sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Casamento, anos 60


Só reconheço a Menina Maria de Jesus, 
ao lado do irmão, o Pe. Tomás ou o bispo (D. João de Deus Ramalho).
Quem me deu a foto (o Francisco Matias, filho de Domingos Matias) não sabe quem são os noivos.
O miúdo da boina e com suspensórios, à direita, está um espetáculo.
Ainda há por ali uns pés descalços, mesmo em domingo à saída da missa (provavelmente).

José Teodoro Prata

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Fui aos Chocalhos


Fui aos chocalhos; aproveitei o primeiro dia, andamos mais à vontade, menos pessoas; gostei.
A câmara do Fundão e a junta de freguesia de Alpedrinha em boa hora criaram este evento. Já lá vão quinze anos, único na região, quiçá em Portugal. Atrai milhares de pessoas de toda a nossa Beira e país.
No belo solar do Picadeiro “Sarafanas” estava uma representação dos amigos espanhóis, não sei se foi este ano a primeira vez, já se internacionalizou. Ruas medievais apinhadas de gente; janelas, portas, lojas escancaradas onde se expõem os mais diversos produtos:- gastronómicos, artesanais, artísticos… Diversão a rodos, bombos, pandeiros, gaitas de fole, conjuntos, pífaros… a animação, é grande.
Dá gosto passear pelas ruas da bonita Alpedrinha, as casas bem conservadas mantêm a traça original. Solares, capelas, a bela igreja paroquial, a monumental fonte, o palácio do picadeiro, a capela do leão que nos recorda o célebre cardeal. Parece que era aparentado com o nosso D. Álvaro da Costa. Ilustres, os Costas.
Fui aos chocalhos; há alguns anos que lá não ia, deixei o carro num parque improvisado junto ao cruzamento das Atalaias, os autocarros transportam-nos para o local, tudo muito bem organizado.
A nossa vila também foi testemunha do fenómeno transumante; era garoto, na estrada nova passavam enormes rebanhos de ovelhas a caminho do Alentejo. No outono desciam a Estrela, na primavera regressavam na direcção dos montes Hermínios. Era um espetáculo bucólico, pessoalmente adorava ver. O chocalhar misturado com os assobios e as ordens dos pastores, formavam uma campestre orquestra. Eram às centenas as ovelhas, uma nuvem de pó à medida que passavam, pastores com seus safões, manta e alforge caminhavam. “Caminho faz-se caminhando, não é verdade”!
A vila possuía também grandes rebanhos, na casa conde havia um canzarrão enorme chamava-se leão; só lhe faltava a juba, o pescoço estava enfeitado com uma grande coleira de picos de ferro por causa dos lobos. Dizem que quando atacam atiram-se logo ao pescoço do animal. O Leão estava protegido, um animal corpulento como ele não precisaria. De vez em quando ia à praça passear, nós os catraios, fazíamos festas ao Leão. Cabradas, ovelhadas; à noite, quando regressavam das pastagens, o chocalhar e campainhar alegravam nossos largos e ruas.
Não chegou a meio século para a sociedade se transformar radicalmente. O chafariz já não mata a sede aos animais, é uma peça decorativa, as bicas da fonte velha já não enchem cântaros, regadores, baldes…
O mundo pula e avança …
Resta a recordação.


J.M.S

sábado, 24 de setembro de 2016

Melhoramentos, 1945





(Nesta foto, não estão todos os membros da comissão que reuniu com o Subsecretário de Estado das Obras Públicas. Apenas reconheço o Manuel da Silva, 1.º à esquerda, o João Prata, 3.º, e o Francisco Matias, 4.º, todos a contar da esquerda. Os da foto serão os que foram apresentar cumprimentos ao Diário de Notícias.)

Notas: 
1. A notícia refere-se a um projeto. Na realidade, a estrada nacional 352 nasce no Castelejo e termina nos Escalos de Baixo. Mas a estrada pedida pelos nossos antepassados foi construída: é a municipal que liga a estrada nacional 18 (no cruzamento da Soalheira, pelo Louriçal, São Vicente...) à estrada nacional que vai de Castelo Branco à Pampilhosa da Serra (na freguesia de Almaceda).
2. Em 1945, a atual estrada 325 já estava aberta até São Vicente. Terá sido nesta altura, talvez devido a estas diligências, que foi aberta a parte que dá a volta pela ponte do Casal da Fraga, dispensando a descida íngreme pelo Lagar "Farrancha".
3. Este recorte de jornal foi-me dado pelo Francisco Matias, filho do sr. Domingos Matias. Trouxe-lho um cliente do Porto.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

São Fiel, o que foi e o que é

Ainda vínhamos longe e já se avistava lá ao fundo, imponente e misterioso, a destoar do resto das habitações ali à roda. Ouvíamos dizer que era uma casa de correção para onde traziam vagabundos e malfeitores de todo o lado. A má fama aumentava-lhe o fascínio e o mistério, mas fazia-nos também tremer de medo, só de imaginar que algum poderia fugir e aparecer-nos à frente, como diz que às vezes acontecia.

Isto passava-se era eu ainda criança e, provavelmente, muito destes medos e fascínios eram fruto da idade e da ignorância, propícia a grandes confusões e fantasias. Mas nem sempre foi assim o Colégio de São Fiel, como ainda hoje lhe ouvimos chamar muitas vezes.

Naquele edifício, construído em meados do século XIX, começou por funcionar um orfanato que se destinava a acolher e educar crianças órfãs, pobres e abandonadas. Era também frequentado por crianças e jovens pobres das redondezas. 

A partir de 1873 passou a funcionar ali o Colégio de São Fiel que, na altura, era um dos estabelecimentos de ensino particular mais prestigiados do país. Estava a cargo da Companhia de Jesus. Os alunos eram os filhos das famílias mais conceituadas e abastadas da região, mas vinham jovens de todo o país para aqui fazerem os seus estudos secundários. Lá estudaram personalidades que se destacaram nas mais variadas áreas da vida do país: Afonso Costa, António Egas Moniz, Robles Monteiro, José Ramos Preto e muitos outros.

