sábado, 30 de abril de 2011

O nosso falar: charepo

Segundo o Dicionário de Morais, que começou a ser publicado em 1789, existe a palavra charete, termo regional do Alentejo, que designa um pequeno lavrador sem gado e também um sujeito desavergonhado, um bisbórria (homem desprezível, ridículo, sem valor), um garoto.
A palavra aplica-se a um homem que promete tudo, mas não cumpre o combinado, um homem sem palavra, sem honra, nem personalidade.
Em São Vicente da Beira, um charepo é isto mesmo. Só não designa um pequeno lavrador sem gado, mas, no Alentejo, o termo talvez fosse usado pelos grandes lavradores para ridicularizar os mais pobres que também queriam vingar na vida.
Um charepo é um homem com muita conversa, muita promessa, mas que não cumpre o dito, sem palavra.
Na nossa terra ou em toda a Beira, a palavra charete deve ter evoluído para charepo, devido a uma mais fácil pronúncia.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A República

Decorreram, no ano de 2010, as comemorações do Centenário da República.
Muitas foram as realizações destinadas a assinalar a implantação da Répública, em 5 de Outubro de 1910.
No Arquivo Distrital de Castelo Branco, esteve patente uma exposição de documentação sobre as ocorrências, no distrito, ligadas a tão grande acontecimento nacional.
De São Vicente da Beira, um registo no livro de correspondência do Governo Civil, informando que o Regedor de São Vicente da Beira «Participa que é Republicano para todos os efeitos e deseja continuar no cargo de regedor da mesma freguesia.» Não vem indicado o nome.
Foram muitos séculos de miséria e o desenrascanço passou a estar inscrito nos nossos genes!
Na minha escola, a data foi assinalada com grande solenidade. Uma das realizações foi a representação, pelo Clube de Teatro, de uma peça de teatro escrita por mim, sobre a acontecimento cujo centenário se comemorava.
A peça tinha um objectivo didáctico e destinou-se aos alunos do 4.º ao 7.º anos. Como resultou bem, aqui vo-la deixo. Pode ser encenada em qualquer altura, como forma de ensinar a implantação da República. O discurso da Menina Monarquia é um documento histórico importante: o comunicado de Machado Santos ao povo de Lisboa!



A Dona Monarquia e a Menina República
José Teodoro Prata

Personagens:
Dona Monarquia
Menina República
Dirigente republicano 1
Dirigente republicano 2
Zé Povinho
Popular 1
Popular 2
Popular 3
Popular 4
Popular 5
Popular 6
Popular 7

Acto Único

Em cena, atrás, estão dois dirigentes do Partido Republicano, sentados a uma mesa. No meio deles, está uma bela jovem sorridente, vestida com as cores da República (verde e vermelho). Ao fundo, vê-se o brasão da Câmara Municipal de Lisboa, uma câmara republicana desde as eleições de 1908.
Na boca da cena, anda uma senhora vestida com as cores da Monarquia (azul e branco), muito pintada, mas já caquéctica, embora solene, apoiada numa bengala. Demonstra angústia e nervosismo.
Os populares vêm de fora da cena, do lado do público, de preferência, permanecendo depois até final da peça. Eles são o público-alvo a quem se dirigem os populares recém-chegados.
Os dois dirigentes republicanos e a Menina República conversam entre si, em voz baixa. Sempre que os populares falam, eles ouvem atentos e depois retomam as suas conversas. No início, estão nervosos e preocupados, mas a partir do avanço de Machado Santos para a Rotunda, começam a animar-se, com excepção do momento em que Paiva Couceiro bombardeia as posições republicanas na Rotunda. O ponto alto do entusiasmo dos dirigentes republicanos é a rendição do Quartel-General, a que se segue a proclamação da República.


