

Luís Batista faleceu no dia 20 de Março de 1979; tinha 85 anos.



(Pesquisa feita com a colaboração dos netos António Madeira e Isilda Madeira)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

O Pelourinho

 Há dias, a propósito do artigo sobre a digitalização dos jornais pela Biblioteca de Castelo Branco, não respondemos à dúvida sobre se existiria o Pelourinho na Biblioteca Hipólito Raposo. De facto não existe. Há apenas um exemplar que foi doado, há tempos, pela Maria José (Alfaiate). É o número 2, publicado em 15 de setembro de 1960, era diretor o padre Sílvio.

Era bom que fosse possível reunir todos os números publicados (também de O Vicentino) e torná-los acessíveis através da digitalização. É que, dando-nos conta, mensalmente, dos acontecimentos mais importantes em cada uma das povoações da freguesia, foi um documento fundamental para ficarmos a saber quase tudo sobre a vida de São Vicente durante várias décadas: dados económicos, sociais, demográficos, culturais, costumes, valores, etc. que muitos vivemos e ainda recordamos, mas a maior parte da população mais jovem nem imagina.

Deixo algumas das notícias deste Nº2; acho-as significativas porque testemunham bem como estávamos todos irmanados nas alegrias, nas tristezas e nas necessidades mais básicas:

 - No Mourelo pedia-se às “Exmas. Autoridades” que fosse feito um chafariz para abastecimento de água à população, porque a única fonte disponível era ainda a Fonte de Mergulho, “pouco higiénica e muito distante”; realizara-se a festa de Santo António, “glorioso protector”, com missa e sermão feito pelo Padre Sílvio e cânticos dirigidos por um seminarista da Guarda; deu-se ainda conta da visita de várias pessoas aos seus familiares.

- Na Partida ansiava-se ainda pela chegada da estrada e pedia-se ajuda para o arranjo de alguns caminhos; a população viveu em festa, entre os dias 26 de agosto e 5 de setembro, pela presença de um grupo de seminaristas da Guarda que “… proporcionaram a todos momentos de inesquecível prazer espiritual”; também houve grande satisfação pela chegada de alguns conterrâneos vindos de França ou de Lisboa para passarem férias com a família; no dia 3 de setembro faleceu a senhora Amélia Bonifácio de Carvalho.

-Nos Pereiros festejava-se já a chegada da nova estrada que tanto iria beneficiar a população; mas chorava-se a morte de uma criança de 2 anos, num incêndio num palheiro, e queimaduras graves na mãe ao tentar salvar o filho; esteve de visita à família o senhor João António Varandas, sócio gerente da Fogás Lda.

 - Na Paradanta esperava-se com impaciência a construção da escola, tanto mais que a população estava disposta a ceder o terreno no local que as “Exmas. Autoridades” julgassem mais adequado; estavam ainda de férias alguns estudantes da terra (6, no total!), e também o “menino” Norberto Gomes Filipe tinha ficado bem no exame de admissão ao Liceu; o senhor António Gomes Filipe e esposa pediram, para seu filho, a mão de D. Maria Emília Ventura Russo “Professora Oficial”, filha do senhor Alfredo Ventura Russo e da senhora D. Trindade Diogo Ventura Russo; faleceu inesperadamente a esposa do senhor Álvaro Martins Faustino.

 - No Vale de Figueiras festejava-se o início das obras de alargamento do caminho de acesso à povoação; pedia-se a construção de uma fonte com “água pura”, em alternativa à dos poços e presas; deu-se também conta da participação de muita gente em algumas atividades e cerimónias religiosas realizadas pelos seminaristas da Guarda (na Partida) onde viveram uma “alegria sã e vida piedosa”.

- No Casal da Serra fora caiada a igreja e dourado o altar, que “ficou muito bonito”; continuava também em construção a estrada até ao Louriçal, que vinha encurtar o caminho de acesso à Estação e pediam-se também melhoramentos no caminho para a sede da freguesia; dava-se notícia da visita de várias pessoas, residentes fora, às suas famílias.