Com a implantação da República o Colégio de São Fiel foi extinto e, a partir de 1919, passou a funcionar como reformatório. Destinava-se a acolher e reeducar jovens delinquentes e marginais colocados pelo Tribunal de Menores. Para além da escolarização, os alunos podiam também aprender um ofício que lhes permitisse uma melhor integração social e independência financeira quando deixassem o reformatório.


Desde há mais ou menos duas décadas que o edifício deixou de ter qualquer atividade e, a partir daí, é notória uma degradação acelerada. Parece que todo aquele complexo é pertença do Estado; só isso justifica o estado a que aquilo chegou…







M. L. Ferreira

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Quadros da nossa história

Era uma vez…
Todas as histórias começam assim.
Há muitos, muitos séculos; clima ameno, água pura que brotava das encostas verdejantes; a serra começou a servir de refúgio a muita gente que fugia dos invasores…
Tendo em conta a necessidade de se defenderem constroem num local inexpugnável da serra um castelo.
Durante muitas gerações viveram no alto da montanha apascentando seus rebanhos, vivendo da caça e da pastorícia.
Os vales já não ofereciam perigo, depois de duras guerras entre cristãos e sarracenos; no sítio da Oles travou-se uma grande batalha entre cristãos e mouros; diz a lenda.
Ei-los descendo as encostas serranas e agrestes caminhando para os vales e planícies mais férteis e amenas. Pouco a pouco abandonam o castro “Castelo Velho” A fronteira cristã já se encontrava mais ao sul.
Do velho castelo nada resta; amontoados de pedras, as populações que habitavam aquelas paragens partiram:-uns para o lado nascente, outros para o poente.
Os primeiros certamente por estarem mais expostos a invasões construíram um castelo novo. Os que partiram para a encosta poente nunca construíram outro, ficariam conhecidos por Trans Serre (Trás da Serra).
Uns e outros fazem suas vidas, acessos difíceis, os contactos foram rareando, cresceram duas novas comunidades.
Os moradores de Trás da Serra ao fixarem-se no campo construíram suas cabanas nas vinhas. Naquele lugar encontram-se numerosos vestígios da ocupação humana” pedaços de telhas, talhas, mós…
Talvez não fosse o melhor sítio para se viver “escassez de água, muitas formigas, ou outro motivo”!, abandonaram-no, resolvem habitar um pouco mais acima nas faldas da serra Guardiã onde fundam um novo povoado, muita água, nateiros que bordejam a ribeira.
Foi crescendo o povoado.
A independência nacional estava consolidada, certo dia o povo reuniu no largo principal, depois de muito conversarem decidiram que alguns tinham que ir à capital do reino oferecer a terra ao rei. Ouçamos:

Primeiro homem bom: Vizinhos e familiares, estamos reunidos para debatermos um assunto muito importante para o nosso povo, a independência do reino foi alcançada, alguns de nós têm que ir a Lisboa oferecer a nossa terra a el-rei nosso senhor
Segundo homem bom: Devemos entregar a nossa terra à protecção do nosso rei e senhor D. Afonso Henriques.
Terceiro homem bom: Estou convosco, mas não contem comigo para ir a Lisboa.
Primeiro homem bom: Porque?
Segundo homem bom: Tenho a vinha para colher e as terras para lavrar.
Primeiro homem bom: Alguns terão que ir
Terceiro homem bom: A minha égua anda manca, não me vou meter ao caminho com ela assim.
Primeiro homem bom: Alguém tem que ir.
Todos em uníssono: Podes ir tu, tu, tu…
Primeiro homem bom: Assim aos berros ninguém se entende, vamos às sortes. Eu não me importo de ir, haja quem me acompanhe.
Quarto homem bom: Podes contar comigo, responde o quarto homem bom.
Segundo homem bom: Eu vou.
Primeiro homem bom: Vamos os quatro, de hoje a oito dias, abalamos de madrugada.
Quarto homem bom: Povo de Trás da Serra, no dia quinze de Setembro nós os quatro vamos a Lisboa oferecer a nossa terra a el-rei nosso senhor D. Afonso Henriques.

Narrador: Os dias foram passando, iguais como todos os dias, tirar as cabras do bardo, as ovelhas do redil. Finalmente o grande dia chegou.
Mulher do primeiro homem bom: Meu querido homem, que a jornada te corra bem, que Deus Nosso Senhor te acompanhe, agasalha-te bem à noite, tem cuidado com os salteadores, com os lobos e não te percas. Voltai depressa!
Mulher de outro homem bom: Adeus meu rico homem, faz boa viagem, que Nosso Senhor te cubra com sua sombra.
Um filho: Pai, sua bênção.
Primeiro homem bom: Adeus amigos, adeus a todos…já lá vem a aurora; vamos.

Narrador: Pernoitando aqui, descansando ali, a jornada correu sem grandes sobressaltos, chegaram a Lisboa no dia vinte e cinco de Setembro do ano da graça de 1173. Muita gente a sair de uma igreja, duas alas se vão formando.