Dona Monarquia(Entrando em cena, de preferência vinda do público, para dar tempo a que se ouça mais de metade do hino monárquico. Quando chega à boca da cena, fala para o público.) Tristes tempos estes, senhoras e cavalheiros, em que já não se respeitam a vida e a tradição. Oitocentos anos de História são espezinhados pelos homens do povo que ignoram o que é a honra e desprezam as instituições.
Os alicerces de Portugal foram erguidos pelas realezas de Leão e Castela e de Borgonha. Delas nasceu o rei fundador, D. Afonso Henriques, o primeiro da dinastia de Borgonha.
Zé Povinho(Estava sentado na primeira fila do público e levantou-se. Aparte, para o público) D. Afonso era um gigante! A sua espada pesava tanto, que eram precisos três homens para a levantarem!
Dona Monarquia(Continuando) Depois, em 1383-85, este mesmo desrespeitoso povo não aceitou os direitos sagrados da filha de D. Fernando e impôs um rei novo. Mas encontrou algum homem digno de reinar, fora da linhagem dos reis? Não, o próprio povo o reconheceu e escolheu D. João, o filho d´el-rei D. Pedro.
Zé Povinho – Viva a padeira de Aljubarrota!
Dona Monarquia – E iniciou-se a dinastia de Avis, a qual levaria às longínquas terras dos mares remotos o glorioso nome de Portugal. Depois aconteceu a tragédia de Alcácer Quibir e Portugal ficou a ser governado pela Casa Real de Espanha. Por pouco tempo. Em 1640, um valoroso grupo de nobres portugueses expulsou os espanhóis e entregou o poder ao herdeiro da linhagem de Avis, o duque de Bragança, D. João.
Zé Povinho(Olhando para o céu, de mãos postas) Valha-nos Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal!
Dona Monarquia – Este D. João IV iniciou a quarta dinastia, a mesma que ainda hoje carrega aos ombros o pesado fardo de governar Portugal. Mas as modas francesas estão a infectar o nosso Reino e o respeito e reconhecimento deixaram de ser valores que os portugueses prezem.
Há dois anos, vis criminosos mataram o amabilíssimo rei D. Carlos, grande entre os maiores nas artes, na ciência e na política. Rei amado e respeitado por toda a Europa, foi neste povo mal agradecido que encontrou os seus algozes.
Zé Povinho(Aparte) Rei morto, rei posto.
Dona Monarquia – Sucedeu-lhe o filho, D. Manuel. É muito jovem e impreparado, pois o primogénito D. Luís Filipe também encontrou a morte no trágico regicídio.
O futuro a Deus pertence e que Ele proteja a Santa Monarquia e a Casa Real dos Braganças!
Zé Povinho(Fazendo o gesto de quem rouba) Os Braganças…
Dona Monarquia – Mas temo pelos dias incertos que vivemos. Os republicanos enganam o povo, com promessas de facilidades. E têm cada dia mais apoiantes. Esta Câmara de Lisboa já eles a governam, mas querem mais, só se vão contentar quando tiverem tudo!
Zé Povinho(Fazendo um gesto com o polegar para cima) Os republicanos…
(A Dona monarquia afasta-se para um lado, desgostosa, e senta-se num cadeirão. Entram dois populares, apressados e aflitos, e falam para o público.)
Popular 1 – Uma desgraça, uma tragédia imensa! Mataram o Doutor Miguel Bombarda!
Popular 2 – Foi no Hospital de Rilhafoles. Um maluco do manicómio deu um tiro ao Doutor Miguel Bombarda!
Popular 1 – Contou-nos um merceeiro da Rua do Ouro, que soube por uma criada do Conde da Cotovia, que o ouviu da boca do cocheiro que fora com o senhor às fazendas do Lumiar e viu uma grande confusão à porta do Hospital, quando passou em Santana.
Popular 2 – Coitado do Doutor Miguel Bombarda. Grande médico e grande político republicano! (Meio em segredo) Consta por aí que o Partido Republicano se prepara para derrubar a Monarquia. O Doutor Miguel Bombarda vai fazer muita falta!
Zé Povinho – Já se viu uma coisa assim? O doutor a tratar o maluco e ele PUM!, mandou-o desta para melhor.
(Os dois populares continuam a conversar sobre o assunto, em voz baixa. Os dirigentes republicanos e a Menina República dão sinais de grande desgosto e preocupação, pela morte de um dos seus principais dirigentes.)
Popular 3(Entra apressado e diz, em tom confidencial) A conspiração republicana foi descoberta. O Governo sabe de tudo e já pôs as tropas de prevenção!
Popular 1 – Mas estes republicanos não conseguem preparar um golpe de Estado em segredo? Nos últimos anos, já é a terceira ou quarta vez que isto acontece!
Zé Povinho – Querem o poleiro dos monárquicos, mas são incompetentes como eles!
Dona Monarquia(Contente) Óptimo, Óptimo!
Popular 4(Entrando) Que tragédia, que desgraça! Morreu o Almirante Cândido dos Reis.
Popular 3 – Quando? Onde?
Popular 4 – Há pouco, na Azinhaga das Freiras. Matou-se com um tiro de pistola! Quem me contou foi a porteira do meu prédio, que o ouviu do aguadeiro, que soube por um peixeiro que voltava de Odivelas.
Popular 1 – Mas porque é que se suicidou? Tinha medo de ser preso?
Popular 4 – Qual medo? O Almirante Reis era muito corajoso! Diz-se que chefiava o golpe militar republicano, mas desorientou-se, porque muitos oficiais republicanos não revoltaram as suas unidades militares e os poucos que pegaram em armas já estão a abandonar a Rotunda.
Popular 3 – Coitado do senhor Cândido dos Reis, almirante da Marinha, deputado das Cortes e um grande republicano!
Zé Povinho – Não se aguentou. Essa é que é essa!
Popular 3 (Num lamento) São só desgraças! Os republicanos estão feitos, não têm hipóteses. Nunca vamos sair da cepa torta.
Dona Monarquia(Aparte, para o público, mostrando contentamento) Isto está a correr às mil maravilhas!
(Ambiente de consternação entre os dirigentes republicanos e também entre os populares.)
Popular 5(Entra eufórico) Machado dos Santos marchou com as suas tropas para a Rotunda e reorganizou a resistência republicana. Os militares e os populares já conseguiram rechaçar a investida das tropas fiéis à Monarquia.