- No Violeiro pediam-se melhoramentos nos caminhos, autênticos lodaçais no inverno; festejava-se ainda os bons resultados nos exames dos estudantes José António Rato e Conceição de Jesus Rato e a partida de Francisco Magueijo para o seminário de Fátima; desejava-se boa viagem ao senhor José Roque, esposa e filhos, que regressavam a França onde residiam há sete anos.

 - No Tripeiro festejava-se a chegada do telefone com muita alegria porque “já podiam fazer-se ouvir ao longe sem a triste necessidade de percorrer longos caminhos lamacentos”; dava-se a notícia de que a escola estava quase pronta, pelo que se agradecia muito ao “Estado”; iam também ter água canalizada em breve, coisa para admirar porque outras terras maiores ainda não a tinham; dava-se também conta da vitória, num jogo amigável, entre a equipa da terra e a do Mourelo.

 - Em São Vicente iam realizar-se, nos dias 18, 19 e 20 as festas em honra do Santíssimo Sacramento, do Senhor Santo Cristo e de Nossa Senhora do Carmo; No dia 15 de Agosto tinha-se realizado “com grande fervor”, a festa em honra da nossa Padroeira: “… a imagem da «Senhora da Ordem» foi conduzida processionalmente até à Sua Capela. Subiu ao púlpito o Rev. Frei Crespo…”; estiveram em São Vicente, entre muitas outras pessoas, Amélia Rey Colaço Robles Monteiro e Mariana Rey Monteiro e filhos; esteve também a D. Aldina Caldeira com o marido e uma excursão, vinda de Lisboa, organizada pelo senhor Elias; estiveram na Vila os “montadores” do relógio novo para darem algumas instruções sobre o seu funcionamento e já havia quem tivesse contribuído para o seu “badalar”; no dia 21 de agosto a equipa de futebol “os Novatos de São Vicente da Beira” tinha ganhado à equipa da Partida (parece que pela primeira vez…); pelos “ Novatos” alinharam Chico, Martins (1 golo), Dias e Jaime, Nicolau e Ribeiro, L. Bruno, Quica (3 golos), Barroso, Inverno e Luís.

M.L. Ferreira


Nota: Há comentários novos na postagem anterior.

José Teodoro Prata

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

José Venâncio


José Venâncio nasceu na Partida, a 5 de fevereiro de 1893. Era filho de António Venâncio e Maria do Rosário.

Assentou praça no dia 9 de julho de 1913 e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, no dia 13 de janeiro de 1914. Era na altura analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.

Fazendo parte do CEP, embarcou para França em 21 de janeiro de 1917, integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o número 202 e placa de identidade n.º 9171.

Do seu boletim individual constam as seguintes ocorrências sobre o tempo em que permaneceu em França:

a)   Baixa ao hospital em 14 de agosto de 1917, por ter sido ferido em combate; teve alta em 15 de outubro (segundo contava, esteve mais de um mês em coma);

b)   Várias punições e detenções por faltas ao trabalho;

c)    Em Junho de 1918, foi-lhe confirmado pelo Tribunal de Guerra a sentença de seis meses de presídio militar ou, em alternativa, a pena de oito meses de incorporação em Detenção Disciplinar (de acordo com a folha de matrícula, este castigo foi aplicado, no dia 22 de Outubro de 1918, a José Venâncio e mais outros seis militares da sua Companhia, por serem acusados de se terem coligados entre si com o intuito de tirar da casa, que servia de prisão, um soldado que ali se encontrava recluso, por ordem do Comandante do Batalhão);

d)   Foi repatriado em agosto de 1918 e desembarcou em Lisboa, no dia 25.