Primeiro homem bom: O que é isto que nossos olhos estão vendo, nunca vimos tanta gente.
Terceiro homem bom: Perguntemos àquele ancião. Olhe lá, vossemecê diga-nos o que vem a ser isto.
Ancião: Vossemecês não são de cá, pois não?
Os quatro homens bons: Não senhor.
Ancião: São os restos mortais do mártir São Vicente que estão a ser levados da igreja de Santa Justa para a Sé.
Primeiro homem bom: Quem foi esse santo?
Ancião (pacientemente): Foi um diácono hispânico, natural da cidade de Valência, que os romanos mataram por não ter querido renegar a fé de Cristo Nosso Senhor. É um grande santo, seu corpo foi levado secretamente para o nosso Algarve onde o sepultaram. Por ordem de el-rei D. Afonso Henriques os restos mortais vieram para Lisboa num barco, desde o promontório de Sagres até Lisboa dois corvos acompanharam as santas relíquias, olhem; vinha um à proa e outro à popa.
Segundo homem bom: Muito bem! E quem é aquele?
Ancião: É o nosso rei e senhor D. Afonso Henriques que se dignou acompanhar as venerandas relíquias.
 Primeiro homem bom: Bem haja bom homem. Não podemos perder o rei de vista

Narrador: Findas as cerimónias, os moradores de Trás da Serra dirigem-se ao rei.
Primeiro homem bom: Alteza real, vimos da Beira Serra onde fundámos um povoado, Trás da Serra é o seu nome, vimos oferecer a nossa terra e todos os nossos pertences ao nosso rei e senhor.
Afonso Henriques: Estou grato, aceito a vossa terra, como prova do meu agradecimento e alegria vou-vos oferecer um tesouro, tendes que o guardar para todo o sempre. Acompanhai-me.
Quarto homem bom: Onde nos leva o rei! Vamos entrar na Sé.
Afonso Henriques: Tomai este osso do queixo do mártir São Vicente, guardai-o religiosamente, a partir deste momento a vossa terra deixará de se chamar Trás da Serra e passa a chamar-se São Vicente.
Os quatro homens bons: El-rei nosso senhor, bem- haja
Primeiro homem bom: Majestade, aceitai estes humildes presentes, fruto do nosso trabalho. Isto é um pote de mel, aquele é um odre de azeite, uma canada de vinho, neste alforge estão enchidos das nossas salgadeiras; presuntos, chouriços…
Afonso Henriques: Bem-haja, que Santa Maria Nossa Mãe vos acompanhe de regresso à vossa terra, ao nosso São Vicente

Narrador: Contentes e felizes regressam; o povo recebe-os festivamente no largo principal.
Primeiro homem bom: Trazemos duas grandes notícias de Lisboa. El-rei D. Afonso Henriques com quem tivemos o privilégio de falar ofereceu-nos esta relíquia de um mártir que morreu pela nossa santa fé de nome Vicente, disse-nos para a guardarmos religiosamente na nossa terra. Só nós e Lisboa possuímos relíquias deste santo, aceitou a nossa terra e a partir de agora por vontade sua passa a chamar-se São Vicente. Viva o nosso rei
Todos: Viva… Deus o proteja.

Narrador: A comunidade Vicentina crescia, os dias e as noites sempre iguais; alguns anos mais tarde..
Arauto: Avisam-se todos os vizinhos desta nossa terra de São Vicente que faleceu no passado dia 6 de Dezembro deste ano da graça de 1185 nosso rei e senhor D. Afonso Henriques; sucede-lhe seu filho D. Sancho I. VIVA O REI!

Narrador: D. Afonso Henriques foi o “pai” de São Vicente, D. Sancho seu filho, concedeu-lhe a carta de alforria. Todo o povo reunido no largo escuta atentamente.
Primeiro homem bom: Perante todos vós, quero transmitir-vos o seguinte:-D. Sancho I concede-nos um foral que nos faz a partir deste momento cabeça de um grande território. Começa assim:
Em nome da Santa e Individua Trindade, Padre, Filho e Espirito Santo amem. Eu, rei Afonso filho do rei Sancho juntamente com minha mãe rainha Dulce e ao mesmo tempo com Gonçalo Martins prior de São Jorge e todo o seu convento e com frei João de Albergaria de Poiares queremos restaurar e povoar o lugar de São Vicente
Damos e concedemos o foro e costumes da cidade de Évora a todos, tanto presentes como futuros que lá quiserem habitar…
(Seguem-se todas a regalias e obrigações que cada morador tem)
A terminar, o documento menciona os limites de São Vicente que vão pela ribeira de Almacaneda e segue a corrente até ao fundo do vale do Peral, ao fundo entram em Almacaneda e entra em Rio de Moinhos no Ocresa, depois pela água de Ocaia! Vai até à Portela de São Vicente.
Eu rei Afonso, juntamente com minha mãe rainha dona Dulce, autorizamos e confirmamos esta carta com nossas próprias mãos.
Todo o que quiser rasgar este facto nosso, seja amaldiçoado de Deus. Concedemos a todo o cristão embora servo que habitar durante um ano em São Vicente seja livre e ingénuo.
João Venegas; presbítero, notou.
Eu, rei Sancho de Portugal confirmo. Eu, infante Fernando filho do rei Sancho confirmo. Eu, infanta dona Teresa, confirmo. Eu, Gonçalo Martins, prior de São Jorge e todo o seu convento confirmamos.
Frei João de Albergaria, confirmo
Os moradores de São Vicente não têm poder de vender, nem dar suas herdades enquanto não as sirvam por um ano, depois; vendam ou deam a quem quiserem
João Fernandes, testamenteiro; Mendo Pelágio, testamenteiro; Martinho Fernandes, testamenteiro; D. Julião, testamenteiro; Gonçalo Martins, testamenteiro; Didaco Cavaco, testamenteiro; Pelaio Rutura, testamenteiro; e Fernando Soares, testamenteiro
Feito no dia 22 de Março do ano da graça de 1195
Quem quiser saber tudo mais pormenorizado venha à minha humilde casa que leio e explico.
Todos: Viva São Vicente, viva a nossa vila, viva o nosso rei e senhor D. Sancho!

Narrador: Passavam os séculos, a vila sempre a crescer, tornou-se uma das terras mais importantes das Beiras.
Vigário: Fidalgo, estou velho, os anos passam, quero deixar os meus bens à Albergaria, é uma instituição que cuida dos pobres, dos doentes, dos que nada têm.
Fidalgo: Vossa reverência padre Estevão Anes é quem sabe.
Vigário: Deixarei os meus bens à Albergaria do Santo Espírito. Amanhã, dia 22 de Abril do ano da graça de 1363 chamarei o escrivão à minha casa. Conto com a vossa ajuda.