Popular 4 – Como é que ele conseguiu, quando tudo parecia perdido?
Popular 5 – Foi a coragem, a bravura dos heróis! Os chefes da revolta queriam desistir e muitos oficiais já tinham abandonado as suas posições, no alto da Avenida da Liberdade. Então, eis que irrompe Machado Santos.
Zé Povinho – O comissário Machado Santos é o herói da Rotunda!
Popular 5 – Os republicanos ganharam novo ânimo e já cantam vitória! Centenas de populares da Carbonária juntaram-se a ele!
Popular 6(Entrando precipitadamente, ao mesmo tempo que se ouvem explosões.) Quem nos acode? Fujam todos!
Popular 5 – O que é? O que se passa?
Popular 6 – Os navios ancorados no Tejo estão a bombardear os ministérios do Terreiro do Paço. As pessoas fogem da Baixa. Aqui, na Câmara Municipal, corremos perigo!
Zé Povinho – É melhor dar às de Vila-Diogo!
Popular 5 – Aqui é que estamos seguros! (Apontando para os dirigentes republicanos) Os revoltosos não vão bombardear uma câmara republicana, onde está concentrado o directório do Partido Republicano!
Popular 6 – O Palácio das Necessidades também foi bombardeado. O rei D. Manuel II quis chefiar um contingente militar e atacar os revoltosos, mas não o deixaram e teve de retirar para Mafra!
Dona Monarquia(Exclamando, num lamento, aparte, para o público.) O meu menino!
Zé Povinho(Rindo, com escárnio) Coitadinho do menino da mamã!
Popular 2(Fazendo os gestos de chuchar e roubar) Esse não volta a chuchar o povo. Os monárquicos estão entalados entre os navios de guerra no Tejo e as tropas do Machado Santos na Rotunda. Estão no papo. Vou-me juntar aos patriotas. Viva a República!
(Ninguém o secunda, todos receosos do desenrolar dos acontecimentos. As personagens, em palco, conversam entre si, mas cada grupo em separado.)
Popular 7(Entrando) Trago más notícias. A tropa do Paiva Couceiro bombardeou toda a noite as posições republicanas na Rotunda! Está a fazer estragos! Tem um poder de fogo muito forte e o Machado Santos não lhe consegue responder.
Zé Povinho – Raios! A coisa está a ficar preta!
Dona Monarquia(Contente, num aparte, batendo com a bengala no chão) Boa!
Popular 2 – (Entra, agitando uma bandeira branca) Calma, calma! Foi declarada uma trégua, para fazer sair os estrangeiros que estão no Avenida Palace. O pedido veio do diplomata alemão. O hotel foi ontem bombardeado e eles temem pela vida.
Popular 7 – E na Rotunda? O Machado Santos aguenta-se?
Popular 2 – Qual quê! Aquilo parece o arraial de Santo António! À chegada do diplomata alemão, a pedir tréguas, os republicanos viram a bandeira branca e julgaram que eram os monárquicos a render-se. Armou-se a festa e só faltou a sardinha assada!
Zé Povinho – Viva a República!
Popular 6 – (Todos ficam ansiosos, na expectativa das novidades.) Mas… E o Paiva Couceiro?
Popular 2 – O Machado Santos deu um golpe de mestre! Lançou-se Avenida abaixo, de rompante, com as tropas e o povo todo atrás, e tomou de surpresa o Quartel-General, no Rossio.
Zé Povinho – Xeque-mate! O Machado Santos é o pai da Pátria!
Popular 4 – E o Governo?
Popular 2 – Já não há Governo.
Zé Povinho – A velha Monarquia esticou o pernil! Viva a República!
Populares – Viva!
(A Dona Monarquia sofre um ataque e cai no chão. É ignorada por todos. Entretanto, a Menina República e os dirigentes republicanos dirigem-se à boca de cena. No meio, vem a Menina República, de braço dado com os dirigentes republicanos. Colocam-se na boca de cena, ao centro, em linha. Dos lados, ficam os populares, empunhando bandeiras republicanas.)
Menina República – Cidadãos! Um facto notável se acaba de dar, que ficará gravado a letras de ouro na história da nossa querida Pátria. A República, devido aos esforços dos bravos que acamparam na Rotunda, dos valentes marinheiros e da nobre e valorosa população civil da cidade de Lisboa, foi hoje proclamada! A dinastia de Bragança, que há 270 anos, pesando sobre o país, o levou à ruína, à miséria e ao desprezo das nações estrangeiras, vai a caminho do exílio e nunca mais os seus representantes ousarão macular o solo sagrado da Pátria!
Zé Povinho – (Aparte, com gestos a enaltecer os atributos físicos da Menina República) Viva a República!
Populares – Viva!
Menina República – Cidadãos! O vosso gesto altivo levou ao conhecimento do Mundo inteiro, que neste canto da Europa existe um Povo que deseja, em liberdade, trilhar o caminho do Progresso. Nunca mais os estranhos deixarão de olhar com respeito os filhos de Portugal!
Zé Povinho – Somos uns valentões! Viva Portugal!
Populares – Viva!
Menina República - A luta terminou! Já não há inimigos! Hoje todos os portugueses, trocando abraços fraternais, vão colaborar na obra da regeneração da pátria! Já não há inimigos! Há só irmãos!
Em nome do governo da República, louvo todos aqueles que lutaram pela República e, numa luta homérica de um contra dez, tão bem souberam defender os seus ideais: Pátria e Liberdade. Viva a República! (Os populares e o público gritam vivas)
Dirigente republicano 1(Toma a palavra, para anunciar a constituição do novo governo. Ao nome de cada personalidade, os populares batem palmas e dão vivas) Cidadãos! Cabe-me a distinta honra de anunciar ao país a constituição do Governo Provisório da República. Presidente do Governo: Teófilo Braga; Ministro da Justiça e Cultos: Afonso Costa; Ministro das Finanças: Basílio Teles; Ministro dos Negócios Estrangeiros: Bernardino Machado; Ministro do Fomento: António Luís Gomes; Ministro da Guerra: Coronel António Xavier Correia Barreto; Ministro da Marinha: Comandante Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
Dirigente republicano 2(Com solenidade) Povo de Lisboa! Juntemos as nossas vozes e entoemos “A Portuguesa”, o hino patriótico que os nossos pais cantaram nas manifestações contra o Ultimato Inglês e na revolta do 31 de Janeiro (Cantam todos):

Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Oh pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!

(No final da 1.ª estrofe, a comitiva avança em direcção à saída, entoando o refrão. No final, dão-se vivas à República. A Dona Monarquia fica no chão, abandonada, ou é levada em padiola, por dois populares, que fecham o cortejo festivo.)

FIM

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Liberdade

Se um dia me perguntassem qual a minha palavra de eleição, escolheria liberdade. Ela é intrínseca à natureza humana, traduz uma das mais importantes caraterísticas do homem. Motiva rebeliões individuais e coletivas, provocando as revoluções que mudam o curso da História.
Normalmente, atribuímos à economia a causa impulsionadora destes movimentos sociais, mas a ânsia de liberdade acompanha sempre as motivações económicas e continua presente mesmo quando o materialismo está ausente, de todo.
Por isso, ao pensar numa canção do Zeca Afonso, para assinalar o 25 de Abril, de entre tantas excelentes, escolho um poema escrito e musicado em honra do seu amigo Alfredo Matos, preso nas masmorras da PIDE.
Chama-se "Por trás daquela janela" e saiu no álbum "Eu vou ser como a toupeira", em 1972.


Por trás daquela janela

Por trás daquela janela [bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse [bis]
Eu não sei o que faria / Não sei

Se a minha faca cortasse
Se aquela parede andasse
E grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse [bis]
E a tua voz me ajudasse / A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Na noite que segue o dia[bis]
O meu amigo lá dorme / De pé

E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

domingo, 24 de abril de 2011

O nosso falar: talhada

Há anos, numa volta pelo Norte, parei em Tabuaço, a descansar de uma sinuosa viagem pelas margens do rio Távora. A tarde ia meio e fomos lanchar a uma pastelaria. Pedi uma talhada da tarte que, na montra, não despregava os olhos de mim. A minha família estranhou o meu falar e riu-se. Como eu não dava mostras de emendar, lá tiveram de explicar à dona que eu queria uma fatia de tarte.
Recordei esta história ao escrever o final do texto de ontem. Na nossa terra, se o pão se comia às fatias, o queijo, e quase tudo o que desse corte, comia-se às talhadas. Por vezes, até à fatia do pão se aplicava o termo talhada. Actualmente, esta palavra já quase caiu em desuso e utiliza-se o termo fatia para tudo.
O falar politicamente correto dos meios urbanos reduz drasticamente o número de palavras usadas no nosso dia a dia. Muito do vocabulário da língua portuguesa está a perder-se, irremediavelmente. Para os jovens de hoje, entender um livro de Virgílio Ferreira, Soeiro Pereira Gomes ou Aquilino Ribeiro, que escreveram na primeira metade do século XX, já começa a ser difícil. Até de Fernando Namora se queixam, ele que tanto e tão bem escreveu sobre a nossa Beira, nos anos 50.
Por isso, temos de teimar, insistir, em nome da diversidade e riqueza da nossa cultura.