Por decisão de 28 de Maio de 1921 o crime de que era acusado foi amnistiado nos termos do Art.º 1 da Lei n.º 1146, de 9 de Abril de 1921. Na sentença referida na sua folha de matrícula pode ler-se o seguinte: «O crime por que os réus foram condenados se acha amnistiado, assim o julgo e mando que sobre tal crime se faça perpétuo silêncio.»


Condecorações:

Medalha de Cobre comemorativa da expedição a França com a legenda: França 1917-1918.



Família:

José Venâncio casou com Maria dos Santos, no dia 18 de janeiro de 192,0 e tiveram 6 filhos:

1. Maria Lucinda, que casou com José Pedro e tiveram 3 filhos;

2.    Manuel Venâncio, que casou com Margarida de Jesus Costa e tiveram 9 filhos;

3.    João José Venâncio, que casou com Deolinda Marques e tiveram 5 filhos;

4.    António Venâncio, que casou com Cândida Alves e tiveram 2 filhos;

5.    José Venâncio, que casou com Maria Lucinda Pinto e tiveram 2 filhos;

6.    Fernando Venâncio, que faleceu ainda jovem.

«Do que o meu pai mais falava sobre o tempo em que esteve na guerra era do frio e da fome que por lá passou. Diz que às vezes o frio era tanto que até parecia que as pernas não eram dele. E para matar a fome tinham que ir pedir comida por aquelas quintas, mas os camponeses também não tinham quase nada que lhes dar, porque a miséria era por todo o lado. Por causa de fugir à procura de comida e faltar aos trabalhos, foi muitas vezes castigado, ele e os outros companheiros. Também falava dos gases que os alemães lá deitavam e matavam muita gente, porque alguns nem máscaras tinham. Ele tinha uma e quando veio ainda a trouxe. Lembro-me de a ver durante muito tempo lá em casa, mas depois desapareceu.» (testemunho do filho José Venâncio).

José Venâncio toda a vida foi moleiro. Tinha um burro e andava de terra em terra a transportar o grão para moer na azenha; teve uma vida de muito trabalho e poucos ganhos, para sustentar os filhos ainda pequenos. Viveu sempre com muitas dificuldades, porque a vida de moleiro não lhe trazia grandes proventos e também não tinha terras para cultivar.

Nunca recebeu nenhuma pensão pelo tempo e ferimentos que sofreu na guerra; foram os filhos que lhe valeram na velhice, ajudando-o no seu sustento.

Faleceu em Outubro de 1968. Tinha 75 anos de idade.

 

(Pesquisa feita com a colaboração do filho José Venâncio)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Para cada criança, todos os direitos*

 Na segunda-feira, 20 de novembro, comemorou-se a adoção da Declaração dos Direitos da Criança (1959) pela Assembleia das Nações Unidas, e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). Que me tivesse apercebido, não houve nas notícias grande desenvolvimento sobre o tema, mas ficámos a saber que Portugal perdeu cerca de um milhão de crianças nos últimos cinquenta anos.

Este número já não nos surpreende, mas preocupa-nos, principalmente porque a queda dos números da população mais jovem acontece sobretudo nas zonas rurais, onde os velhos são cada vez a fatia maior.

Segundo a Wikipédia, de acordo com o censos de 2021, a evolução dos números na nossa freguesia, nos últimos vinte anos, foi esta:

 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR GRUPOS ETÁRIOS 

 ANO

 0-14 Anos

 15-24 Anos

 25- 64 Anos

 > 65 Anos

 2001

 174

 175

 716

 532

 2011

 110

 101

 561

 487

 2021

 67

 77

 417

 400

Os números totais têm vindo a diminuir muito de década para década, mas é na população infantil e jovem que a queda é pior.  

Curiosamente, parece que em São Vicente e nas freguesias cujas crianças frequentam a nossa escola, a situação melhorou um pouco: este ano o Jardim de Infância tem duas salas.

M. L. Ferreira

*O título do texto é o tema proposto para as comemorações deste ano de 2023 da adoção dos Direitos da Criança.