Narrador: Esta instituição antecede as misericórdias. A primeira vez que a palavra misericórdia é relatada, “até prova em contrário”, menciona que uma senhora casada com um senhor de nome Crespo, faleceu no dia 15 de Dezembro do ano 1572, foi sepultada na igreja da misericórdia. Em 1363 já existia na vila uma  albergaria assistencial.
As misericórdias foram fundadas pela rainha dona Leonor, a primeira a ser criada foi a de Lisboa, no dia 15 de Agosto do ano 1498.

Narrador: Continua o progresso e o engrandecimento da vila. Em Coimbra, no dia 20 de Agosto do ano 1469, D. João, ainda regente, confirma o foral; seu pai D. Afonso V ainda era vivo. Quarenta e três anos depois, D. Manuel l reforma-o em Lisboa, no dia 22 de Novembro do ano 1512

Narrador: Dona Teodósia da Paixão, à saída da missa.
Teodósia da Paixão: Senhor vigário, é meu desejo fundar um convento na nossa terra.
Vigário: Vou enviar uma carta ao senhor bispo a informá-lo.
Dona Teodósia: Dê-me novas o mais rápido que possa.
Um popular: A Dona Teodósia vai fundar um convento na nossa terra.
Outro popular: É uma santa, tem sempre qualquer coisa para dar aos pobres.
Vigário: Senhora, chegaram novas do senhor bispo, ele concede esse privilégio à nossa terra.
Dona Teodósia: Deus ouviu minhas preces. Obrigado, meu Deus!
Narrador: Dona Teodósia da Paixão foi a fundadora e a primeira abadessa do convento de monjas clarissas de São Vicente da Beira. Do velho mosteiro nada resta; desculpem: escapou um pórtico à voragem dos homens.

Narrador: Os tempos passam, a certa altura em São Vicente surge mais um momento histórico
Anónimo popular: Senhor D. António, para onde vai com tanta pressa!
D. António: Quarenta bravos e valentes conjurados colocaram novamente rei português no trono de Portugal, mataram o traidor Miguel de Vasconcelos e obrigaram a duquesa de Mântua a deixar Portugal.
Anónimo popular: Vou tocar os sinos, senhor D. António de Azevedo.
D. António: Vai, toca-os com todas as tuas forças, este dia é de festa, de alegria e de esperança no futuro.
Populares: Que se passa! Os sinos não param de tocar, vamos à praça.
D. António: Vicentinos, vizinhos, amigos; o poder dos Filipes terminou, sessenta longos anos de obscurantismo acabaram, temos novamente rei português. Viva nosso rei e senhor D. João IV. Uma conspiração havida em Lisboa no dia 1 de Dezembro deste ano da graça de 1640, quarenta patriotas derrubaram o rei estrangeiro. Viva Portugal, viva o rei. Deixem-me partir, vou à vila de Castelo Branco aclamar o nosso rei.
Anónimo popular: Este senhor D. António de Azevedo Pimentel é um grande vicentino.

Narrador: Foi o primeiro a levantar voz a favor do rei português nas vilas de Castelo Branco e São Vicente. O tempo sempre velho e sempre novo passava, a pacatez da vila foi mais uma vez alterada.
Criado: Senhor comendador, uma carta de el-rei.
D. João: Deixa-me ver, era o que eu esperava, nosso rei D. Afonso VI concede-me o título de conde de São Vicente. Eu, João Nunes da Cunha, a partir desta data 2 de Abril do ano da graça 1666 sou o primeiro conde de São Vicente.
Narrador: Algum tempo depois recebe outra mensagem.
Isabel de Borbon: Senhor, que diz essa carta?
D. João: Sua alteza real quer que vá para a Índia ocupar o lugar de vice-rei.
Narrador: Nesse mesmo ano embarcou para a Índia, foi o trigésimo vice-rei. Faleceu na Índia no mês de Outubro do ano 1668. Dona Maria Caetana Vilhena e Cunha, sua filha, foi a segunda condessa, casou com o senhor D. Miguel Carlos de Távora que, pelo casamento, passou a ser o segundo conde de São Vicente.

Primeiro popular: Os sinos estão a dobrar, vou à praça ver o que se passa, se calhar morreu o senhor padre José, tem estado muito mal.
Segundo popular: Oh Maria, os sinos estão a dobrar há tanto tempo, o que é que se passa?
Maria: Vossemecê não sabe! Foi o senhor padre José Estevão Cabral que morreu.
Narrador: Foi um sábio, nasceu em Tinalhas no dia 22 de Fevereiro do ano da graça de 1734, aos catorze anos partiu para Coimbra para estudar no colégio dos jesuítas. O marquês de Pombal extinguiu a ordem em Portugal. Seu pai, abastado lavrador, foi a Coimbra convencê-lo a vir para Tinalhas, mas ele não aceitou e partiu para Roma.
O papa Clemente IV nomeou-o mestre do colégio romano. Trinta anos depois regressa a Lisboa. Grande conhecedor da hidráulica, a rainha Dona Maria I encarrega-o de estudar os rios Tejo e Mondego. Publicou vários livros sobre essa matéria. Hoje, dia 1 de Fevereiro de 1811, expirou um homem notável do nosso concelho.
Viveu os últimos anos da sua vida em São Vicente da Beira
Terceiro popular: Além vai o cortejo fúnebre a caminho da sua terra natal, que Deus o tenha em bom lugar.
Tanta gente a acompanhá-lo!