Nota: Nesta minha incursão pelo nosso falar, que se prolongará por muitas semanas, estou a meter-me por terreno alheio, pois não tenho formação académica especializada. Agradeço todas as correções ou achegas que os leitores queiram compartilhar connosco.



Aleluia Aleluia !!

Ricordó Sinhor Vigário
Que já bate o sol na Cruz
Vamos dar as Boas-Festas
Ao Coração de Jesus.


Ernesto Hipólito

sábado, 23 de abril de 2011

Jejuns e gulodices

No passado sábado, véspera de Domingo de Ramos, passei por três tratores a carregar ramos secos de pinheiro, no curto espaço entre o Carvalhal Redondo e o Caldeira. A lenha é, certamente, para os bolos e os doces da Páscoa, com que tradicionalmente se quebra o longo jejum da Quaresma.
O Domingo Gordo, domingo anterior ao Carnaval, foi a penúltima etapa antes dos sacrifícios. Costumava-se comer o rabo do porco, na salgadeira desde a matação. No tempo em que os porcos ainda comiam comida de gente (hortaliças, botelhas, beterrabas, farelos, lavadura da loiça dos donos…), o rabo do porco era uma das partes mais saborosas do dito. Claro que não era só o rabo, mas toda a zona envolvente ao cu, incluindo a ponta final da espinha. A água em que era cozido fazia uma sopa de estalo e depois acompanhava com feijão grande. E nem pensar em deitar fora o toucinho, porque gordura e febra era tudo uma delícia! (Quando eu era criança, nos anos 60, contava-se, na Vila, que o Doutor Alves aconselhara alguém a dar couves ao porco, para a carne ter mais sabor, sem ser muito gorda.)
Dois dias depois era o Carnaval, a despedida dos prazeres. Há dois anos, quando escrevi sobre as nossas tradições carnavalescas, não liguei ao arroz-doce referido no trabalho da minha irmã Isabel, em que me tenho apoiado nestas tradições. Não liguei, porque aquilo não me dizia nada: nem gosto especialmente de arroz-doce, nem era muito habitual fazê-lo na casa dos meus pais.
Ora, no ano passado, oito dias antes da Feria de Gastronomia, o Presidente da Junta, eu e a minha tia Eulália (Teodoro e Jerónimo) fomos entrevistados para a Rádio Cova da Beira. Ao ouvir a entrevista da Tia Eulália é que percebi toda a importância do arroz-doce nos rituais iniciais do ciclo quaresmal. Na casa dos meus avós paternos, onde tanta coisa faltava nesses anos 40 e 50 do século XX, nunca a minha avó Rosário deixava de fazer o arroz-doce, para toda a família comer e consolada entrar no jejum da Quaresma.
As semanas iam-se sucedendo e, chegados à Quinta-Feira Santa, nem couves se podiam comer, pois nelas estivera escondida a Sagrada Família, fugida dos soldados de Herodes. No dia seguinte, não se trabalhava. Era dia de luto total. Recordo-me de que, na Semana Santa, toda a gente se confessava e comungava, praticamente sem exceções. E nesses tempos comungava-se em jejum, mesmo que a missa fosse ao meio dia, como era costume. Um dia, o meu avô Francisco tocou com o pão na boca, ao levantar-se de madrugada e, antes de comungar, contou o sucedido ao senhor Vigário, para ele lhe autorizar a comunhão.
Cristo ficava morto durante todo o dia de sábado e nós aproveitávamos para fazer bolos e doces. À meia-noite, era a missa da Aleluia, Cristo ressuscitava e o povo desforrava-se de semanas de tristeza e jejuns: as Boas-Festas, os bolos, os tremoços, o convívio com os amigos e familiares e depois as romarias. Entrava-se numa nova etapa, o ciclo Pascal, em que se festejava a vida.
Se me virem por aí, já sabem: a minha preferência vai para uma fatia de bolo da Páscoa coberta com uma talhada do mesmo tamanho de queijo fresco caseiro (o do circuito comercial tem um aditivo que o torna amargo, sem o sabor adocicado do leite).

Alguns artigos relacionados:
“Os Martírios”, de 1 de abril de 2010
“Procissão do Enterro”, de 3 de abril de 2010
“Tradições de Carnaval”, de 13 de Fevereiro de 2010
“A Ladainha”, de 12 de abril de 2009
“Doçaria pascal”, de 5 de abril de 2009
“Tradições da Páscoa”, de 28 de março de 2009

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Procissão do Enterro

É hoje à noite.
Estes vídeos não têm grande qualidade, mas ajudam a matar saudades a quem está longe.
São da procissão do ano passado. Nos últimos anos, desliga-se a iluminação pública, para uma melhor reconstituição da tradição.