Padre Simão: Afilhado, estou velho e alquebrado, tenho pensado seriamente naquilo que hei de fazer à fortuna que possuo. Gostaria de fazer alguma coisa pela nossa terra, que achas? Uma obra social?
Padre José: Padrinho, a sua ideia é boa, mas o Sobral é uma terra tão pequena, porque não construir em São Vicente? Tem um passado histórico riquíssimo, é sede do concelho, localiza-se num lugar central, ao passo que o Sobral está numa ponta…
Padre Simão: Tens razão, afilhado; São Vicente está bem localizado, a nossa terra fica perto, vou pensar na tua ideia.
Narrador: O padre José Davide dos Reis foi um grande professor e um grande amigo de São Vicente. Provedor da Santa Casa, foi ele o mentor e o principal responsável para que o padre Simão Duarte do Rosário deixasse a sua fortuna à Santa Casa. Com a sua fortuna, construiu-se o grande hospital que ficaria a servir todas as freguesias vizinhas, vontade sua.
Padre Simão: Afilhado, tens razão, será na vila que irei construir o hospital. Fique desde já assente, servirá a vila, o Sobral, Louriçal, Ninho do Açor, Tinalhas, Almaceda…
Padre José: A sua vontade será feita.
Narrador: Em 1894, nascia um grande edifício, o hospital da misericórdia de São Vicente da Beira. Possuía bastantes bens, com o advento da república a maior parte do seu património foi confiscado. Tinha propriedades no Ninho do Açor, Lardosa, São Vicente… Começou a sobreviver de donativos, cortejos de oferendas.
Outro grande benemérito, foi o doutor Silva Lemos, natural da cidade do Porto, deixou todo o seu património ao hospital. Com o seu dinheiro construíram-se as casas do bairro.
Em 1952 realizou-se um grande cortejo de oferendas. Nessa altura o poeta popular senhor José Lourenço editou um pequeno livro de versos onde narra toda a história do cortejo.
(…)
Deram os comerciantes
-Que em seus carros bem se via-
Muita coisa proveitosa
Roupas e mercearia!

Lá vinham os nossos ranchos
Todos tão bem ensaiados
Que nos deixaram absortos
-Completamente encantados

Lá vinha o Mestre Ventura
Na bigorna a martelar
Co`seu porta voz fingido
E o seu fole a trabalhar

Chegaram os lavradores
Com tantos produtos seus
-Tão úteis e variados
Que eram um louvar a Deus!

O do Ninho do Açor
Foi o que primeiramente
Deu entrada no cortejo
Co`seu carro de semente

Vinham os carros das Quintas
Todos bem apetrechados
-Neles as donas de casa
Bem mostraram seus cuidados

Viu-se o carro dos Pereiros
A correr por ali fora
Ia ficando p `ra traz
Por vir à última hora!
(…)

A Santa Casa chegou a ter 75 propriedades.

Com a queda dos morgadios, o apoio a D. Miguel na guerra entre absolutistas e liberais, começou a decadência da vila.
Era composto este antigo concelho pelas freguesias de Sobral do Campo, Louriçal do Campo, Ninho do Açor, Freixial do Campo, Tinalhas, Povoa Rio de Moinhos ”justiça”. Com a queda do concelho de Sarzedas, Almaceda passou para o concelho de São Vicente
A partir do terceiro quartel do século dezanove, o concelho começou a esboroar-se até à queda final que aconteceu em 1895.
Atualmente, todas a freguesias deste antigo concelho pertencem ao grande concelho de Castelo Branco.
E depois! Morreram as vacas, ficaram os bois


J.M.S

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Vir às Festas

É madrugada, o sol ainda não nasceu e saímos de casa. Temos uma longa viagem pela frente até São Vicente da Beira para umas merecidas férias em família. Ele leva a filha ao colo que ainda só conta um aninho, mais a mala de viagem com roupa para quatro. Eu levo o bebé, com três meses, na alcofinha. Vai pela primeira vez conhecer as terras dos avós.
Após uma hora de autocarro, chegamos à estação de Sta. Apolónia. O tempo urgia, grande azáfama de gente com a sua bagagem passando apressadamente de um lado para o outro ao som do ruído dos comboios.
Diz-me ele:
- Vai andando para o comboio que eu vou comprar os bilhetes.
Eu assim fiz. Arranjei um lugar confortável e pus-me à janela à espera, ansiosa que ele chegasse com a nossa menina que parecia, como me disseram na maternidade, um “repolhinho”.
Passado um pouco, ele chega ao cais esbaforido. O comboio está prestes a partir. Olho pela janela e começo a acenar: “Estou aqui!”
Ele olha com algum espanto e exclama:
- Não vês que essa carruagem é de primeira classe? Passa para a carruagem ao lado!
“Primeira classe?”, pensei, admirada. Eu, que nunca concordei com estas divisões entre classes, não tinha sequer reparado e entrei na primeira porta que me pareceu melhor.
Assim, vendo-o a reclamar, decidi “É melhor ir para ao pé dele…”
Peguei na alcofa e lá fui apressada. Como as portas das carruagens eram ao lado uma da outra, eu desço da minha e num saltinho me ponho na outra, pensei.
Desci para o cais e neste preciso instante senti o comboio a começar a andar, mas esperei um momento… “Não é seguro com o bebé subir assim… o maquinista certamente vai ver que eu estou para subir e vai esperar…”. Hesitei, mas o comboio começou a andar cada vez mais rápido… fiquei atónita a ver as carruagens a deslizarem à minha frente. “Não pode ser! Isto não me está a acontecer!”
Mas estava, e lá fiquei eu no cais da estação, vazio e imenso, a olhar para o comboio cada vez mais pequenino a desaparecer ao longe, levando os meus mais que tudo… e eu só, com o meu bebé.
Caí em mim e pensei em voltar para casa. Mas não tinha um centavo, ele é que levava a carteira (eu não precisava). Tinha que pedir ajuda, não havia outra hipótese.
No comboio, ele tinha instalado a filha confortavelmente no assento e arrumado a mala. Decidiu então, dada a demora, ir ter comigo e lá passou pela ligação das carruagens. Quando chegou ao local onde eu supostamente deveria estar e não nos viu, perguntou às pessoas que ali se encontravam:
- Não viram aqui uma senhora com um bebé?
Ao que estas lhe responderam:
- Vimos sim, mas a sua mulher ficou na estação…
- O quê?
- Sim, ela saiu do comboio e ficou na estação. – confirmaram os passageiros. Ele não queria acreditar!
Dirigi-me às bilheteiras onde estava um funcionário e começo a contar-lhe a minha história: que o meu marido seguiu no comboio com a minha filha e eu fiquei em terra com o bebé e não tenho dinheiro para voltar para casa ou comprar outro bilhete. As lágrimas começaram a correr-me pela cara e a soluçar, completamente desesperada.
O senhor sorriu e disse-me para me acalmar que tudo se iria resolver. Fez um telefonema e depois disse:
- Você irá no comboio regional que para em todas as estações, até Santarém, onde estará o seu marido à sua espera.
Ouvindo isto, o meu coração sossegou. Instalei-me mais tarde no comboio onde o senhor me levou, sentei-me e amamentei o bebé que depois destas horas todas já reclamava e com razão.
Comentei a minha história com os outros passageiros que estranharam ver uma mãe tão jovem assim sozinha com um bebé. Uma senhora ao lado perguntou:
- Então e a senhora não podia ir para casa?
Expliquei-lhe que não, pois ele é que levava os bilhetes e o dinheiro.
- Ora veja lá vossemecê! – respondeu muito admirada. Não sei o que ela terá pensado…
Um senhor insistiu em dar-me dinheiro “para desenrascar”, mas disse-lhe que não era preciso, pois o meu marido estaria à minha espera na estação de Santarém.
Ao fim de um longo tempo de viajem, chegámos a Santarém. Senti-me aliviada, mas com algum receio… Imagino-o zangado e ainda levo um raspanete.
Aproximo-me da porta e lá vem ele com a menina e a mala. Ao ver-me, sorri e diz-me:
-Até que em fim, mulher, que já te encontrei!
E lá seguimos viagem até ao Entroncamento, onde esperámos mais algum tempo pelo comboio seguinte, numa sala cheia de gente e com muito calor. Chegámos só à tardinha a Castelo Branco. Depois ainda fizemos mais uma longa viagem até São Vicente da Beira.
Era assim naquele tempo, em que ainda nem todos tinham carro e não havia telemóveis, que se viviam as histórias que ficam para mais tarde contar e recordar.