Nota: Filmagens da Filipa Teodoro

domingo, 17 de abril de 2011

Primavera

A Primavera chegou com tal força que até ultrapassou o comboio da beira baixa (também não é preciso muito).
Hoje, na TV, passou uma reportagem sobre a vinda de um comboio turístico pelo vale do Tejo, para ver as cerejeiras em flor. Mas elas, em Alcongosta, já tinham a cereja a engrossar.
Eu não fui tão lento como a CP, mas quase: num fim de semana, esqueci-me da máquina fotográfica e, no seguinte, as cerejeiras já estavam a limpar (a largar as pétalas).
Deixo-vos algumas flores da Gardunha. São as do costume, mas sempre lindas!

Polígala


Violeta


Sargaço


(?)


(?)


Esteva


(?)


Carqueja

sábado, 16 de abril de 2011

O nosso falar: destravado

Há dias, tentava eu explicar aos meus alunos a actual crise que Portugal vive, lamentando a falta de união entre os nossos políticos, a fim de pouparem os portugueses a males maiores, que já se anunciam, quando o melhor aluno da turma disparou:
“O stor é que devia ir para político!”
Tamanho elogio (não era ironia, há alunos que veneram os seus mestres) deixou-me desarmado da carapaça formalista e neutra com que nos equipamos para enfrentar questões delicadas.
Assim desprotegido, caído no poço do subjectivismo, a resposta que me saiu da boca foi: “Não tenho jeito, sou muito destravado.”
Até os distraídos concentraram os olhos em mim. Nem os dois alunos com raízes vicentinas, um na Partida, outra no Casal da Fraga e na Vila, davam mostras de ter entendido.
Lá tive de fazer o costume, sempre que nos surge uma palavra desconhecida: perguntar à palavra o que ela nos pode dizer. E esta aplica-se aos carros sem travões, que descem desgovernados e chocando nos obstáculos que encontram pelo caminho, até serem imobilizados por um suficientemente grande.
E acrescentei, voltando a mim próprio: “A política é uma actividade nobre, a ciência de governar um país. Mas é também um jogo, uma procura de equilíbrios. Ora, eu não tenho jeito para jogos, digo o que tenho a dizer e isso cria problemas com muitas pessoas.”
Quando entramos no nosso subjectivismo, é nas nossas raízes que mergulhamos. Ainda hoje a minha mãe me chama destravado, não no sentido acima usado, mas como sinónimo de apressado.
Não conheço o uso deste adjetivo, com os sentidos atrás referidos, fora de São Vicente da Beira, embora, dificilmente, o seu uso terá uma incidência apenas local.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mais óvnis

Chegou, recentemente, mais um comentário à publicação "Óvnis na Gardunha?", de 23 de Novembro. Como está lá para trás, muitos não o lerão e penso que vale a pena.
Qual a minha opinião sobre o assunto? Penso que, cientificamente, tenho de aceitar que poderemos não estar sozinhos no Universo e que a ciência de amanhã poderá explicar fenómenos para os quais ainda não há explicação (viver noutra dimensão...).
Mas, como sou homem de pouca ciência, não perco tempo com o assunto. Aliás, a minha única preocupação é saber como ir até à Penha (no cume, por cima de Castelo Novo), pois tenho de satisfazer o pedido de um sobrinho meu, para o levar até lá, e não sei como descalçar a bota!

Caro José Prata, restantes conterrâneos e leitores em geral.
Chamem e pensem o que quiserem aos ditos ovnis e acreditem ou não que eles frequentam bastante a serra da Gardunha... Pessoalmente pouco me importa o que se possa dizer ou pensar deste fenómeno (que aliás nem me interessa muito...).

Agora que nas aldeias em redor da serra há muita gente de bem que viu "coisas" bem concretas e que alguns nem às parede confessam para não serem alvo de chacota e desacreditados na terra, isso podem ter a certeza que há.

E o que tem sido visto é bem mais do que luzes na serra.
Conheço gente com os pés bem na terra que andou a dormir mal durante anos por causa daquilo que viram.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Bicharocos



Vacas-louras a pastar. Vacas, talvez porque "pastam" na erva como bovinos. Louras, porque o conteúdo do seu ventre é amarelado. Com essa massa, tiravam os antigos verrugas e sinais. Basta aplicar sobre a verruga ou sinal e desaparece. O seu poder abrasivo é tão forte que queima a pele em volta. Se a pele ficar muito exposta, corremos o risco de ir parar às urgências do hospital, com uma queimadura séria!