Tina Teodoro

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Jerónimo, o viking


Ator português segue as pisadas de Daniela Ruah e Diogo Morgado e integra elenco da quinta temporada da série 'Vikings'. Albano Jerónimo já gravou os três episódios, que serão exibidos no próximo ano nos EUA
Vikings, coprodução irlandesa e canadiana, conta com um português na quinta temporada, que deverá estrear-se no início de 2017 nos Estados Unidos. Albano Jerónimo já gravou os três episódios da série histórica, protagonizada por Travis Fimmel.
O ator português de 37 anos conseguiu o papel através do programa Passaporte, promovido pela Academia Portuguesa de Cinema. Albano Jerónimo, que está atualmente no ar na novela da TVI Santa Bárbara, foi escolhido para participar em três episódios da aclamada série de ficção, produzida pelo canal História, e que é exibida em Portugal no canal MOV.
A primeira metade da quarta temporada de Vikings foi exibida este ano nos Estados Unidos, estando previsto que os restantes episódios estreiem antes do fim do ano. Em Portugal, a terceira temporada da série inspirada na mitologia nórdica foi exibida no final do ano passado no canal MOV, não estando ainda prevista uma data de estreia para a quarta temporada.

Diário de Notícias online
José Teodoro Prata

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O nosso falar: correduras

É uma palavra de antigamente, do direito costumeiro (consuetudinário).
Tem a ver com as regas, através de levadas. Abriam-se as presas ou as minas e a levada enchia-se de água que galgava a distância até ao renovo sequioso. Depois a presa ou a mina esvaziava-se e a água enfraquecia na levada e a que chegava às hortas já não corria na terra, não dava para regar. A esta água que ainda corre na levada, mas já é tão pouca que ao chegar ao terreno agrícola não dá para regar chamávamos correduras. Eram as rabeiras que ficavam na levada.
E o direito consuetudinário é que qualquer pessoa tinha direito a cortar estas correduras para uma terra ou represa que tivesse junto à levada. Isto nas regueiras ou levadas de muitos metros e até quilómetros, que atravessavam propriedades de outros donos que não o daquela água, como as que tínhamos nas encostas da Gardunha. Agora, só tubos de plástico ou já nem isso.
Segundo a minha mãe, as hortas entre os Carquejais e o Pinheiro eram regadas com as correduras da regadia do Ribeiro de Dom Bento, armazenadas numa presa que lá havia. Isto antes da regadia ter sido canalizada para o tanque que fizeram nos Carquejais, nos anos 70.

José Teodoro Prata

domingo, 11 de setembro de 2016

Como se fazia um nobre

Aprendemos na escola que os nossos reis fundadores conquistaram o centro e sul aos mouros e depois doavam as terras a quem se distinguia no campo de batalha. Muitos pequenos nobres do norte tornaram-se assim grandes possuidores de terras e por consequência ricos e poderosos e por consequência ocuparam importantes cargos e por consequência ascenderam à média ou alta nobreza.
Alguns vilãos tornaram-se nobres, pois conseguiram tornar-se médios/grandes proprietários e por isso tornaram-se homens-bons, a elite dos concelhos. E como, na crise de 1383-85, souberam escolher o lado certo da História e lutar, em Aljubarrota, ao lado do Mestre de Avis, receberam de D. João I títulos de nobreza.
Havia outras formas de uma pessoa se tornar importante, mas quase todas passavam pela posse da terra, pois ter propriedades era ter poder sobre os vilãos que ali viviam, fazendo-lhes justiça, protegendo-os e comandando-os na guerra e cobrando-lhes impostos, tudo em nome do rei.
E foi assim ao longo dos tempos.
Peço-vos que leiam o documento que se segue e no final voltamos a conversar.


Em os dezoito dias do mês de agosto da era de mil setecentos e quarenta anos, faleceu da vida presente com todos os sacramentos, o padre Domingos Dias Martins deste lugar de Tinalhas, e fez testamento…
…Mais disse ele testador que deixava como seu testamenteiro e universal herdeiro o seu sobrinho e afilhado, o Alferes Theodoro Faustino Dias e por seu trabalho lhe instituía um morgado ou capela nas peças seguintes:

- Primeiramente umas casas que tem defronte da Igreja neste dito lugar com todos os seus quintais e serventias que lhe pertencem, que partem de uma banda com casas de Manoel Duarte Vincente deste dito lugar, e com estrada do concelho.
- Mais um lagar de vinho que está detrás das ditas casas que foi de Manoel Vas Duarte.
- Mais uma quinta que está aonde chamam o Ribeiro detrás da capela do Divino Espírito Santo, com sua casa e o mais que lhe pertence, que parte com herdeiros de Maria Agostinha e com estrada do concelho.
- Mais uma terra ao Ocreza, aonde chamam as Casas do Leitão, limite de São Vicente, que parte com a mesma Ocreza e com terra de Jorge Lourenço deste dito lugar.
- Mais uma terra com seu olival aonde chamam Vale Coelheiro, limite do lugar da Póvoa, que parte com herdeiros de Maria Agostinha deste dito lugar.
- Mais uma vinha aonde chamam o Vale do Feixe, limite deste dito lugar, e duas terras junto à mesma vinha, uma da parte do poente e outra da parte do nascente, com tudo o que lhe pertence; e vinha e terras que partem com Matheus Fernandes da Póvoa e com Manoel Simão do Cabo deste lugar.
- Mais uma tapada junto à mesma vinha, a qual foi de Domingos Dias de Amaral, a qual tapada anda em litígio no tribunal (…), a qual parte com Manoel Affonço Delgado e com herdeiros de Domingos Fernandes Ratto, ambos deste lugar.
- Mais uma terra ao Vale do Monte, limite do lugar da Póvoa, testa com herdeiros de Maria Gomes deste lugar.

Este Teodoro Faustino Dias estava casado com Maria Cabral de Pina do Violeiro, irmã dos Cabral de Pina que viviam em São Vicente (3 padres e 2 irmãs solteiras). A mulher morreu-lhe cedo, assim como 2 dos 4 filhos, e ele tornou-se sacerdote. Dos dois filhos, o rapaz foi jesuíta. A filha Eusébia casou bem, a neta Joana ainda melhor, de forma que o bisneto José (o da foto do fundo da publicação anterior) se tornou fidalgo e o rei D. Luís o fez visconde.
Porquê? Porque este José seria pessoa de qualidade, mas sobretudo porque os seus antepassados, através de uma inteligente política de casamentos, tinham acumulado uma grande soma de propriedades que o tornaram rico e importante.
E porquê Visconde de Tinalhas, se as propriedades se espalhavam por toda a região (Violeiro, São Vicente, Soalheira...)? Porque ali tinha residência (entre várias) e sobretudo ali se situava o morgado que o Pe. Domingos Dias Martins instituíra ao sobrinho Teodoro Faustino Dias, o núcleo duro da riqueza desta família.
É que estas terras do morgado não se podiam doar, nem dividir, e tinham de ser herdadas pelo filho mais velho macho e só não havendo machos é que herdava a fêmea mais velha. E o herdeiro tinha de casar com alguém aceite pelos pais e ser de boa raça (não podia ser judeu/cristão-novo).
E porquê chamar-se também capela a este conjunto de propriedades? Porque quem herdasse o morgado tinha a obrigação anual e perpétua de mandar rezar 6 missas por alma do instituidor e de seus parentes.
Era assim, naquele tempo...

Nota: Reparem que o solar do 1.º visconde de Tinalhas se situava (situa ainda, embora já degradado - é o solar da notícia anterior) no sítio de umas casas que o seu bisavô Teodoro Faustino Dias herdou do Pe. Domingos Dias Martins.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Praças

Numa discussão entre uma sanvicentina e uma tinalhense, cada qual defendia com unhas e dentes os pergaminhos do respetivo berço. Uma porque São Vicente até tinha tido a Casa da Câmara; a outra porque sim senhora, mas também lá tinham tido a Casa da Malta. A de cá porque não havia como a Senhora da Orada; a outra porque havia lá santa mais linda que a Rainha Santa Isabel! E casas antigas? E gente importante? E histórias? Um nunca mais acabar, dum lado e do outro.
Ao fim de algum tempo, a nossa baixou um pouco o fervor com que defendia São Vicente, até porque, em boa verdade, reconhecia em Tinalhas uma das aldeias mais bonitas das redondezas.
- Mas não têm é uma Praça tão linda como a nossa! – foi o último argumento da de cá.
- E onde é que os de São Vicente alguma vez tiveram uma praça como a que nós cá tínhamos antigamente? Olhe, vendia-se lá de tudo: hortaliças e frutas de toda a qualidade; carne, vinho, azeite, leite de cabra e de vaca, que até nos perguntavam logo de qual é que queríamos; queijos frescos e curados… Neste tempo as melancias eram tão grandes que era preciso os braços de um homem para as abraçar. Era uma fartura de tudo! Vinha gente de todo o lado a abastecer-se e todos os dias ia uma carroça cheia a vender na praça de Castelo Branco.
Era além, onde está aquele portão grande. É uma pena é agora estar naquele estado, mas o que é que se há de fazer? Naquele tempo dava trabalho a muita gente. Entre pastores, criados de fora e de dentro, pessoal que vinha só no tempo da azeitona, da monda ou das ceifas, era uma tormenta de gente. Mas agora já ninguém quer saber da terra e está tudo ao abandono…




Painéis de azulejos que ladeiam o portão da Casa Agrícola de Tinalhas. Verdadeiros os dizeres do segundo painel e, não fosse a imagem da criança a guiar a charrua e a miséria em que viviam os trabalhadores agrícolas, apesar de trabalharem como escravos, até apetecia dizer que naquele tempo é que era…


Retrato do 1.º Visconde de Tinalhas, José Coutinho Barriga da Silveira Castro da Câmara, pai de Tomás Aquino Coutinho Barriga da Silveira Castro e Câmara, que foi presidente da Câmara de São Vicente da Beira e protagonista da história “Um herdeiro”, aqui publicada em dezembro passado.