Ainda ando indecioso sobre o que fazer com estes bicharocos. Ajudam na polinização, mas comem a totalidade da flor onde ferram o dente. Hei-de ter de os deixar em paz!



Estes abelhões(?) são bonitos e úteis na polinização. Mas cuidado com as ferroadas!

domingo, 10 de abril de 2011

Polémicas


Um amigo enviou-me um comentário para o blogue, não diretamente, mas para o meu e-mail. Copiei-o, coloquei-o no comentário de "Património religioso" e ia dar ordem para publicação, quando me apercebi do que estava a acontecer.
E era, simplesmente, desrespeitar um dos principais objectivos deste blogue: contribuir, pela positiva, para o melhoramento da nossa freguesia.
Se quisesse fazer crítica a tudo o que está mal, não me teria ridicularizado a mim, quando quis recordar e ensinar aos mais novos como era uma Choradela de Entrudo. Numa delas, o assunto foi precisamente um momento em que eu não cumpri a regra que me havia imposto.
Não sou ingénuo, nem deixei de ser um observador de tudo o que se passa na nossa terra. Mas considero que perdemos demasiado tempo com polémicas, necessárias para fazer ainda melhor, mas estéreis se não passarmos a esta segunda etapa.
Os alertas que deixei sobre a Procissão dos Terceiros foram apenas isso mesmo, alertas, para fazermos melhor. Usei o meu conhecimento e a minha experiência, para ajudar a nossa comunidade a tomar consciência de que a sobrevivência do nosso melhor património não depende apenas, nem sobretudo, do nosso voluntarismo em fazer coisas, mas sim da sobrevivência e respeito por aquilo que as nossas tradições religiosas têm de mais genuíno, a religiosidade popular.
Basicamente, o comentário do meu amigo punha em contraste quem trabalha e quem colhe os louros, quem trata da galinha e quem leva os ovos de ouro.
Indiretamente, foi um importante contributo para melhorar este blogue. Graças a ele, brevemente, irei dar-vos a conhecer quem trata da galinha dos ovos de ouro.

sábado, 9 de abril de 2011

Borboleta


Hoje, passei, no Sobral, e fui comprar queijos, ao Veríssimo.
Encontrei esta borboleta pendurada nas fitas da porta da queijeira. No chão, estava outra, do mesmo tamanho. Nunca vira borboletas tão grandes!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Património religioso


Alguns aspetos do texto introdutório às fotos da Procissão dos Terceiros, na última publicação, merecem uma explicação mais desenvolvida.
Há anos que concluí ser o património religioso o nosso bem mais precioso. Destaco a arquitetura (os templos, os Passos e o Calvário), a pintura (nos tetos dos altares-mores da Matriz e da Misericórdia e os quadros da via-sacra), a escultura (estátuas e talhas douradas), os rituais religiosos da Quaresma (Ladaínhas, Martírios, Procissão dos Passos, Procissão do Enterro), as romarias de Santiago e da Senhora da Orada, a festa do Santo Cristo e ainda a Missa do Galo com a fogueira de Natal.
Embora o património religioso da freguesia seja ainda mais amplo, a súmula apresentada já diz bem da riqueza que possuímos. Este património, sempre enquadrado na religiosidade do seu povo e na paisagem natural em que se insere, é de facto a nossa galinha dos ovos de ouro.
No entanto, ele perderá a grandeza do seu valor de for esvaziado da religiosidade das pessoas, a razão da sua existência e do seu significado.
No último Dezembro, desloquei-me a Idanha, para participar no lançamento das actas do colóquio de história local, de Junho de 2009, em que colaborara. Nessa altura, fora lançada a ideia de candidatar as tradições quaresmais de Idanha a património mundial. Agora, foi apresentada a opinião do Doutor Marinho dos Santos, consultado sobre essa questão. E este estudioso, que, nos colóquios de 2009, se emocionara com a representação popular de algumas dessas tradições, apresentou reservas a essa candidatura, pois não tinha a certeza se estava garantida a sua sobrevivência genuína, num futuro próximo.
Por isso, sem querer competir com o Pe. José Manuel na orientação do rebanho de Deus, apenas alerto que a sobrevivência das nossas tradições religiosas só estará garantida se enquadrada na religiosidade do povo que as criou e manteve até hoje.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A Procissão dos Terceiros

Foi linda a procissão deste domingo!
As máquinas a registar imagens eram tantas que até me senti inibido de usar a minha.
A devoção lia-se nos rostos concentrados. Afinal, ela atraíra ali a maioria dos participantes.
Fizeram falta dois ou três mestre de cerimónias, como os de antigamente, para coordenar todo o movimento do conjunto. E também explicar aos mais jovens que o momento é solene, mas de devoção, não de festa. Se não, um dia o Pe. José Manuel zanga-se e matamos a nossa galinha dos ovos de ouro.
Além destes dois reparos (mesmo nos grandes êxitos, devemos ter consciência do que devíamos ter feito melhor), a Procissão dos Terceiros foi um enorme sucesso: gente de fora, andores novos, muita juventude (nem sabia que tínhamos tantos jovens) e algumas instituições da comunidade totalmente empenhadas: bombeiros, rancho folclórico, banda filarmónica, catequese...
Como dizia o meu pai, quando acabávamos um trabalho: está bom e fomos nós!