M. L. Ferreira

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Curiosidades históricas

Pedro era o único filho varão de D. João de Almeida Portugal, 2.º Marquês de Alorna.
Pedro José de Almeida Portugal, 3.º Marquês de Alorna, descendente dos Távoras, casou em Lisboa, na Encarnação, em 19-02-1782, com Henriqueta Julia Gabriela da Cunha (1787-1829), filha mais velha do 6.º Conde de São Vicente da Beira, Manuel José Carlos da Cunha e Távora e de Luísa Caetana de Lorena.

É tradição que, quando as tropas de Junot estavam à entrada da subida da serra, o povo de S. Vicente dirigiu-se em massa à Igreja da Misericórdia, fazendo preces para que as tropas invasoras não entrassem. Ao mesmo tempo a imagem do Senhor cobria-se de suores e um nevoeiro cerrado impediu a entrada do exército francês. Então, cheio de reconhecimento e veneração, o povo prometeu fazer uma festa ao Senhor Santo Cristo, que reúne povo de todas as aldeias circunvizinhas. E à noite, no arraial, nenhuma rapariga de S. Vicente dança, porque a Igreja lho proibe, e assim tirava todo o carácter religioso à festa.
VASCONCELLOS, J. Leite, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 , p. 721

Jaime Gama

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O nosso falar: restolhada

O restolho sabemos o que é: parte inferior dos cereais que fica depois da ceifa.
Restolhada pode ter um sentido coletivo, pois designa o conjunto de todo o restolho. Também se refere às espigas que caem e ficam no meio do restolho. Mais habitualmente, designa um barulho idêntico a passos a atravessar uma seara ou o restolho.
Um dia ao fim da tarde, parti para o Alentejo com o meu cunhado Joaquim Teodoro. Íamos carregar um camião de fardos de palha.
Chegámos ao campo já de noite, comemos qualquer coisa e estendemo-nos em cima de uma manta, junto ao tronco de uma azinheira, à espera da claridade do amanhecer.
Esse é um outro significado de restolhada: conjunto de pessoas a dormir no chão. O termo terá tido origem nas ceifas, pois era assim que se dormia nos campos. Por outro lado, dormir no campo, no chão, em cima de umas mantas, era habitual nos nossos antigos, desde que o tempo estivesse seco. E com um pouco de palha por baixo ficava melhor. Também nas festas familiares, vinham parentes de longe e era necessário acomodá-los. Então estendiam-se umas mantas no chão de sobrado ou até no térreo da loja e por umas noites desenrascava. Era uma restolhada de gente!

José Teodoro Prata

sábado, 3 de setembro de 2016

Por metade do preço

            O inverno tinha sido duro naquele ano, muita chuva e neve; havia trabalho, mas o tempo… Os homens passavam-no na taberna; jogavam às cartas, ao nôcho, ao burro e a emborcar copos de vinho. O pouco dinheiro que havia, uma boa parte ficava na taberna do Fecisco Ourico ou do Marcelino.
            A nuvem estava a ficar lisa, o vento calado que nem um rato, não estava capaz de se fazer fosse o que fosse; acomodar o vivo; a lenha era fraca, estevas verdes, os pinhais estavam exauridos; tocos, chamiços, tanganhos ou tangãos. Tudo tinha sido aproveitado pelas pessoas, ai de quem cortasse um pinheiro; se o dono soubesse pagava-o bem pago, mesmo assim os mais afoitos aventuravam-se furtivamente durante a noite
            A neve começou a cair, as vidraças da janela aos poucos foram ficando pintalgadas do branco imaculado, não tardou muito os campos em redor das casas estavam cobertos da alva e branca neve, frio de rachar, as estevas enchiam a cozinha de fumo que saía pelo telhado de telha vã, uma rafada de vento assobiava, com um temporal destes ninguém se aventurava a andar na rua.
            Toda a família estava reunida em volta da fogueira, pai, mãe, filhos e sogra.
            A panela de ferro fumegava, de vez em quando a mãe destapava-a, mexia o caldo com a colher de pau e provava. As couves engroladas precisavam de levar mais sal.
            Lá fora a neve continuava a cair, o brasido das estevas tornava aquele espaço acolhedor.
            A mãe levantou-se dirigiu-se à cantareira, tirou os pratos de esmalte e foi-os enchendo de caldo.
            A família tinha terminado a refeição, o pai já com um grãozito na asa, voltando-se para os filhos disse:
            - Ó filhos, a vossa mãe já anda outra vez cheia.
            A sogra, que estava sentada num canto embrulhada no xaile preto e um rafado lenço na cabeça, respondeu:-
            - Não, não há de estar cheia, comeu agora dois pratos de caldo…
            Os dias começaram a melhorar, o verão ia a meio, naquela humilde casa a mulher dava mais uma vez à luz, um bonito rapaz.
            Chegou a altura de o baptizar. O pai da criança quando terminou a missa do dia foi falar com o padre Tomaz para marcarem a data da cerimónia.
            No dia e hora marcada, a família espera pelo senhor vigário ao fundo da igreja, que estava sentado na sacristia. Inesperadamente aparece o pai do menino e disse:
            - Senho Vegário; a criança já está ao fundo da igreja, quando quiser…
            - Olha: são quarenta mil rés.
            - Mau, mau; só cá tenho vinte escudos.
            - Não quero saber, são quarenta mil réis…
            - Quer os vinte escudos ou não? Olhe que a taberna da viúva não está longe!
            - Dá cá os vinte escudos, vamos lá baptizar a criança.


J.M.S.