São Francisco de Assis


Rainha Santa Isabel


A Imaculada Conceição


A descer a Rua do Convento


Santa Clara


São Ivo


São rosas, Senhor!


Santa Rosa


A nossa banda. O Mestre não deixou o rebanho entregue ao Senhor. O que ele trabalhou!


O regresso a casa.


Quem transportou os andores na Procissão de 2011, para que conste.

domingo, 3 de abril de 2011

Os franciscanos em São Vicente

A presença franciscana remonta, na nossa terra, possivelmente, ao século XV ou XVI. Quase todos os templos da Vila são desses finais dos tempos medievais e inícios da Idade Moderna, excepto a Igreja Matriz (erigida na época da fundação da povoação) e a Orada (é muito mais antiga que a Matriz, mas a actual capela também foi construída naquele período).
Nesses fins da Idade Média, São Vicente terá alcançado o seu máximo desenvolvimento económico e social. Houve então riqueza para levantar templos, palácios e equipamentos públicos, como a Câmara Municipal e o Pelourinho.
A capela de São Francisco não foge a esta regra. O grande arco de volta perfeita, no seu interior, com a aresta cortada, é, na nossa Beira, tipicamente quinhentista. Esteve, até há poucos anos, pintado de azul (Já não me recordava, lembrou-mo, há uns tempos, a Ilda Jerónimo).


Mas o templo não foi, desde o início, de devoção a São Francisco, mas sim a Santo António, ele próprio franciscano e contemporâneo do fundador da Ordem Franciscana, com quem ainda se encontrou, na Itália que depois o adotou como seu e onde se tornou um dos santos maiores da Cristandade.


Foi, pois, a capela dedicada a Santo António, até 1744. Nesse ano, veio a São Vicente um grupo de frades franciscanos pregar uma missão. E a sementeira foi de tal modo fecunda que, nos anos seguintes, a capela deixou de pertencer apenas a Santo António para a ser, sobretudo, dedicada a São Francisco. Nela teve sede, logo de seguida, a Irmandade da Ordem Terceira e terá sido criada também, por esses anos, a procissão dessa mesma irmandade, a Procissão dos Terceiros que hoje vai, novamente, percorrer as ruas da nossa Vila.


São Francisco recedendo a bula da criação da Ordem Terceira das mãos do Papa Inocêncio III.

Ainda por esses anos, foi edificado o Calvário, quase em frente à capela. Já estava construído em 1758. O Calvário servia de palco, ainda é, de uma outra grande tradição vicentina, a Procissão dos Passos, na Sexta-Feira Santa. Mas também esta tradição tem origens franciscanas, esta das Religiosas do Convento, igualmente fundado no século XVI. Mas este assunto fica para desenvolver, noutra ocasião.
A capela nunca deixou de ser dedicada também a Santo António. A sua festa ainda se realiza, anualmente, no terceiro domingo de Agosto. Quando era criança, questionava os adultos sobre a pertença da capela. Uns ainda se lhe referiam como capela de Santo António, a maioria de São Francisco, mas depois lá vinha a festa de Agosto, para me voltar a baralhar.
A doação da capela a São Francisco marcou também a toponímia local. Toda a zona envolvente da capela tem o nome do santo assim como tomou o seu nome o caminho, hoje rua, de saída da Vila em direção ao Casal da Fraga e à parte superior do vale da Ribeirinha.
Às vezes, é preciso olharmos para longe, a fim de percebermos a verdadeira grandeza do que temos. Neste caso, para o Violeiro. Em 1766, faleceu Brittis Maria Cabral de Pina, viúva do Sargento-Mor Domingos Nunes Pouzaõ do Violeiro, antepassados dos viscondes de Tinallhas, como já expliquei no artigo referente ao Cabeço do Pe. Teodoro. Na hora da sua morte, Brittis Cabral de Pina quis que o seu corpo fosse amortalhado com o hábito de São Francisco. Há meses, o Irmão José Amaro, também do Violeiro, contou-me que, ainda adolescente, teve de calcorrear o caminho do Violeiro até São Vicente, descalço, à frente de um carro de bois, para fazer o funeral do seu avô. Isto cerca de 1950. Passaram junto ao cemitério da Partida, mas não puderam parar, pois o avô exigira ficar sepultado no chão sagrado de São Francisco.

sexta-feira, 1 de abril de 2011